REINCIDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
Sumário

São pressupostos formais da reincidência, para além da prática de um crime, “por si só ou sob qualquer forma de participação”:
- ser o novo crime cometido um crime doloso;
- dever ser este novo crime (sem a incidência da reincidência) punido com pena de prisão efetiva superior a 6 meses;
- que o arguido tenha antes sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efectiva superior a 6 meses, por outro crime doloso;
- que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos (este prazo suspende-se durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coacção, de pena ou de medida de segurança).
Para além desses pressupostos formais, a verificação da reincidência exige ainda um pressuposto material: que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
O requisito material implica que a reincidência não opera como mero efeito automático das anteriores condenações, antes sendo necessário que a conduta do agente revele que as anteriores condenações não foram aptas à interiorização do desvalor da conduta e a uma eficácia dissuasora da prática de novos crimes. Com isto fica afastada uma concepção puramente fáctica da reincidência, que a faça resultar imediatamente da verificação de certos pressupostos formais, sendo necessária uma avaliação judicial concreta, que afaste a simples pluriocasionalidade .
A punição agravada da reincidência – aplicada ao agente que cometeu o crime depois de condenado anteriormente por outros da mesma espécie (reincidência específica, própria ou homótropa) ou de espécie diferente (reincidência genérica, imprópria ou polítropa) – encontra justificação no maior grau de culpa, decorrente da circunstância de, apesar de já ter sido condenado, insistir em cometer o crime e em desrespeitar a ordem jurídica, bem como na maior perigosidade revelada, face à indiferença perante a solene advertência da condenação anterior revelada pela persistência em delinquir.

Texto Integral

Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
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I – RELATÓRIO

1. No âmbito do processo nº 1337/22.3PALGS, o arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi submetido a julgamento em processo comum, perante Tribunal coletivo, após acusação do Ministério Público, que lhe imputou a prática, em autoria material, em concurso real e efetivo, e a punir como reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, com referência às respetivas Tabelas Anexas I-A e I-B, e de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nrs. 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de janeiro.

2. Após reenvio para novo julgamento, por acórdão de 15 de julho de 2024, foi decidido:

“Em face de tudo quanto acima ficou exposto, acordam os juízes que compõem o Tribunal Colectivo em:

1) Absolver o arguido AA da prática, em autoria material, sob a forma consumada, de 1 (um) crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do D.L. n.º 2/98, de 3 de Janeiro;

2) Declarar o arguido AA reincidente.

3) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às Tabelas I-A e I-B, do mesmo diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão;

4) Condenar o arguido AA na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 10 (dez) anos.

5) Condenar o arguido AA no pagamento das custas criminais, com taxa de justiça que se fixa em 2,5 (duas e meia) UC’s (unidades de conta), incluindo os encargos legais

6) Declarar a perda a favor do Estado do produto estupefaciente apreendido e ordenar a sua destruição – cfr. artigos 35.º, n.º 2 e 62.º, nº. 6, do DL 15/93, de 22 de Janeiro;

7) Declarar perdidos a favor do Estado as quantias monetárias e os seguintes objectos apreendidos, devendo estes ser destruídos (cfr. artigos 36.º e 39.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro):

i. Telemóvel marca …, modelo …

ii. Telemóvel marca …, modelo …

iii. Liquidificador

iv. Fita adesiva

8) Declarar a perda a favor do Estado do veículo automóvel de marca …, com a matrícula ….

9) Ordenar a recolha de amostra de ADN ao arguido, nos termos do artigo 8.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2008, de 12/02.

***

X – DO ESTATUTO COACTIVO:

O arguido encontra-se sujeito à medida de coacção de prisão preventiva desde 19/10/2022, após sujeição a 1.º interrogatório judicial de arguido detido.

A medida de coacção vem sendo revista, e mantida, por decisões proferidas em 12/01/2023, 04/04/2023, 19/04/2023, 10/07/2023 e 04/10/2023.

A condenação pela prática do ilícito – tráfico de estupefacientes – que, também, determinou a sujeição do arguido à medida de coacção mais gravosa, cuja tipificação se vem mantendo desde então, não permite considerar atenuadas as exigências cautelares que estiveram na base da sua aplicação. Pelo contrário, não só os autos assumem maior estabilização quanto à indiciação que regia o estatuto coactivo como as exigências cautelares, mormente no que concerne ao perigo de fuga, surgem acentuadas, dada a iminência de novo período de reclusão.

Com estes fundamentos, e por certo que as medidas de coacção estão sujeitas à condição rebus sic stantibus, concluiu-se dever ser mantido o mesmo estatuto coactivo ao arguido, que apenas corresponderá às exigências cautelares com a medida de coacção mais gravosa, de prisão preventiva.

Em face do exposto, e por consonante com os princípios da legalidade, da adequação e da proporcionalidade, determina-se que o arguido AA continue a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 191.º, 192.º, 193.º, 202.º, nº 1, alíneas a) e b), por referência ao artigo 1.º, alínea m), 204.º, alíneas a) e c), 212.º a contrario e 213.º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Processo Penal.

Por virtude do acórdão condenatório proferido, o prazo de duração máxima da medida de prisão preventiva é, agora, de 2 anos - cfr. artigo 215.º, n.º 1, alínea d) n.º 2 do C.P.P..

Notifique, sendo o arguido de harmonia com o disposto no art.º 114.º do Código de Processo Penal.

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Prazo máximo de duração da medida de coacção: 19.10.2024.

Anote a informação na capa e insira informaticamente.

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Notifique e proceda ao depósito do acórdão - cfr. artigo 372.º, n.º 5, do Código de Processo Penal.

Comunique ao Processo n.º 167/11.2…, do TEP de ….

Comunique ao Processo n.º 994/11.0… - Juízo Central Criminal de … – Juiz ….

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Após trânsito:

- remeta boletins ao registo criminal – cfr. artigo 6.º, alínea a), da Lei 37/2015, de 5 de Maio.

- Oficie à P.J., Laboratório de Polícia Científica, com vista à recolha de amostra de ADN ao arguido para inserção na base de dados, ex vi artigo 8.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2008, de 12/02, caso a tanto ainda não se tenha procedido.

- Dê cumprimento ao disposto no artigo 64.º, n.º 2, do DL 15/93 de 22 de Janeiro.”.

3. Inconformado com tal decisão final, dela interpôs recurso o arguido, pedindo a sua absolvição “da agravante da reincidência, e condenando-se na pena de 5 anos de prisão.”.

Extraiu o recorrente da sua motivação de recurso as seguintes conclusões:

“1. A agravação da pena a 6 anos de prisão em que fora condenado pelo Tribunal de primeira instância, ficou a dever-se, determinantemente, pela julgada REINCIDÊNCIA atribuída ao ora recorrente.

2. Todavia, ensinam os nossos mestres e especialmente a nossa melhor jurisprudência que a REINCIDÊNCIA não é uma figura de actuação AUTOMÁTICA, com base no preenchimento de apenas parte dos seus pressupostos, consubstanciados na mera matemática dos prazos.

3. Não basta, pois, a contabilização do tempo decorrido entre a sua libertação da prisão à ordem de processo anterior e a data dos novos factos – nº 2 do artº 75º do C.P.

4. Não basta que o agente tenha cometido um crime doloso a seguir a outro crime doloso, nas circunstâncias acima referidas, embora tal constitua um pressuposto necessário: é ainda necessário que o agente deva ser censurado por as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

5. Aliás, a comprovar o acima expendido verificamos que não resulta sequer da matéria de facto dada como provada, qualquer menção à necessária censura devido às anteriores condenações não terem servido a suficiente advertência para a prática dos novos crimes. Aquela expressão é parte do pressuposto material exigido no nº 1 do artigo 75° do Código Penal, contém matéria de direito.

6. Torna-se ainda necessário demonstrar fundamentalmente se, “in casu”, o agente deva ser censurado por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime – nº 1 do artº 75 do C.P.

7. Uma vez inatendível as exigencias legais verificamos que a factual idade apurada não consente, de "per si" a conclusão pela verificação da reincidência.

8. Ora, “in casu”, nos Acordãos anteriores, não aparecem descritos factos sobre a personalidade do recorrente, circunstancialismos da vivência no tempo que decorreu após a saída em liberdade, situação laboral, familiar, inserção na comunidade em que reside, esforço que terá ou não demonstrado na escolha de um caminho pautado pela normalidade.

9. Assim sendo, por não existir nos Acordãos anteriores qualquer referência fundamentada sobre a reincidência não pode o recorrente ser condenado por reincidente.

10. O agora aditado ponto 34. da matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido é uma conclusão e não um facto per si.

11. Pelo exposto deverá o recorrente ser absolvido da agravante da reincidência, condenando-se assim na pena única de 5 anos de prisão.”.

4. Também BB, na qualidade de proprietária registada do veículo …, declarado perdido a favor do Estado, veio interpor recurso do acórdão proferido em 15 de julho de 2024, pedindo a revogação da decisão na parte que decretou tal perdimento e, outrossim, a entrega do referido automóvel à recorrente.

Extraiu a recorrente da sua motivação de recurso as seguintes conclusões:

“1. Ao contrário do regime geral previsto no artigo 109º, nº 1, do Código Penal, para que possa declarar-se perdido a favor do Estado qualquer objecto ao abrigo do disposto no artigo 35º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22.01, basta que tais objectos tivessem servido ou estivessem destinados a servir para a prática das infracções previstas naquele diploma, não sendo necessário que os mesmos ofereçam sério risco de serem utilizados para o cometimento de novos crimes.

2. Independentemente disso, a declaração de perda de objetos utilizados na prática do crime de tráfico de estupefacientes não é automática, estando sujeita a critérios de causalidade e proporcionalidade.” – Ac. RP, de 27-2-2019, proc. 7775/13.5TAVNG- I.P1, in www.dgsi.pt.

3. Estabelece o nº 1 do citado artigo 35º que «São declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infração prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos».

4. Ora, o STJ tem enveredado por uma interpretação do nº 1 do artigo 35º de acordo com a qual “a perda dos objectos do crime só é admissível quando entre a utilização do objecto e a prática do crime, em si próprio ou na modalidade, com relevância penal, de que se revestiu, exista uma relação de causalidade adequada, de forma a que, sem essa utilização, a infracção em concreto não teria sido praticada ou não o teria na forma, com significação penal relevante, verificada.

5. Trata-se de orientação que tem por fundamento a necessidade de existência ou preexistência de uma ligação funcional e instrumental entre objecto e a infracção, de sorte que a prática desta tenha sido especificamente conformada pela utilização do objecto.

6. Jurisprudência que conforma o texto legal com os princípios constitucionais da necessidade e da adequação, sem esquecer que há ainda que ter em atenção o princípio constitucional da proporcionalidade - artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa -, princípio que preside a toda a providência sancionatória – a significar que a perda só deve ser declarada, em regra, quando se mostre minimamente justificada pela gravidade do crime e não se verifique uma significativa desproporção entre o valor do objecto e a gravidade do ilícito” – cfr. Ac. STJ, de 13-12-2006, in www.dgsi.pt.

7. Ora o veiculo automóvel de marca …, com a matrícula … foi adquirido a 15 de Abril de 2022, volvidos mais de quatro meses do início da atividade ilícita perpetuada pelo Arguido.

8. E mesmo quando tivesse de se deslocar para se fornecer de produto estupefaciente, não se demonstrou a sua essencialidade pois também aqui o arguido poderia ir buscar droga , por outros meios, como fez pelo menos nos meses que se antecederam à compra do veículo automóvel.

9. Há também desproporcionalidade entre o valor comercial do tráfico, que é mínimo, e o valor comercial da viatura (22.586.29€ - conforme contrato de concessão de crédito junto a fls...), desproporcionalmente maior.

10. O veículo automóvel de marca …, é um veículo de gama média baixa, que a Recorrente adquiriu em Abril de 2022, recorrendo ao crédito automóvel – conforme documentos que se encontram nos autos - e que se destinava a ser utilizado essencialmente para uso pessoal e familiar.

11. O veículo automóvel foi adquirido com recurso ao crédito automóvel, tendo as prestações sido pagas até à data pela Requerente e já com o arguido a cumprir prisão preventiva.

12. Tem cumprido com o plano de pagamento das prestações, estando ainda em dívida dezenas de prestações até que o crédito se encontre totalmente amortizado.

13. Não foi, pois, tal veículo adquirido com os proventos da venda de estupefacientes, nem como consta do acórdão que o pagamento do crédito provinha dos rendimentos da atividade de tráfico.

14. Como verificamos, antes de ter na posse o veiculo automóvel de marca …, repita-se, o Arguido já exercia a sua atividade ilícita e só o conduziu três vezes quando o pediu emprestado à Recorrente.

15. In casu, como resultou provado, muito embora o arguido tenha sido detido na posse do veículo automóvel e transportando na mesma as substâncias estupefacientes que vieram a ser apreendidas, condução essa que terá facilitado a deslocação, tornando-a também mais cómoda, discordamos que tal viatura seja instrumento do crime, e que exista uma relação de causalidade entre a sua utilização e a prática do crime, como foi considerado pelo tribunal a quo.

16. O Arguido já desenvolvia a sua actividade independentemente do uso deste veículo que nem é da sua pertença.

17. Com efeito, quer o estupefaciente que transacionava, quer o produto apreendido, atendendo ao seu peso e volume, era facilmente transportável, por qualquer outra forma, não sendo a utilização da viatura essencial para o cometimento do ilícito.

18. Não sendo, pois, a viatura indispensável ao transporte ou à ocultação de tal produto, constituindo apenas mero meio de transporte do Arguido.

19. Até pelo volume do produto em causa, facilmente transportável por qualquer outra forma, a utilização do aludido veículo, pertencente à recorrente, não era essencial para o cometimento do ilícito.

20. Violou, assim decisão recorrida, o artigo 410, nº 2 a), 35º do Dec. Lei 15/93 e os artigos 18º nº 2 e 62º da CRP., devendo ser declarada nula a decisão recorrida na parte em que determinou o perdimento do referido veículo automóvel a favor do Estado, e consequentemente, restituído à ora recorrente o veículo automóvel

5. Os recursos foram admitidos, por serem tempestivos e legais.

6. O Ministério Público respondeu aos recursos interpostos, pugnando pela improcedência de ambos.

Extraiu das suas motivações as seguintes conclusões:

i. Quanto ao recurso interposto pelo arguido:

“1. Ao contrário do alegado pelo Recorrente, foi incluída na matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, a menção à especial censura devido às anteriores condenações não terem servido a suficiente advertência ao arguido para a prática dos novos crimes.

2. Com efeito, foi dado como provado no facto n.º 34 que “o Arguido, apesar de ter sofrido a supra referida pena única de prisão efectiva, não logrou interiorizar o desvalor atribuído à sua conduta pela ordem jurídica, revelando-se especialmente censurável o facto de ter voltado a praticar um tipo de crime pelo qual foi condenado anteriormente (tráfico de estupefacientes)”.

3. Foi, ainda, dado como provado (facto n.º 30) que o arguido tinha sido condenado anteriormente, por acórdão cumulatório transitado em julgado em 29/11/2018, na pena única de 13 anos e 4 meses de prisão, acrescida de 120 dias de prisão subsidiária, e na pena única acessória de expulsão pelo período de 10 anos, pela prática, entre outros, de um crime de tráfico de estupefacientes, em Agosto de 2008 a 2/3/2011 e 4/10/2009.

4. Mais, foi dado como provado (factos n.ºs 31 a 32), que o arguido foi preso em 02/03/2011, tendo a pena de prisão sido declarada extinta em 15/09/2020, e que foi afastado do território nacional em 08/08/2020, em consequência de ter sido ordenada a execução da pena acessória de expulsão.

5. Por fim, foi dado como provado (factos n.ºs 1 e 33), que o arguido regressou ao país em Maio de 2021, ainda na vigência da pena acessória de expulsão do território nacional, e que desde Dezembro de 2021, dedicava-se à venda e cedência de produto estupefaciente a terceiros consumidores, nomeadamente cocaína e heroína.

6. Em nosso entendimento, o Tribunal a quo realizou uma avaliação concreta das circunstâncias que rodearam a vivência do arguido no período em causa (após a extinção da pena de prisão a que foi condenado anteriormente).

7. Concluindo, inevitavelmente, que o arguido devia ser especialmente censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime.

8. E isso porque o arguido, não só voltou a praticar um mesmo tipo de crime pelo qual já tinha sido condenado anteriormente em pena de prisão efectiva superior a 6 meses (o crime de tráfico de estupefacientes), como o fez, menos de 1 ano depois de ter siso declarada extinta tal pena de prisão, e ainda na vigência da execução da pena acessória de expulsão, que incumpriu.

9. Assim, consideramos que o Acórdão recorrido, não violou o art. 75º do Código Penal, nem merece qualquer reparo.

10. E deve manter-se a agravante da reincidência, assim como a condenação do arguido na pena de 6 anos de prisão..”

ii. Quanto ao recurso interposto por BB:

“1. No caso dos autos, ao contrário do alegado pela Recorrente, o Tribunal a quo declarou perdido a favor do Estado o automóvel marca …, com a matrícula …, nos termos do art. 36.º do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e não nos termos do art. 35º, n.º 1 do citado diploma legal.

2. Refere o art. 36º, n.º 2, do referido diploma legal que: “São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de terceiro de boa fé, os objectos, direitos e vantagens que, através da infracção, tiverem sido directamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem”.

3. Ora, muito bem decidiu o Tribunal a quo, ao declarar perdido a favor do Estado o veículo automóvel em causa, porquanto resultou como provado que o mesmo foi adquirido mediante contrato de crédito, cujas prestações foram pagas pelo arguido, através dos rendimentos da actividade de tráfico (dado que o mesmo não exercia qualquer actividade lícita), e que o arguido o utilizava nas suas deslocações.

4. Aliás, foi a própria recorrente BB, quando inquirida em julgamento, que referiu que apenas ficou na titularidade do contrato de crédito a pedido de CC, primo do arguido, atento o facto de este se encontrar desempregado.

5. Vindo agora, em sede de recurso, alegar que, afinal, foi ela que pagou todas as prestações de crédito.

6. E assim sendo, mostra-se plenamente justificada a declaração de perdimento a favor do Estado, do veículo automóvel supra citado.

7. Ao contrário da Recorrente, consideramos que o despacho recorrido, não violou os arts.º 410, nº 2 a), 35º do Dec. Lei 15/93 e os artigos 18º nº 2 e 62º da CRP, não merecendo qualquer reparo.”.

7. Neste Tribunal da Relação de Lisboa, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu Visto.

8. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.

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II – QUESTÕES A DECIDIR.

Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – o acórdão final proferido nos autos –, as questões a examinar e decidir são questões de Direito, prendendo-se com o seguinte:

- da reunião dos pressupostos de punição a título de reincidência e da determinação da pena concreta a aplicar ao arguido;

- da reunião dos pressupostos de perdimento a favor do Estado do veículo automóvel.

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III – TRANSCRIÇÃO DOS SEGMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA RELEVANTES PARA APRECIAÇÃO DO RECURSO INTERPOSTO.

Da decisão recorrida, com interesse para as questões em apreciação em sede de recurso, consta o seguinte:

“(…)

Discutida a causa resultaram provados, com relevância para decisão da mesma, os seguintes factos::

1. Desde Dezembro de 2021, o arguido AA dedicava-se à venda e cedência de produto estupefaciente a terceiros consumidores, nomeadamente cocaína e heroína.

2. Desde Dezembro de 2021 até Outubro de 2022, o arguido AA, cedeu diariamente a DD, um grama de heroína e um grama de cocaína, e em troca, este último guardava ao arguido, produtos estupefacientes, na sua habitação, bem como noutros locais.

3. Ademais, vários indivíduos que pretendiam adquirir produto estupefaciente contactavam telefonicamente o arguido A,A para o seu telemóvel com n. …, combinando vários locais para se encontrarem com o mesmo na Cidade de …, onde posteriormente faziam as transações desses produtos.

4. Em datas não concretamente apuradas do Verão de 2022, mas não posteriores a Setembro, o arguido AA, em duas ocasiões distintas, vendeu cocaína a EE, pagando este em cada uma dessas ocasiões a quantia de 50,00 €.

5. Em datas não concretamente apuradas do Verão de 2022, mas não posteriores a Setembro, o arguido AA, em três ocasiões, vendeu heroína a FF, pagando esta em cada uma dessas ocasiões a quantia de 20 €.

6. Em datas não concretamente apuradas do Verão de 2022, mas não posteriores a Setembro, o arguido AA, em quatro ocasiões, vendeu heroína a GG, pagando este em cada uma dessas ocasiões a quantia de 20 €.

7. Em datas não concretamente apuradas do Verão de 2022, mas não posteriores a Setembro, o arguido AA, em dez ocasiões, vendeu cocaína a HH, pagando esta em cada uma dessas ocasiões a quantia de 20 € (por cada dose).

8. Em datas não concretamente apuradas do Verão de 2022, mas não posteriores a Setembro, o arguido AA, em quinze ocasiões, vendeu saquetas de heroína e de cocaína a II, pagando este em cada uma dessas ocasiões a quantia de 20 € (por cada saqueta).

9. Em datas não concretamente apuradas de Setembro de 2022, o arguido AA, em cinco ocasiões, vendeu heroína e cocaína a JJ, pagando este em cada uma dessas ocasiões a quantia de 20 € (por cada grama).

10. No dia 17/10/2022, pelas 23.20horas, o arguido AA conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula …, da propriedade de BB.

11. Agentes da PSP de …, que circulavam em viatura caraterizada da PSP, fizeram sinal de paragem ao arguido, com recurso a sinais sonoros e luminosos.

12. O arguido não parou a viatura e encetou fuga em direção ao Bairro …, acabando por ficar encurralado em frente à Rua …, em ….

13. Aí, o arguido saiu do veículo e encetou fuga apeada correndo em direção à Travessa …, tendo dois agentes da PSP ido ao seu encalce.

14. A determinada altura, o arguido atirou para dentro do cemitério uma “bola branca” de dimensão idêntica a uma bola de ténis, continuando a sua fuga, correndo, até ser alcançado pelos referidos agentes da PSP, na rua ….

15. Foi recuperada a “bola branca” que havia sido atirada pelo arguido para dentro do cemitério.

16. A mesma continha uma embalagem de heroína, com o peso líquido de 98,909 gramas, suficiente para 51 doses, e ainda 49 embalagens contendo cocaína (cloridrato), com o peso líquido total de 9,360 gramas, suficiente para 17 doses, produtos que foram apreendidos.

17. Possuía, ainda, o arguido AA, no bolso das calças, 12 notas de BCE no valor de €20,00 e uma nota de BCE no valor de €10,00, perfazendo a quantia de €250,00, quantia que foi apreendida.

18. No referido veículo automóvel que conduzia, o arguido tinha dois telemóveis, de marca …, um do modelo …, com o qual estabelecia contatos com os adquirentes de estupefacientes, e o outro do modelo …, e que foram apreendidos juntamente com o veículo.

19. No mesmo dia, na sequência de uma busca domiciliária, verificou-se que o arguido AA possuía, no interior do quarto …, da casa … do alojamento local sito na Rua …, em …, uma liquidificadora, da marca …, que serviu de moinho elétrico, com vestígios de heroína, e um rolo de fita adesiva castanha.

20. O arguido não exerce atividade profissional declarada.

21. O arguido conhecia bem a natureza e as características da cocaína e da heroína e estava ciente dos malefícios que estas provocavam na saúde dos cidadãos e da sociedade.

22. O arguido sabia que, por tal motivo, não podia deter, transportar, vender, ceder ou proporcionar a outrem, por qualquer forma e, não obstante não se inibiu de praticar os mencionados factos.

23. Ao arguido não são conhecidos rendimentos lícitos.

24. O arguido estabelecia contacto com indivíduos referenciados pelo consumo de estupefacientes.

25. O arguido destinava as substâncias apreendidas à venda e/ou cedência a terceiros consumidores de estupefacientes.

26. O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que essas condutas não lhe eram permitidas e são punidas por lei.

27. O arguido é titular de carta de condução da categoria B, com o número …, emitida pela República de … em …-2022, pela DGTR-…, válida até …/…/2049.

Mais resultou provado:

28. O arguido AA é de nacionalidade ….

29. O arguido viveu em … até 2006, ano em que veio para Portugal.

30. No processo n.º 994/11.0…, do Juízo Central Criminal de … – Juíz …, procedeu-se ao cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA, no âmbito desses autos e dos processos n.ºs 104/09.4… e 14/09.5…, tendo o mesmo sido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, um crime de resistência e coacção, um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e um crime de detenção de arma proibida, praticados em 22/10/2009 (Processo n.º 104/09.4…), de um crime tráfico de estupefacientes, um crime de homicídio qualificado na forma tentada, um crime de resistência e coacção, e um crime de detenção de arma proibida, praticados em Agosto de 2008 a 2/3/2011 e 4/10/2009 (Processo n.º 14/09.5…), e de um crime de branqueamento, praticado em 5/4/2010 (Processo n.º 994/11.0…), na pena única de 13 anos e 4 meses de prisão, acrescida de 120 dias de prisão subsidiária, e na pena única acessória de expulsão pelo período de 10 anos, por acórdão cumulatório transitado em julgado em 29/11/2018.

31. O arguido foi preso em 02/03/2011 e, por decisão proferida em 17/03/2020, no processo n.º 167/11.2…, do Tribunal de Execução de Penas de …, ordenado executar, no dia 09/04/2020, a pena acessória de expulsão do território nacional.

32. Nessa sequência, o arguido AA foi afastado do território nacional em 08/08/2020, tendo a pena de prisão sido declarada extinta em 15.09.2020.

33. Regressou ao país em Maio de 2021, na vigência da pena acessória de expulsão do território nacional referida em 31.

34. O Arguido, apesar de ter sofrido a supra referida pena única de prisão efectiva, não logrou interiorizar o desvalor atribuído à sua conduta pela ordem jurídica, revelando-se especialmente censurável o facto de ter voltado a praticar um tipo de crime pelo qual foi condenado anteriormente (tráfico de estupefacientes).

35. Anteriormente à detenção à ordem dos autos, o arguido mantinha uma ligação afectiva com KK com quem tem um filho em comum.

36. A família do arguido reside em …, com excepção de duas irmãs, que residem no ….

37. O arguido tem o 6.º ano de escolaridade, que completou em ….

38. O arguido é consumidor de estupefacientes.

39. O arguido regista os seguintes antecedentes criminais:

a. Processo 104/09.4…, por decisão transitada em julgado em 2011/11/29, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, pela prática, em 2009/10/22, de:

i. 1 (um) crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291.º do Código Penal;

ii. 1 crime de resistência e coacção sob funcionário, p. e p. pelo artigo 347.º do Código Penal;

iii. 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro

iv. 1 crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º do D.L. n.º 2/98, de 3 de Janeiro.

v. Mais foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 1 ano.

b. Processo 216/10.1…, por decisão transitada em julgado 2012/03/30, pela prática, em 2010/10/10, de 1 crime de ofensa à integridade física qualificada, p.p. pelo art.º 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código Penal e 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 3 e 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo.

c. Processo 1331/11.0…, por decisão transitada em julgado 2012/06/20, pela prática, em 2009/10/29, de 1 crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo artigo 359.º, n.º 1 e 2, do Código Penal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €5,00, no montante total de €900,00.

i. A pena foi convertida em 120 dias de prisão subsidiária.

d. Processo 14/09.5…, por decisão transitada em julgado em 2015/04/13, pela prática, em 2009/10/14, de 1 crime de resistência e coacção sob funcionário, p. e p. pelo artigo 347.º do Código Penal e 1 crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea …, na pena de 10 anos de prisão.

i. Pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 10 anos.

e. Processo 14/09.5…, por decisão transitada em julgado em 2016/07/25, foi proferido acórdão cumulatório que condenou o arguido na pena única de 12 anos de prisão e na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 10 anos.

f. Processo 994/11.0…, por decisão transitada em julgado em 2018/04/09, pela prática, em 2011/09/09, de um crime de Branqueamento, p.p. pelo art.º 368.º-A, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão e na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 4 anos.

g. Processo 994/11.0…, por decisão transitada em julgado em 2018/11/29, foi proferido acórdão cumulatório que condenou o arguido na pena única de 13 anos e 4 meses de prisão e na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de 10 anos.

*

Da perda a favor do Estado do veículo automóvel:

Resultou ainda provado que:

40. O veículo automóvel marca …, com a matrícula …, registado a favor de BB, foi adquirido mediante contrato de crédito por esta celebrado, a pedido de CC, primo do arguido.

41. As prestações do crédito foram assim pagas pelo arguido e por CC.

42. Era o arguido quem utilizava o automóvel nas suas deslocações.

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B. FACTOS NÃO PROVADOS:

Com interesse para a decisão da causa, resultaram não provados os seguintes factos:

a) O arguido não é titular de carta de condução ou qualquer outro documento legal que o habilitasse a conduzir nas circunstâncias descritas em 10. dos factos provados.

b) O arguido conhecia as características do veículo e do local por onde o conduzia, sabendo igualmente que não podia conduzir o identificado veículo automóvel nas vias públicas ou equiparadas, sem ser titular de carta de condução

ou de qualquer outro documento legal para o efeito, o que quis e efetivamente fez.

*

C. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

Preceitua o artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa a obrigatoriedade de fundamentação das decisões dos Tribunais, tendo em vista possibilitar os destinatários da decisão, bem como os Tribunais Superiores, de avaliarem o juízo decisório que presidiu à decisão.

Para a formação da sua convicção, o Tribunal atendeu à prova documental carreada para os autos e às declarações prestadas pelo arguido em sede de audiência de julgamento. A prova foi analisada com recurso às regras da experiência comum e da normalidade social.

O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos por que se encontrava acusado, no que concerne à imputação do crime de tráfico de estupefacientes.

Em concreto, o Tribunal atendeu aos seguintes elementos de prova documental:

- auto de noticia de fls. 4 a 7;

- Relatório de exame forense a telemóvel de fls. 144-149, e relatório de extracção de fls. 192-195.

- aditamento de fls. 196-200 – registo dos contactos do telemóvel

- informação do SEF, de fls., 276;

- certidão do processo n.º 994/11.0…, de fls. 278-300;

- certidão do processo n.º 167/11.2…, de fls. 302-304

Tendo em conta as declarações do arguido, bem como os indicados elementos de prova documental, resultaram provados os factos 1 a 9.

Para a consignação do facto provado 16., no que concerne à quantidade e qualidade do produto estupefaciente apreendido, o Tribunal atendeu ao relatório de exame pericial n.º … - BTX, do LPC, de fls. 327-328.; autos de apreensão de fls. 10-11, 12-13, 21-22, e 27-28; reportagens fotográficas de fls. 16- 20, 23-26, e 29-30.

Para a prova dos factos 10 a 18, o Tribunal atendeu às declarações prestadas pelo arguido e ao auto de notícia de fls. 4 a 7.

O facto 19 provou-se tendo por base o auto de busca e apreensão de fls. 21-22.

A prova dos factos 20 a 26 resultou dos dados constantes do relatório social elaborado pela DGRSP e das regras da experiência comum e da normalidade social, a capacidade revelada pelo arguido de compreender o desvalor da conduta e a punibilidade do tipo de crime de tráfico de estupefacientes.

O facto 27. provou-se pela exibição da carta de condução do arguido, em sede de audiência de julgamento, emitida pela República de …, cuja cópia se encontra junta aos autos.

Os factos 28, 29, 31 a 33, 35 a 38 referem-se às condições socioeconómicas do arguido e resultam provados pelo relatório social elaborado pela DGRSP.

A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada sob os artigos 30, 32, 33 e 34 - em conformidade com o objecto de cognição nesta sede, delimitado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora sob a referência citius … de 20.02.2024 que supra se referiu, – teve em linha de conta a certidão do processo n.º 994/11.0…, de fls. 278-300; a certidão do processo n.º 167/11.2…, de fls. 302-304, o certificado de registo criminal do Arguido e o Relatório Social para determinação de pena elaborado pela DGRSP sob referência citius … de 03.07.2024.

Com efeito, através da análise da certidão do processo n.º 994/11.0…, de fls. 278-300 apurou-se a factualidade vertida no facto 30 concernente aos crimes pelos quais o Arguido foi condenado – entre eles tráfico de estupefacientes – as penas aplicadas – tendo sido aplicada uma pena de prisão efectiva de treze anos e quatro meses acrescida de 120 dias de prisão subsidiária – e ainda uma pena de expulsão do território nacional pelo período de dez anos.

Mais foi possível certificar a data do trânsito em julgado da sentença cumulatória, aliada à certidão do processo n.º 167/11.2…, de fls. 302-304 que permite percepcionar o momento da prisão do Arguido, bem como o momento em que foi ordenada a execução da pena acessória de expulsão do território nacional Cf. facto 31.

A extinção da pena de prisão em substituição da liberdade condicional – por ter sido efectivada a pena de expulsão – aditada ao artigo 32 – extrai-se da a análise do certificado de registo criminal do Arguido.

A vigência da pena acessória à data do regresso do Arguido a Portugal, aditada ao facto n.º 33, é uma conclusão lógica extraída da própria condenação e da data de início do cumprimento da pena – tratando-se de uma pena com a duração de dez anos, não estará cumprida ao fim de menos de um ano, a não se que existam circunstâncias supervenientes que determinem, por exemplo, o perdão de tal pena – porém, da análise do certificado de registo criminal do Arguido pode concluir-se que a pena acessória de expulsão do território nacional mantém a sua actualidade.

Já o facto sob o artigo 34.º, na sua génese, é um facto conclusivo, ao qual se chega através da concatenação dos demais factos dados como provados, mormente a circunstância de o Arguido ter sido condenado numa pena acessória de expulsão do território nacional, a qual foi executada em 08.08.2020, tendo o Arguido regressado a Portugal em Maio de 2021, menos de um ano após ter abandonado o país. Vide factos provados n.ºs 32 e 33

Ora, alguém que que pretende viver segundo os ditames da lei, não regressa a um país no qual foi proibido de entrar pelo período de 10 anos, volvido menos de um ano depois do cumprimento de tal pena se iniciar, porque ao fazê-lo está a cometer um crime, relativamente ao qual foi certamente advertido. Cf. 187.º, da Lei nº 23/2007, de 04 de julho

Isto é, o seu regresso inicia-se já com um facto criminoso. Mas mais, tal facto criminoso tem repercussões, é que sendo o seu regresso feito de forma ilegal, a sua permanência em território nacional será, necessariamente, toda ela pautada pela ilegalidade, vivendo de subterfúgios.

Senão note-se, não lhe é possível ter um contrato de arrendamento, um contrato de trabalho, efectuar descontos, pagar impostos, receber apoios estatais, ou sequer algo tão simples como abrir uma conta no banco.

Sendo certo que seria impossível ao Arguido prover à sua subsistência senão através de esquemas ilícitos quando optou por tal regresso. Vide facto provado n.º 23

Mas mais, o Arguido escolheu regressar para o local da prática dos ilícitos por si praticados anteriormente – mormente a prática do tráfico – local onde conhecia o funcionamento do circuito do tráfico de estupefacientes, sendo evidente que, condicionado pela circunstância de não lhe ser possível celebrar contratos de trabalho legais, a necessidade de angariar dinheiro que lhe permitisse prover à sua subsistência o empurraria novamente para os caminhos do crime que se encontrava a trilhar, como de facto se veio a verificar que ocorreu, atendendo aos factos concernentes à prática do crime de tráfico dados como provados nos presentes autos.

Factos que são também corroborados pelo relatório social elaborado pela DGRSP.

Face ao supra aduzido é forçoso concluir que o Arguido, apesar de ter sofrido a supra referida pena única de prisão efectiva, não logrou interiorizar o desvalor atribuído à sua conduta pela ordem jurídica, pelo que se deu o facto sob o n.º 34 como provado.

O facto 39, relativo aos antecedentes criminais, resulta provado pelo teor do certificado de registo criminal junto aos autos (referência Citius …).

*

A partir das declarações prestadas pela testemunha BB foram considerados provados os factos 40 a 42.

Mais foi tido em conta o documento de fls. 329 (3.º volume).

*

Os factos considerados não provados – alíneas a e b), resultam de ter sido provado que o arguido é titular de carta de condução emitida pela República de…, cujo documento é válido e permite considerar o arguido habilitado para o exercício da condução.

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ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL

(…)

Ao arguido é imputada a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às Tabelas I-A e I-B, do mesmo diploma legal.

Mais é imputada a prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do D.L. n.º 2/98, de 3 de Janeiro.

Vejamos, a partir da matéria fáctica consignada, qual o enquadramento jurídico concretamente aplicável. Detenhamo-nos, brevitatis causa, em cada um dos tipos legais.

a) Do crime de tráfico de estupefacientes – artigo 21.º do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro:

Dispõe o artigo 21.º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro:

“Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou i licitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.”

É a partir da previsão do artigo 21.º que o legislador apresenta os tipos privilegiados, a saber: o crime de tráfico de menor gravidade (artigo 25.º); a figura do traficante-consumidor (artigo 26.º) e o mero consumo (artigo 40.º).

O bem jurídico protegido pelo tipo incriminador do artigo 21.º é a saúde pública. A norma incriminadora visa acautelar, de forma ampla, a saúde física e mental dos cidadãos, em ordem a garantir um desenvolvimento são da pessoa humana.

Dados os reflexos criminógenos provocados pela actividade do tráfico de estupefacientes, a incriminação protege também a vivência em sociedade. Por esse motivo, dado o cariz pluriofensivo do tipo de ilícito, a incriminação visa a protecção de bens colectivos, relacionados com a paz e segurança sociais e, também, os custos sociais e financeiros provocados pela disseminação da toxicodependência na sociedade .

Como salienta o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18/10/95 :

“O tráfico de droga é hoje um flagelo social, em vias de expansão, a justificar a necessidade de uma forte censura jurídico-penal. O bem jurídico primordialmente protegido pela norma incriminadora é o da saúde e integridade física dos cidadãos ou, mais sinteticamente, a saúde pública, senão mesmo a protecção da própria humanidade, quando encarada na sua destruição a curto ou longo prazo. Trata-se de bens ou interesses supra-individuais, não incarnados numa concreta pessoa singular…”

A amplitude do bem jurídico protegido traduz-se num tipo abstracto, que não exige a verificação concreta de perigo. O crime consuma-se com o acto de tráfico, sem necessidade de um efeito concreto exterior, com o que o legislador considera presumido o risco para a saúde pública associado à actividade delituosa de tráfico.

O tipo objetivo é integrado por um conjunto de actos, os quais consubstanciam um dos três elementos cumulativos indispensáveis para a verificação do tipo, a saber:

i. a prática não autorizada dos atos de cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, pôr à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fazer transitar ou ilicitamente deter;

ii. que tais atos não se destinem a consumo nos termos previstos no artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93;

iii. que os mesmos versem sobre plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III anexas ao diploma;

Dado que integram os elementos típicos do crime vários tipos de condutas, que vão desde o cultivo, à venda e à cedência a terceiros, quanto mais modalidades de acção o agente preencher, maior o grau de ilicitude.

O tipo subjetivo comporta o dolo, em qualquer das suas modalidades – dolo directo, necessário ou eventual (cfr. artigo 14.º do Código Penal). O elemento subjectivo basta-se com um dolo genérico, isto é, a vontade e o conhecimento de desenvolver, sem autorização legal e sem ser para consumo próprio, as actividades descritas no tipo, bem como o conhecimento da natureza e características estupefacientes das substâncias.

Sub judice, o arguido admitiu em audiência de julgamento que destinava as substâncias estupefacientes à venda a terceiros consumidores. A conduta do arguido integra os actos descritos no tipo (21.º, n.º 1): “vender”, “ceder ou por qualquer título receber”, “proporcionar”, “a outrem”; “ou ilicitamente detiver”.

O produto estupefaciente em causa – heroína e cocaína - enquadra-se nas Tabelas I-A e I-B, anexas ao D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

O arguido tinha conhecimento do carácter proibido das condutas que praticava, pelo que actuou com consciência da ilicitude.

Da matéria que se considerou como provada, de acordo com a subjunção jurídica que importa nesta sede realizar, considera-se que a conduta do arguido preenche o tipo do artigo 21.º, que não o do artigo 25.º, que traduz uma forma menos grave da actividade de tráfico de estupefacientes, ao estabelecer:

“Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI;

b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.”

O tipo legal, construído a partir do artigo 21.º, diferencia-se por uma actividade delituosa do agente - globalmente analisada – com uma menor dimensão da ilicitude. Esta diminuição do conteúdo de ilicitude das condutas do agente estará reflectida nos meios utilizados, nas circunstâncias e modo de prática dos actos tipificados no número 1 do artigo 21.º, ou pela qualidade ou quantidade das substâncias apreendidas.

Sobre o tipo incriminador e o traço distintivo relativo aos demais tipos penais, refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo: 394/17.9T8PTM.S1 :

“A descrição fundamental, a matriz típica do crime de tráfico de estupefacientes encontra-se acolhida no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, previsão legal que contém a descrição do tipo base, matricial, contemplando um tipo plural, com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum - a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação.

Dir-se-á que a conduta do arguido, ainda que não revele, no seu quadro global, uma especial organização dos meios e contactos efectuados, denota, ainda assim, um sentido global de desvalor que não se contém na figura do tipo privilegiado. Para esta consideração, atente-se nas seguintes circunstâncias:

i. Os diversos tipos de produto estupefaciente apreendido – cocaína e heroína;

ii. a reiteração da actividade de venda a terceiros de estupefacientes, que aconteceu durante o período de cerca de 1 ano, com contactos estabelecidos com diversas pessoas;

iii. o arguido não desenvolvia actividade remunerada e

iv. o arguido regressou a Portugal após ter sido decretada uma pena de expulsão, o que denota ausência de um projecto de vida normalizado, cujo sustento passaria pela actividade de tráfico.

De tudo quanto ficou exposto, porque preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime, não se tendo apurado causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, deverá o arguido ser condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, anexas ao mesmo diploma legal.

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(…)

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DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME

I. DA REINCIDÊNCIA:

Previamente à determinação da concreta pena a aplicar ao arguido, impõe-se uma análise sobre a verificação dos pressupostos da reincidência.

É sobre este instituto que versa o artigo 75.º do Código Penal, cujos pressupostos, formais e material, são estabelecidos nas normas dos números 1 e 2:

“1 - É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

2 - O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

São assim pressupostos formais para a condenação como reincidente:

a) o cometimento de um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a seis meses;

b) a condenação anterior, com trânsito em julgado, de um crime doloso, em pena de prisão superior a seis meses, e

c) o não decurso de mais de 5 anos entre o crime anterior e a prática do novo crime.

O requisito de ordem material consta da parte final do normativo 1: que se mostre que, segundo as circunstâncias do caso, a condenação ou condenações anteriores não serviram ao agente de suficiente advertência contra o crime.

No que se refere a este pressuposto material esclarece Figueiredo Dias :

«o critério essencial da censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa [homogénea ou específica], exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa. Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias (…) que sirvam para excluir a conexão, por terem impedido de atuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores. Mas já relativamente a factos de diferente natureza [reincidência polítropa, genérica ou heterogénea] será muito mais difícil (se bem que de nenhum modo impossível) afirmar a conexão exigível. Desta maneira, …, é… a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que continua aqui a jogar o seu papel».

O requisito material implica que a reincidência não opera como mero efeito automático das anteriores condenações, antes sendo necessário que a conduta do agente revele que as anteriores condenações não foram aptas à interiorização do desvalor da conduta e a uma eficácia dissuasora da prática de novos crimes. Com isto fica afastada uma concepção puramente fáctica da reincidência, que a faça resultar imediatamente da verificação de certos pressupostos formais, sendo necessária uma avaliação judicial concreta, que afaste a simples pluriocasionalidade .

Aplicando estas considerações ao caso concreto, verificamos que todos os pressupostos se mostram preenchidos.

In casu, e do ponto de vista formal:

• o arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 994/11.0…, por decisão transitada em julgado em 2018/04/09, na pena única de 13 anos e 4 meses de prisão, pela prática de vários crimes, de entre os quais, um crime de tráfico de estupefacientes.

• O Arguido foi preso em 02.03.2011 e, por decisão proferida em 17.03.2020, no processo n.º 167/11.2…, do Tribunal de Execução de Penas de …, foi ordenado executar, no dia 09.04.2020, a pena acessória de expulsão do território nacional.

• O Arguido foi afastado do território nacional em 08/08/2020, tendo a pena de prisão sido declarada extinta em 15.09.2020.

• o arguido praticou os factos em causa nestes autos desde Dezembro de 2021.

Pelo que resulta provado que o Arguido cometeu um crime doloso, pelo qual vai ser condenado nos presentes autos, com uma pena de prisão efectiva superior a seis meses

Mais se conclui que o Arguido foi condenado anteriormente, por acórdão transitado em julgado em 09.04.2018, numa pena de prisão superior a seis meses, tendo sido libertado em 2020, e que não decorreu um período superior a cinco anos entre uma coisa e outra, uma vez que os factos concernentes ao crime que se discute os presentes autos remontam a Dezembro de 2021.

Materialmente, a conduta do arguido demonstra que as anteriores condenações não foram aptas a dissuadi-lo de praticar novos crimes.

Com efeito, o Arguido foi condenado numa pena acessória de expulsão do território nacional, a qual foi executada em 08.08.2020, tendo o Arguido regressado a Portugal em Maio de 2021, menos de um ano após ter abandonado o país. Vide factos provados n.ºs 32 e 33

Ora, alguém que que pretende viver segundo os ditames da lei, não regressa a um país no qual foi proibido de entrar pelo período de 10 anos, volvido menos de um ano depois do cumprimento de tal pena se iniciar, porque ao fazê-lo está a cometer um crime, relativamente ao qual foi certamente advertido. Cf. 187.º, da Lei nº 23/2007, de 04 de julho

Isto é, o seu regresso a Portugal, inicia-se já com um facto criminoso. Mas mais, tal facto criminoso tem repercussões. Isto porque, sendo o seu regresso feito de forma ilegal, a sua permanência em território nacional será, necessariamente, toda ela pautada pela ilegalidade, vivendo de subterfúgios.

Senão note-se, não lhe é possível ter um contrato de arrendamento, um contrato de trabalho, efectuar descontos, pagar impostos, receber apoios estatais, ou sequer algo tão simples como abrir uma conta no banco.

Sendo certo que seria impossível ao Arguido prover à sua subsistência senão através de esquemas ilícitos quando optou por tal regresso. Vide facto provado n.º 23

Mas mais, o Arguido escolheu regressar para o local da prática dos ilícitos por si praticados anteriormente – mormente a prática do tráfico – local onde conhecia o funcionamento do circuito do tráfico de estupefacientes, sendo evidente que, condicionado pela circunstância de não lhe ser possível celebrar contratos de trabalho legais, a necessidade de angariar dinheiro que lhe permitisse prover à sua subsistência o empurraria novamente para os caminhos do crime que se encontrava a trilhar, como de facto se veio a verificar que ocorreu, atendendo aos factos concernentes à prática do crime de tráfico dados como provados nos presentes autos.

Factos que são também corroborados pelo relatório social elaborado pela DGRSP.

Face ao supra aduzido é forçoso concluir que o Arguido, apesar de ter sofrido a supra referida pena única de prisão efectiva, não logrou interiorizar o desvalor atribuído à sua conduta pela ordem jurídica, pelo que se deu o facto sob o n.º 34 como provado.

Donde, preenchidos todos os requisitos para ser punido como reincidente.

II. DA DETERMINAÇÃO DA PENA:

O artigo 40.º do Código Penal preceitua que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Nas finalidades de prevenção geral e especial, a aplicação das penas tem como objectivo a protecção do bem jurídico violado, repondo a confiança dos cidadãos na validade e vigência das normas violadas e a reintegração do agente na sociedade.

Trata-se, aqui, refere FIGUEIREDO DIAS , de um “significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida”.

Para o autor, a Constituição da República Portuguesa constitui um instrumento decisivo da promoção da política criminal, ao incorporar a quase totalidade dos princípios directores nesta matéria – a saber, e sendo de destacar: o princípio da legalidade, ínsito nos artigos 29.º e 30.º da C.R.P., e o princípio da necessidade, preceituado no artigo 18.º, n.º 2, que o autor considera ser “…porventura … o preceito político-criminalmente mais relevante de todo o texto constitucional: vinculando a uma estreia analogia material entre a ordem axiológica e a ordem legal dos bens jurídico-penais,…”

Aliás, a culpa, limite máximo inultrapassável à pena (nulla poena sine culpa), deve ser orientada pelos princípios da proporcionalidade, necessidade, adequação e subsidiariedade – cfr. artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) - e por um verdadeiro princípio de humanidade, cumprindo assim o postulado constitucional da dignidade da pessoa humana – cfr. artigo 1.º da CRP e artigo 71.º n.º 1 do CP .

É no binómio culpa-prevenção que há-de ser encontrada a medida concreta da pena a aplicar, posto que, através das exigências de prevenção, visa-se repor a vigência da norma violada e, em consideração da culpa do agente, respeita-se o mais amplo comando constitucional – o respeito pela dignidade da pessoa humana .

Nas palavras de FIGUEIREDO DIAS :

“…o processo de medida da pena é uno e indivisível e tem por força de conduzir a uma e concreta solução, qual seja a determinação do quantum exacto de pena que ao delinquente deve ser aplicada...”

O crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, tem uma moldura abstracta que varia entre 4 a 12 anos de prisão.

Uma vez que o arguido deverá ser punido como reincidente, o limite mínimo da moldura penal sofre alterações, de acordo com os ditames do artigo 76.º, n.º 1, do Código Penal:

“1 - Em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado. A agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores.”

Os limites da punição alteram-se, assim, para o mínimo de 5 anos e 4 meses, e o limite máximo permanece em 12 anos de prisão.

Com a moldura penal ora definida, para efeitos de determinação da medida concreta da pena, dita o artigo 71.º do Código Penal:

“1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.”

Aplicando os critérios previstos no artigo 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, importa salientar:

A) As necessidades de prevenção geral afiguram-se muito elevadas, uma vez que estamos perante um crime com graves implicações na sociedade, pelos efeitos que provoca nos consumidores, e com acentuados reflexos criminógenos;

B) As necessidades de prevenção especial são também muito elevadas: o arguido regista várias condenações;

C) O arguido foi expulso do território nacional e regressou, tendo-se dedicado à prática do crime de tráfico de estupefacientes, com o que provia ao seu sustento;

D) O arguido actuou com dolo directo, sendo o grau de ilicitude mediano: foram estabelecidos vários contactos, com diferentes indivíduos, existindo já alguma dimensão na distribuição do produto estupefaciente, que só não aconteceu por mais tempo pelo facto de o arguido ter ficado sujeito a prisão preventiva.

E) Ao arguido não é conhecida actividade remunerada, nem profissão com carácter estável.

A favor do arguido, há a registar:

a) O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos por que se encontrava acusado;

b) Assumiu uma postura de colaboração com o Tribunal, com o que contribuiu para a descoberta da verdade material;

c) Revelou consciência da ilicitude das condutas.

Considerando os elementos em presença, a personalidade do arguido, o grau de culpa e as exigências de prevenção, considera-se ser de aplicar uma pena de 6 anos de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes por que vem acusado.

**

V - DA PENA ACESSÓRIA DE EXPULSÃO:

(…)

**

VI - DAS CUSTAS:

(…)

***

VII - DA RECOLHA DE ADN:

(…)

***

VIII – DA DECLARAÇÃO DE PERDA A FAVOR DO ESTADO:

A. Do produto estupefaciente:

(…)

B. Das quantias monetárias e objectos apreendidos:

(…)

C. Do automóvel apreendido:

Ao abrigo do disposto no artigo 109.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal e dos artigos 36.º e 39.º do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, declara-se a perda a favor do Estado do veículo automóvel marca …, com a matrícula ….

O automóvel foi adquirido mediante contrato de crédito celebrado por BB, a pedido de CC.

Inquirida em julgamento, a testemunha afirmou que apenas ficou na titularidade do contrato de crédito a pedido de CC, primo do arguido, atento o facto de este se encontrar desempregado.

Considerando que o arguido não tinha actividade lícita remunerada, o pagamento do crédito provinha dos rendimentos da actividade de tráfico.”.

*

IV – FUNDAMENTAÇÃO.

IV.1. DA REUNIÃO DOS PRESSUPOSTOS DE PUNIÇÃO A TÍTULO DE REINCIDÊNCIA E DA DETERMINAÇÃO DA PENA CONCRETA A APLICAR AO ARGUIDO

O recorrente insurge-se contra a decisão condenatória, argumentando que não estão verificados os pressupostos para a sua condenação como reincidente – “Para que possa ter lugar a agravação da pena determinada pela reincidência, torna-se imprescindível que, da matéria de facto alegada e provada, se extraia com segurança, que, em função das circunstâncias concretas em que se determinou e agiu, o agente não respeitou, censuravelmente, a advertência consubstanciada na condenação ou condenações anteriores”, escreveu na sua motivação, acrescentando: “Ora no caso em análise, não podendo aquela "íntima conexão" retirar-se automaticamente da condenação anterior, teria de assentar num conjunto de factos cuja avaliação e ponderação abalizasse o juízo decisivo de que o recorrente, ao traficar agora heroína e cocaína, não se sentiu suficientemente advertido ou intimado com a anterior condenação para se manter fiel ao direito.”

Na perspetiva do recorrente os factos provados não bastam para se afirmar a reincidência.

Mas não tem razão.

Na decisão recorrida, o arguido AA foi condenado, como reincidente, pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às Tabelas I-A e I-B, do mesmo diploma legal, sendo-lhe aplicada a pena principal de seis anos de prisão, acrescida da pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de dez anos.

Na decisão em matéria de facto, no que reporta à reincidência, foram consideradas provadas pelo Tribunal a quo, as seguintes circunstâncias:

“30. No processo n.º 994/11.0…, do Juízo Central Criminal de … – Juíz …, procedeu-se ao cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA, no âmbito desses autos e dos processos n.ºs 104/09.4… e 14/09.5…, tendo o mesmo sido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, um crime de resistência e coacção, um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e um crime de detenção de arma proibida, praticados em 22/10/2009 (Processo n.º 104/09.4…), de um crime tráfico de estupefacientes, um crime de homicídio qualificado na forma tentada, um crime de resistência e coacção, e um crime de detenção de arma proibida, praticados em Agosto de 2008 a 2/3/2011 e 4/10/2009 (Processo n.º 14/09.5…), e de um crime de branqueamento, praticado em 5/4/2010 (Processo n.º 994/11.0…), na pena única de 13 anos e 4 meses de prisão, acrescida de 120 dias de prisão subsidiária, e na pena única acessória de expulsão pelo período de 10 anos, por acórdão cumulatório transitado em julgado em 29/11/2018.

31. O arguido foi preso em 02/03/2011 e, por decisão proferida em 17/03/2020, no processo n.º 167/11.2…, do Tribunal de Execução de Penas de …, ordenado executar, no dia 09/04/2020, a pena acessória de expulsão do território nacional.

32. Nessa sequência, o arguido AA foi afastado do território nacional em 08/08/2020, tendo a pena de prisão sido declarada extinta em 15.09.2020.

33. Regressou ao país em Maio de 2021, na vigência da pena acessória de expulsão do território nacional referida em 31.

34. O Arguido, apesar de ter sofrido a supra referida pena única de prisão efectiva, não logrou interiorizar o desvalor atribuído à sua conduta pela ordem jurídica, revelando-se especialmente censurável o facto de ter voltado a praticar um tipo de crime pelo qual foi condenado anteriormente (tráfico de estupefacientes).”

Como já disse este Tribunal da Relação no Acórdão proferido nestes autos em 20 de fevereiro de 2024:

“O artigo 75º do Código Penal, na parte que no caso releva, dispõe que:

“1. É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efetiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime;

2. O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

(…)”.

A reincidência, enquanto circunstância modificativa agravante, tem como consequência a agravação especial da pena, nos termos do artigo 76º do Código Penal - o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço, permanecendo o limite máximo inalterado. A agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores.

São pressupostos formais da reincidência, para além da prática de um crime, “por si só ou sob qualquer forma de participação”:

- ser o novo crime cometido um crime doloso;

- dever ser este novo crime (sem a incidência da reincidência) punido com pena de prisão efetiva superior a 6 meses;

- que o arguido tenha antes sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efectiva superior a 6 meses, por outro crime doloso;

- que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos (este prazo suspende-se durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coacção, de pena ou de medida de segurança).

Para além desses pressupostos formais, a verificação da reincidência exige ainda um pressuposto material: que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

A punição agravada da reincidência – aplicada ao agente que cometeu o crime depois de condenado anteriormente por outros da mesma espécie (reincidência específica, própria ou homótropa) ou de espécie diferente (reincidência genérica, imprópria ou polítropa) – encontra justificação no maior grau de culpa, decorrente da circunstância de, apesar de já ter sido condenado, insistir em cometer o crime e em desrespeitar a ordem jurídica, bem como na maior perigosidade revelada, face à indiferença perante a solene advertência da condenação anterior revelada pela persistência em delinquir.

A maior censura do delinquente por não ter acolhido a advertência solene contra o crime inerente à condenação ou condenações anteriores, só se justifica se verificada uma íntima conexão entre os crimes reiterados, conexão que poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga, segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução.

Como vem explicitando a Jurisprudência dominante, a circunstância qualificativa da reincidência não opera como efeito automático das anteriores condenações, não sendo suficiente e constatação do percurso delituoso do arguido para que a agravação funcione.

Por isso mesmo, é necessária a específica comprovação factual das “circunstâncias do caso” (as circunstâncias que rodearam o cometimento do novo crime) e, também com base nelas, um juízo de avaliação concreta, uma ponderação em concreto, sobre o referido pressuposto material – só através desse iter se alcançará, eventualmente, a demonstração de que as condenações anteriores não tiveram a suficiente força de dissuasão para afastar o arguido do crime.

Decisivo será saber se, perante as circunstâncias, deve censurar-se o agente por não se ter deixado motivar pela advertência contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, sendo certo que o pressuposto material do critério essencial dessa censura, está, atentas as circunstâncias do caso, na referida íntima conexão entre os crimes reiterados, que deva considerar-se endogenamente relevante na ponderação daquela censura e da consequente culpa. Não basta, pois, que o agente tenha cometido um crime doloso a seguir a outro crime doloso, nas circunstâncias acima referidas, embora tal constitua um pressuposto necessário: é ainda necessário que o agente deva ser censurado por as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

Isto porque, como bem se explicitou no Acórdão da Relação do Porto de 15 de dezembro de 2010 , que aqui de perto vimos seguindo, «a reiteração criminosa pode resultar de causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas – caso em que inexiste fundamento para a especial agravação da pena por não se poder afirmar uma maior culpa referida ao facto – e não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores, a comprovação da íntima conexão entre os crimes não se basta com a simples história criminosa do agente, antes exige uma “específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor”. Para proceder a reincidência será, então, necessário, além da verificação dos respectivos pressupostos legais formais, decorrentes das condenações anteriores, que haja factualidade subsequente demonstrativa de que o arguido não se sentiu suficientemente advertido ou intimidado com as condenações anteriores (mormente com a última condenação), para não delinquir, (trata-se fundamentalmente de prevenção especial) ou, que apesar das condenações anteriores, o arguido continua a carecer de socialização acrescida, exigindo-se de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados que seja adequadamente relevante em termos de censura e de culpa. Faz-se assim a exigência da concreta verificação do funcionamento desta qualificativa, o que implica indagação da correspondente matéria de facto.»

Porque é assim, a suficiência da matéria de facto para a decisão condenatória a título de reincidência depende da específica comprovação factual das circunstâncias de que fala o artigo 75º do Código Penal, o que passa necessariamente pela enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação de que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a advertência contra o crime transmitida aquando da anterior condenação. Trata-se do conjunto de circunstâncias de facto de que se poderá extrair, como se escreveu no referido Acórdão da Relação do Porto, a verificação da “falência” da anterior condenação “no que respeita ao desiderato dissuasor”. “Só através da análise do caso concreto, do seu específico enquadramento, de uma avaliação judicial concreta do pleno das circunstâncias que enformam a vivência do arguido no período em causa, se poderá concluir estarmos perante um caso de culpa agravada, devendo o arguido ser censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime, ou antes, face a uma falta de fundamento para a agravação da pena, por se estar perante simples pluriocasionalidade”, como também naquele aresto se escreveu.

Para que na decisão de direito possa fazer-se atuar a reincidência é necessário que a decisão de facto comporte, por um lado, a enumeração das circunstâncias de facto referentes à verificação dos pressupostos formais previstos no artigo 75º do Código Penal e, por outro lado, a enumeração dos factos de que se possa extrair que a condenação ou condenações anteriores não constituíram suficiente advertência contra o crime, por desrespeito ou desatenção culposa do arguido, fundamento para uma maior censura.

E neste domínio, como bem se assinalou no douto Acórdão da Relação do Porto que vimos a citar, não é indiferente a situação de se estar perante uma possível reincidência homótropa ou perante um caso de eventual reincidência politropa:

“Tem o STJ sufragado a doutrina segundo a qual o critério essencial da censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa (homogénea ou específica), exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa. “Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias (…) que sirvam para excluir a conexão, por terem impedido de actuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores. Mas já relativamente a factos de diferente natureza (reincidência polítropa, genérica ou heterogénea) será muito mais difícil (se bem que de nenhum modo impossível) afirmar a conexão exigível. Desta maneira, é a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que continua aqui a jogar o seu papel”. […] “Daqui resulta que se em causa estiverem crimes de natureza muito diferente, não basta alinhar o percurso criminoso do arguido. Impõe-se um especial cuidado na descrição dos factos e circunstâncias (forma de execução e fins e motivos) que, ligando entre si o cometimento dos diversos crimes, indiciem que a sucumbência agora verificada foi, é, consequência de uma qualidade desvaliosa enraizada na personalidade do arguido e não fruto de causas fortuitas, acidentais, exclusiva ou predominantemente exógenas que caracterizam a pluriocasionalidade” (os destacados foram por nós introduzidos apenas nesta ocasião).

Regressemos ao caso concreto.

O recorrente tem razão quando afirma que a reincidência é uma qualificativa que depende da verificação de pressupostos de facto e da formulação de um juízo sobre o inêxito da admonição anterior.

Mas ao contrário do que argumenta, da decisão recorrida colhem-se os factos suficientes para suportar o juízo que ali se fez de que a condenação anterior não teve a suficiente força de dissuasão para o afastar do crime.

O Tribunal a quo procedeu a uma análise do caso concreto, enumerando as circunstâncias que enformaram a vivência do arguido no período em causa (na justa medida em que as mesmas puderam ser conhecidas) e com base nelas formulou o necessário juízo a permitir o específico enquadramento numa situação de reincidência.

Assim se concluiu por se conseguir reconhecer um caso de culpa agravada, em que o arguido deve ser censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime.

As circunstâncias apuradas afastam-nos por completo de uma mera pluriocasionalidade em que a reiteração na prática do crime se tivesse ficado a dever a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não radicam na personalidade do agente, em que a renovação da atividade criminosa fosse meramente ocasional ou acidental e as circunstâncias do novo crime não fossem suscetíveis de revelar maior culpabilidade.

Como bem assinalou o Ministério Público na resposta ao recurso, no caso dos autos, ao contrário do alegado pelo Recorrente, resulta da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, a menção à necessária censura devido às anteriores condenações não terem servido a suficiente advertência para a prática dos novos crimes.

«Com efeito, foi dado como provado no facto n.º 34 que “o Arguido, apesar de ter sofrido a supra referida pena única de prisão efectiva, não logrou interiorizar o desvalor atribuído à sua conduta pela ordem jurídica, revelando-se especialmente censurável o facto de ter voltado a praticar um tipo de crime pelo qual foi condenado anteriormente (tráfico de estupefacientes)”.

Tendo sido dado como provado no facto n.º 30 que o arguido tinha sido condenado anteriormente, por acórdão cumulatório proferido no processo n.º 994/11.0…, do Juízo Central Criminal de … – Juíz …, transitado em julgado em 29/11/2018, na pena única de 13 anos e 4 meses de prisão, acrescida de 120 dias de prisão subsidiária, e na pena única acessória de expulsão pelo período de 10 anos, pela prática, entre outros, de um crime de tráfico de estupefacientes, em Agosto de 2008 a 2/3/2011 e 4/10/2009.

E nos factos n.ºs 31 a 32, foi dado como provado que o arguido foi preso em 02/03/2011, tendo a pena de prisão sido declarada extinta em 15/09/2020 e que, na sequencia da decisão do TEP de … que ordenou a execução da pena acessória de expulsão do território nacional, o arguido foi afastado do território nacional em 08/08/2020.

Por fim, foi dado como provado no facto n.º 33, que o arguido regressou ao país em Maio de 2021, ainda na vigência da pena acessória de expulsão do território nacional, e no facto n.º 1, que desde Dezembro de 2021, o arguido AA dedicava-se à venda e cedência de produto estupefaciente a terceiros consumidores, nomeadamente cocaína e heroína.

(…) o Tribunal a quo realizou uma avaliação concreta das circunstâncias que rodearam a vivência do arguido no período em causa (após a extinção da pena de prisão a que foi condenado anteriormente), concluindo que o arguido devia ser censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime.

Com efeito, o arguido não só voltou a praticar um mesmo tipo de crime pelo qual já tinha sido condenado anteriormente em pena de prisão efectiva superior a 6 meses (o crime de tráfico de estupefacientes), como o fez, menos de 1 ano depois de ter sido declarada extinta a pena de prisão, e ainda na vigência da execução da pena acessória de expulsão, a qual incumpriu.” (destacados nossos).

O juízo emitido pelo Tribunal a quo mostra-se bem fundado nos factos demonstrados e, pelo seu acerto, fazemos nossas as considerações tecidas na decisão recorrida:

“Materialmente, a conduta do arguido demonstra que as anteriores condenações não foram aptas a dissuadi-lo de praticar novos crimes.

Com efeito, o Arguido foi condenado numa pena acessória de expulsão do território nacional, a qual foi executada em 08.08.2020, tendo o Arguido regressado a Portugal em Maio de 2021, menos de um ano após ter abandonado o país. Vide factos provados n.ºs 32 e 33

Ora, alguém que que pretende viver segundo os ditames da lei, não regressa a um país no qual foi proibido de entrar pelo período de 10 anos, volvido menos de um ano depois do cumprimento de tal pena se iniciar, porque ao fazê-lo está a cometer um crime, relativamente ao qual foi certamente advertido. Cf. 187.º, da Lei nº 23/2007, de 04 de julho

Isto é, o seu regresso a Portugal, inicia-se já com um facto criminoso. Mas mais, tal facto criminoso tem repercussões. Isto porque, sendo o seu regresso feito de forma ilegal, a sua permanência em território nacional será, necessariamente, toda ela pautada pela ilegalidade, vivendo de subterfúgios.

Senão note-se, não lhe é possível ter um contrato de arrendamento, um contrato de trabalho, efectuar descontos, pagar impostos, receber apoios estatais, ou sequer algo tão simples como abrir uma conta no banco.

Sendo certo que seria impossível ao Arguido prover à sua subsistência senão através de esquemas ilícitos quando optou por tal regresso. Vide facto provado n.º 23

Mas mais, o Arguido escolheu regressar para o local da prática dos ilícitos por si praticados anteriormente – mormente a prática do tráfico – local onde conhecia o funcionamento do circuito do tráfico de estupefacientes, sendo evidente que, condicionado pela circunstância de não lhe ser possível celebrar contratos de trabalho legais, a necessidade de angariar dinheiro que lhe permitisse prover à sua subsistência o empurraria novamente para os caminhos do crime que se encontrava a trilhar, como de facto se veio a verificar que ocorreu, atendendo aos factos concernentes à prática do crime de tráfico dados como provados nos presentes autos.

Factos que são também corroborados pelo relatório social elaborado pela DGRSP.

Face ao supra aduzido é forçoso concluir que o Arguido, apesar de ter sofrido a supra referida pena única de prisão efectiva, não logrou interiorizar o desvalor atribuído à sua conduta pela ordem jurídica, pelo que se deu o facto sob o n.º 34 como provado.”

A decisão recorrida não violou o art. 75º do Código Penal, nem merece qualquer reparo ou censura, devendo manter-se a agravante da reincidência, inexistindo razões para reduzir a medida concreta da pena aplicada que, assim, se confirma (pena de 6 anos de prisão).

O recurso do arguido será julgado improcedente.

*

IV.1. DA REUNIÃO DOS PRESSUPOSTOS DE PERDIMENTO A FAVOR DO ESTADO DO VEÍCULO AUTOMÓVEL

A recorrente BB, na qualidade de proprietária registada do veículo …, declarado perdido a favor do Estado, veio interpor recurso do acórdão, pedindo a revogação da decisão na parte que decretou tal perdimento. Concluiu que a decisão recorrida viola o artigo 410º, nº 2 a), 35º do Dec. Lei 15/93 e os artigos 18º nº 2 e 62º da CRP.

Não tem qualquer razão.

Sobre o vício previsto no artigo 410º, nº 2, al. a), do CPP, já disse este Tribunal da Relação no Acórdão proferido nestes autos em 20 de fevereiro de 2024:

“A recorrente invocou o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada por entender que não se mostram apurados factos de que dependia o perdimento do veículo automóvel enquanto instrumento do crime de tráfico de estupefacientes imputado ao arguido, a saber as circunstâncias respeitantes aos requisitos de causalidade e proporcionalidade para efeitos de perdimento.

Sucede que a recorrente incorre em lapso ao considerar que o Tribunal a quo declarou o perdimento por considerar que o veículo constituiu instrumento da infração, sem estabelecer a essencialidade do uso do veículo automóvel para o cometimento do crime de tráfico de estupefacientes.

Como bem assinalou o Ministério Público na resposta ao recurso, no acórdão recorrido, a “matéria de facto e a fundamentação que estiveram na base do perdimento, foi a de aquele [veículo] foi adquirido com base nos proventos obtidos pelo arguido AA, com a actividade de tráfico de estupefacientes.

Não ocorre qualquer insuficiência da matéria de facto provada, no que tange ao perdimento do veículo com base em ter sido adquirido com as vantagens obtidas com a prática do crime de tráfico de estupefacientes. O regime do perdimento dos produtos do crime de tráfico difere do regime do perdimento dos instrumentos desse crime. Tratando-se de produtos do crime, a declaração de perda depende tão só da sua natureza de resultado da infracção. Conforme explicita Hélio Rigor Rodrigues , em anotação ao artigo 36.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a lei não impõe a observância de um critério de proporcionalidade no que tange ao perdimento dos «lucros, recompensas, vantagens, obtidos com a actividade delituosa».

Não ocorre, assim, nesta parte, o vício de insuficiência.”

Tais considerandos são de manter perante o novo recurso interposto.

O arguido AA foi condenado pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às Tabelas I-A e I-B, do mesmo diploma legal.

Ao abrigo do disposto no artigo 109.º, nrs. 1 e 3, do Código Penal e dos artigos 36.º e 39.º do D.L. n.º 15/93, de 22 de janeiro, foi declarada a perda a favor do Estado do veículo automóvel marca …, com a matrícula ….

Como se escreveu na decisão recorrida:

“O referido automóvel foi adquirido mediante contrato de crédito celebrado por BB, a pedido de CC.

Inquirida em julgamento, a testemunha BB afirmou que apenas ficou na titularidade do contrato de crédito a pedido de CC, primo do arguido, atento o facto de este se encontrar desempregado.

Considerando que o arguido não tinha actividade lícita remunerada, o pagamento do crédito provinha dos rendimentos da actividade de tráfico.”

Das circunstâncias de facto consideradas provadas e relativamente às quais não foi dirigida impugnação com êxito, decorre que o veículo automóvel em questão, apesar de registado a favor de BB, foi adquirido mediante contrato de crédito por esta celebrado, a pedido de CC, primo do arguido, sendo que as prestações do crédito foram pagas pelo arguido e por CC, e que era o arguido quem utilizava o automóvel nas suas deslocações.

Como mencionou o Ministério Público na resposta ao recurso:

«Refere o art. 109º, n.º 1, do Código Penal, que:

“ São declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática”.

Por sua vez, de acordo com o artigo 36.º, da Lei n.º 15/93, de 22/01, com a epígrafe “Perda de coisas ou direitos relacionados com o facto”:

“1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de uma infracção prevista no presente diploma, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado.

2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de terceiro de boa fé, os objectos, direitos e vantagens que, através da infracção, tiverem sido directamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem.

3 - O disposto nos números anteriores aplica-se aos direitos, objectos ou vantagens obtidos mediante transacção ou troca com os direitos, objectos ou vantagens directamente conseguidos por meio da infracção.

4 - Se a recompensa, os direitos, objectos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor.

5 - Estão compreendidos neste artigo, nomeadamente, os móveis, imóveis, aeronaves, barcos, veículos, depósitos bancários ou de valores ou quaisquer outros bens de fortuna.”

A matéria atinente à perda de instrumentos do crime encontra-se genericamente prevista no referido art. 109.º do Código Penal (CP), dependendo da verificação cumulativa de que esses objectos tenham servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico e que, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, sendo que pode ter lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto.

Mas, no que respeita a situações de crime de tráfico de substâncias estupefacientes, como aqui sucede, o legislador cuidou de prever especial regime, nos arts. 35.º a 39.º do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, com a finalidade de responder mais eficazmente aos contornos normalmente atribuídos a essa tipologia, tendencialmente prescindindo daquele pressuposto de perigosidade a que se reporta o aludido art. 109.º.

Por isso, no caso dos autos, tendo o arguido sido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, em relação à perda a favor do Estado do veículo aprendido no âmbito do processo deverá aplicar-se o regime previsto neste diploma legal.

Ao contrário do alegado pela Recorrente, o Tribunal a quo declarou perdido a favor do Estado o automóvel marca …, com a matrícula …, nos termos do art. 36.º do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e não nos termos do art. 35º, n.º 1 do citado diploma legal.

E muito bem assim decidiu, porquanto resultou como provado que o automóvel em causa foi adquirido mediante contrato de crédito, cujas prestações foram pagas pelo arguido, através dos rendimentos da actividade de tráfico (dado que o mesmo não exercia qualquer actividade lícita), e que tal veiculo era utilizado pelo arguido nas suas deslocações.

Aliás, a aqui recorrente BB, quando inquirida em julgamento, referiu que apenas ficou na titularidade do contrato de crédito a pedido de CC, primo do arguido, atento o facto de este se encontrar desempregado.

Vindo agora, a recorrente, em sede de recurso, alegar, em contradição com as declarações que prestou em julgamento, que as prestações de crédito foram todas pagas por si.

E assim sendo, mostra-se plenamente justificada a declaração de perdimento a favor do Estado, do veículo automóvel supra citado.».

Fazemos nossas as considerações tecidas na resposta ao recurso. Mostrando serem completa e cabal fundamentação, dispensamo-nos de fazer quaisquer acréscimos.

Ao contrário do que entende a Recorrente, verifica-se que o despacho recorrido, não violou os preceitos legais invocados no recurso que, assim, não poderá deixar de improceder.

Resta-nos acrescentar apenas que o Tribunal a quo e este Tribunal de recurso não perfilharam a interpretação da lei que a recorrente considera violadora dos artigos 18º, nº 2, e 62º da Constituição da República Portuguesa. O sentido normativo a que a recorrente alude não teve, nem tem, aplicação no caso.

A circunstância de não ser perfilhada a interpretação a que a recorrente alude, faz com que se mostre prejudicada a necessidade deste Tribunal tomar posição quanto à questão de inconstitucionalidade suscitada no recurso.

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IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em jugar improcedentes os recursos interpostos pelo arguido AA e por BB, confirmando o decidido.

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Fixa-se em 4 UC a taxa de justiça a suportar por cada um dos recorrentes.

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D.N. (comunicando-se de imediato a decisão ao Juízo Central Criminal de … – Juiz … – para os efeitos legais tidos por convenientes, designadamente no âmbito do translado para acompanhamento da prisão preventiva, em face do disposto no artigo 215º, nº 6, do CPP).

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O presente acórdão foi elaborado pelo Relator e por si integralmente revisto (art. 94º, n.º 2 do C.P.P.).

Évora, 8 de outubro de 2024

Jorge Antunes (Relator)

António Condesso (1º Adjunto)

Artur Vargues (2º Adjunto)