PENAS DE SUBSTITUIÇÃO
Sumário

As penas de substituição podem ser agrupadas em penas de substituição em sentido próprio, de carácter não institucional ou não detentivo, por serem cumpridas em liberdade [as penas de multa de substituição (art.º 45.º do Código Penal), de suspensão de execução da prisão (art.º 50.º do Código Penal) e de prestação de trabalho a favor da comunidade (art.º 58.º do Código Penal)] e em penas de substituição em sentido impróprio, de carácter institucional ou detentivo, por serem cumpridas com privação da liberdade [atualmente apenas o regime de permanência na habitação (art.º 43.º do Código Penal), após a abolição da prisão por dias livres e do regime de semidetenção, levada a cabo pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto].
Em termos de hierarquia legal das penas de substituição, o Código Penal apenas estabelece um critério de preferência pelas penas não detentivas, por não implicarem a privação da liberdade do arguido, ao dispor, no art.º 45.º, que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável.
Significa isto que o tribunal deve apurar, em concreto, se entre as várias penas de substituição aplicáveis ao caso, existe alguma adequada que realize as exigências de prevenção especial de socialização que se façam sentir, dando preferência a uma que não seja privativa da liberdade.

Texto Integral

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

No Juízo Local Criminal de … do Tribunal Judicial da Comarca de … corre termos o processo sumário n.º 7/24.2GCPMS, no qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo, na parte que interessa (transcrição):

“Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 7 (sete) meses de prisão”

Inconformado, o arguido interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“1) Desde logo porque, pelo recorrente foi referido e foi provado que a pena de 7 (sete) meses de prisão,

2) Pena essa que deveria ser a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meio técnicos de controlo à distância é completamente desacuada,

3) O recorrente aquando da interceção doas agentes de autoridade, encontrava-se a conduzir por necessidade, ou seja, necessidade essa que se traduz, na necessidade da procura de trabalho por parte do recorrente,

4) Daí que, salvo devido respeito pelo tribunal “a Quo”, não podia decidir como decidiu, ao proceder deste modo significa coatar os direitos que o recorrente possui.

5) Andou mal novamente este tribunal, porquanto não fundamentou devidamente a sua decisão, aplicando a seu belo prazer a pena de 7 (sete) meses de prisão efetiva.

6) Pena essa, que deveria ser a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meio técnicos de controlo à distância.

7) Inexiste fundamento de facto e de direito para que o tribunal a quo tenha decidido como decidiu e, consequentemente, para a condenação do Recorrente numa a pena de 7 (sete) meses de prisão.

8) Ora, não pode efetivamente o recorrente concordar com a douta sentença, desde logo porque, a pena aplicada é completamente desproporcional aos factos cometido pelo recorrente.

9) Acresce ainda que a pena aplicada ao arguido é inferior a 2 anos, pelo que igualmente é admissível, pela sua dosimetria, o cumprimento da mesma neste regime, ou seja, em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meio técnicos de controlo à distância.

10) Salvo devido respeito pelo tribunal “a quo”, andou mal este tribunal ao decidir da forma como decidiu.

11) E como tal, e do exposto, não pode o tribunal “a Quo”, decidir pela aplicação da pena de 7 (sete) meses de prisão efetiva.

12) Pelo que não se podem ignorar os efeitos criminógenos da prisão.

13) O Tribunal “a Quo”, deveria ter favorecido a integração familiar e social do ora recorrente, permitindo-lhe que continue a exercer a sua actividade laboral, para além de se prosseguir o intento de obter licença para a condução de veículos motorizados, assim se mitigando, de modo substancial, tais efeitos.

14) As razões de prevenção geral, neste tipo de ilícito, são por demais conhecidas e ao nível da prevenção geral, pelo que se dispensam outros considerandos para além do que se expôs.

15) Assim, ao decidir da forma supra descrita errou na apreciação dos factos, não se mostrando assim que o tribunal “a Quo” tenha sido suficientemente exigente na formação da sua convicção,

16) Todas estas circunstâncias supra elencadas só poderiam conduzir a um resultado distinto daquele que veio a ser considerado pelo Tribunal “a Quo”,

17) Igualmente, perante o supra exposto, e porquanto não resulta da motivação da sentença, não se percebe de que forma é que o Tribunal “a Quo” formou uma certeza absoluta relativamente à decisão proferida.

18) Assim, deverá ser revogada a sentença recorrida impugnada e substituída por outra que considere o recurso procedente.

19) Termos em que o presente recurso deve ser julgado provado e procedente e por via disso, revogada a sentença recorrida e substituída por outra que difira o recurso.”

Pugnando, a final, pelo seguinte resultado:

“Nestes termos (…) deve ser concedido provimento ao recurso, e, consequentemente julgar-se a apelação procedente.”

O MP na 1.ª instância respondeu ao recurso, com as seguintes conclusões (transcrição):

“1. A condenação do arguido na pena de 7 meses de prisão mostra-se conforme às exigências punitivas cabidas ao caso;

2. Os antecedentes criminais do arguido, particularmente a circunstância de ser esta a 6.ª condenação pelo crime de condução sem habilitação legal, revelam a total ineficácia de qualquer outra pena que não a prisão efetiva para satisfazer as necessidades punitivas;

3. Com efeito do comportamento do Requerente não se extrai qualquer facto que permita concluir por um prognóstico favorável em relação ao mesmo pois o arguido não demonstrou qualquer arrependimento pelos factos por que foi condenado nem deu qualquer sinal de onde o Tribunal possa extrair a conclusão de que interiorizou, finalmente, a gravidade, ilegitimidade e absoluta reprovação de que a sua reiterada conduta é merecedora.

4. Caso fosse aplicado um dos regimes propugnados pelo Recorrente, fácil seria a este continuar a praticar este crime, como o tem vindo a fazer desde 2011;

5. A opção pela pena de prisão efetiva mostra-se, assim, plenamente justificada e fundamentada.”

Pugnando, a final, pelo seguinte resultado:

“Por estas razões, entende o Ministério Público que o presente recurso deve improceder.”

O Exm.º PGA neste Tribunal da Relação emitiu parecer, defendendo, em síntese, “que o recurso não deve obter provimento.”

Procedeu-se a exame preliminar.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (1), sem resposta.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa:

“II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A – MATÉRIA DE FACTO PROVADA

1. No dia 8 de janeiro de 2024, pelas 15 horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula …, de marca …, modelo …, na Rua de …, em ….

2. O arguido conduziu nas circunstâncias de tempo, modo e lugar supra referidas sem ser titular de qualquer documento que o habilitasse a conduzir o mencionado veículo.

3. O arguido, não obstante saber que não podia conduzir o veículo supra referido na via pública sem para tal estar legalmente habilitado, não se absteve de o fazer.

4. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que lhe não era lícito conduzir nos termos e moldes em que o fez e que tal conduta lhe era proibida e punida por lei penal.

Mais se provou que:

5. O arguido admitiu os factos de forma livre, integral e sem reservas.

6. O arguido AA desenvolveu a sua personalidade no seio de uma família humilde, constituída pelos pais e dois irmãos.

7. O pai do arguido faleceu quando ele tinha cerca de 10 anos, ficando o arguido ao encargo apenas da sua mãe.

8. A subsistência da família era assegurada pelo pai, encarregado numa fábrica de peles, e pela mãe, operária fabril numa fábrica de malhas, entretanto já reformada.

9. Um dos irmãos do arguido tem agregado autónomo constituído e o outro vive no agregado familiar da mãe.

10. O arguido viveu sempre no agregado de origem, com a mãe e o irmão, até há cerca de dois anos, altura em que iniciou uma relação marital com BB.

11. No seu percurso escolar, o arguido não registou problemas significativos, tendo concluído o 9.º ano de escolaridade, sofrendo uma ou duas retenções.

12. O arguido não prosseguiu os estudos por desinteresse pela escola, dando preferência ao trabalho.

13. Em simultâneo com a escola, o arguido trabalhava à noite a carregar camiões, situação que manteve mesmo depois de ter terminado os estudos até aos seus 18/20 anos.

14. Posteriormente, o arguido foi trabalhar para uma serralharia, onde se manteve até meados de novembro de 2023, altura em que a empresa prescindiu do seu trabalho.

15. Atualmente, o arguido encontra-se desempregado, fazendo alguns biscates na área da serralharia e da construção civil, no que aufere cerca de €100,00 a €200,00 por mês.

16. O arguido já tentou obter a carta de condução, mas sem sucesso, não dispondo atualmente de meios monetários para o efeito.

17. O arguido reside com a sua companheira e com o filho desta, que tem 6 anos de idade.

18. O agregado assim constituído reside num apartamento, de tipologia 2, arrendado, que reúne condições de habitabilidade.

19. O agregado perspetiva alterar de residência no início do mês de março, aguardando apenas os trâmites bancários normais para a compra do imóvel.

20. A companheira do arguido é operária numa empresa de curtumes, no que aufere o salário mínimo nacional.

21. O agregado aufere cerca de €30,00 de abono de família.

22. Pagam o valor de €350,00 a título de renda da habitação, e o valor de €257,00 para amortização do empréstimo contraído para a aquisição do apartamento da companheira do arguido.

23. A mãe da companheira do arguido presta alguma ajuda financeira ao agregado quando necessário.

24. O arguido é pessoa bem integrada na comunidade onde reside.

25. O arguido prestou o consentimento para o cumprimento de pena de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica.

26. O arguido já respondeu criminalmente:

a) No Tribunal Judicial de …, pela prática, em 17-07-2011, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e de um crime de condução sem habilitação legal, tendo sido condenado por sentença transitada em julgado em 06-03-2012, na pena única de 160 dias de multa, à taxa diária de €5,00, perfazendo o valor global de €800,00, a qual foi declarada extinta pelo pagamento em 06-03-2012;

b) No Tribunal Judicial de … pela prática, em 15-09-2013, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de condução sem habilitação legal, tendo sido condenado por sentença transitada em julgado em 28-10-2013, na pena única de 220 dias de multa, à taxa diária de €7,00, perfazendo o valor global de €1.540,00; a referida pena de multa foi extinta pelo pagamento em 12-01-2015;

c) na Juízo Local Criminal de …, pela prática, em 27-09-2014, de um crime de condução sem habilitação legal, tendo sido condenado por sentença transitada em julgado em 29-10-2014, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 150 dias de multa, à taxa diária de €7,00, perfazendo o valor global de €1.050,00; a referida pena de multa foi extinta pelo pagamento em 28-10-2015;

d) No Juízo Local Criminal de … pela prática, em 03-07-2016, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e de um crime de condução sem habilitação legal, tendo sido condenado por sentença transitada em julgado em 27-09-2016, na pena única de 8 meses de prisão, substituída pela prestação de 240 horas de trabalho a favor da comunidade, e na pena acessória de proibição de conduzir veículo motorizados pelo período de 6 meses; as referidas penas principal e acessória foram extintas pelo cumprimento em 02-03-2017 e em 27-03-2017, respetivamente;

e) No Juízo Local Criminal de … pela prática, em 26-01-2020, de um crime de condução sem habilitação legal, tendo sido condenado por sentença transitada em julgado em 30-04-2020, na pena de um ano de prisão, suspensa pelo período de um ano, com regime de prova e subordinada ao cumprimento pelo arguido dos seguintes deveres: frequência de programa de prevenção rodoviária intitulado STOP e obtenção de título de condução, devendo fazer prova no prazo de seis meses da frequência de aulas teóricas e obtenção e aprovação do exame teórico e, ao fim de um ano, aprovação do exame prático e obtenção do título de condução; a referida pena de prisão suspensa foi prorrogada por mais um ano, tendo sido declarada extinta em 20-04-2022, ao abrigo do disposto no artigo 57.º do Código Penal;

f) No Juízo de Competência Genérica de … pela prática, em 22-06-2022, de um crime de condução sem habilitação legal, tendo sido condenado por sentença transitada em julgado em 01-03-2023, na pena de seis meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, com fiscalização de meios técnicos de controlo à distância, com autorização das ausências da habitação pelo arguido estritamente necessárias para prossecução da sua atividade laboral dentro do horário respetivo, e bem assim, da frequência de aulas teóricas e práticas de condução e sujeição aos respetivos exames; a referida pena de prisão foi extinta pelo cumprimento em 27-10-2023.

(…)

B – DA ESCOLHA E DA DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA

O crime de condução sem habilitação legal, previsto no artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, é punido com prisão até dois anos ou multa até 240 dias.

A primeira operação a realizar será a de escolher, de entre as duas possíveis, qual a espécie de pena adequada ao caso concreto – prisão ou multa.

Nos termos do artigo 70.º do Código Penal, quando o crime é punível alternativamente com pena privativa da liberdade e pena não privativa da liberdade, deve dar-se preferência a esta, sempre que a mesma realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Assim, este critério geral ancora-se nos princípios da necessidade, da proporcionalidade e da subsidiariedade da pena de prisão, tendo em vista, no caso, as finalidades das penas.

Impõe-se, então, considerar as necessidades de prevenção geral, que são acentuadas, atento o elevado número de casos de condução sem habilitação legal, sendo de salientar que muitos dos acidentes de viação rodoviários são causados por indivíduos que não se encontram habilitados ao exercício da condução.

Há ainda que ponderar as necessidades de prevenção especial, que, no caso concreto, justificam a aplicação da pena de prisão. De facto, temos de ter em consideração que o arguido já sofreu seis condenações anteriores pela prática do crime por que vem ora acusado. Acresce que o arguido foi já condenado em penas de prisão substituídas por outras penas e também em pena de prisão a executar em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, sendo que tais penas não o demoveram de voltar a praticar idêntico crime.

Torna-se, assim, necessário optar pela pena privativa da liberdade para impedir o arguido de praticar igual conduta criminosa.

**

O n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de janeiro, estabelece como limite máximo da pena de prisão o período de dois anos.

(…)

Ora, a culpa do arguido é elevada, já que atuou com dolo direto, representando os factos e querendo praticá-los (cfr. artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal).

Além disso, atendendo às circunstâncias e ao modo de execução do crime, verificamos que é elevado o grau de ilicitude dos factos, já que o arguido conduziu o veículo automóvel numa via pública. O arguido tinha plena consciência da ilicitude do facto que praticava, não se coibindo de o praticar.

Conforme supra exposto, as exigências de prevenção geral positiva são elevadas atendendo ao grande número de infrações desta natureza no nosso país e à sinistralidade rodoviária muitas vezes causada por condutores impreparados para o exercício da condução.

Por outro lado, as exigências de prevenção especial também são elevadas, já que o arguido já foi condenado seis vezes pela prática de idêntico crime, tendo sido já condenado em pena de prisão em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, o que não o demoveu de praticar novo ilícito criminal da mesma natureza.

A favor do arguido milita a circunstância de ser pessoa social e familiarmente inserida, tendo admitido os factos de forma livre, integral e sem reservas, assim colaborando de forma ativa com a administração da justiça.

Tudo ponderado e, tendo em conta que o limite mínimo da pena de prisão é de um mês (cfr. artigo 41.º, n.º 1, do Código Penal) e o limite máximo é de dois anos (cfr. cfr. artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de janeiro), entende o tribunal ser adequado impor ao arguido uma pena de 7 (sete) meses de prisão pela prática, em 08-01-2024, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal.

*

Fixada a pena de prisão em medida não superior a 1 ano, cumpre ainda determinar se ao arguido não será de aplicar uma das penas de substituição que a lei permite, impondo-se legalmente ao julgador que o faça se a execução da prisão não for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes (cfr. artigo 45.º do Código Penal), ou porque, face às penas de substituição legalmente previstas, acabar por concluir que uma dessas penas satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (…).

No caso em apreço, verifica-se que a substituição da pena de prisão aplicada por multa ou por prestação de trabalho a favor da comunidade (cfr. artigos 45.º e 58.º do Código Penal) não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Com efeito, o arguido já possui vários antecedentes criminais, tendo sido condenado seis vezes pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, inclusive numa pena de prisão em regime de permanência na habitação, pelo que entendemos que a substituição da pena de prisão por multa ou por trabalho a favor da comunidade não é suficiente para afastar o arguido da delinquência nem assegura as finalidades preventivas da pena.

A suspensão da execução da pena de prisão é uma forma de cumprimento de uma pena, funcionando como medida de substituição que, não determinando a perda da liberdade física, condiciona a vida daqueles a quem é aplicada durante todo o período em que é fixada (…). A suspensão da pena é uma medida com um cariz pedagógico e reeducativo, visando proporcionar ao delinquente condições para o prosseguimento de uma vida à margem da criminalidade e exigir-lhe que passe a pautar o seu comportamento pelos padrões ético-sociais dominantes.

A suspensão da execução da pena depende da verificação cumulativa de dois pressupostos: um formal, e outro material. O primeiro exige que a pena de prisão aplicada não exceda 5 anos. O pressuposto material consiste num juízo de prognose, segundo o qual, o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclui que a simples censura do facto e a ameaça de prisão bastarão para afastar o delinquente da criminalidade, salvaguardando as exigências mínimas da prevenção geral (cfr. artigo 50.º do Código Penal). E o tribunal só deve decretar a suspensão da execução quando concluir, face a esses elementos que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade. O instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o tribunal e o condenado. Assim, o tribunal convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo, posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade. No entanto, se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa (…).

Ou seja, é necessário que, por um lado, se faça uma prognose social favorável quanto ao arguido no sentido de que, perante a factualidade apurada, se conclui que o mesmo aproveitará a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, não voltando, com elevado grau de certeza, a delinquir e, por outro lado, que a suspensão cumpra as exigências de reprovação do crime, servindo para satisfazer a confiança da comunidade nas normas jurídicas violadas.

(…)

(…) [D]ir-se-á que, no caso em apreço, atendendo às circunstâncias pessoais do arguido constantes da matéria de facto, designadamente o seu passado criminal, sempre pela prática de crimes de natureza idêntica aos que ora julgamos, tendo sido condenado em penas de multa, numa pena de prisão substituída por multa, numa pena de prisão substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade, numa pena de prisão suspensa com regime de prova e numa pena de prisão em regime de permanência na habitação, este tribunal não dispõe de factos que lhe permitam concluir que a simples censura do facto ínsita na presente decisão e a ameaça da pena de prisão são suficientes para realizar, no caso, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição - artigo 50.º, n.º s 1 e 4 do Código Penal.

Cumpre relembrar ainda as necessidades de prevenção geral associadas a este tipo de crimes e as necessidades de prevenção especial associadas ao concreto agente em causa.

Aliás, também se nos afigura que o conhecimento público de que alguém que teve a conduta deste arguido e que tem o seu passado criminal foi sancionado com uma pena de prisão suspensa na sua execução afronta o sentimento geral da nossa sociedade, que reclama uma maior severidade na punição e pode colocar gravemente em causa a credibilidade de que ainda gozam as normas jurídicas que tutelam criminalmente estas infrações.

De facto, as necessidades de prevenção não permitem suspender a execução da pena de prisão. É de salientar o número, a natureza e a gravidade dos crimes cometidos pelo arguido, entre 2011 e 2022, sendo que o arguido foi condenado três vezes em penas de prisão substituídas por penas não privativas da liberdade, mas a ameaça da prisão não se revelou - nem se revela agora - suficiente para impedir que o arguido praticasse novos factos criminosos. De facto, é de salientar que o arguido foi já condenado numa pena de prisão em regime de permanência na habitação, mas nem isso o demoveu de reiterar na prática do mesmo crime, tendo praticado um novo crime de condução sem habilitação legal menos de três meses depois de ter cumprido uma pena de seis meses de prisão em regime de permanência na habitação pela prática de crime de igual natureza.

O arguido revelou com as suas condutas anteriores à prática dos factos que ora julgamos uma ausência total de ressonância face aos comandos jurídico-normativos e judiciários, não oferecendo garantias de que, em liberdade, ficará definitivamente afastado da prática de ilícitos penais.

Daí que o tribunal considere que não é o mero receio de cumprir pena efetiva de prisão que impedirá o arguido de voltar a cometer novamente factos ilícitos, ficando afastada a hipótese de suspender a pena de prisão aplicada na sua execução, nem mesmo com sujeição a regime de prova, ao qual já o arguido foi submetido.

Face a estas circunstâncias, opta-se por não suspender a execução da pena de prisão supra aplicada a este arguido.

*

Por outro lado, estabelece o artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal, na redação dada pela Lei n.º 94/2017, de 23-08, o seguinte:

“Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:

a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos”

(…)”

Também esta solução não se nos afigura dar resposta às exigências preventivas do caso concreto, não se mostrando a execução da prisão em regime de permanência na habitação adequada e suficiente para realizar as finalidades da pena.

Conforme já referimos, o arguido AA foi condenado seis vezes pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, tendo-lhe sido aplicadas penas de multa, uma pena de prisão substituída por multa, uma pena de prisão substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade, uma pena de prisão suspensa com regime de prova e uma pena de prisão em regime de permanência na habitação, que não o demoveram da prática de um novo crime idêntico.

De facto, é de salientar que o arguido terminou o cumprimento de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação no dia 27-10-2023, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, e menos de três meses depois de estar em liberdade, voltou a cometer um novo crime de condução sem habilitação legal (no dia 08-01-2024), que ora estamos a julgar. Tal circunstância é demonstrativa de que a pena de prisão em regime de permanência na habitação não surtiu o efeito pretendido de demover o arguido de praticar novos ilícitos criminais.

Assim, pese embora a pena de prisão aplicada seja inferior a dois anos e apesar da inserção familiar do arguido, considera-se, atentos os seus antecedentes criminais e as penas já cumpridas pelo mesmo, que a aplicação de tal regime de permanência na habitação não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão.

Entendemos, assim, que a pena de prisão ora aplicada deve ser executada no estabelecimento prisional e não na habitação, por forma a que o arguido, de uma vez por todas, interiorize o desvalor das suas condutas e a necessidade de inverter o seu percurso de vida, enveredando por um caminho conforme ao direito e às expetativas comunitárias.

Face a estas circunstâncias, opta-se por não determinar a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação.”

2 - Fundamentação.

A. Delimitação do objecto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412.º), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

A (única) questão a decidir no presente recurso é avaliar da legalidade da decisão de não aplicação execução da pena em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

*

B. Decidindo.

As penas de substituição podem ser agrupadas em penas de substituição em sentido próprio, de carácter não institucional ou não detentivo, por serem cumpridas em liberdade [as penas de multa de substituição (art.º 45.º do Código Penal), de suspensão de execução da prisão (art.º 50.º do Código Penal) e de prestação de trabalho a favor da comunidade (art.º 58.º do Código Penal)] e em penas de substituição em sentido impróprio, de carácter institucional ou detentivo, por serem cumpridas com privação da liberdade [atualmente apenas o regime de permanência na habitação (art.º 43.º do Código Penal), após a abolição da prisão por dias livres e do regime de semidetenção, levada a cabo pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto].

Em termos de hierarquia legal das penas de substituição, o Código Penal apenas estabelece um critério de preferência pelas penas não detentivas, por não implicarem a privação da liberdade do arguido, ao dispor, no art.º 45.º, que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável.

Significa isto que o tribunal deve apurar, em concreto, se entre as várias penas de substituição aplicáveis ao caso, existe alguma adequada que realize as exigências de prevenção especial de socialização que se façam sentir, dando preferência a uma que não seja privativa da liberdade.

O ora recorrente pugna pela execução da pena em regime de permanência na habitação, nos termos do disposto no art.º 43.º do Código Penal. É em face das exigências de prevenção geral e especial que se deve aferir da possibilidade de opção pelo regime de permanência na habitação, como forma de execução da pena de prisão. Resta, pois, averiguar se o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, com fiscalização electrónica, constituiria ou não meio suficiente para dissuadir o condenado de cometer, no futuro, ilícitos da mesma natureza, permitindo realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ficando asseguradas as finalidades da execução da pena de prisão (quer de prevenção geral, quer especial). Partilhamos do entendimento do tribunal a quo quando sublinha que se registam necessidades de prevenção geral e especial muitíssimo elevadas. Com efeito, o arguido manifestou intenso desprezo pela lei e pelas anteriores formais advertências subjacentes às condenações criminais de que foi alvo. Como se referiu no Acórdão do Tribunal deste TRE de 07.09.2021 (2), “(…) fortíssimas razões de prevenção geral positiva exigem a escolha da pena de prisão efectiva: in casu, só esta permitirá (…) estabilizar contrafaticamente as expectativas da comunidade na validade e eficácia da norma violada (…), pois o desprezo a que o ora recorrente votou os valores prosseguidos pela norma (especialmente a vida das pessoas que circulam nas vias públicas) em detrimento dos seus interesses pessoais, traduz uma “infracção normativa e, por isso, uma desautorização da norma. Esta desautorização dá lugar a um conflito social na medida em que põe em questão a norma como modelo de orientação.” (…) Assim, em face dos altos índices de sinistralidade rodoviária, é decisivo que os cidadãos tenham a consciência de que a validade e eficácia da norma (…) para circular nas vias públicas se encontra, em concreto, assegurada, através do adequado sancionamento das respectivas violações, e que tal sancionamento será tanto mais robusto quanto aquelas forem sucessivas (…). Voltamos a sublinhar, por outro lado, que as necessidades de prevenção especial se fazem, in casu, sentir de forma muito intensa, comprometendo de forma evidente a possibilidade de se formular um prognóstico positivo de alteração do comportamento futuro do arguido sem o necessário recurso à sua reclusão em ambiente prisional. Todas as condenações (homótropas) integram um passado criminal muito substancial. Em face de tão exuberante registo criminal, torna-se evidente a constatação de um perfil pessoal que suscita acentuadas preocupações ao nível da prevenção especial. Da repetição da prática dos crimes, por um lado, da demonstração de que o arguido denota uma conduta displicente para com os factos ilícitos praticados, minimizando substancialmente as consequências que deles podem advir, não tendo sentido crítico, flui, por outro lado, que resultam preocupantes traços de personalidade do condenado (personalidade à qual deve atender-se em face do disposto no art.º 43.º, n.º 1 do Código Penal, que impõe a consideração das necessidades de prevenção especial, assim relevando as circunstâncias do caso, da vida anterior do agente e da sua personalidade). Tratando-se de um indivíduo com um percurso marcado por comportamentos desajustados e de inadaptação, o prognóstico de comportamento futuro mostra-se muito negativo. Vale aqui sublinhar de novo que a decisão recorrida ponderou devidamente todas as realidades de facto e de direito (3) necessárias a esta decisão, concretamente referindo que:

Conforme já referimos, o arguido AA foi condenado seis vezes pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, tendo-lhe sido aplicadas penas de multa, uma pena de prisão substituída por multa, uma pena de prisão substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade, uma pena de prisão suspensa com regime de prova e uma pena de prisão em regime de permanência na habitação, que não o demoveram da prática de um novo crime idêntico.

De facto, é de salientar que o arguido terminou o cumprimento de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação no dia 27-10-2023, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, e menos de três meses depois de estar em liberdade, voltou a cometer um novo crime de condução sem habilitação legal (no dia 08-01-2024), que ora estamos a julgar. Tal circunstância é demonstrativa de que a pena de prisão em regime de permanência na habitação não surtiu o efeito pretendido de demover o arguido de praticar novos ilícitos criminais.

Assim, pese embora a pena de prisão aplicada seja inferior a dois anos e apesar da inserção familiar do arguido, considera-se, atentos os seus antecedentes criminais e as penas já cumpridas pelo mesmo, que a aplicação de tal regime de permanência na habitação não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão.

Entendemos, assim, que a pena de prisão ora aplicada deve ser executada no estabelecimento prisional e não na habitação, por forma a que o arguido, de uma vez por todas, interiorize o desvalor das suas condutas e a necessidade de inverter o seu percurso de vida, enveredando por um caminho conforme ao direito e às expetativas comunitárias.

A prática dos factos que cometeu, repetindo anteriores comportamentos delituosos, com clara indiferença perante as solenes advertências que lhe foram feitas a cada condenação, não pode deixar de revelar uma personalidade com séria dificuldade em interiorizar princípios e valores conformes com a vida em sociedade, os quais desprezou de forma muito intensa.

Deverá notar-se que esses traços de personalidade não são fáceis de mudar. Nem as mudanças possíveis tendem a verificar-se com rapidez.

As necessidades de prevenção especial que o caso demanda exigem uma resposta firme, sendo evidente que só essa propiciará uma evolução por parte do arguido ao nível da autocrítica acerca da conduta criminal. Impondo-se que fortaleça o juízo de autocensura do seu comportamento e das suas consequências para terceiros, devem retirar-se as devidas consequências do facto de ter vindo a ignorar as sucessivas condenações (sublinhando-se também a evidente progressividade das penas aplicadas, que tornam a pena concreta agora aplicada fruto de um silogismo óbvio, ou seja, essencialmente esperável, não havendo qualquer surpresa nesta aplicação) que sofreu, não se mostrando minimamente permeável às mensagens que lhe foram sendo transmitidas com a aplicação de sanções progressivas mas ainda a executar no seio da comunidade.

A prevenção especial demanda, aqui em especial, a adoção de um propósito neutralizador (4), “por via do afastamento do delinquente para que fique impedido fisicamente de cometer mais crimes, pelo menos durante certo tempo”. (5)

Importa, pois, provocar a reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências para as potenciais vítimas – essa reflexão, com assunção da responsabilidade, revela-se indispensável para uma cabal interiorização do desvalor da conduta e, como tal, essencial para que se venha a concluir que o condenado está munido de um relevante inibidor endógeno, principalmente quando, como no caso dos autos, se denotam traços de personalidade potenciadores da reincidência em sentido amplo.

Como explicitam João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino (6), sem interiorização da responsabilidade dificilmente será possível alterar comportamentos.

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Em síntese, a efetiva execução da pena de prisão em estabelecimento prisional mostra-se, assim, necessária.

3 - Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC. (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais)

(Processado em computador e revisto pelo relator)

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1 Diploma a que pertencerão todas as referências normativas ulteriores, salva indicação diversa.

2 Proferido no processo 452/19.5GABVN.E1 e acessível em www.dgsi.pt.

3 Ao invés do que, conclusiva e infundadamente, o recorrente invoca. Aliás, não pode deixar de se referir aqui a censurável referência à alegada omissão das datas de extinção das penas em que o arguido foi condenado, quando basta uma leitura perfunctória de decisão recorrida (que o recorrente terá omitido) para se concluir que tal referência daquela efetivamente consta.

4 Que se sobrepõe, em concreto, ao evidente efeito criminógeno do cumprimento de penas em estabelecimento prisional.

5 José Adriano Souto de Moura, “Visitar Durkheim a Propósito dos Fins das Penas”, Revista do Centro de Estudos Judiciários, 2019, II, página 48.

6 In “Reclusão e Mudança” - “Entre a Reclusão e a Liberdade”, vol. II, Pensar a Reclusão, Almedina, página 171.