OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA GRAVE E QUALIFICADA
MEDIDAS DE COACÇÃO
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
PERIGO DE CONTINUAÇÃO DA ACTIVIDADE CRIMINOSA
PERIGO DE PERTURBAÇÃO GRAVE DA ORDEM E TRANQUILIFDADE PÚBLICAS
Sumário

I. A extrema violência associada a dois episódios distintos, protagonizados pelo arguido, em momentos diversos e sobre vítimas diferentes, indiciam não apenas a verificação das agressões cometidas, como o grau de violência e a gravidade das respetivas consequências, tornam indiscutível a qualificação jurídica dos factos correspetivos, como sendo integradores de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, previsto nos artigos 144.º, al. b) e d) e 145.º, § 1.º, al. c), por referência ao artigo 132.º, § 2.º, al. e) do Código Penal; e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto nos artigos 143.º, § 1.º e 145.º, § 1.º e 2.º, por referência ao artigo 132.º, § 2.º, al. e) do Código Penal.
II. A obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, no referido quadro circunstancial, considerando ainda a personalidade e o modo de vida que são conhecidos ao arguido, visa evitar a continuação da atividade criminosa, sendo proporcional à gravidade dos ilícitos indiciariamente cometidos e adequada a manter um estreito confinamento e controlo sobre o arguido.
III. O perigo de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas, previsto no § 1.º do artigo 204.º CPP, tem de resultar de circunstâncias concretas, de que possa emergir previsível comportamento no futuro imediato por banda do arguido, resultantes da sua atitude ou atividade, aferidas no momento da decretação da medida. Não podendo fundar-se em mero prenúncio abstrato, arreigado a supostos «sentimentos de angústia e intranquilidade da população», gizando em boa verdade finalidades de prevenção geral e especial!
IV. A aplicação das medidas de coação (designadamente a obrigação de permanência na habitação), não logrará legitimação constitucional (artigos 18.º, § 2.º e 32.º, § 2.º da Constituição), por violação do princípio da presunção de inocência, se se afastar das finalidades processuais (garantia do bom andamento do processo e efeito útil da decisão final), nomeadamente se assentar em considerações de prevenção geral ou especial, promotoras (em boa verdade) de uma punição antecipada do arguido.

Texto Integral

I – Relatório
a. No âmbito dos presentes autos de inquérito, a correrem termos na Procuradoria da República de …, foi requerido ao Mm.o Juiz de Instrução Criminal de …, o primeiro interrogatório judicial de arguido detido.

Realizado este, considerando-se haver fortes indícios da prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificadas, previstos nos artigos 143.º, § 1.º e 145.º, § 1.º e 2.º. com referência à al. e) do § 2.º do artigo 132.º do Código Penal (CP), veio a ser judicialmente imposta ao arguido AA, nascido a …/…/1989, com os demais sinais constantes dos autos, as medidas de coação julgadas ajustadas à prevenção dos perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, concretamente obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (e enquanto tal se não mostrar possível, a proibição de entrar e permanecer no concelho de ….

b. Inconformado com o assim decidido, veio o referido arguido interpor o presente recurso, rematando-o com as seguintes conclusões (1):

«C. O despacho recorrido ao aplicar a prisão domiciliária com vigilância eletrónica não obedeceu à excecionalidade de tal medida coactiva, violando, por erro e má interpretação, os artigos 191.º , no 1, 193.0 , 201.0, e 204.0 do Código de Processo Penal bem como os princípios constitucionais da legalidade, da adequação e da proporcionalidade e da presunção de inocência previstos nos artigos 280 , no 2 e 320 , no 1 e 2 da CRP, na medida em que considera inadequada e insuficiente uma medida não privativa da liberdade. A fundamentação da desadequação e da insuficiência de outras medidas de coação não obedece a critérios lógico dedutivos nem de razoabilidade nem tem suporte nos elementos de prova coligidos.

D. Nada de concreto resulta da factualidade indiciada que permita concluir pela verificação de perturbação do inquérito ou de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, não há perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, porque ela se encontra protegida nos autos em "segredo de justiça" sendo certo que tais perigos terão que se verificar em concreto, não podendo basear-se em considerações genéricas ou apenas na natureza do crime imputado. De facto, o arguido, no primeiro interrogatório, colaborou com a justiça e esclareceu o Tribunal na descoberta da verdade, não tendo, este tribunal, valorado convenientemente, o seu depoimento.

E. O arguido, e aqui Recorrente prestou declarações quanto aos factos do dia 17 de Junho de 2024, no sentido de explicar que se encontrava a trabalhar quando o foram chamar porque o ofendido estava a abusar de uma Senhora que se encontrava inconsciente e quando se aproximou da mesa o ofendido foi agressivo, tal é passível de se verificar das imagens recolhidas, sendo certo que não se compreende o porquê de nem o Tribunal, nem no auto de visionamento efetuado pela PJ se refere ao inicio da contenda e que o arguido foi chamado para impedir que o ofendido, militar da Força Aérea …, continuasse a abusar de uma pessoa inconsciente, o arguido já aprendeu que não deve interferir em tais assuntos e que se vir uma pessoa inconsciente a ser abusada, deve chamar a policia e aguardar que os mesmos se desloquem ao local.

F. Bem como não se percebe no que concerne aos factos do dia 11 de Abril de 2024, e mesmo tendo presente o depoimento da testemunha que refere ter visionado as imagens do dia e ter verificado que se tratava de uma contenda em que o arguido foi agredido por seis pessoas e houve agressões mutuas, no entanto é o arguido que vem indiciado por dois crimes de ofensa à integridade física qualificada. Veja-se que, não obstante ter passado mais de 13 anos desde a data da prática do crime de burla pelo qual o arguido foi condenado e de 15 anos relativamente ao crime de furto qualificado no qual foi condenado numa pena de 200 dias de multa, estes antecedentes serviram para o Mmo. JIC determinar que o arguido, pessoa que trabalha como empregado em bares há mais de 10 anos tem uma personalidade violenta.

G. Mesmo que se considere existir indícios ou fortes indícios de o arguido ter cometido dois crimes de ofensa à integridade física, estes crimes não podem ser qualificados. Os factos que deram origem ao envolvimento do arguido nas agressões, não foram sequer considerados pelo douto Tribunal, e ao invés, o que deixa transparecer do douto despacho recorrido, é que o arguido do nada resolveu agredir duas pessoas, o que não corresponde à verdade.

H. Bem como não se percebe, porque é que é o arguido e tão só o arguido que se encontra indiciado da prática de 2 crimes de ofensa à integridade física qualificada e porque os outros intervenientes não se encontram também eles indiciados, da prática de crimes os seis indivíduos que o agrediram no dia 11 de abril de 2024 e o ofendido que se encontra a agredir, em público, uma Senhora. Tal entendimento, salve o devido respeito, corresponde a um erro grosseiro de avaliação, aliás, o facto de o arguido apenas ter utilizado as suas mãos, serviu para no douto despacho fazer dele uma pessoa perigosa, e por sua vez justificar a aplicação de uma medida de coação privativa da liberdade.

I. O arguido não é uma pessoa violenta, ao contrário do que se pretende fazer crer, sendo certo que os crimes averbados no seu registo criminal contam com mais de 13 anos e não são crimes violentos. O arguido encontra-se familiar, social e profissionalmente inserido; era barmen, mas já tem emprego como empregado de mesa num restaurante em …, cfr. melhor consta dos autos, por conta de outrem, vive com a sua companheira, e os seus filhos menores. Sendo ele o único sustento da família.

J. Foi a primeira vez que o arguido se viu perante uma situação destas, não tendo aquele por hábito, muito embora se queira fazer crer o contrário, ver se envolvido em desacatos, discussões, violência, e com o presente processo o arguido aprendeu de vez que, em situações em que esteja em perigo a integridade física ou a liberdade sexual de outra pessoa, não deve intervir e deve chamar a polícia. Pois caso assim fosse, o seu registo criminal espelharia essa situação, nem tão pouco o ora recorrente beneficiou de qualquer suspensão provisória de processo.

K. A aplicação da medida de coação, de OPHVE, vem deixar o arguido numa situação muito frágil, sendo este o único sustento do seu agregado familiar, e não tendo mais nenhum rendimento, não trabalhando não aufere qualquer vencimento. Além do mais, o arguido não representa perigo, nem em razão da natureza e das circunstâncias do crime e da sua personalidade, uma vez que não se pode avaliar uma pessoa pela prática de um ato isolado, ocorrido num determinado contexto. Por tudo o que ficou exposto, e que correspondem aos factos indiciados, de onde é que resulta "que o carater do arguido não é conforme às regras basilares do direito... e a sua personalidade é impulsiva, violenta e perigosa."?, de toda a prova recolhida, de onde é que resulta "...ficou privado de importante órgão e desfigurado de forma grave e permanente."? Tal conclusão prematura consta dos fatos indiciariamente enunciados quer no despacho de apresentação quer no despacho que aplicou a medida de coação, sem que se tenha por base qualquer meio de prova que a sustente.

L. Em termos de prova indiciária não pode haver juízo de inferência, sem que estejam demonstrados os fatos que servem de suporte necessário a essa inferência. Quanto ao juízo de inferência é imperioso que seja razoável, que não seja arbitrário, absurdo e infundado, o que não se verificou no caso concreto. O Despacho recorrido justifica a aplicação da medida de coação de OPHVE, com o perigo de perturbação do decurso do inquérito e, nomeadamente, perigo para a conservação ou veracidade da prova, e perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime e da personalidade do arguido, de continuação da atividade criminosa e perturbação grave da ordem e a tranquilidade públicas, nos termos das alíneas b) e c) do art. 0 204.0 do CPP.

M. Para que se verifiquem os perigos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 204. 0, do CPP, exige-se uma verificação concreta dos referidos perigos que, no caso, podem ser prevenidos, designadamente, através de apresentações periódicas às autoridades policiais, nomeadamente PSP, nos termos do art. 0 198. 0 CPP, cumulado com a proibição de entrar em … aft.0 200. 0 n. 0 1 al. a) do CPP. A aplicação das referidas medidas seria adequada e suficiente para satisfazer as exigências cautelares que se fazem sentir no caso concreto, no entanto, tal possibilidade nem sequer foi equacionada pelo douto tribunal, não obstante ter determinado enquanto o arguido esperava que instalassem a VE a proibição de entrar em albufeira.

N. Na verdade, nada de concreto resulta da factualidade indiciada que permita concluir pela verificação de perturbação do inquérito ou de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, não há perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, porque ela se encontra protegida nos autos em "segredo de justiça". Sendo certo que tais perigos terão que se verificar em concreto, isto é, deverão decorrer da factualidade indiciariamente apurada, não podendo basear-se em considerações genéricas ou apenas na natureza do crime imputado.

O. O despacho recorrido ao aplicar medida de coação privativa da liberdade ao arguido não obedeceu à excecionalidade da mesma violando, por erro e má interpretação, os artigos 191. 0 n.0 1, 193. 0 201.0, e 204.0 do Código de Processo Penal bem como os princípios constitucionais da legalidade, da adequação e da proporcionalidade e da presunção de inocência previstos nos artigos 280 , n.0 2 e 320 , n.0 1 CRP.

P. Pelo que deve a medida de OPHVE imposta ao arguido ser imediatamente revogada e substituída por outra, menos gravosa, que satisfaça as exigências de necessidade, adequação e de proporcionalidade a que se reporta o artigo 193. 0 do CPP, designadamente, através de apresentações periódicas às autoridades policiais, cumulada com a proibição de frequentar determinada localidade, nos termos dos arts. o 198. 0 e 200.0 n.0 1 ai. a) do CPP.

Termos em que, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento, pelo que deve a medida de OPHVE imposta ao arguido ser imediatamente revogada e substituída por outra, de menos gravosa, que satisfaça as exigências de necessidade, adequação e de proporcionalidade a que se reporta o aftigo 193. 0 do CPP, designadamente, através de apresentações periódicas semanais às autoridades policiais, nomeadamente PSP, cumulada com a proibição do arguido entrar em … nos termos dos arts. 0 198. 0 e 200. 0, do CPP.»

c. O recurso foi admitido.

Na sua resposta o Ministério Público (2) junto do Tribunal recorrido sustentou a justeza da decisão recorrida, sintetizando a sua argumentação, do seguinte modo (3):

«3.ª Os factos estão fortemente indiciados tendo em conta as imagens de CCTV referentes aos dois ofendidos, aos depoimentos colhidos e demais elementos de prova indicados no despacho de que se recorre.

4.ª O quadro fáctico que dos autos evola permite concluir, por causa do modo de atuar do arguido e da área profissional a que se dedica, estarmos perante um perigo de continuação da atividade criminosa, como, do perigo, por ela potenciada, de perturbação grave da ordem e da tranquilidade públicas. Assim, a medida de coação aplicada é necessária.

5.ª Para acautelar o perigo de repetição de ocorrências da natureza das conhecidas neste processo, só a medida de coação aplicada é adequada por não haver outra que satisfaça as exigências cautelares da investigação em curso.

6.ª Os factos são graves em face da intensidade destes, das suas circunstâncias e consequências para duas vítimas;

7.ª A medida de coação aplicada é proporcional tendo também em conta a punibilidade das condutas, exclusivamente, com penas de prisão, e com as molduras penais previstas para os crimes indiciados de prisão até 4 anos e prisão de 3 a 12 anos.

8.ª A aplicação de qualquer outra medida ao arguido (caução, obrigação de apresentação periódica, suspensão do exercício de funções, de profissões e de direitos, proibição de permanência, de ausência e de contactos) com possibilidade de se relacionar com clientela de estabelecimentos comerciais na sua área profissional, permitiria a atuação da mesma maneira.

9.ª Não se vislumbra que outra medida de coação, além da que lhe foi aplicada, pudesse ser aplicada ao arguido sem pôr em causa as exigências cautelares que o caso merece.

10.ª O despacho recorrido encontra-se abundantemente fundamentado e não foi violado qualquer dispositivo da lei processual penal ou constitucional

Pelo exposto, o recurso interposto pelo arguido AA deve ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão de aplicação de medida de coação de obrigação de permanência na habitação.»

d. O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação emitiu parecer considerando que a decisão recorrida «respeitou, integralmente, os princípios da legalidade ou tipicidade, da necessidade, da adequação e da proporcionalidade», não sendo por isso o recurso merecedor de provimento.

e. Observado o disposto no § 2.º do artigo 417.º do Código de Processo Penal, o arguido/recorrente nada acrescentou.

f. Foi efetuado o exame preliminar, determinando-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995, o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. O recurso suscita duas questões: i) (In)verificação de fortes indícios da prática dos crimes imputados; ii) Do perigo para a ordem e tranquilidade pública; ii) Da adequação e proporcionalidade da medida de coação aplicada.

2. Decisão recorrida

A decisão recorrida, na parte que concerne à atuação do recorrente, tem o seguinte teor:

« Face aos elementos probatórios constantes dos autos, consideram-se fortemente indiciados os seguintes factos:

1. Em 01/05/2023, o arguido iniciou a sua actividade laboral no Bar “…”, sito na Avenida …, em …, exercendo a profissão de gerente do bar.

2. No dia 11/04/2024, pelas 23h21, o arguido encontrava-se no interior desse bar a exercer a sua actividade profissional.

3. Nessa ocasião, o ofendido BB encontrava-se no interior desse bar, enquanto cliente.

4. De forma e por motivo não concretamente apurados, o arguido aproximou-se do ofendido e colocou-o no exterior do bar.

5. De seguida, com as suas mãos, o arguido desferiu diversas pancadas na face do ofendido.

6. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, o ofendido perdeu os sentidos e caiu inanimado no solo.

7. Após, o arguido ausentou-se do local, sem prestar qualquer auxílio ao ofendido.

8. O ofendido foi assistido no local pelos seus amigos e, após alguns instantes, por uma equipa médica do INEM, tendo sido transportado para o Centro Hospitalar e Universitário do … – Hospital de ….

9. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, o ofendido sofreu dores e sofreu lesões, nomeadamente fraturas maxilofaciais, fraturas em 5 dentes, fratura do complexo zigomaticomaxilar direito, designadamente a envolver as paredes externa e inferior da órbita esquerda, com extensão à lâmina papirácea, das paredes anterior e posterolateral do seio maxilar e da arcada zigomática, desalinhamento dos bordos fracturários, mais evidente na parede inferior orbitária a envolver o canal infra-orbitário, densificação da gordura orbitária direita com presença de densidades gasosas extracónicas inferiores associando-se ligeira exoftalmia ipsilateral e escoriações na zona ocular.

10. No dia 17/06/2024, pelas 0h56, o arguido encontrava-se no interior desse bar a exercer a sua actividade profissional.

11. Nessa ocasião, o ofendido CC encontrava-se no interior desse bar, enquanto cliente.

12. De forma e por motivo não concretamente apurados, o arguido iniciou uma conversa com o ofendido.

13. Acto contínuo, o arguido agarrou, com as suas mãos, o pescoço do ofendido e empurrou-o alguns metros.

14. Após e de forma repentina, o arguido largou o corpo do ofendido.

15. Em consequência directa e necessária do arguido, o ofendido perdeu o equilíbrio e caiu no solo.

16. De seguida e enquanto o ofendido se encontrava caído no solo, o arguido agarrou no braço do ofendido e puxou-o por alguns metros até junto das escadas de acesso ao bar.

17. Nesse preciso local, em acto contínuo, o arguido agarrou o pescoço do ofendido e começou a apertar o seu pescoço, aplicando um golpe “mata leão”, levantou-o no ar e arrastou-o para o exterior do bar.

18. Após breves instantes, já na via pública, o arguido desferiu, com a sua mão fechada, uma pancada na face do ofendido.

19. Após e de forma contínua, o arguido desferiu, com a sua mão aberta, uma pancada na face do ofendido e desferiu, com as suas mãos fechadas, duas pancadas na face do ofendido.

20. Após sofrer esta última pancada, em consequência directa e necessária da conduta do arguido, o ofendido perdeu os seus sentidos e caiu inanimado e de forma desamparada no solo, tendo atingido o solo com a parte posterior da sua cabeça.

21. Acto contínuo, o arguido dirigiu-se para o interior do referido bar e agarrou num taco de snooker.

22. De seguida, com o intuito de desferir mais pancadas no corpo do ofendido com esse taco, o arguido começou a caminhar em direção ao ofendido.

23. Nesse preciso instante, DD, militar da GNR que se encontrava uniformizado e no exercício das suas funções, dirigiu-se ao arguido e impediu-o de prosseguir com a sua conduta.

24. Devido à gravidade do seu estado de saúde, o ofendido foi assistido no local e, subsequentemente, no Centro Hospitalar e Universitário do … - Hospital de …, onde permanece internado até ao presente momento.

25. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, ofendido sofreu dores e, pelo menos, as seguintes lesões:

- hematoma subdural agudo da convexidade cerebral esquerda com focos edematohemorragicos associados e focos de hemorragia subaracnoídea sulcal associada;

- desvio da linha média de cerca de 1cm com herniação uncal incipiente;

- fratura frontal esquerda.

26. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, o ofendido esteve em risco de perder a sua vida, permanecendo ainda com o seu estado de saúde em estado grave e com um prognóstico muito reservado, existindo a elevada probabilidade de ficar com sequelas permanentes, nomeadamente no que respeita à função dos seus membros inferior e superior do lado direito.

27. Tendo conseguido sobreviver devido à rápida intervenção de militares da GNR que prestaram, de imediato, os primeiros socorros ao ofendido e devido à rápida e atempada assistência médica realizada por uma equipa do INEM.

28. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, o ofendido será sujeito a diversos tratamentos e intervenções cirúrgicas, nomeadamente uma cirurgia de reconstrução da zona do calote, com colocação de prótese/placa.

29. O ofendido, após receber assistência médica no local, foi transportado para o Centro Hospitalar e Universitário do …, tendo sido internado na Unidade de Cuidados Intensivos e posteriormente transferido para a Unidade de Cuidados Intermédios, onde se encontra até à presente data, não tendo a sua condição clínica sofrido alterações significativas.

30. Inicialmente, o ofendido ficou em coma e, no dia 25/06/2024 já havia recuperado os sentidos.

31. No entanto, o ofendido não consegue verbalizar frases perceptíveis e encontra-se com a sua capacidade motora bastante reduzida, não conseguindo cumprir as ordens dadas pelos médicos.

32. O arguido sabia que as pancadas que desferiu nos corpos dos ofendidos BB e CC eram aptas e adequadas a molestar fisicamente os seus corpos, como quis e conseguiu, sabendo ainda que tais condutas eram aptas e adequadas a causar-lhes dores e as lesões descritas, actuando com manifesta superioridade de força física em virtude de agir contra vítimas que se encontravam a usufruir de um momento de relaxamento e possivelmente embriagadas, com completa insensibilidade perante a menor força física e o valor da integridade física dos ofendidos que se encontravam incapazes de se defender do arguido, o que não o coibiu de agir do modo descrito, como quis e conseguiu.

33. O arguido agiu ainda movido pelo seu propósito de causar sofrimento às suas vítimas BB e CC e movido pelo seu prazer de agredir pessoas, com total insensibilidade pela vida e integridade física das suas vítimas, como quis e conseguiu.

34. O arguido sabia ainda que, devido ao número de apertões no pescoço, empurrões e intensidade da chapada e socos que desferiu na cabeça do ofendido CC e por se tratar de uma zona corporal onde se encontram alojados órgãos vitais, o ofendido ficou em perigo de perder a vida e ficou com a sua capacidade de trabalho e a capacidade de utilizar o seu corpo afectadas de forma permanente.

35. O arguido agiu, assim, deliberada, voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

36. O arguido é gerente de um estabelecimento de diversão nocturna e aufere cerca de €870,00 mensais.

37. Reside com a companheira e os 2 filhos, menores de idade.

38. Deu o consentimento para a aplicação da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com fiscalização através de meios técnicos de controlo à distância.

B – ELEMENTOS DO PROCESSO QUE INDICIAM OS FACTOS IMPUTADOS:

- Auto de notícia, fls. 5-6

- Relatório de ocorrência externa, fls. 8

- CRC, fls. 12-16

- Relatório de urgência, fls. 33-37

- Autos de diligências, fls. 38, 88

- Fichas biográficas, fls. 41-43

- Ficha CC, fls. 44

- Declarações de DD, fls. 50-52

- Auto de apreensão, fls. 55

- Auto de visionamento de registo de imagens, fls. 54-59

- Declarações de EE, fls. 60-62 dos autos principais e fls. 62-63 do apenso 662/24.3GBABF

- Fotogramas, fls. 87

- Pen drive, constante na contra-capa dos autos.

- Auto de notícia, fls. 22-24 do apenso 662/24.3GBABF

- Auto de apreensão, fls. 34 do apenso 662/24.3GBABF

- Pen drive, fls. 35 do apenso 662/24.3GBABF

- Fotografias de fls. 55v60 do apenso 662/24.3GBABF.

C – OS FACTOS RELEVANTES PARA APLICAÇÃO DE MEDIDAS DE COAÇÃO

As medidas de coacção - previstas nos artigos 196.º a 202.º do Código de Processo Penal - podem ser definidas como medidas estaduais coactivas que cerceiam direitos, liberdades e garantias, e são reputadas de necessárias para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Aquando da aplicação de uma medida de coacção, o juiz deverá ter sempre presentes dois princípios fundamentais: o direito de defesa, atribuído ao arguido pela Constituição da República – artigo 32.º, n.º 1 – e o princípio da presunção de inocência – artigo 32.º, n.º 2, do mesmo diploma -, pois a sujeição a uma medida de coacção tem de ser comunitariamente suportável face à possibilidade de estar a ser aplicada a um inocente.

A estes acrescem, ainda, os princípios da legalidade, necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade da prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação, plasmados nos artigos 191.º e 193.º do Código de Processo Penal.

Para que possa ser aplicada qualquer das medidas de coacção previstas na lei – à excepção do TIR (artigo 196.º do Código de Processo Penal) -, é curial que sejam carreados para o processo indícios (fortes, nalguns casos) da prática de um crime, susceptíveis de preencher a concretude subjacente a alguma das alíneas do artigo 204.º do Código de Processo Penal, pois nenhuma medida poderá ser aplicada sem essa verificação.

A lei adjectiva exige a formulação de um juízo indiciário qualificado para a aplicação das medidas de coacção mais gravosas, ou seja, as que com maior intensidade podem atingir o princípio constitucional da presunção de inocência (a proibição e imposição de condutas, a obrigação de permanência na habitação e a prisão preventiva).

Na lição de Germano Marques da Silva, “a indiciação do crime necessária para a aplicação de uma medida de coação ou de garantia patrimonial significa probatio levior, isto é, a convicção da existência dos pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou medida de segurança criminais, mas em grau inferior à que é necessária para a condenação”, não podendo exigir-se “uma comprovação categórica da existência dos referidos pressupostos, mas tão-só, face ao estado dos autos, a convicção objectivável com os elementos recolhidos nos autos de que o arguido virá a ser condenado pela prática de determinado crime.” (4)

Cumpre, assim, aferir quais as medidas de coacção mais adequadas à situação pessoal do arguido e que satisfaçam as exigências cautelares do processo penal, apurando, antes de mais, se está verificado algum dos perigos previstos no artigo 204.º do Código de Processo Penal que justifique a aplicação, no caso concreto, de uma medida coactiva mais gravosa que o termo de identidade e residência já prestado.

A (forte) indiciação dos factos descritos resulta do seguinte raciocínio.

No que tange aos eventos ocorridos no dia 11.04.2024 o arguido remeteu-se ao silêncio.

A propósito deste episódio, que deu origem ao NUIPC 662/24.3…, apraz-nos dizer, com total surpresa, que a maior parte dos elementos probatórios ali carreados não podem ser valorados pelo Tribunal pelo facto de se encontrarem redigidos em língua inglesa sem a devida tradução para português.

Trata-se de uma situação insólita, e algo caricata, mas que é constatável da leitura dos depoimentos das testemunhas FF, GG, HH e II [fls. 25, 27, 29 e 31, respectivamente], assim como dos “elementos clínicos” juntos a fls. 44-45 e 50v-54.

Por conseguinte, e tal como prescreve o artigo 92.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, “nos actos processuais, tanto escritos como orais, utiliza-se a língua portuguesa, sob pena de nulidade.”

Nulidade essa que determina, no que tange àqueles depoimentos testemunhais e elementos clínicos contantes do NUIPC 662/24.3….

Adiante.

Sem embargo do sobredito, o remanescente probatório constante daquele NUIPC é suficiente para fazer emergir a responsabilidade criminal do arguido, bem como as consequências da sua conduta.

Neste conspecto, é decisiva a visualização [integral] das imagens de CCTV presentes no estabelecimento em causa, constantes da pen-drive de fls. 35.

Nelas podemos observar, com clareza [sobretudo depois de termos estado na presença do arguido nesta diligência e de visualizar as imagens respeitantes ao dia 17.06.2024 onde a indumentária, nos dois episódios, é idêntica], que o arguido, depois de algumas altercações ocorridas no interior do bar com o BB, a dada altura empurra-o pelas escadas abaixo e arrasta-o por um braço de molde a colocá-lo no exterior do estabelecimento.

Não obstante o outro interveniente se mostrar sem reacção perante o sucedido, o arguido, novamente, acerca-se do mesmo e desfere-lhe várias pancadas com as mãos e com o joelho, deixando-o prostrado no chão, a necessitar de cuidados de saúde.

Como consequência da actuação do arguido, a qual, diga-se, surgiu de forma totalmente despropositada e exagerada, BB sofreu as lesões melhor descritas no artigo 9.º do requerimento do Ministério Público.

Sendo certo que não foi possível realizar qualquer exame pericial ao ofendido, uma vez que se ausentou para o seu país Natal, a presença do relatório de urgência e das fotografias de fls. 56-59 é o suficiente, quanto a nós, para nesta fase indiciária dar como verificadas as lesões ali descritas e a respectiva autoria por parte do arguido.

Prossigamos.

O raciocínio para o episódio do dia 17.06.2024 é, mutatis mutandis, o já efectuado a propósito do sucedido em 11.04.2024, com duas nuances. Aqui o arguido decidiu prestar declarações e, além das imagens de CCTV constantes da pen-drive agrafada na contra-capa do processo, existe o depoimento da testemunha DD, militar da GNR, que viu o arguido a agredir fisicamente CC.

Por partes.

O arguido, sem negar a existência das agressões, apresentou uma estória onde, em rectas contas, pretendia fazer emergir uma espécie de legítima defesa de terceiro. E porquê?

Segundo o arguido, uma rapariga que acompanhava CC apresentava-se em notório estado de embriaguez e estava inanimada, dando sinais de que a bebida tinha sido adulterada com alguma substância, isto porque quando se aproximou daqueles dois [que estavam encostados um ao outro], constatou que a rapariga tinha o vestido “subido” e as cuecas colocadas de parte, sendo que CC estava com a mão na vagina daquela.

Relata o arguido que a sua aproximação, a fim de se inteirar do estado de saúde da rapariga, não foi bem “aceite” por CC, o qual, a dada altura, começou a insultá-lo e a ameaça-lo. Daí começou a contenda física, que culminou, no exterior do bar, com as agressões que colocaram CC inanimado.

A versão apresentada pelo arguido, ainda que pudesse apresentar foros de veracidade, em nada justificam as agressões que são constatadas pelas imagens de videovigilância e presenciadas pela testemunha DD.

Mesmo que tivesse ocorrido algum tipo de ilícito por parte de CC [meramente hipotética], o comportamento do arguido nunca poderia ser eleito como causa de justificação da ilicitude.

O próprio arguido admitiu essa circunstância.

Da visualização das imagens fica bem patente a extrema violência exercida pelo arguido sobre a pessoa de CC.

Não só num primeiro momento o agarra pelo pescoço, imobilizando-o por completo e deixando-o cair no solo [ainda no interior do bar], como depois o arrasta para o exterior pegando num braço e, para finalizar, sem que aquele lhe oferecesse qualquer resistência, desfere 3 pancadas de enorme violência na cabeça fazendo com o que o mesmo caia de forma totalmente desamparada no solo, não mais se levantando.

Estamos perante um uso excessivo de força e de violência gratuita.

Sem perder de vista que possam ter existido palavras ofensivas ou ameaçadoras por parte do ofendido [o Tribunal não ignora que a diversão nocturna, sobretudo na zona de …, é fértil em situações de abuso, de consumo excessivo de álcool, que não raras vezes leva a comportamentos erráticos por parte de cidadãos estrangeiros, quer contra profissionais dos bares/restauração, quer contra as forças de segurança], nada justificava aquele tipo de comportamento por banda do arguido.

Atendendo à diferença de compleição física entre ambos, o facto de CC se apresentar, muito provavelmente, alcoolizado, e que este, em momento algum, foi na direcção do arguido com o propósito de o confrontar fisicamente, só resta concluir pelo emprego de força física por pura brutalidade, com total desapego às consequências que dali pudessem advir. E que foram bastante graves.

Fruto da violência das agressões CC sofreu as extensas lesões identificadas a fls. 33-37 no relatório de urgência, daqui resultando que o mesmo ficou em coma com prognóstico reservado.

Na presente data, embora já tenha transitado da unidade de cuidados intensivos para a unidade de cuidados intermédios, e ainda não existam conclusões definitivas quanto a eventuais lesões permanentes, a vítima não consegue verbalizar frases perceptíveis e encontra-se com a capacidade motora bastante reduzida, não conseguindo cumprir ordens dadas pelos médicos.

Assim, em função das razões expendidas considera-se que os factos estão fortemente indiciados.

Apenas uma nota para referir que não se encontra indiciada a factualidade atinente ao crime de omissão de auxílio, precisamente porque a prova constante dos autos é insuficiente para dar como demonstrada essa realidade.

Na verdade, o NUIPC 662/24.3…, fruto da surpreendente falta de tradução dos autos de inquirição nele constantes e dos elementos clínicos, apenas permite visualizar as agressões desferidas pelo arguido na vítima, assim como demonstrar as lesões por este sofridas.

Todavia, não permite concluir pela falta de cumprimento do dever de prestação de auxílio por parte do arguido.

D – QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS

Os factos praticados pelo arguido são susceptíveis de integrar a prática, em autoria imediata, e em concurso efectivo, de 1 (um) crime de ofensa à integridade física grave qualificada, previsto e punido pelos artigos 144.º, alíneas b) e d) e 145.º, n.º 1, alínea c), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal e de 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.ºs 1 e 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal.

Os pressupostos de aplicação das medidas de coacção.

A aplicação das medidas de coacção tem necessariamente em consideração os princípios da legalidade, excepcionalidade, necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade (cfr. artigos 27.º n.ºs 2 e 3, 28.º n.º 2 e 29.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e 191.º n.º 1 e 193.º n.ºs 1, 2 e 3 do Código de Processo Penal), princípios estes que se encontram intrinsecamente ligados a um dos mais relevantes bens jurídicos baseados na dignidade do ser humano – a liberdade, regra basilar de um qualquer Estado de Direito.

O direito à liberdade, como direito fundamental, apenas pode ser restringido por lei nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos - artigo 18.º n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.

E é justamente este direito à liberdade e consequente presunção de inocência que espartilham o regime de aplicação das medidas de coacção, definindo os seus limites, nomeadamente através da discriminação taxativa dos respectivos requisitos gerais de aplicação.

Assim, a nosso ver, encontram-se fortemente indiciados os factos acima referidos.

Mas antes, nenhuma medida de coacção pode ser aplicada se não se observarem, em concreto, algum ou alguns dos perigos previstos pelo artigo 204.º do Código de Processo Penal, cuja redacção é a seguinte:

“Nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no artigo 196.º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:

a) Fuga ou perigo de fuga;

b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou

c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.”

Relativamente ao perigo de fuga temos de dizer o seguinte.

Este requisito, que deve ser analisado em face do circunstancialismo que rodeia o caso concreto, não significa que o perigo tenha que se adensar até à iminência ou ao início de execução da fuga, ou seja, não é necessário que haja indícios materiais de que a fuga está num horizonte factual próximo, para que se possa afirmar que há perigo de fuga.

Um juízo sobre a existência de perigo de fuga, tem de basear-se na pessoa concreta que está em causa, com a sua personalidade e as circunstâncias conhecidas da sua vida e daí partir, cotejando essa imagem com a experiência comum para se averiguar da probabilidade de se verificar uma fuga.

Ora, in casu, consideramos que não existem factos concretos indiciadores de uma probabilidade de fuga por banda do arguido. Sendo certo que no presente momento foi confrontado com a factualidade acima descrita, a qual reveste particular gravidade, sobretudo a nível sancionatório, a verdade é que só essa circunstância, de per se, não tem a virtualidade de robustecer um perigo de fuga ou mesmo um receio de fuga (que é distinto daquele).

O arguido terá aqui a sua retaguarda familiar, designadamente a companheira e os filhos, pelo que não é expectável que encete uma fuga apenas para se eximir à acção penal.

Pelo contrário, julga-se, outrossim, verificado um intenso perigo de continuação da actividade criminosa e perturbação da ordem e tranquilidade públicas.

De molde a concluir pela existência deste perigo, o Tribunal considerou não apenas as circunstâncias do crime e a personalidade do arguido, mas também a respectiva condição socioeconómica.

Este perigo decorrerá de um juízo de prognose de perigosidade social do arguido, a efectuar a partir de circunstâncias anteriores ou contemporâneas à conduta que se encontra indiciada e sempre relacionada com esta.

Segundo Marques da Silva, “o perigo de continuação da actividade criminosa há-de resultar das circunstâncias do crime imputado ao arguido ou da sua personalidade. Atentas as circunstâncias do crime ou a personalidade do arguido pode ser de recear a continuação da actividade criminosa, o que importa evitar e a lei permite que para tal sejam aplicadas medidas de coacção. Assim, por ex., se atentas as circunstâncias do crime e da personalidade do arguido for de presumir a continuação da actividade criminosa pode justificar-se a prisão preventiva. A aplicação de uma medida de coacção não pode servir para acautelar a prática de qualquer crime pelo arguido, mas tão-só a continuação da actividade criminosa pelo qual o arguido está indiciado. É que nem a lei substantiva permite aplicação de medidas de segurança a qualquer pessoa com o fim de prevenir a sua eventual actividade criminosa, mas apenas medidas cautelares para prevenir a continuação da actividade criminosa pela qual o arguido está já indiciado.” (5)

A gravidade geral dos factos é elevada e não se olvida a forte repercussão que este tipo de condutas tem junto da comunidade, gerando sentimentos de insegurança e intranquilidade.

A verificação, em concreto, deste perigo resulta dos seguintes factores:

- a brutalidade das agressões perpetuadas pelo arguido;

- a persistência de condutas similares num curto espaço de tempo, demonstrando que não estamos perante uma mera ocasionalidade;

- as consequências advindas das condutas do arguido, as quais assumem uma gravidade assinalável;

- a facilidade com o arguido parte para a agressão, de forma gratuita e desmedida;

- a ausência de auto-controlo perante situações de alguma tensão, como é habitual em estabelecimentos de diversão nocturna, onde, não raras vezes, existem comportamentos erráticos por banda dos clientes, fomentados pelo excesso de ingestão de bebidas alcoólicas;

- o facto de exercer uma profissão que lhe permite o contacto directo e imediato com este tipo de situações.

Destes factores, entre si conjugados, resulta que, a nada ser feito, será francamente expectável que o arguido possa repetir factos da mesma natureza (outras agressões bastante violentas), uma vez que assume uma personalidade e comportamento descontrolado, sem qualquer respeito pela integridade física de terceiros.

O perigo de continuação da actividade criminosa é, assim, premente, atenta a aparente facilidade com que o arguido se determinou à prática de factos ilícitos e ao modo de execução dos mesmos, a que a acresce a circunstância de as consequências das suas condutas serem bastante graves, tudo levando a crer, de acordo com as regras da experiência comum, que irá reiterar uma conduta para si dita “normal”.

Além do mais, as condutas perpetradas pelo arguido, são susceptíveis de gerar forte clamor social, gerando sentimentos de angústia e intranquilidade da população, pois é essa a consequência na comunidade quando são praticados crimes contra as pessoas de forma tão violenta.

Desta feita, temos verificados os perigos de que depende a aplicação de medidas de coacção ao arguido.

Contudo, para a aplicação, quer da prisão preventiva, quer ainda da obrigação de permanência da obrigação, exige-se a existência de “fortes indícios de prática de crime doloso”, punível com pena de prisão de máximo superior a cinco anos – artigo 202.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal.

No tocante à existência de “fortes indícios”, não obstante a fase precoce em que nos encontramos, podemos com segurança afirmar, como já o expusemos em sede de motivação, que os elementos probatórios já adquiridos nos autos nos permitem relacionar, de forma idónea e suficiente, o arguido com a prática dos crimes imputados neste processo.

Por outro lado, tendo presentes os perigos que se pretendem acautelar –perigo de continuação da actividade criminosa e perturbação da tranquilidade pública -, entendemos que só uma medida detentiva de liberdade, se mostra suficiente para salvaguardar as exigências cautelares do processo, sendo ainda aquela que se mostra proporcional à gravidade dos crimes em causa e às sanções que previsivelmente lhe virão a ser aplicadas, atentas as molduras penais dos crimes em evidência.

O Tribunal, todavia, não desconsidera nem olvida o que diz o artigo 193.º, n.º 3, do Código de Processo Penal: “quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.”.

Ou seja, não se descura que esta medida, porque privativa da liberdade, é a ultima ratio, apenas susceptível no caso de inadequação de qualquer outra medida de coacção prevista no nosso ordenamento processual penal.

No caso em apreço, essa medida é a única que, neste momento e sem prejuízo de outros desenvolvimentos processuais, se revela necessária, adequada e suficiente para satisfazer as exigências cautelares em causa, atentos os perigos supra evidenciados, sendo a única que poderá prevenir a continuação da actividade criminosa, que, conforme acima dito, se afigura premente.

Sopesando os critérios da necessidade, da proporcionalidade e da adequação, a natureza e circunstâncias do crime, bem como a personalidade do arguido, particularmente violenta, tendo ainda em consideração a premência do perigo de continuação da actividade criminosa, que se faz sentir no caso em apreço, julga-se que a aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação melhor satisfaz as necessidades cautelares.

Nestes termos, avaliada a gravidade dos factos, as circunstâncias em que foram praticados, as respectivas consequências e as exigências cautelares que o caso requer e que supra se evidenciaram, entendemos ser necessária, adequada e proporcional a aplicação ao arguido da medida de obrigação de permanência na habitação – artigos 191.º, 192, 193.º, 194.º e 201.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Contudo, enquanto a DGRSP não obtém os demais consentimentos do agregado familiar e averigua se a habitação do arguido dispõe de condições para a instalação dos meios técnicos de controlo à distância, e de forma a mitigar o perigo de continuação de actividade criminosa até lá, o arguido ficará impedido de entrar e/ou permanecer no município de …, de forma precaver o perigo de continuação da actividade criminosa enquanto não se executa a obrigação de permanência na habitação.

Em face de exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 191.º, 193.º, 194.º, 201.º, n.ºs 1 e 3 e 204.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, decide-se que o arguido AA deverá aguardar os ulteriores termos do processo sujeito à seguinte medida de coacção:

Obrigação de permanência na habitação, com fiscalização através de meios de controlo à distância – artigo 201.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal.

Enquanto a DGRSP não instala os competentes aparelhos e obtém os necessários consentimentos, aplica-se ao arguido a medida de coacção de proibição de entrar/permanecer no município de …, por se verificarem os respectivos requisitos de aplicação de tal medida e por tal medida ser a única que poderá prevenir os perigos acima assinalados, revelando-se ainda necessária, adequada e proporcional – artigos 200.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal e 16.º, n.º 1, da Lei 33/2010, de 2 de Fevereiro.»

3. Das questões suscitadas no recurso

3.a Dos indícios da prática dos crimes imputados

Para contrariar o relato dos factos constante do despacho recorrido, o arguido/recorrente refere, no essencial, que a sua intenção nos acontecimentos de 17/6/2024, com CC (e só quanto a estes prestou declarações) foi a de proteger uma senhora que estaria inconsciente, tendo o «vestido subido e as cuecas colocadas de parte, sendo que CC estava com a mão na vagina daquela». A sua abordagem ao individuo foi de defesa de terceiro (a senhora indefesa) mas este reagiu violentamente, sendo isso que despoletou os acontecimentos. Sucede que as imagens CCTV disponíveis evidenciam, nos dois casos (11/4/2024 e 17/6/2024) - sendo o segundo mais grave que o primeiro -, um quadro de violência extrema sobre as vítimas. Na primeira ocasião na pessoa de BB, tendo este ainda prognóstico reservado relativamente às consequências de algumas das lesões sofridas; e na segunda, na pessoa de CC, estando as lesões produzidas neste agredido descritas a fls. 33-37. O arguido só prestou declarações relativamente à segunda das situações, nada dizendo sobre o outro quadro de violência ocorrido a uma distância de cerca de dois meses, de que foi vítima BB, também evidenciado pelas provas gravadas CCTV. Efetivamente o quadro probatório referenciado no despacho recorrido, não deixam nenhuma espécie de dúvida acerca da extrema violência associada a cada um dos dois episódios, ambos protagonizados pelo arguido, sendo por isso fortíssimos os indícios da verificação das agressões e gravidade das suas consequências, tornando indiscutível a qualificação jurídica dos factos. Nada - rigorosamente nada – em qualquer das duas ocasiões poderá justificar ou diminuir a gravidade das consequências emergentes da extrema violência empregada pelo arguido sobre dois clientes do estabelecimento que lhe cabe gerir. Sendo as concretas circunstâncias descritas indiscutivelmente reveladoras da especial censurabilidade das condutas do arguido/recorrente, tornando absolutamente clara a qualificação jurídica dos factos por si praticados (artigos 143.º/1 e 145.º/1 e 2, com referência ao artigo 132.º/2-e) CP). 3.b Do perigo para a ordem e tranquilidade pública

Alega o recorrente que «nada de concreto resulta da factualidade indiciada que permita concluir pela verificação de perturbação do inquérito ou de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas.» O despacho recorrido sustenta a aplicação das medidas de coação aplicadas (a que se quer vigore em primeira linha; e a antecipatoriamente determinada, em termos provisórios) na alegada emergência de dois perigos: perigo de continuação da atividade criminosa e perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas (artigo 204.º, § 1.º, al. c) CPP). Impõe-se de introito clarificar que a decisão recorrida não alude ao perigo de perturbação do decurso inquérito! Tratando-se de lapso escrita do recurso. Relativamente ao alegado perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, refere o M.mo Juiz de Instrução que: «as condutas perpetradas pelo arguido, são suscetíveis de gerar forte clamor social, gerando sentimentos de angústia e intranquilidade da população, pois é essa a consequência na comunidade quando são praticados crimes contra as pessoas de forma tão violenta.»

Contrariamente ao que parece estar pressuposto na decisão recorrida (e na posição assumida pelo Ministério Público), este perigo (como os demais previstos nas alíneas do § 1.º do artigo 204.º CPP) tem de resultar de circunstâncias concretas, de que possa emergir previsível comportamento no futuro imediato por banda do arguido, resultantes da sua atitude ou atividade, aferidas no momento da decretação da medida. Não podendo fundar-se em prenúncio abstrato arreigado a um suposto «alarme social», o qual a al. c) do § 1.º do artigo 204.º não prevê, vendo em tal inciso normativo uma exigência de intervenção judicial (a aplicação de uma medida de coação), gizando uma finalidade de «prevenção geral»! (6) A aplicação de medidas de coação, designadamente a obrigação de permanência na habitação, não logrará legitimação constitucional (artigos 18.º, § 2.º e 32.º, § 2.º da Constituição), por violação do princípio da presunção de inocência, se se afastar das finalidades processuais (garantia do bom andamento do processo e efeito útil da decisão final), nomeadamente se assentar em considerações de prevenção geral ou especial, promotoras de uma punição antecipada do acusado.

Não há nos autos – e muito menos na decisão recorrida - qualquer sinal do perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas. Mas as circunstâncias do caso, sejam as relativas à prática concretas dos factos ilícitos, seja a personalidade evidenciada no contexto do seu modo de vida, tornam indubitável a existência do perigo de continuação da atividade criminosa, no qual a decisão recorrida indubitavelmente se firma e que o recorrente sequer questiona. O que importa, pois, é verificar se a medida de coação aplicada (e bem fundada no perigo de continuação da atividade criminosa), constitui a medida adequada ao quadro circunstancial e proporcional aos ilícitos que se indiciam.

3.c Adequação e proporcionalidade da medida de coação aplicada

Sustenta o recorrente que o perigo de continuação da atividade criminosa, ficaria suficientemente acautelado, se ao invés medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (artigo 201.º CPP), fosse aplicada a proibição de entrar em … (o que já encontra determinado em termos provisórios), cumulada com apresentações periódicas semanais.

Neste conspecto refere o Ministério Público, com inteira razão, que a personalidade temerária do arguido torna insuficiente essa pretensão. Lembraremos que a proibição de entrada no concelho (7) apenas foi decretada temporariamente enquanto se procede às diligências necessárias plena implementação e execução da medida de coação que foi – e muito bem - julgada necessária. O que giza a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, no quadro circunstancial em referência, integrado pelos concretos comportamentos ilícitos indiciados, a personalidade e o modo de vida que é conhecido ao arguido – no âmbito da adequação – é manter um estreito controlo sobre o arguido. Visa-se evitar a continuação da atividade criminosa. O que só se logrará sabendo onde ele se encontra. Por outro lado, na vertente da proporcionalidade, não podemos deixar de considerar que a gravidade dos factos (e das consequências para as vítimas), a personalidade evidenciada pelo arguido e seus antecedentes, a provarem-se em audiência de julgamento, provavelmente implicará – pelo menos ao nível da ponderação isso não deixará de acontecer - a aplicação de uma pena de prisão efetiva.

Em suma: apesar da redução do âmbito dos perigos que importa acautelar neste caso, a decisão recorrida ponderou devidamente os direitos do arguido e respeitou os critérios definidos na Constituição e na lei, a que se referem nomeadamente os artigos 18.º, § 1.º, 20.º, § 4.º, 27.º, § 1.º, e 32.º, § 2.º da Constituição e 191.º a 195.º, 200.º, 201.º e 204.º CPP, mostrando-se a restrição de direitos fundamentais a que este vem estando sujeito – e a que continuará sujeito - necessária, adequada às circunstâncias (tendo em conta o quadro indiciário) e proporcional às sanções previsivelmente a aplicar em julgamento, para acautelar os direitos fundamentais dos ofendidos. E, por assim ser, deverá manter-se tudo o que foi determinado. Termos em que o recurso se não mostra merecedor de provimento.

III - Dispositivo

Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

a) Negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão de sujeição do arguido/recorrente à medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.

b) Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s.

Évora, 8 de outubro de 2024

J. F. Moreira das Neves (relator)

Artur Vargues

Laura Goulart Maurício

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1 Apenas as «conclusões», isto é: o «resumo das questões discutidas na motivação» (por todos cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2011, p. 1136, nota 14).

2 Exibindo timbre com os dizeres: «PROCURADORIA DA REPÚBICA DE … – NÚCLEO DE …»! Parece, contudo, que a lei não designa os desdobramentos das «procuradorias e departamentos do Ministério Público» (terminologia da LOSJ) em «núcleos»! Surgindo o termo «núcleo» no Estatuto do Ministério Público apenas com referência ao «núcleo de assessoria técnica» (artigos 15.º1 e 64.º). Parece que apenas a «Secretaria», que se divide em «Serviços Judiciais», «Serviços do Ministério Público» e «Serviços Administrativos» se divide em núcleos (artigos 38.º/5, 39.º/6, 47.º/1, 48.º/2 e 58.º/2)!

3 Também aqui apenas o «resumo das questões discutidas na motivação».

4 MARQUES DA SILVA, Germano, in Curso de Processo Penal, Volume II, Verbo, Lisboa, 1993, p. 209.

5 Marques da Silva, Germano, in Curso de Processo Penal, Volume II, 3.ª Edição, 2002, pp. 268-269.

6 Neste sentido, sem divergências, cf. por todos, António Gama, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo III, Almedina, 2021, p. 390; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2011, p. 602, nota 15 ao comentário ao artigo 204.º; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. I, 3. Ed., 2002, Verbo, p. 269; Maria João Antunes, Direito Processual Penal, Almedina, 2016, p. 137; Eduardo Maia Costa, A presunção de inocência do arguido na fase de inquérito, Rev. MP n.º 92 (out/dez 2002, pp. 74 e 75); Maria João Antunes, O Internamento de Imputáveis em Estabelecimentos destinados a Inimputáveis, Coimbra Editora, 1993, p. 1253; Vítor Sequinho dos Santos, 2008, Medidas de Coação, revista do CEJ, n.º 9, p. 131. Cf. tb. acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, 23set.1998, caso I. A. c. França, 28213/95, pp. 32/33; acórdão TRÉvora, de 26jun2007, proc. 1463/07-1, relator António João Latas; acórdão do TRÉvora, de 13nov2012, proc. 148/12.9JBLSB-C.E1, relatora Ana Barata Brito; acórdão do TRÉvora, de 15dez2016, proc. 799/16.2 PAOLH-A.E1, relator Carlos de Campos Lobo; acórdão do TRLisboa, de 12fev2019, proc. 165/18.5PGSXL-A.L1-5, relator Artur Vargues; acórdão do TRCoimbra, de 22fev2023, proc. 1142/22.7JACBR-B.C1, relator Vasques Osório. Questionando a constitucionalidade da previsão normativa de tal «perigo», pode ver-se Elisabete C. Sousa, Os Requisitos Gerais de Aplicação das Medidas de Coação, 2021, Almedina, pp. 123 ss., maxime p. 133. E no nosso entorno cultural e perante normação semelhante, em Espanha, o ali denominado «risco para a ordem pública» - artigos 503.º e 504.º LECr (lá também muitas vezes designado na prática forense como «alarme social» foi declarado inconstitucional, por violação do artigo 17.º da Constituição, pela STC 47/2000, de 15 de fevereiro (cf. Ramon Ragués i Vallès, La prisión provisional como ultima ratio, Marcial Pons, 2023, p. 130).

7 O «concelho» é que é traduz a dimensão territorial visada na decisão recorrida; e não o «município», que é apenas o nomen juris da pessoa coletiva que gere aquela porção de território.