PENSÃO DE ALIMENTOS
MAIORIDADE
Sumário

I - Os processos tutelares cíveis têm a natureza de jurisdição voluntária (artigo 12º do RGPTC) e enquanto tal regem-se não por critérios de estrita legalidade, mas antes por juízos de equidade e oportunidade com vista à tutela dos interesses que visam salvaguardar (vide artigo 987º do CPC).
II - Da conjugação dos nºs 2 e 3 do artigo 989º do CPC e respeitando os autos a um incidente de incumprimento de responsabilidades parentais já antes reguladas e que corre por apenso ao processo principal, deduzidos pela progenitora que assume a título principal o encargo de pagar as despesas do filho maior (tal como da menor), resulta clara não só a competência material do tribunal para apreciar a pretensão formulada pela progenitora requerente, como a irrelevância da maioridade do filho para efeitos da apreciação da pretensão, analisada esta quer na perspetiva da competência material, quer na perspetiva da legitimidade para formular essa mesma pretensão.
III - Do atingimento da maioridade não resulta a cessação automática da obrigação de pagamento da pensão de alimentos – vide artigo 1905º nº 2 do CC.

Texto Integral

Processo nº. 12717/18.9T8PRT-F.P1

3ª Secção Cível

Relatora – M. Fátima Andrade

Adjunto – Jorge Martins Ribeiro

Adjunto – António Mendes Coelho

Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Jz. de Família e Menores do Porto

Apelante/ AA


***


Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC).

…………………………………………...

…………………………………………...

…………………………………………...

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Relatório.

I- BB, progenitora de CC, nascido em ../../2005 e de DD, nascida a ../../2008, deduziu em 20/01/2023 o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais contra o progenitor de ambos os filhos, AA, invocando em suma estar este a incumprir o que em acordo de regulação das responsabilidades parentais - por referência ao estabelecido em 04/03/2022 (apenso C[1]) ficou estabelecido.

Nomeadamente alegando não ter o requerido cumprido:

- o regime de residência alternada que então foi estipulado;

- o pagamento das despesas elencadas na cláusula 5ª do acordo relativamente ao filho CC, desde o início do ano de 2022;

- o pagamento de qualquer despesa desde setembro de 2022 relativamente à filha DD e conforme estabelecido em tal acordo.

Motivo por que a progenitora tem suportado todos os gastos com os menores.

Devendo o progenitor, por tal e nos termos expostos, à data da entrada do requerimento em menção, as quantias que descriminou:

“Despesas - DD

I -COLÉGIO

Inscrição + mês de setembro de 2022 = 1393.50

Outubro, novembro, dezembro 2022 = 1.522.95€

Janeiro de 2023 = 507.65€

II - Material escolar =110.36€

III – Explicações=250.00€

SOMA: 3.784.46 €: 2 = 1.892.50€

Despesas – CC

IV – COLÉGIO

Ano letivo 21/22 A... = 1.108.61€

Inscrição + mês de setembro ano letivo 22/23 = 210,00€ + 210,00€ = 420,00€

outubro, novembro e dezembro de 2022/23 = 630,00€

Janeiro de 2023 = 210.00€

SOMA: 2.368.60€: 2 = 1.184.30€

TOTAL EM DIVIDA: 1.892.50€+1.184.30€=3076.80€

- A este valor e decorrente do não cumprimento da residência alternada estabelecida em tal acordo e que vigorou até ao início do mês de janeiro, com o consequente suporte por parte da requerente de todas as despesas relativas a alimentos, devendo o requerido o valor mensal de € 500,00 (de março a dezembro de 2022).

Valor este que, antes do acordo que implementou a residência alternada, o requerido pagava a título de alimentos mensalmente.

Perfazendo um total de € 5.000,00 de que a requerida deverá ser ressarcida.

Termos em que terminou requerendo

“O CUMPRIMENTO DO PAGAMENTO DOS VALORES EM DÍVIDA NO MONTANTE NUNCA INFERIOR A 8.076,80€, TUDO ACRESCIDO DE JUROS ATÉ AO INTEGRAL E EFECTIVO PAGAMENTO, E QUE AS DEMAIS PRESTAÇÕES QUE SE VIEREM A VENCER SEJAM PAGAS POR TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA ATÉ AO DIA 6 DE CADA MÊS, POR FORMA A EVITAR O ACRÉCIMO DE 10% COBRADO PELA ENTIDADE DE ENSINO.”


*

Notificado o requerido, para alegar o que tivesse por conveniente em 5 dias, nos termos do artigo 41º nº 3 do RGPTC, nada disse o mesmo.

*

II- BB, deduziu em 16/03/2023 novo incidente de incumprimento das responsabilidades parentais contra o progenitor de ambos os filhos, AA, invocando para tanto e em suma, estar o mesmo a incumprir o que em alteração à regulação das responsabilidades parentais foi estabelecido em conferência realizada em 06/01/2023, de acordo com a qual foi fixada a residência dos menores com a progenitora, cabendo ao progenitor o pagamento a título de pensão de alimentos o valor de €300,00 (trezentos euros) mensais e a ambos os progenitores, todos os custos inerentes ao ensino privado, saúde, bem como das atividades extracurriculares.

Tendo entretanto o filho CC atingido a maioridade[2].

Nomeadamente alegando não ter o requerido cumprido:

- o estipulado na cláusula 3ª de tal decisão, não pagando nenhuma das despesas elencadas em tal cláusula relativamente à pensão de alimentos devida;

Devendo, à data da entrada deste requerimento, a título de pagamento de despesas e alimentos, os seguintes valores (vide ponto 12 do requerimento):

“Despesas – DD

I. COLÉGIO

Mensalidade de Fevereiro = €461,50

Mensalidade de Março =€461,50

SOMA: 923: 2 = 461,50€

II. PENSÃO DE ALIMENTOS

Fevereiro = €150,00

Março = €150,00

SOMA: €300,00

TOTAL: €761.20

Despesas CC

III. COLÉGIO

Mensalidade de Fevereiro = €210,00

Mensalidade de Março = €210,00

SOMA: 420: 2 = 210,00

IV. PENSÃO DE ALIMENTOS

Fevereiro = €150,00

Março = €150,00

SOMA: €300,00

TOTAL: €510.00

TOTAL EM DÍVIDA: 761,20€ + 510€ = 1.271,20€”

Mais tendo requerido, nos termos do artigo 41º do RGPTC, a condenação do progenitor demandado em multa ou indemnização a favor da criança menor e do filho CC, num valor nunca inferior a 500.00 euros para cada filho.

Termos em que terminou requerendo seja ordenado

“O CUMPRIMENTO COERCIVO DO PAGAMENTO DOS VALORES EM DÍVIDA NO MONTANTE DE 1.271,20€, TUDO ACRESCIDO DE JUROS ATÉ AO INTEGRAL E EFETIVO PAGAMENTO, E QUE AS DEMAIS PRESTAÇÕES QUE SE VIEREM A VENCER SEJAM PAGAS POR TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA ATÉ AO DIA 08 DE CADA MÊS.

(…) A CONDENAÇÃO DO PROGENITOR A TITULO DE INDEMNIZAÇÃO NUM VALOR NUNCA INFERIOR A 500.00, PARA CADA FILHO.”

III- Ordenada a incorporação do requerimento mencionado em II nos presentes autos identificados em I, foi agendada conferência de progenitores.

E nesta - realizada em 05/07/2023 - foi ordenada a notificação do requerido para se pronunciar em 5 dias quanto ao peticionado e mencionado em II.

Apresentou então o requerido resposta – em 19/07/2023 - nesta tendo alegado/invocado, em suma:

- No âmbito do apenso J (apenso aos autos principais, de que também este incidente é apenso) e de recurso no mesmo interposto pelo progenitor, foi decidido anular a decisão que fixou regime provisório na conferência realizada em 25.1.2023.”[3]

Decisão que transitou em julgado.

Pelo que nada é devido pelo requerido, “por conta do fixado provisoriamente na conferência relativa à Alteração de regulação das responsabilidades parentais.

- Sem conceder, é falso que esteja em incumprimento das responsabilidades parentais – alegando o requerido que nada a requerente concretizou no requerimento a que responde por referência ao outro incumprimento que assinalou em 10 (em causa o incumprimento descrito em I);

- No ponto 12 a requerente nada concretiza quanto aos valores em dívida, pelo que nada pode o requerido responder (em causa as despesas descritas em II);

- Quanto ao pedido de condenação em multa que a requerente não justifica, alegando ainda o requerido que em 29/06/2022 comunicou à requerente – aquando da notícia de que ambos os filhos tinham reprovado o ano mais uma vez – “que teriam que ser transferidos para unidades de ensino público, e que não mais estaria disponível para comparticipar qualquer custo referente a ensino em escolas privadas para os seus filhos – documento n.º 1 a 11”.

Comunicação atempada, tendo a requerida decidido contra a vontade do requerido manter os filhos em estabelecimentos escolares do ensino privado.

A que acresce o agravamento da condição financeira do requerido.

Motivo por que e tendo a requerente unilateralmente decidido determinar este assunto da vida dos seus filhos, à mesma cabe “assumir todos os custos inerentes a uma decisão unilateral e com a expressa oposição do requerido.”

Tendo a filha DD passado a frequentar o ensino oficial.

Termos em que concluiu deve ser declarado como não provado o incumprimento das responsabilidades parentais por parte do requerido, bem como julgado improcedente, por manifestamente infundado, o pedido de alteração das responsabilidades parentais.”

Mais peticionou o requerido a condenação da requerente como litigante de má-fé.

Terminando concluindo:

“Face ao exposto, por infundadas, de facto e de direito, devem as exceções invocadas pela Requerente serem julgadas totalmente improcedentes por não provadas, porém, verificando-se que estão preenchidos os requisitos para a condenação da Requerente como litigante de má-fé, deverá ser a mesma condenado em quantia não inferior a € 10.000,00, correspondente corresponde aos custos adicionais que terá de suportar com os honorários do seu mandatário e despesas com o processo, o que se requer nos termos do disposto no artigo 542.º do Código de Processo Civil, que prevê a condenação por litigância de má fé.”

IV- Respondeu a requerente às exceções invocadas.

Pugnando, quanto ao 1º incumprimento, entre o mais pela improcedência do invocado “caso julgado”, não aplicável ao caso concreto e pela procedência do pedido atenta a revelia operante.

Quanto ao 2º incumprimento, realçando que embora se refira às decisões tomadas no apenso D, o incumprimento é relativo ao apenso C[4], por força do decidido posteriormente pela Relação, mantendo em vigor os anteriores acordos.

Mais alegou que a nulidade das decisões mencionadas pelo requerente comprometeu diretamente o que foi determinado relativamente às pensões de alimentos e a alteração do regime de residência dos menores, mantendo-se por tal as obrigações inerentes ao regime anteriormente fixado.

Concluindo assim pela procedência da sua pretensão.

E pela improcedência da litigância de má-fé a si imputada.

Bem como pela condenação do requerido “A PAGAR UMA INDEMNIZAÇÃO À REQUERENTE DE VALOR NUNCA INFERIOR A 10.000.00 EUROS, POR LITIGANCIA DE MÁ-FE”


*

V- Foi agendada a conferência de pais, sem que tenha sido estabelecido um acordo entre os progenitores.

No âmbito desta conferência (na 1ª data de 06/12/2023) tendo sido informado:

- pelos ilustres mandatários das partes “que o Tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão proferida no processo apenso com a letra D de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais relativamente à alteração provisória proferida em 13-07-2023”.

- pela requerente “que, até à presente data encontram-se em dívida a quantia de 6.500,00€ relativa a alimentos vencidos, devidos desde a entrada do processo até ao passado mês de novembro inclusive e, cerca de 6.228,00€ da parte do requerido relativa à frequência de estabelecimento de ensino dos filhos”.

VI- Foi proferida sentença, decidindo “julgo verificado o incumprimento por parte do requerido no que se refere à sua obrigação de prestar alimentos aos filhos declarando encontrar-se em divida até novembro de 2023 (inclusive) a quantia total de 12728€ (doze mil, setecentos e vinte e oito euros) que se condena a pagar.”


*

Do assim decidido apelou o requerido, oferecendo alegações e a final tendo formulado as seguintes

“Conclusões:

1. Vem o presente recurso da sentença que decidiu pelo alegado incumprimento por parte do Requerido no que se refere à sua obrigação de prestar alimentos aos filhos no âmbito do regime das responsabilidades parentais de DD e CC, pois, salvo o devido e merecido respeito foram cometidos vários e graves erros de julgamento em sede de apreciação da matéria de direito em discussão nos presentes autos, impondo-se uma solução inversa à decidida na sentença ora impugnada, competindo, assim, a este Tribunal ad quem usar dos seus poderes/deveres (funcionais) de censura.

2. Tem vindo a verificar-se, com especial incidência, que a obrigação de alimentos aos filhos menores cessa, na prática, com a sua maioridade e que cabe a estes para obviar a tal, intentar contra o pai uma ação especial.

3. Todavia, através do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro, maxime do seu art.º 1.º, determinou-se a “atribuição e transferência de competências relativas a um conjunto de processos especiais dos tribunais judiciais para o Ministério Público e as conservatórias de registo civil, regulando os correspondentes procedimentos.”

4. Assim, nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 5.º do Decreto-lei n.º 272/2001, de 13 de outubro e alínea ii), do número 2 do artigo 3.º da Lei n.º 82/2011, de 3 de agosto é da exclusiva competência da conservatória do registo civil o pedido de alimentos a filhos maiores ou emancipados.

5. Desta forma, estamos perante uma exceção dilatória inominada, pelo que, somos a concluir que os Tribunais não podem tramitar e decidir este tipo de processos no que aos filhos maiores diz respeito.

6. Em julho de 2023, com a nova fixação das responsabilidades parentais dos aqui progenitores, foi estabelecido um regime de guarda da menor DD junto da progenitora e de visitas livre em relação ao progenitor, por contraposição absoluta, ao regime de responsabilidades parentais que vigorava por acordo antes da presente ação.

7. Na concretização do conceito indeterminado de superior interesse da criança deve adotar-se a solução mais ajustada ao caso concreto, de modo a oferecerem-se melhores garantias do seu desenvolvimento físico e psíquico, do seu bem-estar e segurança e da formação da sua personalidade.

8. In casu, o principal dissídio entre os progenitores respeita à determinação da residência da menor DD, pelo que, qualquer decisão a respeito, além do transversal superior interesse da criança, deve obediência aos seguintes princípios: a igualdade entre os progenitores e a disponibilidade e capacidade manifestada por cada um dos progenitores para prover pela saúde, educação e bem-estar do filho.

Recorrida, foi tão-só a de obrigar o Recorrente ao pagamento de uma propositadamente excessiva e desproporcional pensão de alimentos para ambos os filhos.

10. É completamente infundada a fixação de € 250,00 a título de pensão, para cada um dos filhos, sendo a sua fixação ilegal, em violação do artigo 2004.º, n.º 1 Código Civil por atender apenas às necessidades dos menores – “tendo em conta a idade dos menores e as despesas fundamental e básicas à vivencia de qualquer adolescente”.

11. O princípio da razoabilidade, o bom senso e a prudência, bem como o superior interesse da menor não presidiram à decisão que agora se recorre!

12. Sempre foi intenção do Recorrente a manutenção da regulação anteriormente estabelecida na conferência de 04 de março de 2022, que fixava o exercício das responsabilidades parentais competência de ambos os pais, acordando os progenitores que cada um asseguraria as despesas correntes com os filhos, no período que estes estiverem com cada um deles, pagando em partes iguais, todos os custos inerentes ao ensino e saúde dos jovens.

13. Não corresponde à verdade que o Recorrente se encontre em mora relativamente às prestações a título de alimentos que assumiu em cumprimento das responsabilidades parentais, isto pois, tem vindo o progenitor a assumir o inicialmente acordado, optando por contribuir para o sustento dos seus filhos de forma igualitária, sem contudo, proceder ao pagamento de uma excessiva fixação de alimentos de € 500,00, dado que não confia, de maneira alguma, que a mãe dos seus filhos utilize tal montante mensal para os fins a que verdadeiramente se destina.

14. O Recorrente é o progenitor mais exigente na educação dos menores, impondo as regras necessárias ao seu crescimento saudável, essenciais para alcançar um futuro de sucesso, o qual começa pelos bons resultados na escola, postura que naturalmente não agrada a qualquer adolescente na revelia da idade, conforme é o caso da filha DD.

15. O Recorrente considera que a mãe tem sido uma influência decisiva, negativamente, na formação da personalidade e segurança da DD, tendo demonstrado no processo que a progenitora não tem capacidade para sozinha gerir de forma salutar a vida da sua filha, mesmo em questões do dia-a-dia.

16. De entre as questões de particular importância, encontra-se evidentemente a escolha de ensino particular ou oficial para a escolaridade dos filhos – v.g. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17.12.2019, Proc. 271/15.8T8BRG-I.G1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Braga de 16-03-2021, Proc. 3187/17.0T8CSC-B.C1: “O artigo 1906º do C.Civil [com a redação decorrente da Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro] impôs como regra o exercício conjunto das responsabilidades parentais em relação às questões de particular importância, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível. Consideram-se “questões de particular importância”, entre outras: as intervenções cirúrgicas das quais possam resultar riscos acrescidos para a saúde do menor; a prática de atividades desportivas radicais; a saída do menor para o estrangeiro sem ser em viagem de turismo; a matrícula em colégio privado ou a mudança de colégio privado; mudança de residência do menor para local distinto da do progenitor a quem foi confiado.” (negrito e sublinhado nosso).

17. Atualmente a menor DD encontra-se inscrita no colégio privado A... Porto, o qual implica um custo mensal superior a € 700,00, todavia a menor não tem tido aproveitamento escolar, obtendo resultados negativos a várias disciplinas, apresentando, por isso, um decréscimo nos resultados apresentados.

18. O Recorrente progenitor, quer pelos maus resultados, quer pelo ambiente elitista, fútil e de algum facilitismo proporcionado pelo ensino naquele colégio privado, e pelos resultados negativos obtidos, considera, por isso, que a mesma deve regressar ao ensino público, nomeadamente, para o agrupamento de escolas ..., estabelecimento que frequentou antes do ano letivo 2020/2021.

19. A posição do Recorrente é a de que a menor deve ser inscrita na Escola Secundária ... (terceiro ciclo e secundário), sendo daquela opinião já desde o ano letivo anterior, só não tendo assim sucedido, porque a mãe como encarregada de educação, agiu à revelia do pai.

20. O progenitor por várias vezes já tentou fazer ver à progenitora que o ensino público é a melhor solução educativa para sua filha, mas aquela mostra-se irredutível, tendo um posicionamento injustificadamente discriminatório em relação à escola pública, demonstrando da mesma forma que a sua filha deve manter o seu status social restrito, impedindo que a mesma cresça e conheça a realidade da vida…

21. Não é do superior interesse da menor DD a sua permanência no ensino privado, sendo mais saudável para o seu crescimento enquanto pessoa, a exigência, o rigor e o contexto social de uma escola pública, como a Escola Secundária ....

22. No que concerne às despesas referentes ao colégio privado, efetivamente, o Recorrente não concorda com a frequência da sua filha menor do ensino privado, posição que há muito vem manifestando perante a progenitora, nomeadamente, antes do início do presente ano letivo de cada ano letivo.

23. Apenas poderá ser decidida em conjunto e por acordo entre ambos os progenitores, conforme prescreve o artigo 1906.º, n.º 1 do Código Civil, sendo que, antes do início de cada ano letivo, de forma expressa é comunicado pelo Recorrente à Recorrida que a filha menor no ano 2020/2021 em diante teria que frequentar o ensino público.

24. Por isso, não pode a Recorrida unilateralmente determinar sobre este assunto da vida da sua filha, tal como entende fazer no presente caso, sendo certo que, caberá à mesma assumir todos os custos inerentes a uma decisão unilateral e com a expressa oposição do Recorrente.

25. Na senda do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de fevereiro de 2022 (Proc. n.º 8794/15.2T8LRS-C-6): “Se o requerente fosse menor, a sua frequência do ensino privado, enquanto questão de particular importância, sempre carecia do acordo de ambos os progenitores, não só, mas também, pelas consideráveis despesas acrescida que recairiam sobre os seus pais, pelo que, em tal caso, a posição do requerido sempre estaria salvaguardada. Até poderia, em tal caso, ser autorizada a frequência pelo (então) menor do ensino privado, e não ficar o requerido obrigado a comparticipar em tais despesas, caso a sua situação económica o não permitisse.” (sublinhado e negrito nossos).

26. A frequência da sua filha menor em estabelecimento de ensino privado acarreta um profundo incremento das despesas com ensino/educação, de tal modo que o Recorrente nunca expressou o seu assentimento.

27. A decisão sobre que sistema de ensino a adotar resulta conjuntamente de ambos os progenitores, não podendo, in casu, um, à revelia do outro, proceder à inscrição sistemática da sua filha num colégio privado, dada a clara oposição do pai!

28. O Recorrente, conforme convencionado no acordo de regulação de responsabilidades parentais, encontra-se a pagar, a título de pensão de alimentos, o valor total mensal de € 500,00.

29. Não existem factos na vida dos filhos dos progenitores que justifiquem a fixação de um montante tão elevado ou modificação das circunstâncias determinantes da sua fixação (cfr. artigo 2012.º do Código Civil).

30. Sempre não se verificaria qualquer proporcionalidade ou adequação do montante peticionado às necessidades indispensável dos seus filhos, com vista ao seu sustento, habitação, vestuário, instrução e educação (cfr. artigos 2003.º e 2004.º do Código Civil).

31. Por um lado, que o Recorrente sempre esteve profundamente empenhado no cuidar diário e desenvolvimento dos filhos, a todos os níveis, dando-lhes afeto, formação e regras seguindo princípios basilares e estruturantes, necessárias para o seu crescimento e formação saudável, indispensável à plena realização e futuro dos menores.

32. Por outro lado, não está o Recorrente obrigado a fornecer aos seus filhos o nível de vida que a progenitora Recorrida pretende, mas somente de prover aos mesmos o seu necessário e adequado sustento, e não sustentar o sustento da Recorrida conforme parece pretender.

33. O valor fixado em € 500,00 relativo a alimentos a prestar pelo Recorrente aos dois filhos menores, é atualmente excessivo, face à realidade que resultou do acordo inicial.

34. A norma do artigo 2004.º, n.º 1 do CC, estabelece que os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los.

35. Feitas as contas, auferindo um valor fixo mensal líquido de € 1.426,25, deduzindo os € 850,00, sobraria para o Recorrente uns míseros € 576,00 para a sua subsistência… um valor mais baixo que o salário mínimo nacional!

36. Resulta evidente que o ora Recorrente não dispõe de capacidade para pagar as despesas educativas e pensão de alimentos dos filhos, o que deveria ser tido em consideração pelo Tribunal a quo na decisão que proferiu, mas não sucedeu, pelo que forçoso é concluir que a decisão recorrida não interpretou, nem aplicou convenientemente e assim violou as normas do artigo 2004.º, n.º 1 do CC.

37. Não pode assim haver incumprimento por parte do Recorrente, pois o pagamento de valores agora reclamados pela Recorrida nunca se afigurou como possível ao primeiro, dada a sua situação financeira e socioecónomica e, ainda, por nunca ter concordado com a manutenção da sua filha menor no estabelecimento de ensino privado em causa.

38. Face ao exposto, deve ser declarado como não provado o incumprimento das responsabilidades parentais por parte do Recorrente.

39. Nestes termos, foram violadas, entre outras disposições legais os artigos 4.º, n.º 1, b), 28.º, n.º 1 e 4 do RGPTC, artigo 4.º, alínea a) e alínea e) da Lei n.º 147/99, de 01 de setembro, 1906.º e 2004.º, n.º 1 do Código Civil e artigos 154.º, 607.º, n.º 3 e 4, 615.º, n.º 1 aliena b) e alínea d) in fine do Código de Processo Civil.

TERMOS EM QUE, e nos melhores de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá ser admitido o recurso apresentado pelo Recorrente e, ainda, ser anulada a sentença recorrida por violação flagrante da lei.

Assim decidindo, farão V. Exas. a melhor JUSTIÇA!”


*

Não se mostram apresentadas contra-alegações.


*

O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Foram dispensados os vistos legais.


***

II- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC [Código de Processo Civil] – resulta das formuladas pelo apelante serem questões a apreciar:

- incompetência do tribunal;

- cessação da obrigação de prestação de alimentos ao filho CC;

- erro na subsunção jurídica dos factos ao direito.

III – Fundamentação.

O tribunal a quo julgou provada a seguinte factualidade:

«1 - CC nasceu a ../../2005 e encontra-se registado como filho da requerente e do requerido.

2 - DD nasceu a ../../2008 e encontra-se registada como filha da requerente e do requerido.

3 - O exercício das responsabilidades parentais foi judicialmente regulado e alterado por várias vezes sendo que, para o que releva nestes autos, com data de 12 de novembro de 2021 foi judicialmente homologado acordo dos progenitores fixando um regime de residência alternada semanal relativamente à menor DD prevendo-se quanto a alimentos

“…cada um assegurará as despesas correntes com a filha, no período em que esta estiver consigo.

Acordam ainda os progenitores que pagarão em partes iguais, todos os custos inerentes ao ensino privado, saúde, incluindo os custos inerentes à contratação de um seguro de saúde para a jovem, bem como as atividades extracurriculares que obtenham o acordo entre ambos (educativas e desportivas).”

4 - Relativamente ao CC (então menor) com data de 04 de março de 2022 foi judicialmente homologado acordo dos progenitores fixando um regime de residência alternada semanal prevendo-se quanto a alimentos

“…cada um assegurará as despesas correntes com o filho, no período em que este estiver consigo.

Acordam ainda os progenitores que pagarão em partes iguais, todos os custos inerentes ao ensino privado, saúde, incluindo os custos inerentes à contratação de um seguro de saúde para o jovem, bem como as atividades extracurriculares que obtenham o acordo entre ambos (educativas e desportivas)”

5- A 09 de outubro de 2022 deu entrada ação de alteração da regulação das responsabilidades parentais intentada pela progenitora dando conta que o regime de guarda alternada não estava a ser cumprido na prática encontrando-se os filhos a residir consigo.

A 06 de janeiro de 2023 foi proferida decisão provisória fixando a residência dos menores com a mãe e alimentos a cargo do pai no montante mensal total de 300€, determinando ainda “serão suportadas em partes iguais pelos progenitores as despesas dos filhos com a frequência dos estabelecimentos de ensino onde os mesmos se encontram, com livros escolares, consultas médicas, tratamentos e parelhos dentários, operações e meios auxiliares de diagnóstico.”

6- A decisão referida em 5 foi revogada pelo Tribunal da Relação do Porto.

7- Com data de 13 de julho de 2023 nos referidos autos de alteração das responsabilidades parentais foi proferida nova decisão provisória nos seguintes termos:

“ Fixa-se a residência da DD junto da mãe (…)

(…)

O pai prestará alimentos no montante mensal de 250€ por transferência bancária para a conta da progenitora, até ao dia 08 de cada mês.

Mantém-se a repartição em 50% por parte de cada progenitor das despesas da filha inerentes à frequência de estabelecimento de ensino privado, saúde e atividades extracurriculares (quanto a estas desde que haja acordo dos progenitores na sua frequência).

Relativamente ao filho maior, CC fixa-se provisoriamente a quantia de 250€ mensais a prestar pelo pai a título de alimentos, consignando-se que tal quantia poderá ser entregue à mãe ou diretamente ao jovem, devendo o pagamento ser efetuado por meio documentalmente comprovado até ao dia 08 de cada mês.

O pai deverá ainda proceder ao pagamento de 50% do valor da propina mensal do estabelecimento de ensino que o filho frequenta.”

8- Na decisão proferida em 7 consta como facto provado que “O regime de residência alternada apenas foi cumprido até meados de 2022, sendo que desde então ambos os filhos passaram a residir com a mãe com carater de estabilidade e mantendo apenas contactos e/ou convívios muito esporádicos com o pai”.

9- A decisão referida em 7 foi objeto de recurso e confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto.

10- O requerido nunca pagou qualquer dos montantes fixados, ainda que provisoriamente, nos autos de alteração das responsabilidades parentais pendentes nem procede ao pagamento das despesas inerentes à frequência de estabelecimento de ensino pelos filhos encontrando-se em divida até 06 de dezembro de 2023 a quantia de 6500€ relativa a alimentos desde a data de entrada da ação (outubro de 2022) e aquantia de 6228€ relativa à frequência de estabelecimento de ensino dos filhos.

11- Com data de 14-04-2023 o requerido intentou ação tutelar comum nos termos do art. 44º do RGPTC visando a resolução pelo tribunal do diferendo entre os progenitores quanto à transferência dos filhos para o ensino público (pretensão do progenitor) ou manutenção no ensino privado (pretensão da progenitora), ação essa que se encontra em fase de julgamento.

12- A empresa “B... Ldª” declara ao ISS pagar a remuneração mensal de 2125€ ao requerido.

13- Para efeitos de IRS o progenitor declarou, relativamente ao ano de 2022, rendimentos do trabalho dependente, o montante de 49.625€.»


***

Conhecendo.

Tendo presente que na subsunção jurídica dos factos ao direito não está o tribunal vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [vide artigo 5º nº 3 do CPC], sem prejuízo do limite imposto pelo artigo 609º do CPC quanto ao objeto e quantidade do pedido, cumpre apreciar se ocorre erro na subsunção jurídica dos factos ao direito.

Para a apreciação do objeto do recurso, importa relembrar em primeiro lugar estarmos perante um processo tutelar cível, o qual por ter a natureza de jurisdição voluntária (artigo 12º do RGPTC) se rege não por critérios de estrita legalidade, mas antes por juízos de equidade e oportunidade, com vista à tutela dos interesses que visam salvaguardar (vide artigo 987º do CPC).

As resoluções tomadas no seu âmbito podem assim ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, desde que circunstâncias supervenientes justifiquem tal alteração (vide artigo 988º do CPC).

E enquanto vigentes e até à sua alteração, porquanto se impõem com força de caso julgado às partes e mesmo ao tribunal (caso julgado material e formal)[5] – é concedida proteção ao regime antes fixado, por via do regime de incumprimento regulado no artigo 41º do RGPTC com vista a ser obtido o cumprimento coercivo (entre o mais – vide nº 1 deste artigo).

Em segundo lugar, é de levar em consideração o entendimento uniforme de que ao tribunal de recurso não podem ser colocadas questões novas, invocar argumentos ou fundamentos novos, antes não submetidos à apreciação do tribunal a quo. Entendimento este que na sua base tem o princípio de que os recursos visam, por via da modificação de decisão antes proferida, reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado – vide o disposto no artigo 627º do CPC do qual decorre ser por via de recurso que as decisões judiciais proferidas podem ser impugnadas. O mesmo é dizer, a impugnação tem por objeto a decisão proferida, afastando como tal a reapreciação de questões novas.

Como afirmado no Ac. STJ de 19/10/21, nº de processo 5145/15.0T8PBL-A.C2.S1 in www.dgsi.pt (e convocando anterior Ac. do mesmo STJ de 07/10/2014):

«Constitui jurisprudência perfeitamente consolidada a de que os recursos se destinam a reapreciar as questões decididas pelo tribunal ad quo, e não a submeter a decisão do tribunal de recurso, questões novas, exceto as de conhecimento oficioso, seja de mérito, seja de natureza adjetiva.

Assim decidiu, entre muitos outros, o Acórdão do STJ de 07.10.2014, P. 56/04 (Sumários, Out/2014, p. 14):

“Por norma, não pode na alegação de recurso invocar-se questões ou meios de defesa novos, que não tenham oportunamente sido deduzidos (art. 627º/1); os recursos ordinários são de revisão ou de reponderação, tendo por objeto, fundamentalmente, a decisão impugnada ou recorrida, não visando os recursos criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido, ressalvando-se, porém, as questões novas que sejam de conhecimento oficioso.”».

Analisando a pretensão do recorrente na perspetiva do segundo pressuposto, no confronto com o processado dos autos, verifica-se que quer a questão da competência material do tribunal [por referência ao previsto no DL 272/2001 e às competências que foram atribuídas às conservatórias do registo civil relativas a um conjunto de processos especiais, incluindo os pedidos de alimentos a filhos maiores ou emancipados – vide artigo 5º nº 1 al. a) do citado DL], quer a questão da maioridade alcançada pelo filho do recorrente, CC [maioridade atingida a ../../2023, ou seja, em data anterior à propositura do 1º alegado incumprimento] são questões colocadas pelo recorrente apenas em sede de recurso e como tal, salvo de conhecimento oficioso, está o seu conhecimento vedado a este tribunal.

Ora a incompetência em razão da matéria, quando de conhecimento oficioso, tem como limite temporal, quando em causa estejam regras da competência que apenas respeitem aos tribunais judiciais [por contraposição às causas em que se questiona a competência dentre tribunais de diferentes categorias] o momento processual em que é proferido despacho saneador ou, não havendo lugar a ele, até ao inicio da audiência final – vide artigo 97º nº 2 do CPC.

O mesmo é dizer que a incompetência suscitada pelo recorrente apenas em sede de recurso da decisão final proferida em sede de incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, independentemente da sua pertinência, é extemporânea e já não pode ser conhecida oficiosamente[6].

Consequentemente declara-se prejudicado o conhecimento desta questão suscitada pelo recorrente.

Quanto à questão da maioridade do filho CC e a influência de tal realidade para a pretensão formulada pela progenitora no âmbito do presente incidente, é questão nova apenas em sede de recurso suscitada, pelo que e não sendo de conhecimento oficioso, está de igual forma vedado o seu conhecimento.

Ainda que assim se não entendesse, importa referir que in casu está, como já mencionado, o alegado incumprimento de regime das responsabilidades parentais estabelecido anteriormente no âmbito de processo judicial.

Incumprimento imputado ao recorrido pela progenitora dos filhos que consigo residem.

De acordo com o previsto neste nº 3 do artigo 989º, o progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos, pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores.

No nº 1 deste mesmo artigo está regulado os termos em que será tramitada a ação por alimentos – quando surja a necessidade de providenciar pelos mesmos a filho maior ou emancipado para efeitos dos artigos 1880º e 1905º do CC – por remissão para o regime previsto para os menores (989º nº 1 do CPC).

E no nº 2 está prevista precisamente a situação dos autos:

“2- Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respetivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso.”

Da conjugação dos nºs 2 e 3 do artigo 989º do CPC e respeitando os autos a um incidente de incumprimento de responsabilidades parentais já antes reguladas e que corre por apenso ao processo principal, deduzidos pela progenitora que assume a título principal o encargo de pagar as despesas do filho maior (tal como da menor), resulta clara não só a competência material do tribunal para apreciar a pretensão formulada pela progenitora requerente, como a irrelevância da maioridade do filho para efeitos da apreciação da pretensão, analisada esta quer na perspetiva da competência material, quer na perspetiva da legitimidade para formular essa mesma pretensão[7].

Acresce que do atingimento da maioridade não resulta a cessação automática da obrigação de pagamento da pensão de alimentos – vide artigo 1905º nº 2.

Tal como decorre deste artigo 1905º nº 2 do CC[8] é automática a manutenção do direito à prestação de alimentos fixada durante a menoridade, afastando assim a necessidade – pelos inerentes constrangimentos a tal atuação - de o jovem que atinge a maioridade e com base exclusiva nesta interpor ação contra o seu progenitor para obter a manutenção de tal prestação.

Como tal recai sobre o progenitor que em tal tenha interesse, intentar ação de alteração da regulação das responsabilidades parentais em que alegue e demonstre os fundamentos da sua pretensão de cessação da obrigação de prestar alimentos – seja por ser irrazoável continuar a exigir tal prestação fundado na grave violação dos deveres de respeito e consideração do(a) filho(a) perante o progenitor obrigado à prestação de alimentos, seja por atingida a maioridade e o processo educativo ter sido interrompido ou não colher o aproveitamento que dentro do padrão de normalidade é exigível a alguém da idade do formando. Para tanto alegando e demonstrando nomeadamente comportamentos do filho no percurso escolar que justificam a cessação de tal obrigação[9].

A obrigação ou dever de alimentos estabelecido a favor dos filhos menores, ou maiores dentro do circunstancialismo previsto no artigo 1880º conjugado com o artigo 1905º nº 2 do CC, assume a natureza de direito fundamental reconhecido na nossa constituição (vide artigo 36º nº 5º da CRP), vinculativo para os progenitores.

Por tal e “Não obstante a estrutura obrigacional do vínculo de alimentos, esta prestação alimentícia é integrante de um dever privilegiado que, segundo Vieira de Andrade (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ª ed., pág. 169), constitui um caso nítido de deveres reversos dos direitos correspondentes, de direitos deveres ou de poderes-deveres com dupla natureza, em que se elevou um dever elementar de ordem social e jurídico a dever-direito fundamental.”[10]

Motivo porque o seu regime é marcado em múltiplos aspetos pela sua natureza familiar, não obstante a sua estrutura obrigacional – veja-se o disposto no artigo 2008º do CC do qual decorre ser este um direito indisponível, intransmissível, impenhorável e imprescritível.

É este “um daqueles raros casos em que a Constituição impõe aos cidadãos uma vinculação qualificável como dever fundamental cujo beneficiário imediato é outro indivíduo (e não imediatamente a comunidade). Assim, tal prestação é integrante de um dever privilegiado, que, embora pudesse ser deduzido de outros lugares da Constituição [v. g. do reconhecimento da família como elemento fundamental da sociedade (artigo 67.º) e da proteção da infância contra todas as formas de abandono (artigo 69.º)], está aqui expressamente consagrado, como correlativo do direito fundamental dos filhos à manutenção por parte dos pais”[11].

Assim e na medida em que se mantenha a decisão que determinou a obrigação de prestação de alimentos, mantém-se o progenitor obrigado à prestação de alimentos até que ocorra alteração ou o filho perfaça os 25 anos, desde que verificados os pressupostos referidos.

Improcede assim também este argumento do recorrente.

Afastada esta argumentação recursória, constata-se que o recorrente não impugnou a decisão de facto, a qual se tem assim por definitivamente assente.

Da decisão de facto extrai-se como provado o não pagamento por parte do recorrente das “despesas inerentes à frequência de estabelecimento de ensino pelos filhos encontrando-se em divida até 06 de dezembro de 2023 a quantia de 6500€ relativa a alimentos desde a data de entrada da ação (outubro de 2022) e a quantia de 6228€ relativa à frequência de estabelecimento de ensino dos filhos.” [vide facto provado 10].

Precisamente os montantes em que foi condenado a pagar na decisão recorrida. Não tendo o recorrente impugnado os valores que o tribunal a quo julgou provado estarem em dívida, antes tendo apenas questionado a sua obrigação de pagar, na perspetiva de o valor fixado não ser adequado ou proporcional (vide conclusões 28 e seguintes), impõe-se concluir pela improcedência da sua argumentação.

De referir que também a alusão do recorrente relativa à residência da menor DD, ao valor da pensão fixado, ou ao regime de educação que o recorrente defende e sobre o qual manifesta discordância em relação às opções da progenitora [vide conclusões 8 e segs.] são questões a ser discutidas em sede própria.

Neste incidente cabe apenas apreciar se ocorreu incumprimento em relação às obrigações que sobre o recorrente recaíam ao abrigo da regulação das responsabilidades parentais em vigor.

E quanto a estas, ficou apurado o incumprimento dos valores considerados pelo tribunal a quo. E em que o recorrente foi condenado.

Condenação que assim não merece censura.

Eventual fundamento para a alteração do regime vigente tem de ser suscitado em incidente próprio de alteração do mesmo – artigo 42º do RGPTC.

Termos em que se julga improcedente o recurso interposto.


***


V. Decisão.

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, consequentemente se mantendo a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Porto, 2024-10-07

Fátima Andrade

Jorge Martins Ribeiro

Mendes Coelho

_____________________
[1] A menção ao apenso A padece de manifesto lapso, certamente apoiado no próprio lapso constante da ata do apenso C de 04/03/2022 em que identifica este apenso como A. Lapso da requerente que assim se deixa aqui corrigido. Apenso C que findou com a homologação do acordo celebrado e invocado pela requerente, por sentença transitada.
Como inicial acordo, tendo ainda a recorrente invocado o que foi regulado provisoriamente em 11/06/2019 [e não 11/07/2019 como por lapso é mencionado. Relevando ainda o previamente regulado também provisoriamente em 12/09/2018. Ambas estas decisões proferidas no processo de divórcio].
[2] CC perfez 18 anos de idade a ../../2023.
[3] O apenso J mencionado, teve por objeto o recurso interposto da decisão do tribunal a quo proferida no apenso D em 25/01/2023, em sede de conferência de interessados, ao qual foi fixado efeito meramente devolutivo.
Conferência na qual, após quanto ao jovem CC ter sido declarado:“Verificando que o jovem CC já perfez 18 anos de idade no passado dia 12, atingindo a maioridade, cessam quanto a si as responsabilidades parentais, pelo que, relativamente a ele os autos prosseguem apenas quanto aos alimentos, uma vez que o jovem continua a estudar.”

Foi decidido:

“Mantem-se o regime provisório fixado na primeira sessão desta conferencia, salientando-se que quanto aos convívios, tendo-se em conta a abertura demonstrada pela DD no sentido de combinar convívios com o pai e, tendo em conta a idade da menor e a maturidade demonstrada, continua a considerar-se adequado o regime fixado pelo que se mantem o mesmo.

Atenta a falta de acordo entre os progenitores, remeta-os para a audição técnica especializada.

Notifique.”

O regime provisório a que o despacho se referiu, foi o fixado em ata de 06/01/2023, no qual foi decidido alterar provisoriamente o regime das responsabilidades parentais dos menores nos seguintes termos:

“1 - Fixa-se a residência dos menores com a progenitora, sendo o exercício das responsabilidades parentais, nas questões de particular importância, em comum por ambos os progenitores, conforme disposto no art.º 1906º n.º 1 e 3 do C.C.;

(…)

3 – Quanto a alimentos, tendo em conta a idade dos menores e as despesas fundamentais e básicas à vivência de qualquer adolescente, fixo a quantia de 150,00€ (cento e cinquenta euros) mensais para cada um dos menores, no montante global de 300,00€ (trezentos euros) mensais, a remeter à mãe por qualquer meio idóneo titulado até ao final do mês a que respeitar.

3a - Além disso, serão suportadas em partes iguais pelos progenitores as despesas dos filhos com a frequência de estabelecimentos de ensino onde os mesmos se encontram, com livros escolares, consultas

médicas, tratamentos e aparelhos dentários, operações e meios auxiliares de diagnóstico;

(…)


*

Da decisão proferida em ata de 06/01/2023, foi interposto recurso, tramitado sob o apenso G, admitido com efeito meramente devolutivo.

Tendo neste apenso sido proferida decisão sumária por esta Relação em 14/04/2023 a declarar

“julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo progenitor/requerido AA e, em consequência, declara-se nula a decisão que fixou regime provisório na conferência realizada em 6.1.2023.”

Do decidido em ata de 25/01/2023, foi interposto recurso tramitado sob o apenso J, tendo sido proferida Decisão Sumária por esta Relação em 25/06/2023, decidindo:

“julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo progenitor/requerido AA e, em consequência, declara-se nula a decisão que fixou regime provisório na conferência realizada em 25.1.2023.”


*

Posteriormente e na sequência do decidido, foi proferida (nova) decisão provisória a 13/07/2023, no apenso D, do teor indicado em 7 dos factos provados.

Desta tendo sido interposto recurso [apenso K] o qual confirmou o decidido e referido em 7 dos factos provados.

[4] - O apenso C respeita a requerimento para alteração da regulação das responsabilidades parentais, instaurado por AA contra BB, no qual as partes chegaram a acordo em 12/11/2021, estabelecendo entre o mais o regime da residência alternada quanto à menor DD.

Nos termos que aqui se deixam reproduzidos:

“relativamente à DD mantêm o acordo que transmitiram inicialmente e que se passa a elencar da forma que se segue:

ACORDO


Cláusula Primeira

1. O exercício das responsabilidades parentais compete a ambos os outorgantes pais.

1. É fixada em favor da DD o regime da residência alternada.


(…)

Cláusula Quinta


1. Acordam os progenitores que cada um assegurará as despesas correntes com a filha, no período em que esta estiver consigo.

2. Acordam ainda os progenitores que pagarão em partes iguais, todos os custos inerentes ao ensino privado, saúde, incluindo os custos inerentes à contratação de um seguro de saúde para a jovem, bem como as atividades extracurriculares que obtenham o acordo entre ambos (educativas e desportivas).

(…)

Acordo este homologado por sentença devidamente transitado.

E quanto ao menor CC, foi decidido fixar provisoriamente o seguinte regime e por um período de 90 dias:


“RESIDÊNCIA:

Mantém-se em favor do jovem o regime da residência com a progenitora, sendo as responsabilidades parentais, nas questões de particular importância, em comum entre ambos os progenitores, conforme disposto no art.º 1906º n.º 1 e 3 do C.C.;

(…)


ALIMENTOS

1. O progenitor, pagará, a título de pensão de alimentos para o jovem, a quantia mensal de 100,00€ (cem euros), a remeter à mãe atá ao dia 08 do mês a que respeitar e por transferência bancária para IBAN que já tem conhecimento.

2. Os progenitores, pagarão em partes iguais, todos os custos inerentes ao ensino privado, saúde, incluindo os custos inerentes à contratação de um seguro de saúde para o jovem, bem como, todas as necessidades básicas à vida do jovem incluído atividades extracurriculares sobre as quais tenham acordado (educativas e desportivas).”

Tendo então mais sido determinado pelo tribunal a quo a comparência do jovem CC para comparecer na nova data agendada para continuação da conferência, com vista a aferir como decorreu o período experimental.

Em 04/03/2022, na continuação da conferência 12/11/21 foi homologado por sentença transitada em julgado, o acordo obtido entre os progenitores, do seguinte teor:


“ACORDO

Cláusula Primeira


1. O exercício das responsabilidades parentais compete a ambos os outorgantes pais.

2. É fixada em favor do jovem CC, o regime da residência alternada.

(…)


Cláusula Quinta

1. Acordam os progenitores que cada um assegurará as despesas correntes com o filho, no período em que esta estiver consigo.

2. Acordam ainda os progenitores que pagarão em partes iguais, todos os custos inerentes ao ensino privado, saúde, incluindo os custos inerentes à contratação de um seguro de saúde para o jovem, bem como as atividades extracurriculares que obtenham o acordo entre ambos (educativas e desportivas).


(…)


[5] Vide neste sentido Ac. TRP de 15/02/2016, Relator Caimoto Jácome in www.dgsi.pt
[6] Cfr. sobre a oportunidade da invocação desta exceção, o decidido no Ac. TRG de 17/03/2022, nº de processo 3007/13.4TBBRG-A.G1 in www.dgsi.pt
[7] Abordando a questão da competência do tribunal, vide ainda o decidido, no mesmo sentido, no Ac. TRP de 22/03/2021, nº de processo 653/21.6T8MTS.P1 in www.dgsi.pt
[8] Na redação introduzida pela Lei 122/2015 de 01/09, a qual assume natureza interpretativa do artigo 1880º do CC, definindo este a manutenção da obrigação alimentícia para lá da maioridade quando a o filho não tiver completado a sua formação profissional na medida em que seja razoável exigir aos seus pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.
Em consonância com esta alteração, tendo igualmente sido alterado o teor do artigo 989º nº 3 do CPC, conferindo legitimidade ao progenitor com quem o filho reside, para exigir o cumprimento das obrigações estipuladas durante a menoridade.
Cfr. quanto à natureza interpretativa da nova redação deste artigo 1905º nº 2 e dúvidas que a anteriormente suscitava a redação do artigo 1880º quanto à caducidade da prestação de alimentos fixada na menoridade, quando o filho atingisse a maioridade. Reiterando a automaticidade da sua manutenção com a maioridade,  Ac. TRL de 03/03/2020, nº de processo 1298/12.7TBCSC-C.L1-7 e doutrina no mesmo citada; ainda Ac. TRG de 19/06/2019, nº de processo 6689/18.7T8GMR.G1; Ac. TRG de 21/06/2018, nº de processo 458/18.1T8BCL.G1; Ac. TRL de 17/12/2020 nº de processo 373/14.8TMPDL-B.L1-2 (este último com um voto de vencido) todos in www.dgsi.pt].
Nº2 do artigo 1905º, cujo teor aqui se reproduz “2 - Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.”
[9] Cfr. sobre a aferição da cláusula de razoabilidade e ónus de alegação e prova que sobre o progenitor interessado na cessação da prestação alimentar recai no âmbito do competente processo tutelar cível: Ac. TRL de 21/12/2017, nº de processo 3265/10.6TBCSC.1.L1-6; Ac. TRL de 11/12/2018, nº de processo 6731/17.9T8ALM.L1-7; Ac. TRC de 21/05/2019, nº de processo 279/07.7TBCLB-J.C1; ainda o já citado Ac. TRL de 03/03/2020;
[10] Cfr. AUJ nº 5/2015 de 19/03/2015, publicado in DRE nº 85/2015 de 2015/05/04, Série I.
[11] Cfr. Ac. T. Constit. nº 306/2005 de 08/06/2005, publicado in DRE nº 150/2005 de 05/08/2005, Série II.