PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE DA PENHORA
VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
PREÇO MÍNIMO
DECISÃO DO AGENTE DE EXECUÇÃO
Sumário

I – O princípio da proporcionalidade da penhora, como lhe é ínsito, deve ser equacionado em sede ou na fase de penhora do bem – como decorre da previsão dos nºs 1 e 2 do art. 751º do CPC – e não em sede da sua venda, pois esta ocorre processualmente já só depois de se ter aquela como certa. O mesmo é de dizer quanto à alegada violação do nº4 do art. 751º do CPC.
II – Tendo o executado sido notificado da penhora do imóvel e não tendo deduzido qualquer oposição à mesma, aceitou a penhora sobre aquele bem e, consequentemente, que o mesmo pudesse a vir a ser vendido no âmbito da execução. Como tal, não faz qualquer sentido vir invocar a violação daquele princípio e daquele art. 751º nº4 como obstáculo à venda.
III – Na venda por negociação particular não há que fixar preço mínimo, pois no regime previsto nos arts. 832º e 833º do CPC, que lhe são próprios, e nas disposições gerais aplicáveis à venda executiva (vide nomeadamente o nº2 do art. 811º) não consta qualquer comando que mande aplicar a tal modalidade de venda o regime previsto nos nºs 2 do art. 816º e no nº3 do art. 821º.
IV – Considerando-se aplicável à venda por negociação particular o regime previsto no nº3 do art. 821º, por via dele há que aceitar que a mesma pode ter lugar por decisão autónoma do agente de execução quando observado o valor mínimo de 85% do valor base do bem ali previsto.

Texto Integral

Processo nº641/19.2T8OVR-B.P1

(Comarca de Aveiro – Juízo de Execução de Ovar)

Relator: António Mendes Coelho

1º Adjunto: Miguel Fernando Baldaia Correia de Morais

2º Adjunto: Teresa Maria Sena Fonseca

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

No âmbito da execução sumária para pagamento de quantia certa movida por A..., S.A.” a AA, que corre termos sob o nº 641/19.2T8OVR no Juízo de Execução de Ovar, ocorreu o seguinte circunstancialismo (que se considera pertinente para a análise do recurso):

a) – conforme auto elaborado a 14/10/2019, foi penhorado o seguinte imóvel, propriedade do executado: Prédio Urbano, destinado a habitação, em propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, sito na ..., da união de freguesia ..., ..., ... e ..., concelho de Ovar, distrito de Aveiro, com a área total de 364,00 m2, área de implantação de 170,00 m2, área bruta de construção de 270,00 m2, área dependente de 70,00 m2 e área privativa de 200,00 m2, inscrito na matriz urbana sob o artigo ..., tendo tido origem no artigo matricial ..., da extinta freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o nº..., com o valor patrimonial de 152.057,15 euros;

b) – A penhora de tal imóvel foi notificada ao executado por carta registada de14/10/2019, tendo tal notificação sido efetuada nos seguintes termos:

Nos termos do disposto nos artigos 784º e 785º do Código Processo Civil (CPC), fica pela presente notificado para, no prazo de 10 (dez) dias deduzir, querendo, oposição à penhora dos bem(s) identificado(s) em anexo, com algum dos seguintes fundamentos:

a. Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;

b. Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;

c. Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.

No requerimento em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, deve oferecer o rol de testemunhas (no máximo de cinco) e requerer os outros meios de prova (artigos 293º e 294º do CPC).

Quando a oposição se funde na existência de patrimónios separados, deve indicar logo os bens, integrados no património autónomo que responde pela dívida exequenda, que tenha em seu poder e estejam sujeitos à penhora.

Nos termos do disposto no artigo 58º do CPC, para deduzir oposição/embargos, é obrigatória a constituição de Advogado quando o valor da execução seja superior à alçada do tribunal de primeira instância (5.000,00 euros).

Nos termos do nº 3 do artigo 753º do CPC fica advertido de que, no prazo da oposição e sob pena de ser condenado como litigante de má-fé, deve indicar os direitos, ónus e encargos não registáveis que recaiam sobre os bens penhorados, bem como os respetivos titulares ou beneficiários; é-lhe ainda comunicado que pode requerer a substituição dos bens penhorados ou a substituição da penhora por caução, nas condições e nos termos do disposto na alínea a) do n.º 4 e no n.º 5 do artigo 751.º do CPC.

Nos termos da alínea a) do nº 4 do artigo 751º do CPC poderá ainda requerer ao agente de execução, no prazo da oposição à penhora, a substituição dos bens penhorados por outros que igualmente assegurem os fins da execução, desde que a isso não se oponha o exequente.

COMINAÇÃO EM CASO DE REVELIA

Não sendo deduzida oposição, não havendo fundamento de suspensão ou não sendo paga a dívida, os bens penhorados serão vendidos ou adjudicados, para pagamento da dívida e eventuais créditos que sejam reclamados.

c) – conforme auto de 7/12/2021 e expediente junto aos autos a 20/10/2021 e 25/11/2021, foi ainda penhorado 1/3 da pensão de reforma auferida pelo executado;

d) – por decisão da agente de execução de 24/10/2022, foi decidida a venda do imóvel penhorado através de leilão eletrónico, tendo-se fixado como valor base da venda o de 178.890,76 euros e consignado que seriam aceites propostas iguais ou superiores a 85% desse valor;

e) – tal decisão foi notificada à exequente, executado e credores reclamantes, não tendo quanto a ela sido deduzida qualquer oposição;

f) – por decisão da agente de execução de 18/1/2023, foi determinada a venda por negociação particular daquele imóvel, porquanto no leilão eletrónico que teve lugar a melhor proposta apresentada foi no valor de 105.101,00 euros e a mesma, porque inferior a 85% do valor base fixado para o bem, não foi aceite;

g) – tal decisão foi notificada à exequente, executado e credores reclamantes, não tendo quanto a ela sido deduzida qualquer oposição e, na sequência da mesma, o credor reclamante Banco 1..., a 20/1/2023, veio dizer que aceitava proposta inferior ao valor mínimo no montante de 105.101,00 € apresentada por terceiro, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 821.º do CPC;

h) – em sede daquela venda por negociação particular a melhor proposta obtida foi no valor de 155.580,00 euros, tendo a agente de execução dela notificado a exequente, executado e credores reclamantes a 18/8/2023;

i) – a agente de execução, na sequência de reclamação do executado a 13/9/2023 e de despacho proferido a 9/10/2023, veio, a 13/10/2023, informar da identidade dos autores daquela melhor proposta como sendo BB e CC, e, por via de conta corrente discriminada da execução, de que a quantia exequenda, por referência à data de 13/10/2023, ascendia a € 25.709,06, que de tal valor haviam sido liquidados pelo executado € 8.587,56 e que ainda havia que ser paga pelo executado a quantia de € 17.121,50;

j) – por despacho de 30/10/2023, foi ordenado o prosseguimento dos ulteriores termos da venda por negociação particular em curso;

k) – por decisão da agente de execução de 10/11/2023, foi aceite a proposta apresentada por BB e CC no valor de 155.580,00 euros, como melhor proposta obtida e porque superior a 85% do valor base;

l) – na sequência de tal decisão e sua notificação, pelo executado foi a 27/11/2023 apresentada reclamação com o seguinte teor:

1. No âmbito dos presentes autos, a Sra. Agente de Execução notificou o Executado da sua decisão de adjudicação do imóvel penhorado nos autos, por montante inferior ao valor da avaliação (cfr. fls. dos autos).

2. Nos termos daquela notificação, resulta que a Sra. Agente de Execução pretende concretizar a adjudicação do imóvel penhorado nos autos, pelo preço de € 155.580,00 (cento e cinquenta e cinco mil quinhentos e oitenta euros).

3. Com efeito, como resulta dos autos, o imóvel penhorado constitui a casa de morada de família do Executado e da sua esposa, o qual apresenta um valor de mercado superior ao valor pelo qual a Sra. Agente de Execução pretende concretizar a adjudicação.

4. O imóvel foi anunciado para venda, pela Sra. Agente de Execução, na sequência de uma avaliação de € 178.890,76 (cento e setenta e oito mil oitocentos e noventa euros e setenta e seis cêntimos).

5. O Executado não aceita o valor de adjudicação apresentado pela Sra. Agente de Execução, uma vez que é bastante inferior ao valor de mercado do imóvel, ainda para mais quando o mercado se encontra em incremento, o que ocorrerá, pelo menos e de acordo com as mais recentes previsões, até meados do próximo ano.

6. Como tal, a verdade é que, atenta a conjuntura económica actual, o imóvel apresenta um valor bastante superior ao valor indicado na notificação que se responde, motivo pelo qual, sob pena de ofender o património do Executado de forma inaceitável, deve a proposta ser rejeitada e, sem prejuízo do exposto supra, encontrada melhor proposta para a venda, superior ao valor da avaliação.

7. O que se requer que seja determinado, com todas as demais consequências legalmente aplicáveis.

8. Sem prejuízo do exposto, importa salientar que a Exequente deu à execução, como título executivo, um requerimento de injunção que teve por objecto um contrato de crédito, cujo montante de capital em dívida ascende ao valor de € 7.918,75 (sete mil novecentos e dezoito euros e setenta e cinco cêntimos).

9. É essencial tomar em devida nota que, nos presentes autos e na sequência das diligências de penhora oportunamente concretizadas, já se mostra penhorada a pensão de reforma auferida pelo Executado e paga pelo Centro Nacional de Pensões.

10. Tanto mais que, por decisão da Sra. Agente de Execução de fls. do processo, o valor da penhora da reforma do Executado, no valor médio mensal de € 390,00 (trezentos e noventa euros), acrescido dos subsídios de férias e subsídios de natal, foi adjudicado à Exequente, que se encontra a receber aqueles valores directamente do Centro Nacional de Pensões.

11. Pelo que, na presente data, a Executada já se encontra a receber anualmente, por força da penhora da pensão de reforma do Executado, pelo menos (no mínimo) a quantia de cerca de € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros).

12. Através da penhora da reforma do Exequente, como resulta dos autos, até à presente data a Exequente já recebeu mais de € 8.000,00 (oito mil euros), o que se infere compulsando a conta corrente discriminada elaborada pela Sra. Agente de Execução em 21/04/2023, conjugada com as adjudicações concretizadas desde essa data e recebidas directamente pela Executada.

13. Ou seja, na presente data o valor de capital em dívida encontra-se integralmente pago!

14. Ou seja, através da penhora da reforma do Executado, a Exequente já logrou receber todo o montante correspondente ao capital em dívida, restando apenas os juros de mora (calculados a uma taxa mensal de cerca de 35%!!!) e as custas do processo.

15. O valor remanescente em dívida, que corresponde apenas aos juros e custas do processo, será rapidamente recuperado e pago à Executada, sendo manifestamente desproporcional a venda do imóvel penhorado nos autos.

16. Para além disso, encontram-se ainda concretizadas, nos autos, penhoras de saldos bancários, que gerarão pagamentos adicionais à Executada, bem como pagamentos voluntários que o Executado irá concretizar, tudo no sentido de regularizar o valor remanescente em dívida, referente aos juros de mora e às custas processuais, no mais curto espaço de tempo.

17. Não obstante encontrar-se praticamente paga a quantia exequenda, a verdade é que foi penhorado nos autos e anunciado para venda o prédio urbano, destinado a habitação, sito na ..., em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o nº..., que constitui a casa de morada de família do Executado e da sua esposa.

18. Pelo que a venda do imóvel, tendo em consideração o supra exposto, é manifestamente ofensiva do princípio da proporcionalidade da penhora e do disposto no art. 751º, nº 4, do CPC, o que expressamente se invoca com todas as demais consequências legais.

m) – a agente de execução, a 28/11/2023, veio apresentar conta-corrente da execução reportada a tal data, da qual consta que a quantia exequenda – incluindo capital, juros vencidos, juros vincendos, juros compulsórios e encargos – ascendia a 26.055,60 €, que de tal valor o executado havia pago a quantia de 8.918,86 € e que faltava por isso pagar a quantia de 17.136,74 €, tendo na comunicação que a acompanha feito ressalvar “que o valor de 17.136,74 Euros é provisório e susceptível de actualização até efectivo e integral pagamento”;

n) – tal conta-corrente foi notificada à exequente e ao executado fazendo-se constar de forma expressa aquela ressalva, não tendo sido deduzida qualquer reclamação;

o) – a 20/12/2023 foi proferido o seguinte despacho, a conhecer da reclamação do executado deduzida a 27/11/2023:

Compulsados os autos verifica-se que o executado AA veio reclamar da decisão da Agente de Execução datada de 10 de Novembro de 2023, que aceitou a proposta apresentada por BB e CC no valor de € 155.580,00, por ser superior a 85% do valor base.

Assenta, desde logo, tal reclamação na circunstância de tal valor ser inferior ao respectivo valor de mercado.

Vejamos.

Percorrendo a pertinente factualidade constante dos autos, verifica-se que, por decisão datada de 24 de Outubro de 2022, a Agente de Execução decidiu que a venda do imóvel em apreço se realizasse através de leilão electrónico, fixando o valor base em 178,890,00 e fazendo consignar que seriam aceites propostas iguais ou superiores a 85% desse valor.

Tal decisão foi notificada às partes e não mereceu qualquer oposição.

Entretanto, por decisão datada de 18 de Janeiro de 2023, determinou-se a realização da venda por negociação particular, porquanto na venda por leilão electrónico a melhor apresentada, no valor de € 105.101,00, não foi aceite por ser inferior a 85% do valor base e face à ausência de acordo por parte do exequente, executado e credores com garantia real em proceder à venda por esse valor.

Traçado este quadro factual, verifica-se que a melhor proposta apresentada é superior a 85% do valor base, estando, pois, a decisão da Exma Sr.ª Agente de Execução em consonância com o regime legal previsto no art. 816.º, n.º 2 do Novo Código de Processo Civil, onde se refere que o valor a anunciar para a venda é igual ou superior a 85% do valor base, o qual é determinado em função do previsto nos n.ºs 3 e 4 do art. 812.º do citado diploma legal.

Ora, prosseguindo a venda para a modalidade de venda por negociação particular, deverá manter-se, regra geral, manter-se como valor de referência os 85% do valor base do bem penhorado, garantindo-se, dessa forma, a protecção dos interesses do exequente, do executado e de eventuais credores reclamantes (cfr. Marco Carvalho Gonçalves, in “Lições de Processo Civil Executivo”, Almedina, 5.ª Edição, pág. 525), sem prejuízo de caso esse valor não seja atingido, só por acordo de todos os interessados ou autorização judicial será possível a venda por preço inferior.

Deste modo, perante a frustração da venda por leilão electrónico, neste caso por não aceitação das propostas apresentadas, o imóvel prosseguiu para venda por negociação particular, ao abrigo da alínea d) do artigo 832.º do Novo Código de Processo Civil, a qual “é uma forma específica de venda, que não está sujeita aos mesmos requisitos e condicionalismos da venda através de propostas em carta fechada e pressupõe a consulta directa do mercado, mediante a procura de propostas, que possam corresponder a uma correcta intercepção do binómio económico da lei da oferta e da procura, sem a necessária aquiescência do executado” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9 de Março de 2017, processo 32/14.2TBAVS.E1, in www.dgsi.pt).

Nesse caso, não faz sentido que o encarregado da venda tenha como limite mínimo o valor base do bem a vender, quando o bem já foi à venda por valor inferior (ou seja, de 85% do valor base, face ao n.º 2 do artigo 816º do Novo Código de Processo Civil e artigo 34.º da Portaria 282/2013, de 29 de Agosto) e se frustrou por falta de interessados para tal valor. O que se explica na medida em que a venda executiva por negociação particular é, em regra, uma situação de recurso a que se lança mão uma vez frustrada a venda mediante propostas em carta fechada ou mediante leilão electrónico, com vista a, numa segunda oportunidade, se obter o pagamento do crédito pelo produto da venda do bem penhorado.

Entendemos, por isso, que o valor mínimo pelo qual o agente de execução pode proceder à venda corresponderá a 85% do valor base inicialmente atribuído nos autos – à semelhança do que sucede na venda mediante propostas em carta fechada ou por leilão electrónico -, encontrando-se a venda por valor inferior sujeita a autorização do juiz (salvo o caso de existência de acordo entre todos os interessados – nº3 do artigo 821.º) - cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8 de Março de 2016, processo 1037/10.7TJCBR-B.C1, pesquisável in www.dgsi.pt). Exigir que na venda por negociação particular o Agente de Execução apenas pudesse aceitar propostas não inferiores ao valor base era criar injustificadamente um obstáculo à venda por negociação particular, tornando-a mais gravosa comparativamente à modalidade de venda inicialmente adoptada, quando, na prática, o que se pretende é cumprir, através deste mecanismo de recurso, a função do processo executivo, a qual se traduz na venda dos bens, em condições objectivas de concorrência e contraditório, pelo maior valor possível de acordo com as regras de mercado, assentes na lei da oferta e da procura no sentido de existir um comprador que se preste a adquirir o bem por um determinado preço num determinado hiato temporal.

Deste modo, secundando o entendimento defendido no citado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8 de Março de 2016, podemos concluir que prosseguindo a venda para negociação particular por inexistência de qualquer proposta aquando da venda por leilão electrónico, o valor mínimo pelo qual o agente de execução pode proceder à venda corresponderá a 85% do valor base inicialmente atribuído nos autos, mantendo-se, portanto, esse valor de referência na venda por negociação particular.

Por conseguinte, na venda por negociação particular o Agente de Execução deverá aceitar as propostas apresentadas que sejam de valor igual ou superior a 85% do valor base, sem necessidade de prévia autorização judicial ou acordo do exequente, executado e eventuais credores reclamantes.

Caso o valor das propostas seja inferior, o imóvel poderá ser vendido por valor inferior a 85% do valor base, mas aí apenas mediante acordo entre todos os interessados ou autorização do juiz, mediante uma apreciação casuística e uma ponderação do interesse dos vários interessados (executados e credores), atendendo-se ao valor das ofertas existentes dentro de um período de tempo considerado razoável, como tem sido entendimento jurisprudencial sedimentado a esse respeito (cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 9 de Novembro de 2020, processo 942/05.7TBAGD-D.P1, 15 de Abril de 2021, processo 10076/05.9YYPRT-B.P1, e de 4 de Abril de 2022, processo 11008/17.7T8PRT-C.P1,pesquisáveis in www.dgsi.pt).

Acresce que as partes não devem eximir-se ao princípio da cooperação, previsto no art. 7.º, n.º 1, do Novo Código de Processo Civil, a que estão obrigadas, nomeadamente procurando indicar potenciais interessados na aquisição das verbas objecto da venda pelos valores que reputam ajustados.

Ora, no caso vertente, o executado limita-se a invocar um eventual valor de mercado que não se encontra apoiada na realidade, uma vez que, até ao momento, não surgiu nenhum comprador interessado em adquirir o imóvel por o suposto valor de mercado.

Termos em que improcede a reclamação apresentada com este fundamento.

Relativamente ao invocado pagamento e à invocada violação do princípio da proporcionalidade e do disposto no art. 751.º, n.º 4, do Novo Código de Processo Civil, entendemos, sem necessidade de realização de outras diligências (atento os elementos já constantes dos autos), não assistir razão ao executado pela seguinte ordem de razões.

Desde logo, porque do resumo conta corrente efectuada pela Agente de Execução (Ref.ª Elect.ª 15169244, de 13.10), verifica-se que a quantia exequenda ascende actualmente a € 25.709,06, uma vez que a mesma implica não apenas o capital, mas também abarca os juros vencidos e vincendos – decorrente da mora no cumprimento da obrigação – e os demais encargos com o processo.

Por outro lado, dos pagamentos efectuados pelo Executado ou por conta deste apenas foram liquidados € 8.587,56, valor esse insuficiente para assegurar o integral pagamento da quantia exequenda, que, sublinhe-se, não se cinge ao capital em dívida.

Em segundo lugar, conforme resulta do preceituado no art. 817.º do Código Civil, na hipótese de o devedor não cumprir voluntariamente a obrigação a que se encontre vinculado, o credor tem o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, respondendo, em princípio, todos os bens do devedor que sejam susceptíveis de penhora (cfr. art.ºs 601.º do Código Civil e 735.º, n.º 1, do Novo Código de Processo Civil.

É certo que existem excepções e limites a tal princípio da patrimonialidade, nomeadamente o princípio da proporcionalidade da penhora, previsto no art. 735.º, n.º 3, do Novo Código de Processo Civil, segundo o qual a penhora deve limitar-se aos bens do devedor que sejam necessários e suficientes para garantir a satisfação da dívida exequenda e das custas da execução.

No entanto, como vimos, no caso em apreço, a penhora da pensão do executado revela-se insuficiente para assegurar, num curto hiato temporal, o referido desiderato, sendo que o executado não indica quaisquer outros bens de “mais fácil realização” e que se mostram adequados a satisfazer o crédito exequendo, em alternativa à venda do imóvel penhorado que se mostra necessário para satisfazer o crédito exequendo.

Deste modo, considerando que o direito à habitação do cidadão e da família, consagrado no artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa, não se confunde com o direito a ter casa própria, sendo que o legislador ordinário, não obstante estar ciente da sua importância, não estabeleceu, em homenagem àquele direito, a impenhorabilidade da casa de morada de família, mas apenas algumas defesas, como as consagradas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 751.º do Novo Código de Processo Civil, no caso concreto não se verifica qualquer violação do citado preceito legal, atento, por um lado, o valor da dívida exequenda e, por outro lado, a ausência de bens ou rendimentos que previsivelmente satisfaçam o crédito exequendo no próximo prazo de 18 meses.

Pelo que improcede igualmente este argumento.


***

Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada.

De tal despacho veio o executado interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1 – O Recorrente apresentou reclamação da decisão de adjudicação do imóvel penhorado nos autos, e que constitui a sua casa de morada de família, pelo valor de € 155.580,00 (cento e cinquenta e cinco mil quinhentos e oitenta euros), ou seja, por montante inferior ao valor da avaliação do imóvel, o que foi indeferido pelo douto despacho recorrido.

2- O imóvel penhorado constitui a casa de morada de família do Executado e da sua esposa, sendo manifesto (e facto notório) que, mesmo de acordo com o valor apurado na avaliação realizada em 2022 (€ 178.890,76 – cento e setenta e oito euros oitocentos e noventa euros e setenta e seis cêntimos), o imóvel apresenta, na presente data, um valor de mercado bastante superior àquele valor.

3 – Na verdade, atenta a conjuntura económica actual do mercado imobiliário, o imóvel apresenta um valor bastante superior ao valor indicado na decisão de adjudicação da Sra. Agente de Execução, motivo pelo qual, sob pena de ofender o património do Recorrente de forma inaceitável, deve aquela decisão ser rejeitada.

4 - A avaliação do imóvel foi realizada há mais de um ano (2022), numa altura em que se encontravam ainda presentes os nefastos efeitos da pandemia, sendo certo que nos últimos tempos o mercado imobiliário tem vindo a sofrer um incremento significativo, sendo que o imóvel do Recorrente não é excepção.

5 - É do conhecimento comum que o mercado imobiliário em Portugal atravessa um dos melhores momentos, com o preço da habitação a atingir recordes de aumento nos últimos 30 anos, com uma valorização de 18,7% em 2022 e com uma subida de mais de 30% em relação ao ano de 2023.

6 - O imóvel penhorado nos autos é configurado por uma moradia unifamiliar, com a área total de implantação de 170m2, inserida num terreno urbano com a área total de 364m2, situado numa zona nobre do centro da cidade de Ovar e que tem valorizado bastante com o aumento do valor dos imóveis que se inserem naquela zona, de resto, acompanhando, de resto, a tendência de todo o país.

7 - Apesar de se tratar de uma fase subsequente, as regras de venda por negociação particular impõem que a mesma se ajuste ao valor do bem e à condição do mercado, por forma a potenciar a maior receita possível.

8 - Nesse sentido, o Recorrente entende que o valor oferecido é desfasado do valor de avaliação do imóvel, não sendo aduzidas concretas razões para que esse valor não seja o valor de venda do imóvel, pelo que viola ostensivamente o seu direito de propriedade e motiva a revogação da douta decisão recorrida e, em consequência, o indeferimento da decisão de adjudicação da Sra. Agente de Execução.

9 - Por outro lado, a Exequente deu à execução, como título executivo, um requerimento de injunção que teve por objecto um contrato de crédito, cujo montante de capital em dívida ascende ao valor de € 7.918,75 (sete mil novecentos e dezoito euros e setenta e cinco cêntimos).

10 - Nos presentes autos já se mostra penhorada a pensão de reforma auferida pelo Executado e paga pelo Centro Nacional de Pensões, no valor médio mensal de € 390,00 (trezentos e noventa euros), acrescido da totalidade dos subsídios de férias e subsídios de natal, que a Exequente, que se encontra a receber directamente do Centro Nacional de Pensões.

11 - Na presente data, a Exequente já se encontra a receber anualmente, por força da penhora da pensão de reforma do Recorrente, pelo menos (no mínimo) a quantia de € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros), sendo que, até à presente data já recebeu mais de € 8.000,00 (oito mil euros), estando asseguradas as custas da Agente de Execução.

12 - Ou seja, é inegável e não pode ser ignorado que, na presente data, o capital encontra-se integralmente pago, pois través da penhora da reforma a Exequente já recebeu todo o montante de capital em dívida, restando apenas a cobrança dos juros de mora (calculados a uma taxa mensal de cerca de 35%!!!).

13 - Pelo que a venda do imóvel, tendo em consideração o supra exposto, é manifestamente ofensiva do princípio da proporcionalidade da penhora e do disposto no art. 751º, nº 4, do CPC, o que expressamente se invoca com todas as demais consequências legais.

14 - Como tal, a decisão do Tribunal “a quo” violou, entre outras normas e princípios gerais de direito, o princípio da proporcionalidade da penhora, o direito à habitação do cidadão e da família, consagrado no art. 65º da Constituição da República Portuguesa e o disposto nos arts. 751º e 832º do Código de Processo Civil.

15 – Assim, deve o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine o indeferimento da decisão de adjudicação do imóvel, tudo nos termos e sob as demais cominações legais.

A exequente apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC.

Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), há uma única questão a tratar: apurar se deve ser revogada a decisão de venda do imóvel pelo valor de € 155.580,00.


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II – Fundamentação

Os dados necessários ao tratamento da questão enunciada são os já enunciados no relatório.

Está em causa a efetivação da venda do imóvel penhorado nos autos em sede de venda por negociação particular pelo valor de € 155.580,00, pela qual se enveredou por se ter frustrado a venda em leilão eletrónico inicialmente decidida e na qual se fixou como valor base para a venda o de 178.890,76 euros e se consignou que seriam aceites propostas iguais ou superiores a 85% desse valor.

Como se vê do recurso, o recorrente pretende que seja revogada a decisão de venda por aquele valor de € 155.580,00 tomada pela agente de execução, por via de dois fundamentos: o do valor da venda, que considera não ser de aceitar (conclusões 1 a 8), e a violação do princípio da proporcionalidade da penhora e do disposto no art. 751º nº4 do CPC (conclusões 9 a 14).

Começamos pelo último, pois, em termos processuais, este precede aquele.

O princípio da proporcionalidade da penhora, como lhe é ínsito, deve ser equacionado em sede ou na fase de penhora do bem – como decorre da previsão dos nºs 1 e 2 do art. 751º do CPC – e não em sede da sua venda, pois esta ocorre processualmente já só depois de se ter aquela como certa.

O mesmo é de dizer quanto à alegada violação do nº4 do art. 751º do CPC.

Ora, o executado e ora recorrente foi notificado da penhora do imóvel por carta registada de 14/10/2019 [alínea b) do elenco factual do relatório] e, no prazo de 10 dias que a lei prevê no art. 785º do CPC [prazo e preceito legal expressamente referenciados na notificação de tal penhora, conforme referido também sob a alínea b) do elenco factual do relatório], não deduziu qualquer oposição à mesma.

Assim, aceitou a penhora sobre aquele bem e, consequentemente, que o mesmo pudesse a vir a ser vendido no âmbito da execução.

Como tal, não faz qualquer sentido vir agora invocar a violação daquele princípio e daquele art. 751º nº4 como obstáculo à venda.

E tanto basta para fazer improceder o fundamento recursivo em análise.

Porém, ainda que assim não fosse, sempre se dirá que não lograria qualquer acolhimento a pretensão do recorrente quanto a tal fundamento.

Por um lado, e como se diz na decisão recorrida, da conta-corrente da execução elaborada pela agente de execução por referência a 13/10/2023 verifica-se que a quantia exequenda ascendia nessa data a € 25.709,06, uma vez que a mesma implica não apenas o capital mas também abarca os juros vencidos e vincendos – decorrente da mora no cumprimento da obrigação – e os demais encargos com o processo.

Por outro lado, dos pagamentos efetuados pelo executado ou por conta deste apenas foram liquidados € 8.587,56 e faltava ainda pagar a quantia de € 17.121,50, quantia esta que a ser paga pela penhora de 1/3 da pensão mensal de reforma do executado (que ascendia naquela data a € 331,30) duraria ainda vários anos para se completar, assim se ultrapassando folgadamente o prazo de 12 meses previsto na alínea b) do nº4 do art. 751º do CPC.

Note-se que esta última conclusão se mostra reforçada pela conta-corrente junta aos autos a 28/11/2023, reportada a esta mesma data e notificada à exequente e executado [alíneas m) e n) do elenco factual do relatório], pois nela consta que a quantia exequenda ascendia a 26.055,60 €, que de tal valor o executado havia pago a quantia de 8.918,86 € e que faltava por isso ainda pagar a quantia de 17.136,74 €.

Como tal, o pagamento da quantia exequenda em menor período de tempo do que o referido sob a alínea b) do nº4 do art. 751º (o aplicável, face ao valor da execução) só através do valor da venda do imóvel penhorado se poderá alcançar.

Além disso, e revertendo agora ao argumentado sob a conclusão 14 e no sentido da violação do direito à habitação do cidadão e família consagrado no art. 65º da CRP, remete-se para o que se refere na decisão recorrida, que se subscreve: considerando que aquele direito não se confunde com o direito a ter casa própria e que o legislador ordinário, não obstante estar ciente da sua importância, não estabeleceu, em homenagem ao mesmo, a impenhorabilidade da casa de morada de família, mas apenas algumas defesas, como as consagradas nas alíneas a) e b) do n.º4 do artigo 751.º do CPC, no caso concreto não se verifica qualquer violação deste preceito legal, atento, por um lado, o valor da dívida exequenda e, por outro lado, a ausência de bens ou rendimentos que previsivelmente satisfaçam o crédito exequendo no prazo de 12 meses previsto naquela alínea b).

Assim, também por esta via sempre improcederia o fundamento em referência.

Passemos agora à análise do outro fundamento, referente ao valor que foi alcançado na venda por negociação particular e que o recorrente não aceita.

Na venda por negociação particular não há que fixar preço mínimo, pois no regime previsto nos arts. 832º e 833º do CPC, que lhe são próprios, e nas disposições gerais aplicáveis à venda executiva (vide nomeadamente o nº2 do art. 811º) não consta qualquer comando que mande aplicar a tal modalidade de venda o regime previsto nos nºs 2 do art. 816º e no nº3 do art. 821º. Isto é, nesta modalidade o essencial será sempre ajustar o valor do bem à condição do mercado por forma a potenciar a maior receita possível (neste sentido, vide o Acórdão desta Relação do Porto de 15/4/2021, proferido no proc. nº10076/05.9YYPRT-B.P1, disponível em www.dgsi.pt).

Neste conspecto, não resulta obstáculo legal a que a venda pudesse ter lugar pelo valor máximo encontrado, ainda que este pudesse ser inferior a 85% do valor base do bem – valor este que serviu de critério para a venda em leilão eletrónico que se frustrou.

Porém, ainda que se entenda que o regime da venda extrajudicial (na qual se inclui a venda por negociação particular) se mostra incompleto em alguns aspetos essenciais e em tudo o que não esteja previsto no regime específico de tal venda há que aplicar o que se encontra estabelecido para a venda judicial, hoje integrada pela venda em propostas em carta fechada, pois que esta é a modalidade comum da venda executiva (como decorre do regime processual previsto no art. 811º nº2)[1], e, nessa sequência, que é de considerar aplicável à venda por negociação particular o regime previsto no nº3 do art. 821º, por via dele há que aceitar que a mesma pode ter lugar por decisão autónoma do agente de execução quando observado o valor mínimo de 85% do valor base do bem ali previsto[2] (por remissão para o art. 816º nº2).

Ora, no caso dos autos, o valor encontrado e correspondente à melhor proposta obtida – de € 155.580,00 – é superior àquele valor (pois 85% de € 178.890,76 corresponde a € 152.057,14).

Como tal, mesmo na consideração deste entendimento, estava na disponibilidade da agente de execução decidir pela efetivação da venda por aquele valor.

Para finalizar, anote-se que, como se refere na decisão recorrida e se subscreve, as partes não devem eximir-se ao princípio da cooperação, previsto no art. 7º nº1 do CPC, nomeadamente procurando indicar potenciais interessados na aquisição das verbas objeto da venda pelos valores que reputam ajustados.

No caso vertente, o executado limita-se a invocar um eventual valor de mercado que não se encontra apoiado na realidade, uma vez que, até ao momento, não surgiu nenhum comprador interessado em adquirir o imóvel pelo valor por si suposto como tal (superior a 178.890,76 € - conforme alega sob a conclusão 2 do recurso).

Assim, pelo que se vem de expor, improcede também o fundamento recursivo em análise.

Pelo exposto, há que julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.

As custas do recurso ficam a cargo do recorrente, que nele decaiu (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC).


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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):

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III – Decisão

Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.


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Porto, 7/10/2024
Mendes Coelho
Miguel Baldaia de Morais
Teresa Fonseca
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[1] Neste sentido, João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa,” Manual de Processo Civil”, Volume II, AAFDL, Lisboa, 2022, pág. 929.
[2] Neste sentido, vide o Acórdão da Relação de Coimbra de 8/3/2016, proferido no proc. nº1037/10.7TJCBR-B.C1, e o Acórdão desta Relação do Porto de 4/4/2022, proferido no proc. nº11008/17.7T8PRT-C.P1, no qual até fomos o 2º juiz adjunto, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.; na doutrina vide ob. cit. na nota anterior, pág. 926, onde se refere que “Em princípio, mantém-se na venda por negociação particular o valor anunciado para a venda mediante propostas em carta fechada (ou seja, 85% do valor base: art. 816º, nº2), mas o juiz pode autorizar que a venda se realize por um valor inferior a essa percentagem”.
Este último raciocínio está feito para quando tem lugar a venda por negociação particular por frustração da venda por propostas em carta fechada (art. 832º d) do CPC) mas no caso concreto, em que tem lugar tal venda por frustração da venda em leilão eletrónico (art. 832º f) do CPC), ocorre situação claramente similar, pois o valor anunciada para esta modalidade de venda que se frustrou era também de 85% do valor base do bem [alínea d) do elenco factual do relatório].