INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário

Apesar do único crédito reconhecido pelo insolvente se encontrar excluído da exoneração, nos termos do art.º 245º, n.º 2 do CIRE e da ausência de reclamação de outros créditos no âmbito dos presentes autos, tal não deverá obstar o indeferimento liminar do incidente de exoneração do passivo restante, considerando que eventuais créditos, a existirem, o que se desconhece, sempre poderão vir a extinguir-se aquando da concessão da exoneração do passivo restante.

Texto Integral

Proc. n.º 12/24.9T8AVR-A.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo de Comércio de Aveiro - Juiz 2

Juíza Desembargadora Relatora:

Alexandra Pelayo

Juízes Desembargadores Adjuntos:

Alberto Eduardo Taveira

Ramos Lopes (vota vencido)

SUMÁRIO:

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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO:

AA, residente em Aveiro, deduziu pedido de exoneração do passivo restante.

Alegou, entre o mais, que pela sua idade de 65 anos e pelos problemas de saúde de que padece, não dispõe de atividade profissional, auferindo apenas o rendimento social de inserção, na quantia mensal de € 290,00, não possuindo condições para pagar os valores da pensão de alimentos do seu filho, o que justificou a intervenção do fundo de garantia da Segurança Social, que instaurou processos executivos contra o requerente, pelos montantes de € 15.059,47 e € 290,85.

Em observância da decisão sumária proferida por esta Relação em 17.4.2004, foi observado o princípio do contraditório junto dos credores e Sr. Administrador da insolvência, tendo o Sr. Administrador de Insolvência se pronunciado, no sentido de entender ser de deferir o pedido de exoneração.

De seguida foi proferido despacho que indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante.

Inconformado, o insolvente AA, veio interpor o presente recurso de APELAÇÃO, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A/ O Tribunal não pode indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante deduzido pelo insolvente na petição inicial, por entender que sendo a dívida alegada por ele à Segurança Social, tal não ficaria abrangida pela exoneração e, consequentemente, seria inútil tal pedido assim como a sua concessão;

B/ As situações em que o Tribunal pode indeferir liminarmente tal pedido deduzido pelo insolvente, estão previstas no Artº. 238º/1/d do CIRE se estiverem verificados, cumulativamente, as situações aí referidas, o que, como se poderá verificar, não é, tão pouco, o caso dos autos, uma vez que o motivo do liminar indeferimento não é nenhum dos aí enunciados como, aliás, enunciou o Senhor AI na sua pronuncia favorável;

D/ Os factos enunciados no artigo 238.º n.º 1 do CIRE, que permitem o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo, equivalem a factos impeditivos do direito àquela exoneração, pelo que, constituindo matéria de exceção, o ónus de alegação e prova de tais factos recairá sobre os credores do insolvente e sobre o administrador da insolvência.

E/ Na apreciação da ocorrência dos fundamentos do indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante o juiz deve, em princípio, ouvir primeiro o administrador da insolvência e os credores, mas não está vinculado ao sentido desse parecer, mesmo que seja unânime; o tribunal decidirá consoante os elementos que constem dos autos, independentemente de os credores e/ou o administrador terem alegado factos fundamentadores do indeferimento liminar.

F/ Estando em causa uma pessoa singular não titular de uma empresa, logo não sujeita ao dever de apresentação à insolvência (art. 18º/2 do CIRE), o pedido de exoneração do passivo restante só pode ser objeto de indeferimento liminar com fundamento no art. 238º/1/d do CIRE se estiveram verificados, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) ter o devedor deixado de se apresentar à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da insolvência; b) ter causado, com o atraso, prejuízo aos credores; c) sabendo ou não podendo ignorar, sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica;

G/ O ónus de alegação e demonstração dos factos integradores de cada dos requisitos cumulativos enunciados na conclusão anterior cabe ao administrador da insolvência ou aos credores, porquanto tendo a natureza de factos impeditivos do direito do devedor a pedir a exoneração do passivo restante, é sobre eles que recai aquele ónus.

H/ A substituição por bando do Estado ao obrigado a alimentos consubstancia uma obrigação e medida social, tal como definido na Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e alterações subsequentes e, não, se trata de um verdadeiro crédito, como por ex. a retenção de IRS dos trabalhadores e a sua não entrega ou de IVA, mas, outrossim, do cumprimento de um dever pelo FGA que cabia ao devedor efetuar, mas que, por dificuldades económicas, não o pôde fazer e, desse jeito, fica sub-rogado;

I/ O crédito do FGA não será um crédito que possa ser excluído da exoneração, como o não é o fundo de garantia salarial ou o fundo de garantia automóvel, apenas e, tão só, com o argumento que se trata de um crédito do Estado e, por essa razão e, apenas, por essa, está excluídos dos créditos que podem ser abrangidos pela exoneração do passivo restante;

J/ O direito a alimentos, tendo em conta a sua natureza pessoal, está intimamente ligado à pessoa do credor e do devedor, não se transmitindo, por sucessão, com a morte de nenhum deles. Ou seja, o direito não perdura no tempo, para lá da morte dos intervenientes originários, como bem se define no art.º 2013.º, n.º 1 do CC. Assim, cremos que tal crédito do FGA está incluído nos créditos da exoneração do passivo restante e, desse jeito, exonerável.

L/ A decisão recorrida, violou, assim, de entre o mais, as normas dos Artº.s 238º nº. 1 do CIRE e 2013º nº. 1 do Código Civil.

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO CUJO PROFICIENTE SUPRIMENTO DESSE COLENDO TRIBUNAL SE INVOCA, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO MERECER TOTAL PROVIMENTO, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA NOS APONTADOS TERMOS, COM A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA QUE ADMITA O PEDIDO DE EXONERAÇÃO DO PEDIDO RESTANTE DEDUZIDO PELO RECORRENTE, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.”

Não houve resposta ao recurso.

Admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre decidir.

II-OBJETO DO RECURSO:

Sem prejuízo do conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, não podendo este Tribunal de recurso conhecer de matérias nelas não incluídas.

A questão decidenda, delimitada pelas conclusões do recurso é a de saber se é de manter ou não a decisão que indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante.

III-FUNDAMENTAÇÃO:

Dão-se aqui por reproduzidos os atos processuais mencionados no relatório.

IV-APLICAÇÃO DO DIREITO:

O ora apelante AA, pediu a declaração da sua insolvência com pedido de exoneração do passivo restante.

Alegou que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança social, IP é o seu único credor, por crédito de alimentos ao seu filho.

No despacho recorrido foi indeferido o pedido de exoneração do passivo restante, com o fundamento em que se entendeu que se mostra desde já justificado, o indeferimento liminar do pedido, (após ter sido observado o contraditório relativamente aos credores e administrador da insolvência, nos termos do art. 236.º/4 do CIRE), uma vez que o devedor apenas tem dívidas por alimentos, agora constituídas em créditos da Segurança Social, pelo que o pedido é insuscetível de produzir o seu efeito típico de extinção das dívidas que estão subjacentes à causa de pedir da insolvência, a que alude o art. 245.º/1 do CIRE.

Ou seja, tendo o insolvente alegado que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança social, IP é o seu único credor, persistido os autos (na sequência da audição dos interessados), sem qualquer informação sobre a existência de outros credores para além da Segurança Social, a exoneração, não produz o seu efeito típico de extinção das dívidas, atenta a natureza daquelas dívidas.

Já o insolvente discorda desta decisão essencialmente por defender que, as situações em que o Tribunal pode indeferir liminarmente tal pedido deduzido pelo insolvente, estão previstas no artº. 238º/1/d do CIRE, só havendo lugar ao indeferimento se estiverem verificados, cumulativamente, as situações aí referidas, o que, como se poderá verificar, não é, o caso dos autos e por defender que o crédito do FGA não será um crédito que possa ser excluído da exoneração.

Vejamos.

A exoneração do passivo restante constitui uma medida especial de proteção do devedor pessoa singular e traduz-se esquematicamente na desvinculação dos créditos que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste.

Como refere Catarina Serra[1] “tal como o regime alemão, o regime português consiste, em traços gerais, na afetação, durante certo período após a conclusão do processo de insolvência, dos rendimentos do devedor à satisfação dos réditos remanescentes, produzindo-se, no final, a extinção daqueles que não tenha sido possível cumprir, por essa via, durante esse período.”

A intenção da lei, prossegue, “é a de libertar o devedor das suas obrigações, realizar uma espécie de azzeramento da sua posição passiva, para que, “depois de aprendida a lição” ele possa retomar a sua vida e, se for caso disso, o exercício da atividade económica ou empresarial.”

Como decorre do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2003, de 18 de Março, é uma solução que se inspirou no modelo de fresh start, nos termos do qual o devedor pessoa singular tem a possibilidade de se libertar do peso do passivo e recomeçar a sua vida económica de novo, não obstante ter sido declarado insolvente.

O devedor mantém-se por um período de cessão, equivalente a três anos, adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não tenham sido integralmente satisfeitos e obriga-se, durante esse período, no essencial, a ceder o seu rendimento disponível a um fiduciário, que afetará os montantes recebidos ao pagamento aos credores.

O pedido de exoneração do passivo restante, de acordo com o n.º 2 do artigo 239.º do CIRE, está sujeito a despacho de admissão liminar e será também ali determinado pelo juiz, que durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, denominado período de cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido ao fiduciário escolhido pelo tribunal, para os fins do artigo 241.º do mesmo diploma legal.

Só cumprida esta obrigação e observados outros deveres se justifica que, a final, seja concedido ao devedor pessoa singular, o benefício da exoneração, com a consequente liberação definitiva quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao seu encerramento (cf. artigos 244.º, n.º 2 e 243.º, n.º. 1, alínea a) do CIRE).

Sendo admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, o juiz profere despacho inicial, nos termos do art. 239º, nºs 1 e 2, do CIRE no qual determinará que durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, denominado período de cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido ao fiduciário para os fins do art. 241º.

Só cumprida esta obrigação e observados outros deveres se justifica que, a final, seja concedido ao devedor pessoa singular, o benefício da exoneração, com a consequente liberação definitiva quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao seu encerramento (cf. artigos 244.º, n.º 2 e 243.º, n.º. 1, alínea a) do CIRE).

E no final do período da cessão, será então proferida decisão sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor, ouvido este, o fiduciário e os credores da insolvência (cfr. art. 244º) e, sendo a mesma concedida, dar-se-á, de acordo com o art. 245º do CIRE, a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem exceção dos que não tenham sido reclamados e verificados.

Assim sendo, não há que confundir a decisão liminar com a decisão final da exoneração do passivo.

As causas de indeferimento liminar do pedido vêm previstas no artigo subsequente, sendo estas:

“1 - O pedido de exoneração é liminarmente indeferido se:
a)For apresentado fora de prazo;
b)O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver fornecido por escrito, nos três anos anteriores à data do início do processo de insolvência, informações falsas ou incompletas sobre as suas circunstâncias económicas com vista à obtenção de crédito ou de subsídios de instituições públicas ou a fim de evitar pagamentos a instituições dessa natureza;
c)O devedor tiver já beneficiado da exoneração do passivo restante nos 10 anos anteriores à data do início do processo de insolvência;
d) O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspetiva séria de melhoria da sua situação económica;
e) Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º;
f) O devedor tiver sido condenado por sentença transitada em julgado por algum dos crimes previstos e punidos nos artigos 227.º a 229.º do Código Penal nos 10 anos anteriores à data da entrada em juízo do pedido de declaração da insolvência ou posteriormente a esta data;
g) O devedor, com dolo ou culpa grave, tiver violado os deveres de informação, apresentação e colaboração que para ele resultam do presente Código, no decurso do processo de insolvência.
2 - O despacho de indeferimento liminar é proferido após a audição dos credores e do administrador da insolvência nos termos previstos no n.º 4 do artigo 236.º, exceto se o pedido for apresentado fora do prazo ou constar já dos autos documento autêntico comprovativo de algum dos factos referidos no número anterior.”
O indeferimento liminar veda o insolvente da possibilidade de vir a beneficiar da exoneração do passivo restante, consequentemente de ver extintos todos os créditos sobre a insolvência que subsistam na data em que é concedida (cfr. art. 245º nº 1 do CIRE).
Se a exoneração for concedida, ocorre a extinção de todos os créditos que ainda subsistam à data em que é concedida, com exceção dos elencados no n.º 2 do artigo 245.º do CIRE, designadamente: os créditos por alimentos, as indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamados nessa qualidade, os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contraordenações e os créditos tributários.
Porém, a ausência de créditos conhecidos e reclamados neste momento não acarreta o indeferimento liminar deste incidente.
A ausência de reclamação de outros créditos no âmbito dos presentes autos, não deve obstar, sem mais, ao prosseguimento do incidente de exoneração do passivo restante, considerando que eventuais créditos, a existirem, o que se desconhece, sempre poderão vir a extinguir-se aquando da concessão da exoneração do passivo restante.

Só a final, após o decurso do período de cessão do rendimento disponível é que será lícito concluir pela inutilidade ou não da exoneração.

É certo que, na ponderação do equilíbrio entre o interesse do credor à prestação e do interesse do devedor, o legislador excluiu da exoneração do passivo determinados créditos, os quais, atento o interesse público que existe no ressarcimento dos mesmos, não podem ser abrangidos na exoneração.

Dispõe o art. 245º nº 2 do CIRE que:

2 - A exoneração não abrange, porém:

a) Os créditos por alimentos;

b) As indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade;

c) Os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações;

d) Os créditos tributários e da segurança social.”

E o único crédito reconhecido pelo insolvente e o único crédito conhecido nos autos, nesta fase liminar, consiste num crédito excluído da exoneração.

Sobre esta concreta questão, a propósito da ausência de créditos conhecidos ou reclamados, refere Tânia Sofia Marques de Almeida,[2] o seguinte: “A maioria dos devedores insolventes apresenta inúmeros créditos. Créditos esses, na sua grande maioria, provenientes de empréstimos bancários, recurso a créditos pessoais através de instituições e linhas de créditos. Estamos nitidamente a falar de créditos cuja natureza é abrangida pela exoneração. No entanto, pessoas há que apenas têm, ou têm na sua grande maioria, créditos cuja decisão final de exoneração não abrange. Coloca-se a questão: poderão essas pessoas recorrer ao processo de insolvência e enxertar um pedido de exoneração? A resposta é simples: claro que sim. Não está vedado a estas pessoas lançar mão da insolvência. Mas nesta sequência, surge outra questão: para que servirá a declaração de insolvência, sem a possibilidade de ver a totalidade ou a maioria dos créditos abrangidos pela exoneração? A verdade é que “pode diminuir amplamente o interesse desta figura”

É este o caso em apreço, pouco interesse, neste momento, terá o insolvente em sujeitar-se ao regime da exoneração, sabendo que o crédito não se encontra abrangido pela mesma.

E não temos duvidas que o crédito do insolvente se encontra excluído da exoneração nos termos do art.º 245º, n.º 2 do CIRE, por se tratar de um crédito de alimentos (art. 245º nº 2 al a) do CIRE), na sua origem, quer por se tratar de um crédito da segurança social (al d) da mesma norma legal).

Porém, afigura-se-nos ser de rejeitar a decidida limitação do exercício do direito a exoneração do passivo restante.

Desde logo porque as causas que fundamentam tal rejeição são as que constam do art,º 238º do CIRE, não resultando do mesmo que em caso de apenas ter sido reclamado o crédito em causa seja motivo para indeferimento liminar, sendo que jurisprudência vem considerando tais causas como taxativas.

Por outro lado, é certo que o Sr. AI, ouvido quanto a esta questão, tendo-se pronunciado favoravelmente quanto ao despacho inicial de Exoneração do Passivo Restante, admitiu “poderem existir dívidas anteriores ao início do processo de insolvência que não tenham sido reclamadas e relativamente às quais não se tenha conhecimento, mas que possam ser exoneráveis”.

Ver neste sentido o acórdão da RL de 20.02.2020,[3] com o seguinte sumário:

“I.O único crédito reclamado e reconhecido decorrente de indemnização pela prática de facto ilícito e doloso praticado pela insolvente encontra-se excluído da exoneração, nos termos do art.º 245º, n.º 2 do CIRE.

II.A ausência de reclamação de outros créditos no âmbito dos presentes autos, não deve obstar, sem mais, ao prosseguimento do incidente de exoneração do passivo restante, considerando que eventuais créditos, a existirem, o que se desconhece, sempre poderão vir a extinguir-se aquando da concessão da exoneração do passivo restante.

III. Não acarretando assim a extinção do incidente de exoneração do passivo restante por inutilidade superveniente da lide, pois que, só a final, após o decurso do período de cessão do rendimento disponível é que será lícito concluir pela inutilidade ou não da exoneração.”

Em face do exposto, impõe-se a revogação do despacho recorrido.

V-DECISÃO

Pelo exposto e em conclusão acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso e em revogar a decisão recorrida, determinando-se que em substituição da mesma seja proferida outra que, inexistindo outro fundamento para o indeferimento liminar do pedido, aprecie os pressupostos previstos pelo art.º 237º e 239º do CIRE e, verificados, determine o prosseguimento do incidente.

Sem custas.


Porto, 8 de outubro de 2024
Alexandra Pelayo
Alberto Taveira
João Ramos Lopes [voto vencido:
Não acompanho a decisão por entender que, não podendo o passivo do devedor apelante (o seu único passivo) ser abrangido pela exoneração (nº 2 do art. 245º do CIRE), deve ser recusado o prosseguimento do incidente.
A inexistência doutro passivo além daquele de que é titular passivo a Segurança Social (o Fundo de Garantia de Alimentos tem suportado os alimentos devidos pelo insolvente ao seu filho) resulta da análise dos articulados apresentados pelo devedor – realce-se que no presente recurso o devedor apelante não alude à possibilidade de existir qualquer outro passivo além desse (o que foi considerada na decisão apelada, servindo-lhe de justificação e fundamento), antes sustenta que tal passivo de que é titular a Segurança Social é exonerável, ao contrário do ponderado na decisão apelada, por não integrar qualquer previsão do nº 2 do art. 245º do CIRE.
Não está em causa, pois, a mera inexistência de créditos reclamados e reconhecidos (situação ponderada na jurisprudência citada no acórdão), a necessidade de equacionar outros créditos, antes estamos perante uma ausência, tout court, de outros débitos,
Sendo de considerar (nesse segmento se acompanha o acórdão) que o crédito da Segurança Social não é abrangido pela exoneração, resulta assim que (como refere a decisão apelada) o incidente é insuscetível de produzir o efeito típico que através dele o devedor pretende alcançar – a libertação dos débitos não satisfeitos no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento deste (a exoneração consubstancia uma causa extraordinária de extinção das obrigações).
Porque o passivo do devedor (todo ele) é, no caso, insusceptível de exoneração e manter-se-á – não podendo o devedor alcançar o benefício a que a dedução do incidente tem em vista facultar –, o prosseguimento do incidente não pode ser admitido pelo ordenamento jurídico, atenta a sua manifesta inutilidade e irrelevância.
Julgaria, pois, em conformidade (por também entender, como no acórdão – e ao contrário do que alega o insolvente como fundamento da apelação –, que o crédito da Segurança Social não está abrangido pela exoneração), improcedente a apelação.

(por exclusiva opção do signatário, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico)]
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[1] In Lições de Direito da Insolvência, pg. 558 e 559.
[2] In Insolvência: exoneração do passivo restante, Um olhar crítico quanto à fixação do sustento minimamente digno, Dissertação apresentada para a obtenção do grau de Mestre em Ciências Jurídico Forenses, Coimbra, Fevereiro 2014.
[3] Proferido no P nº 16690/18.5T8SNT.L1-1 e disponível in www.dgsi.pt.