CONTRATO DE COMPRA E VENDA
IMÓVEL
CONSTRUTOR VENDEDOR
CONSUMIDOR
DENÚNCIA DOS DEFEITOS
REPARAÇÃO
SUBSTITUIÇÃO
REDUÇÃO DO PREÇO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Sumário

I - É aplicável é aplicável à compra e venda de um imóvel para habitação em que o construtor/vendedor desenvolva profissionalmente tal atividade, concomitantemente, o regime jurídico da compra e venda defeituosa dos art.s 913º e ss do Código Civil e o regime jurídico especial de proteção do consumidor estabelecido no DL n.º 67/2003, de 08 de Abril (diploma que foi atualizado pelo DL n.º 84/2008, de 21/05).
II - A denúncia dos defeitos da coisa vendida não requer a observância de nenhuma forma especial, de acordo o disposto no art.º 219.º do CC, podendo ser veiculada por qualquer meio, desde que tal se revele adequado a comunicar a existência de um concreto defeito e proceda à sua inequívoca imputação ao vendedor.
III - Os direitos conferidos pelo artigo DL n.º 67/2003, de 08 de Abril são, num primeiro plano, o direito à reparação ou à substituição e, num segundo plano, o direito à redução do preço ou a resolução do contrato.
IV - Se a reparação não se mostra efetuada em prazo razoável, não obstante as insistências do comprador, este tem direito a pedir a redução do preço.
V - A redução do preço, mais do que visar o ressarcimento dum prejuízo, procura o restabelecimento do equilíbrio das prestações no contrato de compra e venda de coisa defeituosa, não correspondendo por isso ao valor da reparação.

Texto Integral

Proc. n.º 1438/22.8T8GDM.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto -Juízo Local Cível de Gondomar - Juiz 3

Juíza Desembargadora Relatora:
Alexandra Pelayo
Juízes Desembargadores Adjuntos
Rodrigues Pires
Lina Castro Baptista

SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO:
AA, titular do cartão do cidadão n.º ..., contribuinte fiscal n.º ... e BB, portadora da autorização de residência permanente... n.º..., contribuinte fiscal n. ..., casados entre si e ambos residentes na Rua ..., ... Gondomar intentaram a presente ação com processo comum contra a “A..., Lda.”, pessoa coletiva com o número ..., com morada na Rua ..., Lousada, alegando em suma que, em 14 de maio de 2019, por meio de documento particular autenticado, a Ré vendeu-lhes uma moradia que construiu e que, nessa data, lhes entregou, sendo que, no Outono e no Inverno de 2019, começaram a surgir desconformidades no imóvel, nomeadamente humidade na cave e nos arrumos contíguos à garagem, assim como nesta, tendo, logo em setembro de 2019, os Autores comunicado à Ré tais desconformidades, o que renovaram nos meses e anos seguintes, visto que as mesmas se alastraram a outras divisões, gerando o aparecimento de fungos. Acrescentam que a Ré deslocou-se ao imóvel por diversas vezes para tentar solucionar os problemas, mas sem sucesso, pois a humidade agravou-se, surgindo ainda outros problemas que afetaram a utilização plena da casa pelos Autores, que, com sacrifício, adquiriram o imóvel, sentindo-se desgostosos com o estado em que o mesmo se encontra.
Pedem que se considere reduzido o preço pago pelos Autores à Ré pela compra do imóvel no valor de € 23.900,00 (vinte e três mil e novecentos euros) acrescido de IVA, no valor total de € 29.847,00 (vinte e nove mil, oitocentos e quarenta e sete euros), quantia esta que a Ré deve ser condenada a pagar aos Autores, acrescida da quantia que os Autores venham a despender na reparação do imóvel, a liquidar posteriormente à sentença e que, em todo o caso, a Ré seja condenada a pagar aos Autores uma indemnização no valor de € 15.000,00 (quinze mil euros) pelos danos não patrimoniais causados pelas graves desconformidades do imóvel que vendeu aos Autores.
Citada, a Ré contestou, tendo confirmado a celebração do contrato de compra e venda, mas sustentando que sempre esteve disponível para reparar as desconformidades, tendo-se deslocado ao imóvel por diversas vezes, tendo sido impedida de realizar os trabalhos por indisponibilidade dos Autores ou por causa da pandemia, visto que a Autora não permitiu a entrada na moradia, ficando a aguardar que a contactassem para concluir os trabalhos. Invoca a caducidade do direito de ação e nega que os problemas detetados sejam todos da sua responsabilidade.
Foi proporcionado o contraditório aos Autores quanto à exceção de caducidade.
Dispensou-se a realização da audiência prévia e foi proferido despacho saneador, identificando o objeto do litígio e fixando os temas de prova, ao qual não foi apresentada reclamação.
Procedeu-se ao julgamento e no final, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência, julgo procedente o pedido de redução do preço e, em consequência, condeno a Ré “A..., Lda.” a pagar aos Autores AA e BB o valor que vier a ser apurado em incidente de liquidação de sentença até ao montante de € 23.900,00 (vinte e três mil e novecentos euros) e condeno a Ré “A..., Lda.” a pagar a cada um dos Autores AA e BB a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, absolvendo-a do demais peticionado.
Custas do processo a cargo dos Autores e da Ré na proporção do decaimento que se fixa em 15% para os primeiros e em 85% para a segunda:”
Inconformada, a Ré A..., LDA veio interpor o presente recurso de APELAÇÃO, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A. O Tribunal a quo errada e ilegalmente indeferiu à R. o pedido de esclarecimentos dirigidos ao senhor perito através de requerimento de 17/10/2023.
B. Os esclarecimentos eram admissíveis e essenciais para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, tudo nos termos do artigo 485º, n.ºs 2, 3 e 4 do CPC, pelo que deveriam ter sido admitidos.
C. Nos termos do disposto no artigo 640º / nº 1 alínea a) do C.P.C., encontram-se incorretamente julgados, e por isso vão concretamente impugnados os factos provados nºs 18, 19, 20, 22, 23, 24, 34, 51, 73, 74, 78, 86 e os factos não provados nºs 107, 108, 109, 110, 113, 115 e 116 elencados na sentença em crise, que resulta em grande medida do Tribunal valorizar fortemente e decisivamente as declarações de parte do A. marido, não sustentadas ou confirmadas pelas restantes testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, ou prova documental ou pericial, elevando as mesmas a palavra “sagrada”.
D. Impõem decisão diversa, nos termos do disposto o artigo 640º / nº 1 alínea b) do C.P.C. os seguintes meios da prova, compostos de emails remetidos pelos AA. mas não recebidos pela R. de 29/09/2021 e de 08/10/2021, teor da carta dos AA. de 03/03/2022 e carta da R. de 10/03/2022, relatório de patologias junto como Doc.11 na pi, troca de mensagens entre o A. marido e a R. juntas como Doc.6 na pi, email dos AA. de 03/03/2022 e resposta da R. através de carta registada do dia 08/03/2022, bem assim:
i. Declarações de parte do A. marido, AA, gravadas em suporte digital do dia 16/01/2024, das 10:28 às 10:57, concretamente aos minutos 04:50 a 05:00, 05:15 a 06:00, 14:40 a 15:30 e 16:00 a 18:00;
ii. Depoimento de parte do legal representante da R., CC, gravado em suporte digital do dia 16/01/2024 das 10:58 às 11:39, concretamente aos minutos 04:00 a 06:00, 06:30 a 06:50, 08:00 a 10:20, 17:00 a 19:30, 21:20 a 24:13, 24:20 a 27:00, 27:50 a 28:40, 30:30 a 32:00;
iii. Da testemunha DD, em declarações gravadas em suporte digital do dia 09/02/2024 das 09:42 às 10:17, concretamente aos minutos 04:00 a 05:00, 05:30 a 13:00, 17:00 a 17:30, 17:40 a 20:00 e 20:16 a 24:00;
iv. Da testemunha EE, em declarações gravadas em suporte digital do dia 09/02/2024 das 10:18 às 10:38, concretamente aos minutos 03:10 a 05:00, 05:40 a 07:00, 07:20 a 08:40, 09:00 a 10:00 e 11:00 a 12:00;
v. Da testemunha FF, em declarações gravadas no dia 09/02/2024 das 10:39 às 10:50, concretamente aos minutos 2:00 a 03:15 e 05:00 a 06:00;
E. Nos termos do disposto no artigo no artigo 640º / nº 1 alínea c) do C.P.C., e no nosso modesto entendimento, devem os factos 18, 19, 20, 22, 51, 78 e 86 da matéria de factos provados passar a constar dos factos não provados e ainda os factos não provados 109, 110, 115 e 116 passar a integral o rol de factos provados da sentença recorrida.
F. O facto provado 23 e o facto provado 24, assenta em missivas enviadas pela A. esposa e mandatário, cuja receção foi impugnada pela recorrida, e a ser dada alguma matéria como provada teria que ter como limite o teor dos escritos de 29/09/2021 e 08/10/2021 e nunca o que resulta dos factos provados 23 (interpretação totalmente enviesada do email de 29/09/2021) e 24.
G. Os factos provados 73 e 74 também devem ser alterados passando apenas a fazer prova do teor das cartas enviadas pelos AA. e pela R., respetivamente, em 03/03/2022 e em 10/03/2022.
H. O facto provado 34 impunha diversa redação, passando a ter a seguinte: “A parede exterior, na parte da frente, está, na sua quase totalidade, abaixo do nível do terreno exterior”.
I. Os factos não provados 107, 108 e 113 devem passar a integrar o rol de factos provados, ainda que com a seguinte redação:
“107) …, para ajudar a solucionar problemas relacionados com o mau funcionamento ou pequenas reparações, ocorridas nos anos de 2020.
108) …, o que aconteceu em maio de 2020.
113) A Ré apenas logrou obter anuência dos Autores para iniciar a resolução do problema da vedação da caixa de saneamento em dezembro de 2021.”
J. Da prova documental existente nos autos, bem assim da prova testemunhal produzida, toda já supra discriminada, imporia decisão diversa à proferida pelo Tribunal a quo.
K. A R. predispôs-se sempre a resolver as patologias existentes na habitação do A., resultando isso mesmo das comunicações trocadas.
L. A R. chegou inclusive, a deslocar-se à habitação dos AA. com dois funcionários a fim de realizar trabalhos de reparação o que fez, pelo menos, em 3 ocasiões diferentes.
M. Depois da missiva recebida em 03/03/2022, após combinar com os AA., o legal representante da R. deslocou-se à habitação daqueles, não lhe tendo sido facultada a entrada na habitação, por motivo pelo qual lhes dirigiu a missiva de 10/10/2022.
N. A atuação da R. ao longo da relação contratual tida com os AA. sempre foi no sentido de proceder à reparação dos defeitos da moradia, posição que manifestou após interpelação para o efeito e que manteve em sede de audiência de discussão e julgamento.
Da matéria de direito
O. Em nenhum momento os AA. denunciaram à R. os defeitos da moradia (leia-se, acontecimentos da vida real, concretamente determinados, como factos) limitando-se a comunicar meras generalidades e “pequenos problemas”, sem nunca identificarem, em concreto, as patologias de que a mesma padecia, não podendo considerar-se verdadeiras denúncias.
P. Os AA. comunicaram à R. a existência de generalidades, que denominaram de defeitos para lá dos prazos previstos tanto no artigo 5º-A, n.º 2 do DL 67/2003, de 8 de Abril como no artigo 1220º do CC, uma vez que admitem que a moradia padecia de defeitos desde 2019, mas apenas os denunciaram em Março de 2022, pelo que nesse momento o direito havia caducado pelo decorrer do prazo de 1 ano.
Q. O Tribunal a quo deveria também ter aplicado ao presente caso as normas contidas nos artigos 813º a 816º do CC, por se estar perante uma situação de mora do credor.
R. Ao não aceitar a prestação sem motivo justificado os AA. incorreram em mora, de acordo com o artigo 813º do CC. e que, por isso, não pode ser imputada à R.
S. Não havendo dolo do devedor, como é o caso, a R. não responde perante os AA., conforme artigo 814.º, n.º 1 do C.C.
T. A este respeito veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 27-05-2008, processo n.º 08A1461, disponível para consulta em www.dgsi.pt,onde ficou sumariado o seguinte:
“I. Verificados defeitos na moradia realizada no cumprimento de um contrato de empreitada e tendo o dono da obra pedido à empreiteira a sua reparação, a não efetivação desta reparação devido à recusa do dono da obra em desocupar a casa - tendo em conta que tal desocupação era necessária à referida reparação - não extingue, em princípio, a obrigação de reparar da empreiteira, mas apenas faz o dono da obra incorrer em mora como credor, nos termos dos arts. 813º e segs. do Cód. Civil.”
U. A existir obrigação da R. na reparação de defeitos, a mesma só poderá incidir sobre aqueles que existiam em 2021, caso não se entenda ter caducado o direito dos AA., mas já não aqueles que se agravaram ou surgiram posteriormente a essa data.
V. O Tribunal a quo na sentença recorrida fez ainda errada aplicação e interpretação dos artigos 2º, 4º e 5º-A do DL n.º 67/2003, de 08 de Abril e 911º, 913º a 920º, 1221º e 1222º do CC.
W. Os AA. manifestaram sempre intenção que a R. reparasse os defeitos da moradia, motivo pelo qual, optando por esse direito, estavam obrigados a dar-lhe essa oportunidade de sanar os problemas, devendo a partir daí aplicar-se as normas do CC, concretamente, os artigos 1221º e 1222º do CC e não as do DL n.º 67/2003, de 08 de Abril, nomeadamente para optarem pela redução do preço.
X. A existir, o direito dos AA. a exigirem a redução do preço terá de ser determinado de acordo com o previsto nas disposições conjugadas dos artigos 1222º e 884.º, n.º 2 do CC, ou seja, até ao montante máximo de 14.270,00€, cujo valor exato apenas poderá ser definido em sede de incidente de liquidação de sentença, mas nunca ultrapassando aquele valor por ter sido o que resultou da avaliação do perito.
Y. No que respeita aos danos não patrimoniais que os AA. dizem ter sofrido, os mesmos a existirem sugiram em consequência daqueles terem recusado a prestação da R., pelo que são da sua única e exclusiva responsabilidade.
Z. A fixação dos danos patrimoniais deve levar em linha de conta as condições económicas da R., o grau de culpa, bem como a situação económica dos lesados.
AA. Ao não apurar aquelas circunstâncias o Tribunal a quo violou os artigos 496.º, n.º 4 e 494.º do C.C., pelo que a R. não deveria ter sido condenada no pagamento de qualquer indemnização aos AA. a título de danos não patrimoniais ou, a sê-lo, sempre teria de ser em valor não superior a 1.000,00€.
TERMOS EM QUE, deve ser dado provimento ao presente recurso, por provado, e consequentemente:
- Ser revogada a sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue a ação totalmente improcedente; Ou,
- Condenar a R. a reparar os defeitos de que padece a moradia dos AA. Ou,
- Determinar a redução do preço da moradia em valor que vá até ao montante máximo de 14.270,00€ a determinar em sede de incidente de liquidação de sentença; Ou ainda,
- Ordenar que os autos desçam à primeira instância para que o senhor perito preste os esclarecimentos solicitados pela R. em 28/09/2023, sendo após proferida nova sentença.”
Os AA AA e BB, vieram responder ao recurso, pugnando pela sua improcedência, tendo concluído da seguinte forma:
“1. A decisão proferida pelo Tribunal a quo está sobejamente fundamentada, tendo a Mma. Juiz de Direito sido manifestamente exaustiva na descrição da apreciação crítica da prova.
2. Desde logo e no que se refere ao requerimento da R. com um pretenso pedido de esclarecimentos do relatório pericial, bem andou o Tribunal a quo ao indeferir, na medida em tal requerimento não representa qualquer pedido de esclarecimento das respostas apresentadas no relatório em causa.
3. O requerimento em causa mais não é do que uma extemporânea e inusitada tentativa de ampliar o objeto de uma perícia que a R. desprezou. A decisão do Tribunal a quo foi por isso acertada e perfeitamente em linha com outra decisão jurisprudencial patente no Acórdão proferido por este mesmo Tribunal da Relação do Porto no âmbito do processo n.º 1308/20.4T8PRT-A.P1, em 18 de março de 2024.
4. Por seu turno, no que diz respeito à matéria de facto impugnada diz respeito, como resultou das declarações de parte do A. marido (minuto 16:05 a 16:50 do seu depoimento, o qual foi registado pelo sistema de gravação habilus media studio, conforme ata de julgamento de 16/01/2024 com a referência 455893623), bem como do depoimento da testemunha Sr. DD (minuto 05:54 a 09:20 do seu depoimento, o qual foi registado pelo sistema de gravação habilus media studio, conforme ata de julgamento de 09/02/2024 com a referência 456873725), funcionário da R., a R. deslocou-se diversas vezes à habitação dos A. - pelo menos três vezes - teve oportunidade de verificar o imóvel no seu todo e, feitas as visitas, nunca solucionou qualquer uma das patologias.
5. Não tendo nunca tais desconformidades sido efetivamente reparadas pela R., como resulta da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente, das declarações das partes (minuto 12:59 a 13:40 do depoimento da R., e minuto 04:50 a 05:35 do depoimento do A., ambos registados pelo sistema de gravação habilus media studio, conforme ata de julgamento de 16/01/2024 com a referência 455893623), bem como do depoimento da Testemunha Sr. DD, funcionário da R. (minuto 09:07 a 09:27 do seu depoimento, o qual foi registado pelo sistema de gravação habilus media studio, conforme ata de julgamento de 09/02/2024 com a referência 456873725).
6. A R. limitou-se disfarçar as patologias ao invés de as solucionar, como aliás referiu o A. marido em audiência de discussão e julgamento (minuto 04:50 a 05:35 do seu depoimento, o qual foi registado pelo sistema de gravação habilus media studio, conforme ata de julgamento de 16/01/2024 com a referência 455893623), bem como sublinhou a Mma. Juiz de Direito a quo aquando da inquirição do legal representante da R. (minuto 15:00 a 15:50 do seu depoimento, o qual foi registado pelo sistema de gravação habilus media studio, conforme ata de julgamento de 16/01/2024 com a referência 455893623) e a Testemunha Sr. DD, funcionário da R. (minuto 23:00 a 26:25 do seu depoimento, o qual foi registado pelo sistema de gravação habilus media studio, conforme ata de julgamento de 09/02/2024 com a referência 456873725).
7. Atente-se ainda que, conforme declarado pelo A. marido em audiência de discussão e julgamento, os AA. nunca impediram a entrada por parte da R. na sua habitação Rua ..., ... • ... Porto (minuto 17:00 a 17:25 do seu depoimento, o qual foi registado pelo sistema de gravação habilus media studio, conforme ata de julgamento de 16/01/2024 com a referência 455893623), sendo que a única vez em que a R. não acedeu ao interior do imóvel, tal apenas sucedeu porque os AA. - como tinham previamente avisado, não estavam em casa!
8. Pelo que, é de uma forma manifestamente enviesada que a R. procurar tirar partido dessa visita para ludibriar o Tribunal, querendo ainda fazer crer que seria então que iria resolver os problemas vastos que, até ali, nunca resolveu por manifesta inércia.
9. As reparações que a R. vem agora invocar não ocorreram por falta de vontade dos AA. que por elas suplicaram, tal como aliás decorre das declarações prestadas pelo A. marido (minuto 23:40 a 24:12 do seu depoimento, o qual foi registado pelo sistema de gravação habilus media studio, conforme ata de julgamento de 16/01/2024 com a referência 455893623), bem como do documento n.º 6 junto com a petição inicial.
10. Até porque, como consta dos documentos n.ºs 6, 7, 8, 14 e 15, os AA. encetaram inúmeras tentativas de contacto com a R. para que a mesma procedesse às reparações necessárias.
11. Tendo os AA. recorrido à via judicial em última instância, quase num ato de desespero perante a inércia da R. (minuto 23:40 a 24:12 do seu depoimento, o qual foi registado pelo sistema de gravação habilus media studio, conforme ata de julgamento de 16/01/2024 com a referência 455893623).
12. Por sua vez, no que concerne à matéria de direito, especificamente à denúncia dos defeitos do imóvel, conforme prevê o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de abril, aplicável aos presentes autos, o consumidor pode exigir a reparação ou substituição do bem, a redução adequada do preço ou a resolução do contrato quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de cinco anos a contar da entrega do bem imóvel.
13. Sendo que, nos termos do n.º 2, do artigo 5.º-A do mesmo diploma, para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade do bem no prazo de um ano a contar da data em que tenha detetado as desconformidades.
14. O que fizeram os AA., que denunciaram à R. tais desconformidades cerca de três meses após a compra da casa e, por isso, muito antes do fim do prazo de um ano após a deteção daquelas, o que foi confirmado nas declarações prestadas quer pelo A. marido (minuto 01:09 a 01:55 do seu depoimento, o qual foi registado pelo sistema de gravação habilus media studio, conforme ata de julgamento de 16/01/2024 com a referência 455893623), quer pela R. em audiência de discussão e julgamento (minuto 07:54 a 09:13 do seu depoimento, o qual foi registado pelo sistema de gravação habilus media studio, conforme ata de julgamento de 16/01/2024 com a referência 455893623).
15. E em todo o caso, o n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 de 19 de março veio estabelecer a suspensão dos prazos de caducidade de todos os tipos de processos e procedimentos, tendo-se suspendido tal prazo entre as datas de 09 de março e 20 de junho de 2020, pelo que o prazo de caducidade no presente caso só terminaria em finais de 2020.
Posto isto,
16. Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de abril, em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.
17. Ou seja, os AA. nunca tiveram qualquer obrigação legal de se sujeitar às reparações do imóvel por parte da R., podendo optar, como optaram, por pedir a redução adequada do preço do contrato. Ainda assim,
18. É a todos os títulos inequívoco que os AA. tentaram, reiteradamente, a resolução da situação por via da reparação a executar pela R. Esta, por seu turno, durante três anos, não só nunca solucionou como se predispôs a ludibriar com aparentes soluções que não eram mais que cosmética.
19. Os AA. deram repetidas e inúmeras oportunidades à R. de reparar os vícios de que a habitação padecia, e continua a padecer, sem que alguma vez a R. o tivesse feito, como resulta das declarações prestadas pelo A. em audiência de discussão e julgamento (minuto 04:50 a 05:35 do seu depoimento, o qual foi registado pelo sistema de gravação habilus media studio, conforme ata de julgamento de 16/01/2024 com a referência 455893623).
20. Agiram os AA. de acordo com o entendimento foi perfilhado pelo Tribunal da Relação de Guimarães em Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 455/18.7T8EPS.G1, em 07 de dezembro de 2023. Ora,
21. A redução do preço que foi peticionada é justa, adequada e conforme um comportamento adequado e proporcional da parte lesada, o consumidor aqui AA.
22. Finalmente, no que respeita à obrigação de indemnização em que a R. incorre, deve atentar-se que tudo isto ocorreu no âmbito de uma compra e venda de um imóvel para habitação familiar, isto é, casa de morada de família e comprado com recurso a crédito. Mais,
23. Bem como no facto de estarmos perante graves deficiências do imóvel que impossibilitam a sua habitabilidade como atestou o relatório pericial.
24. Motivo pelo qual, tal indemnização se sustenta no facto de a R. ter vendido aos AA. um bem imóvel não adequado a satisfazer o seu propósito/ utilização habitualmente dada a bens do mesmo tipo: ser habitado, como resulta do relatório pericial junto aos autos (documento n.º 11 junto com a petição inicial), bem como das declarações prestadas pelo Sr. Perito GG (minuto 07:26 a 07:58 do seu depoimento, o qual foi registado pelo sistema de gravação habilus media studio, conforme ata de julgamento de 16/01/2024 com a referência 455893623).
25. Algo que se revelou impossível logo após parcos meses após a compra e venda!
26. Sem necessidade de mais consideração, a decisão proferida é por isso justa, equilibrada e não merece qualquer reparo.
Termos em que deve o Recurso deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente a Sentença proferida pelo Tribunal a quo.”
O recurso interposto pela Ré foi admitido como subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo da decisão. – cfr. arts. 627.º, 629.º, n.º 1, 631.º, 637.º, 639.º, 644.º, n.º 1, al. a), 645.º, n.º 1, al. a), 647.º, n.º 1 a contrario todos do C.P.C.
Colhidos os vistos cumpre decidir.

II-OBJETO DO RECURSO:
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.
As questões decidendas são as seguintes:
-modificabilidade da decisão de facto por reapreciação das provas produzidas e eventual alteração da decisão de direito em consequência de tal modificação;
-erro na aplicação do direito relativamente às seguintes questões:
-ilegalidade da recusa do pedido de esclarecimentos aos peritos;
-mora do credor;
-falta de denúncia dos defeitos;
-caducidade da ação;
-danos não patrimoniais e,
-redução do preço e seus limites.

III-FUNDAMENTAÇÃO:
Com interesse para a decisão foram julgados provados e não provados os seguintes factos[1]:
Da Petição Inicial
1) A Ré é uma empresa que se dedica à construção e restauro de edifícios e sua promoção imobiliária, comércio por grosso de máquinas para indústria extrativa, construção e engenharia civil, aluguer de máquinas e equipamentos para construção e engenharia civil, bem como à compra e venda de bens imobiliários e revenda dos adquiridos para esse fim. (artigo 1.º)
2) No âmbito deste seu objeto – concretamente, da compra e venda de bens imobiliários a que respeita o CAE 68100 da Ré –esta, por contrato promessa datado de 14 de setembro de 2018, prometeu vender aos Autores a moradia V3, sua propriedade, e sita na Rua ..., lote nº ..., freguesia ..., concelho do Gondomar, constituída por cave, rés-do-chão e 1º andar, cujo terreno está descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ... e com o artigo matricial .... (artigo 2.º)
3) Contrato esse que veio a ser objeto de aditamento no dia 17 de abril de 2019. (artigo 3.º)
4) A moradia objeto do contrato celebrado entre Autores e Ré estava ainda em construção na data da celebração do contrato promessa. (artigo 4.º)
5) A construção da moradia destinada a habitação própria e permanente dos Autores foi realizada pela Ré. (artigo 5.º)
6) Nos termos de tal contrato promessa, os Autores prometeram pagar o preço de € 234 500,00 (duzentos e trinta e quatro mil e quinhentos euros). (artigo 6.º)
7) A Ré ficou obrigada a entregar a moradia objeto do contrato, nos termos e de acordo com o projeto então aprovado, com o caderno de encargos e com a ficha técnica anexos ao referido contrato. (artigo 7.º)
8) A moradia prometida vender deveria conter isolamento térmico, ramais definitivos de água e saneamento e deveriam estar concluídos pela Ré todos os projetos da especialidade que lhe cabiam executar. (artigo 8.º)
9) No dia 14 de maio de 2019 e por meio de documento particular autenticado, ambas as partes celebraram o contrato prometido, tendo a Ré vendido aos Autores o imóvel já identificado e pelo preço acordado, o qual constitui a habitação própria e permanente destes. (artigo 9.º)
10) O imóvel foi então efetivamente entregue aos Autores na data da celebração do contrato de compra e venda definitivo, que desde logo o habitaram e dali fizeram, e fazem, a sua habitação permanente. (artigo 10.º)
11) Nessa mesma data foi também entregue aos Autores a ficha técnica do imóvel vendido pela Ré. (artigo 11.º)
12) E dessa ficha técnica consta expressamente a Ré como promotora imobiliária do imóvel sua propriedade, bem assim como construtora do mesmo. (artigo 12.º)
13) Atividades no âmbito do seu objeto comercial. (artigo 13.º)
14) No Outono e no Inverno de 2019, a moradia comprada pelos Autores à Ré revelou as primeiras desconformidades, isto é, aparecimento de humidade concretamente no piso da cave, na divisão de arrumos contígua à garagem, mas também na própria garagem. (artigo 14.º)
15) E foi por isso que, em setembro de 2019, os Autores comunicaram verbalmente à Ré essas desconformidades detetadas, concretamente a humidade detetada no interior da casa. (artigo 15.º)
16) A 4 de abril de 2020, os Autores voltaram a contactar a Ré, na medida em que a humidade detetada alastrava-se de forma rápida pela casa, tendo provocado o aparecimento de fungos em diversas divisões. (artigo 16.º)
17) Foi exatamente isso que os Autores comunicaram à Ré por telefone, mas também por mensagem no dia 24 de fevereiro de 2020. (artigo 17.º)
18) Entre o mês de fevereiro de 2020 e o mês de dezembro de 2021, a Ré deslocou-se ao imóvel dos Autores várias vezes, tendo, porém, feito apenas duas intervenções: uma vez em junho de 2020 e outra em julho de 2021. (artigo 18.º)
19) Tais intervenções sucederam sempre após interpelações dos Autores, pois, sempre que a Ré acedeu a fazer intervenções para correção dos vícios, a moradia ficava cada vez pior. (artigo 19.º)
20) Além do agravamento da humidade, também começaram a existir, no interior da habitação, infiltrações de água e aluimento do chão, que também se verificaram no exterior da moradia, concretamente no pátio. (artigo 20.º)
21) Desconformidades que nunca se tinham revelado no ano de 2019 nem em março de 2020. (artigo 21.º)
22) As intervenções da Autora na moradia dos Réus nunca resolveram ou solucionaram qualquer um dos problemas. (artigo 22.º)
23) Por email de 29 de setembro de 2021, os Autores denunciaram não só o agravamento da humidade e infiltrações de água na casa, mas também das fissuras nas paredes que se revelaram naquela ocasião, bem como o aluimento do pavimento tanto no interior, bem como no exterior. (artigo 24.º)
24) Interpelação esta que foi reiterada no dia 08 de outubro de 2021 pelo Mandatário dos Autores, a solicitação destes. (artigo 26.º)
25) No dia 14 de outubro de 2021, os Autores solicitaram a intervenção da seguradora com a qual têm contratualizado o seguro multirriscos, inerente ao financiamento bancário que solicitaram para a compra do imóvel, na tentativa de obter uma correta identificação do fundamento das desconformidades do imóvel, bem como a reparação dos mesmos por intermédio do seguro. (artigos 28.º e 29.º)
26) A seguradora declinou a responsabilidade, pelo facto de os danos não estarem cobertos pela apólice. (artigo 30.º)
27) Na sequência da visita que os técnicos da B... fizeram ao imóvel foi elaborado um relatório do qual constam as seguintes conclusões: humidade alta e no hall de entrada, bem como um gradiente de temperatura devido à existência de humidade no hall de entrada, na garagem, na despensa da cave, varanda do rés do chão; humidade alta e danos nas paredes da garagem, no quarto da cave, varanda do rés do chão, sala do rés do chão, hall dos quartos no primeiro andar, num dos quartos do primeiro andar. (artigos 31.º e 32.º)
28) No mesmo relatório foram ainda identificadas “fissuras na parede exterior da varanda. Ponto de infiltração, responsável pelos danos na parede interior da varanda.”; “falta de vedação da junta de dilatação do edifício. Ponto de infiltração, responsável pelos danos na parede da sala.”; “falta de vedação da junta de dilatação do edifício. Ponto de infiltração, responsável pelos danos na parede da sala.”; “Falta de vedação do pavimento da varanda. Ponto de infiltração, responsável pelos danos na parede da sala.” e “Caixa de saneamento encontra-se mal vedada. Ponto de infiltração, responsável pelos danos na despensa da cave.”. (artigo 33.º)
29) Concluíram assim os técnicos no referido relatório que “Concluímos que existem vários pontos de infiltração derivados de fissuras e falta de impermeabilização (vedação) de vários pontos do edifício. Informamos que a casa é nova e existe defeito de construção devido às patologias apresentadas no edifício.”. (artigo 34.º)
30) No dia 02 de novembro de 2021, a referida seguradora comunicou aos Autores que “Após a necessária e cuidada apreciação, fundamentalmente com base no relatório de peritagem, constatámos que os danos ocorridos e verificados não têm enquadramento nas garantias da apólice, nem nas coberturas de Tempestades, Inundações ou Danos por Água, porque resultam de infiltrações de águas pluviais devido à deficiente impermeabilização do imóvel por defeito construtivo, consequentemente sem carácter súbito e imprevisto.”. (artigo 35.º)
31) No dia 24 de novembro de 2021, os Autores solicitaram ao Sr. Engenheiro Civil GG a realização de uma visita inspetiva à moradia, a fim de descrever as causas efetivas dos vícios e desconformidades, bem como as soluções e respetivos custos. (artigo 36.º)
32) Após tal visita, o referido Sr. Engenheiro Civil GG apresentou o seu relatório datado de 02 de dezembro de 2021. (artigo 37.º)
33) No imóvel que a Ré vendeu aos Autores, no piso da cave, na parede exterior das traseiras, do lado interior da habitação, em cada lado do portão de acesso automóvel, existem áreas com eflorescências e sem tinta, até uma altura de cerca de 50 cm, em consequência da humidade por capilaridade, vinda do pavimento. (artigos 40.º e 41.º)
34) A parede exterior, na parte da frente, está, na sua quase totalidade, abaixo do nível do terreno exterior, o que não cumpre a planta do imóvel. (artigos 42.º e 43.º)
35) Essa mesma parede está quase toda afetada por eflorescências e sem tinta, até um pouco acima da altura da pequena janela. (artigo 44.º)
36) Também as paredes perpendiculares à do exterior se encontram com idênticos problemas, incluindo alterações no rodapé de madeira. (artigo 45.º)
37) O compartimento designado por área técnica, não possui qualquer ventilação. (artigo 46.º)
38) Essa falta de ventilação agrava a situação de humidade e provoca maus cheiros e deterioração de qualquer móvel ou equipamento aí instalado. (artigo 47.º)
39) Tal desconformidade advém do aparecimento de humidade por capilaridade, vinda do exterior da parede, do pavimento e também da caixilharia. (artigo 48.º)
40) No rés do chão da habitação dos Autores, concretamente na divisão da sala, existe fissuração vertical. (artigo 49.º)
41) Na parede das traseiras entra água junto ao pavimento, dos dois lados da porta. (artigo 50.º)
42) Nesta mesma divisão, as paredes, junto ao rodapé, apresentam deficiente acabamento. (artigo 51.º)
43) No teto da sala, sob o quarto de banho da frente do piso superior, aparecem manchas de humidade e com evidência de desagregação. (artigo 52.º)
44) O aparecimento das eflorescências nas paredes, ao nível do pavimento da sala junto aos lados da porta, tem origem na deficiente vedação da caixilharia e deficiente impermeabilização na zona de ligação da parede à laje da varanda. (artigo 53.º)
45) Esta desagregação advém do aparecimento de humidade por capilaridade, vinda do exterior da parede, do pavimento e também da caixilharia. (artigo 54.º)
46) A solução para as patologias da fissura e mau acabamento da parede junto ao rodapé passa por uma reparação de modo a que as áreas referidas fiquem idênticas às restantes. (artigo 55.º)
47) No que às eflorescências diz respeito, estas devem ser tratadas tendo em atenção a correção da vedação entre caixilharia e paredes, acrescentando aqui a substituição, ou arranjo do rodapé. (artigo 56.º)
48) No que se refere ao primeiro andar, ambas as paredes dos duches, que confinam com a base, apresentam humidade no outro lado do duche, com deterioração dos rodapés. (artigo 57.º)
49) As bases de chuveiro apresentam deficiente vedação, originando humidades e até o aparecimento de água ao canto dos resguardos. (artigo 58.º)
50) É, aliás, visível a humidade vinda do duche, do outro lado da parede, junto ao rodapé. (artigo 59.º)
51) É ainda evidente e perfeitamente visível a má vedação entre as paredes e bases de chuveiro colocada pela Ré. (artigo 60.º)
52) O aparecimento destas humidades é consequência não só da deficiente vedação entre as paredes e base dos chuveiros, mas também da inexistência de impermeabilização dos pavimento e parte das paredes, em todas as zonas húmidas. (artigo 61.º)
53) Impermeabilização a que a Ré estava obrigada pelas práticas construtivas, mas também para cumprimento da ficha técnica do imóvel, que se destina a habitação permanente dos Autores. (artigo 62.º)
54) Existem ainda muitas fissuras em paredes, de forma generalizada, em quase todas as paredes do andar, as quais são consequência do assentamento diferencial da estrutura do imóvel. (artigos 63.º e 64.º)
55) Nos tetos do quarto da suite, e noutro quarto, existem manchas escuras junto às paredes, as quais provocam o aparecimento de fungos provocados pela existência de pontes térmicas. (artigos 65.º e 66.º)
56) Situação que ocorre pela falta parcial de isolamento térmico na cobertura. (artigo 67.º)
57) Isolamento que estava previsto a Ré efetuar, de acordo com o caderno de encargos mas também com a ficha técnica. (artigo 68.º)
58) A guarnição da porta de entrada do quarto apresenta fissuras, a qual decorrerá da deficiente aplicação da madeira aquando da sua colocação. (artigo 69.º)
59) O pavimento flutuante, em zona junto da porta, não entrou o suficiente debaixo do rodapé, sendo visível um buraco onde devia estar flutuante. (artigo 70.º)
60) O corte da placa do pavimento flutuante foi deficiente em face da dimensão da área. (artigo 71.º)
61) Os muros exteriores e paredes da varanda apresentam tinta descolorada e com descasques em muitas zonas. (artigo 72.º)
62) Tal descoloração resulta da falta de aplicação de um isolante adequado, antes da pintura. (artigo 73.º)
63) O descasque da tinta decorre da não aplicação de um primário próprio para fixação às paredes. (artigo 74.º)
64) As pedras que constituem os degraus das escadas exteriores não têm o comprimento adequado e suficiente, estando afastadas do muro de meação. (artigo 75.º)
65) Este espaço está preenchido com argamassa que permite a passagem de águas para a parede, provocando eflorescências sob a escadas. (artigo 76.º)
66) Nas traseiras, junto ao portão de acesso automóvel, o pavimento encontra-se ligeiramente levantado e com peças cerâmicas partidas. (artigo 77.º)
67) Tal resulta do material de base do pavimento que, por via da humidade ou desadequação do material usado, leva ao levantamento parcial, com quebra do material de revestimento aplicado (cerâmico) em cerca de 1,5 m2. (artigo 78.º)
68) Nas traseiras, ao fundo, na zona ajardinada, existe um abatimento no pavimento, em cerca de 2 m2. (artigo 79.º)
69) Na frente, sobre a porta de entrada, existe um ponto de iluminação por onde escorre água, apresentando já uma sedimentação calcária. (artigo 80.º)
70) A Ré deixou ainda uma deficiente vedação no duche que fica por cima do ponto de iluminação. (artigo 81.º)
71) Em função do referido relatório pericial, solicitaram os Autores um orçamento à empresa de construção civil C...- Unipessoal, Lda. (artigo 84.º)
72) Tal empresa de construção civil orçou a reparação no montante de Euros 23 009,00 (vinte e três mil e nove euros), valor ao qual acresce IVA, conforme orçamento datado de 16.02.2022. (artigo 85.º)
73) Por carta de 03 de março de 2022, antecipada por email da mesma data, os Autores solicitaram à Ré a reparação dos defeitos e vícios construtivos do imóvel, anexando o orçamento do qual constavam os trabalhos a executar, bem como o preço em que tinham sido orçados, advertindo que a não execução dos mesmos trabalhos no tempo definido levaria os Autores a efetuarem tais trabalhos por si próprios, sendo que tal custo seria da responsabilidade da Ré. (artigo 86.º)
74) A Ré deslocou-se à moradia dos Autores no dia 08 de março de 2022 e, ao invés de assumir a execução das reparações que sabe serem da sua responsabilidade, veio responder à interpelação dos Autores por carta que enviou no dia 10 de março de 2022 por email e em suporte físico, na qual veio argumentar (i) que não havia concluído os trabalhos porque os Autores não tinham permitido; (ii) que as reparações descritas no orçamento continham trabalhos que não eram da sua responsabilidade; (iii) que ficavam a aguardar contacto para concluir os trabalhos, sendo porém que enquanto chovesse não o poderia fazer. (artigos 87.º e 88.º)
75) Do agregado familiar dos Autores faz parte uma bebé, de 2 anos de idade, que com eles habita a moradia. (artigo 94.º)
76) Para além disso, o Autor AA padece de asma. (artigo 95.º)
77) As infiltrações de água e a elevada humidade permanente no imóvel tem agravado o estado de saúde do Autor e constituem igualmente um perigo para a saúde da Autora BB e, principalmente, para a filha de ambos, a bebé de 2 anos. (artigo 96.º)
78) As duas intervenções efetuadas pela Ré, em junho de 2020 e em julho de 2021, nunca resultaram em qualquer reparação dos vícios e desconformidades da moradia. (artigo 112.º)
79) Os Autores pretendem proceder a essas reparações diretamente, isto é, recorrendo a profissionais capazes, sérios e cumpridores. (artigo 117.º)
80) O que importará num custo estimado em € 14 270,00. (artigo 119.º)
81) Com empenho, esforço e muito sacrifício, os Autores juntaram as suas economias para comprarem a moradia para ali viverem em família. (artigo 128.º)
82) Sonharam, idealizaram, planificaram as suas vidas em função da tão “desejada” casa. (artigo 129.º)
83) As emoções e expectativas em torno da casa foram crescendo à medida que se aproximava a tão desejada data para habitar a casa onde constituíram família. (artigo 131.º)
84) Acontece que, o que era um sonho, transformou-se num pesadelo que teima em não ter fim. (artigo 132.º)
85) Pois, o que devia proporcionar bem-estar, alegria, entusiasmo, satisfação e orgulho, antes proporcionou tristeza, angústia, tormento, sofrimento e vergonha, ficando várias noites sem dormir. (artigo 133.º)
86) Tais danos foram causados por exclusiva culpa da Ré que vendeu aos Autores um imóvel onde, conscientemente, não usou das mais básicas boas práticas construtivas. (artigo 138.º)
87) Toda esta situação causou nos Autores dor, sofrimento, vergonha, tormento e tristeza. (artigo 140.º)
Da Contestação
88) A Ré e o Autor tiveram sempre um relacionamento de proximidade, estreito. (artigo 3.º)
89) O que motivou, por banda do Autor, confiança para solicitar a presença da Ré uma e outra vez. (artigo 4.º)
90) Assim fez a Ré quando se deslocou à habitação dos Autores para desentupir o saneamento, que se encontrava obstruído com ferramentas e entulho. (artigo 5.º)
91) … o Autor deu conhecimento à Ré do surgimento de humidade ao nível da cave. (artigo 8.º)
92) A Ré fez deslocar à habitação dos Autores funcionários, tendo detetado um problema com a vedação de uma caixa de saneamento sita no espaço exterior. (artigo 9.º)
93) A Ré detetou no local que o problema da vedação da caixa de saneamento provocara infiltrações de humidade ao nível da cave, e que implicaram que se iniciasse o tratamento da parede em pladur. (artigo 13.º)
94) A Ré não foi a responsável pela aplicação e tratamento do jardim na habitação dos Autores, que contrataram o serviço a empresa terceira. (artigo 20.º)
Da Resposta
95) O imóvel foi entregue pela Ré aos Autores no dia 14 de maio de 2019, após a celebração do contrato de compra e venda definitivo. (artigo 7.º)
96) Tendo sido no Outono e no Inverno de 2019 que a moradia comprada pelos Autores à Ré revelou as primeiras desconformidades, isto é, aparecimento de humidade concretamente no piso da cave, na divisão de arrumos contígua à garagem, mas também na própria garagem. (artigo 8.º)
97) Foi precisamente em setembro de 2019 que os Autores comunicaram verbalmente à Ré essas desconformidades detetadas, concretamente, a humidade detetada no interior da casa. (artigo 9.º)
98) Comunicação essa reiterada em dezembro de 2019 e ainda em abril de 2020. (artigo 11.º)
E foram julgados não provados, os seguintes factos:
Da Petição Inicial
99) A fim de poupar a saúde todos, os Autores já se viram forçados a recorrer à ajuda de familiares em cujas casas pernoitaram por várias noites, principalmente nos períodos mais chuvosos. (artigo 97.º)
100) Devido aos graves problemas de saneamento, os Autores vêem-se impossibilitados de fazer uso das casas de banho, bem como dos chuveiros, na medida em que isso aumenta os níveis de humidade no interior da moradia. (artigo 98.º)
101) O que importará num custo não inferior a € 23 009,00 acrescido de IVA. (artigo 119.º)
102) … e, outras, necessariamente a dormir de favor em casa de familiares. (artigo 133.º)
103) Ficaram, por outro lado, privados de poder utilizar a moradia para receber amigos e convidados, face ao constrangimento que a mesma causava pelo seu aspeto. (artigo 136.º)
104) Bem como de lá celebrar
105) as festas de aniversário ou qualquer evento familiar. (artigo 137.º)
Da Contestação
106) A Ré e o Autor tiveram sempre um relacionamento de harmonia. (artigo 3.º)
107) …, para ajudar a solucionar problemas relacionados com o mau funcionamento ou pequenas reparações, ocorridas nos anos de 2021. (artigo 4.º)
108) …, o que aconteceu em 05 de maio de 2021. (artigo 5.º)
109) Bem assim quando fez deslocar funcionários para reparar o botão da sanita da suite, em 17 de fevereiro de 2021. (artigo 6.º)
110) Nunca uma solicitação, fosse telefónica, fosse pessoal ou escrita, do Autor quedou sem resposta por parte da Ré. (artigo 7.º)
111) No início do ano de 2021,…; (artigo 8.º)
112) Acontece, porém, que, de acordo com o que transmitia o Autor, a Autora opunha-se a que os funcionários da Ré entrassem na sua habitação, o que coincidiu e foi motivado pela pandemia COVID 19, mormente pelo período de confinamento do primeiro trimestre de 2021. (artigo 10.º)
113) A Ré apenas logrou obter anuência dos Autores para iniciar a resolução do problema da vedação da caixa de saneamento em julho de 2021, mais precisamente em 27 e 29 de julho de 2021. (artigo 11.º)
114) Após terem iniciado, o Autor transmitiu à Ré que não ia ter disponibilidade para franquear a entrada no dia seguinte, pelo que deveriam aguardar conciliação de agenda para terminar a reparação. (artigo 12.º)
115) Daquela altura em diante, e apesar de por diversas vezes o gerente da Ré ter entrado em contacto com o Autor, este nunca mais franqueou a entrada dos funcionários da Ré na sua habitação. (artigo 14.º)
116) O que não permitiu a conclusão da obra. (artigo 15.º)

IV-DA RECUSA DO PEDIDO DE ESCLARECIMENTOS AOS PERITOS:
Vem a Apelante insurgir-se contra o facto do tribunal recorrido “errada e ilegalmente” ter indeferido à R. o pedido de esclarecimentos dirigidos ao senhor perito através de requerimento de 17/10/2023.
Alega que os esclarecimentos eram admissíveis e essenciais para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, tudo nos termos do artigo 485º, n.ºs 2, 3 e 4 do CPC, pelo que deveriam ter sido admitidos.
Pede que, em consequência seja ordenado que os autos desçam à primeira instância para que o senhor perito preste os esclarecimentos solicitados pela R. em 28/09/2023, sendo após proferida nova sentença.
Vejamos.
De acordo com o disposto no art. 644º nº 2 al d) do CPC cabe recurso de apelação autónomo do despacho de admissão ou de rejeição de algum articulado ou meio de prova, recurso esse que deve ser interposto no prazo de 15 dias a contar da notificação do despacho, nos termos do art. 638º nº 1 do CPC.
O recurso imediato visa atenuar os efeitos negativos que poderiam produzir-se ao nível da tramitação processual ou da estabilidade das decisões que põe termo ao processo.
Desta forma, discordando a ora recorrente do despacho que não admitiu aquele meio de prova - prova por esclarecimentos a prestar pelos peritos - dele deveria ter interposto recurso autónomo e não aguardar pelo eventual recurso da decisão final.
O despacho em causa foi devidamente notificado à ré em 20.10.2023, a qual dispunha do praz de 15 dias para o impugnar mediante recurso.
Não o tendo feito, conformou-se com a decisão, pois aquele despacho transitou em consequência, em julgado, fazendo caso julgado formal nos termos do disposto no art. 620º do CPC, o que obsta a que este tribunal possa alterar aquela decisão anteriormente proferida.
Pelo exposto, improcede a pretensão da apelante.

V-MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTO:
Decorre do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa" (sublinhado nosso).
A “Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei nº 113/XII salientou o intuito do legislador de reforçar os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada ao referir que “para além de manter os poderes cassatórios – que lhe permitem anular a decisão recorrida, se esta não se encontrar devidamente fundamentada ou se mostrar insuficiente, obscura ou contraditória – são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede á reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material”.
Porém, a possibilidade que o legislador conferiu ao Tribunal da Relação de alterar a matéria de facto não é absoluta pois tal só é admissível quando os meios de prova reanalisados não deixem outra alternativa, ou seja, em situações que, manifestamente, apontam em sentido contrário ao decidido pelo tribunal a quo, melhor dizendo, “imponham decisão diversa”.
O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos consagrados pelo n.º 5 do art.º 607.º do CP Civil, sem olvidar porém, o princípio da oralidade e da imediação.
Com efeito, há que ponderar que o tribunal de recurso não possui uma perceção tão próxima como a do tribunal de 1ª instância ao nível da oralidade e sobretudo da imediação com a prova produzida na audiência de julgamento. Na verdade, a atividade do julgador na valoração da prova pessoal deve atender a vários fatores, alguns dos quais – como a espontaneidade, a seriedade, as hesitações, a postura, a atitude, o à-vontade, a linguagem gestual dos depoentes – não são facilmente ou de todo apreensíveis pelo tribunal de recurso, mormente quando este está limitado a gravações meramente sonoras relativamente aos depoimentos prestados.
Dito isto, e tendo presente estes elementos, cumpre conhecer, em termos autónomos e numa perspetiva crítica, à luz das regras da experiência e da lógica, da factualidade impugnada e, em particular, se a convicção firmada no tribunal recorrido merece ser por nós secundada por se mostrar conforme às ditas regras de avaliação crítica da prova, caso em que improcede a impugnação deduzida pela apelante, ou não o merece, caso em que, ao abrigo dos poderes que lhe estão cometidos ao nível da reapreciação da decisão de facto e enquanto tribunal de instância, se impõe que este tribunal introduza as alterações que julgue devidas a tal factualidade, sendo certo que, na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.
Com efeito, dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição[2], está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo recorrente, pelo que neste âmbito a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos fatores da imediação e da oralidade.
No sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado[3].
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPC).
Importa, porém, não esquecer, porém que se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efetivado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Haverá ainda que ter presente que não é exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança.
Como refere Manuel de Andrade,[4] a prova não é certeza lógica, mas tão só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida”.
Por último, há que atender ainda na tarefa de reapreciação da prova produzida que, a apreciação da modificabilidade da decisão de facto é atividade reservada a matéria relevante à solução do caso, devendo a Relação abster-se de conhecer da impugnação cujo objeto incida sobre factualidade que extravase o objeto do processo – sendo propósito precípuo da impugnação da decisão de facto, o de possibilitar à parte vencida a obtenção de decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido quanto à interferência na solução do caso, ou seja, fica a impugnação limitada àquela cuja alteração/modificação se mostre relevante para a decisão a proferir.
Assim sendo, sob pena de estar a levar a cabo atividade inútil, infrutífera, vã e estéril, deve a Relação abster-se de apreciar da impugnação da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto relativamente a factualidade que não interfere de modo algum na solução do caso, sendo alheia à sorte da ação.[5]
É que a reapreciação da matéria de facto apenas se justifica quando, se for alterada, essa alteração tiver incidência na questão de direito; se assim não suceder, não tem o Tribunal da Relação de proceder à análise do material probatório tendo em vista saber se a prova produzida justifica ou não justifica que determinado quesito seja dado como provado integralmente.
Quer isto dizer que, não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe inútil.
Á luz destas considerações e princípios, cumpre reanalisar a decisão proferida sobre os pontos da matéria de facto que se mostram impugnados.
Defende a apelante que, devem os factos 18, 19, 20, 22, 51, 78 e 86 da matéria de factos provados passar a constar dos factos não provados e ainda os factos não provados 109, 110, 115 e 116 passar a integral o rol de factos provados da sentença recorrida.
São estes os factos impugnados:
18) Entre o mês de fevereiro de 2020 e o mês de dezembro de 2021, a Ré deslocou-se ao imóvel dos Autores várias vezes, tendo, porém, feito apenas duas intervenções: uma vez em junho de 2020 e outra em julho de 2021. (artigo 18.º)
19) Tais intervenções sucederam sempre após interpelações dos Autores, pois, sempre que a Ré acedeu a fazer intervenções para correção dos vícios, a moradia ficava cada vez pior. (artigo 19.º)
20) Além do agravamento da humidade, também começaram a existir, no interior da habitação, infiltrações de água e aluimento do chão, que também se verificaram no exterior da moradia, concretamente no pátio. (artigo 20.º)
22) As intervenções da Autora na moradia dos Réus nunca resolveram ou solucionaram qualquer um dos problemas. (artigo 22.º)
51) É ainda evidente e perfeitamente visível a má vedação entre as paredes e bases de chuveiro colocada pela Ré. (artigo 60.º)
78) As duas intervenções efetuadas pela Ré, em junho de 2020 e em julho de 2021, nunca resultaram em qualquer reparação dos vícios e desconformidades da moradia. (artigo 112.º)
86) Tais danos foram causados por exclusiva culpa da Ré que vendeu aos Autores um imóvel onde, conscientemente, não usou das mais básicas boas práticas construtivas. (artigo 138.º)
E concomitantemente pretende ver provados os seguintes factos, que constam da factualidade julgada não provada:
109) Bem assim quando fez deslocar funcionários para reparar o botão da sanita da suite, em 17 de fevereiro de 2021. (artigo 6.º)
110) Nunca uma solicitação, fosse telefónica, fosse pessoal ou escrita, do Autor quedou sem resposta por parte da Ré. (artigo 7.º)
115) Daquela altura em diante, e apesar de por diversas vezes o gerente da Ré ter entrado em contacto com o Autor, este nunca mais franqueou a entrada dos funcionários da Ré na sua habitação. (artigo 14.º)
116) O que não permitiu a conclusão da obra. (artigo 15.º)
Para sustentar a sua pretensão a apelante alega a ocorrência de erro de julgamento, por o tribunal ter valorizado fortemente e decisivamente as declarações de parte do A. marido, não sustentadas ou confirmadas pelas restantes testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, ou prova documental ou pericial.
E que impõem ainda decisão diversa, os seguintes meios da prova:
-Documental - emails remetidos pelos AA. mas não recebidos pela R. de 29/09/2021 e de 08/10/2021, teor da carta dos AA. de 03/03/2022 e carta da R. de 10/03/2022, relatório de patologias junto como Doc.11 na pi, troca de mensagens entre o A. marido e a R. juntas como Doc.6 na pi, email dos AA. de 03/03/2022 e resposta da R. através de carta registada do dia 08/03/2022;
-Declarações de parte do A. marido, AA e depoimento de parte do legal representante da R., CC;
-Depoimento das testemunhas DD, EE, e FF.
Após proceder à audição das gravações e análise da prova documental, pericial e testemunhal efetuada, este tribunal de recurso está em condições de reavaliar a matéria de facto especificamente impugnada pela recorrente.
Antes de mais há que o afirmar desde já que, em ações como a em apreço, a prática judiciária vem evidenciando a mais valia que tende a constituir a produção de prova pericial, apta a diagnosticar, segundo apurados critérios técnicos, as anomalias de uma obra, as suas causas, os seus efeitos, o seu significado económico, bem como as formas e os custos da sua reparação.
Assume assim particular relevância na reanálise crítica da prova, o relatório pericial junto aos autos, o qual de forma minuciosa e completa e com recolha de fotografias demonstra de forma evidente as patologias alegadas pelos autores para fundamentar esta ação.
Para além deste relatório pericial, foi ainda junto aos autos um relatório (documento 11 junto com a p.i) elaborado pelo engenheiro GG, a pedido os autores, o qual ouvido como testemunha confirmou o que ali relatou, sendo que para além das patologias, que verificou (também recolhidas em fotografia), refere as causas das mesmas e a forma como devem ser reparadas.
Existe ainda um outro relatório, também com recolha fotográfica dalgumas patologias verificadas na habitação dos autores, realizado pelos serviços técnicos da seguradora B..., no âmbito da participação de sinistro feita pelos autores. Tratam-se dos documentos 9 e 10 juntos com a p.i.
Todos eles coincidem quer na afirmação dos defeitos verificados na moradia adquirida pelos autores á ré, quer na conclusão que os mesmos se devem a defeitos decorrentes da má execução da obra - defeito construtivo.
Existem ainda fotografias de patologias do imóvel, no doc 7 da p.i – e.mail de 29.9.2021, remetido pelos autores à ré.
Podemos assim afirmar que quanto aos defeitos invocados a prova efetuada mostra-se abundante e suficiente, encontrando-se devidamente refletida na factualidade julgada provada e não provada pelo tribunal a quo, relativamente aos defeitos demonstrados.
No que concerne as declarações de parte como meio de prova que foi “sobrevalorado”, segundo a apelante, referindo-se às declarações prestadas pelo autor, Lebre de Freitas[6] esclarece que “A apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efetivamente ouvidas”.
A posição reiterada da jurisprudência e doutrina sobre este meio de prova considera, nas palavras consignadas no Acórdão da Relação de Lisboa, de 14/01/2021 [7] é no sentido que, “(…) o juiz apreciará esse meio de prova de acordo com a sua livre convicção, à luz da experiência normal das coisas e da conjugação com outros meios de prova que existam, de tudo devendo fazer uma análise crítica, que deverá verter na fundamentação da decisão de facto (art.º 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC).
Ora no caso em apreço, ao contrário do alegado pela Apelante, as declarações de parte prestadas pelo autor em audiência de julgamento mostram-se devidamente valoradas na sentença, nestes termos: “As declarações prestadas pelo Autor foram elucidativas acerca dos contactos que encetou junto do legal representante da Ré e a forma esquiva como este prestou as suas declarações, aligeirando a multiplicidade de problemas que o imóvel apresenta, contribuiu para a formação da convicção do Tribunal no que respeita aos factos alegados pelos Autores de denúncia dos problemas desde uma fase muito precoce, revelando-se, pois, credível que os mesmos tenham ocorrido nas datas apontadas. O legal representante da Ré, que situou a primeira comunicação de problemas em 2021, confrontado com as cópias das mensagens trocadas no ano de 2020, reconheceu essas comunicações, das quais resulta existirem contactos, nomeadamente telefónicos anteriores, até a pedido da Ré. De todo o modo, os problemas de que o imóvel padece foram surgindo ao longo do tempo e, como resultou provado, a Ré e o Autor tiveram sempre um relacionamento de proximidade, estreito, o que motivou, por banda do Autor, confiança para solicitar a presença da Ré uma e outra vez, sendo evidente que, desde que ocorreu a entrega da moradia aos Autores, a Ré foi-se deslocando ao local para solucionar vários problemas ou, pelo menos, foi-lhe dado conhecimento pelos Autores da forma que é habitual nestas situações. Não é habitual que se proceda de imediato à contratação de um profissional para elencar os problemas e que se envie uma comunicação escrita para formalizar a denúncia dos mesmos. O habitual é que se procure, com alguma informalidade, a solução dos problemas e os factos provados evidenciam a tentativa de solucionar os problemas dessa forma.”
Em contraponto, as declarações do legal representante da Ré foram desta forma analisadas criticamente: “A forma displicente como o legal representante da Ré se apresentou em audiência reforça a credibilidade da alegação dos Autores de que, efetivamente, ocorreram várias deslocações à moradia para tentar solucionar os problemas denunciados.”
Para além desta análise crítica respeitar as regras da normalidade e da experiência e estar em conformidade com a troca de mensagens escritas entre as partes, acresce ainda que as declarações prestadas pelo autor são ainda largamente corroboradas pelas fotografias do imóvel juntas aos autos a que já fizemos referência.
Desta forma, não se vê que tenha ocorrido qualquer erro por parte do tribunal na analise crítica da prova a que procedeu, feita aliás com muito cuidado e ponderação.
Quanto aos depoimentos das testemunhas indicadas pela ré, que estiveram na moradia dos autores para realizar os trabalhos que aquela lhes indicou realizar, concordamos com a análise feita pelo tribunal recorrido, o qual para além do mais beneficiou da oralidade e da imediação d aprova para a sua análise no sentido em que é “notório que os seus depoimentos se encontram condicionados, não só pelo que não sabem, como pelo facto de serem trabalhadores da Ré”.
Isto para dizer, relativamente aos factos não provados que a apelante pretende ver alterados (107, 108, 109, 110, 113, 115 e 116), estes últimos com relevância para a decisão, (atendendo à alegação da mora do credor invocada pela ré), secundamos a decisão do tribunal de primeira instância mostrando-se aquela convicção corretamente formada com base nas provas produzidas e de livre apreciação, pelo que deverá manter-se inalterada.
O mesmo se diga quanto aos factos provados 18, 19, 20, 22, 51, 78 e 86.
Relativamente ao facto 18, desde logo se dirá que, não importa à decisão da causa apurar em concreto se foram duas ou três as deslocações da ré, á moradia para proceder a reparações.
Como dissemos já a reapreciação da matéria de facto apenas se justifica quando, se for alterada, essa alteração tiver incidência na questão de direito; se assim não suceder, não tem o Tribunal da Relação de proceder à análise do material probatório tendo em vista saber se a prova produzida justifica ou não justifica que determinado quesito seja dado como provado integralmente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe inútil.
De relevo nesta matéria impugnada seria a questão de saber se as intervenções da ré feitas na moradia teriam servido ou não para corrigir os vícios, o que desde logo é negado pelos relatório pericial, (sendo também tal evidenciado e retratado nos relatórios quer da autoria da B..., quer do engenheiro GG) – todos posteriores às intervenções pontuais feitas pela ré, uma vez que as anomalias denunciadas continuaram umas a subsistir e outras a agravar com o decurso do tempo.
Desta feita não se conhece da impugnação do facto 18 e mantem-se a redação os factos 19, 20, 22, 78 e 51.
Apenas importará corrigir a redação do facto 86, que encerra matéria de direito e conclusiva.
Com efeito, a fundamentação de facto de uma sentença deve conter unicamente factos materiais.
Referiu-se no Ac. do STJ de 1.10.2019, in www.dgsi.pt que a nossa jurisprudência tem vindo a entender “que são de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio, ou seja, que invadam o domínio de uma questão de direito essencial”.
Assim, o facto 86 passará a terá seguinte redação:
86-A ré vendeu aos autores um imóvel, onde conscientemente não usou das boas práticas construtivas.
A Ré apelante impugna ainda os seguintes factos relacionados com a troca de correspondência entre as partes, pretendendo que daqueles factos conste unicamente o teor das missivas e não o que dos mesmos ficou a constar por constituir interpretação totalmente enviesada do email.
São os seguintes os factos impugnados:
23) Por email de 29 de setembro de 2021, os Autores denunciaram não só o agravamento da humidade e infiltrações de água na casa, mas também das fissuras nas paredes que se revelaram naquela ocasião, bem como o aluimento do pavimento tanto no interior, bem como no exterior. (artigo 24.º)
24) Interpelação esta que foi reiterada no dia 08 de outubro de 2021 pelo Mandatário dos Autores, a solicitação destes. (artigo 26.º)
73) Por carta de 03 de março de 2022, antecipada por email da mesma data, os Autores solicitaram à Ré a reparação dos defeitos e vícios construtivos do imóvel, anexando o orçamento do qual constavam os trabalhos a executar, bem como o preço em que tinham sido orçados, advertindo que a não execução dos mesmos trabalhos no tempo definido levaria os Autores a efetuarem tais trabalhos por si próprios, sendo que tal custo seria da responsabilidade da Ré. (artigo 86.º)
74) A Ré deslocou-se à moradia dos Autores no dia 08 de março de 2022 e, ao invés de assumir a execução das reparações que sabe serem da sua responsabilidade, veio responder à interpelação dos Autores por carta que enviou no dia 10 de março de 2022 por email e em suporte físico, na qual veio argumentar (i) que não havia concluído os trabalhos porque os Autores não tinham permitido; (ii) que as reparações descritas no orçamento continham trabalhos que não eram da sua responsabilidade; (iii) que ficavam a aguardar contacto para concluir os trabalhos, sendo porém que enquanto chovesse não o poderia fazer. (artigos 87.º e 88.º)
Não assiste razão à apelante porquanto a factualidade expressa resulta do teor da correspondência trocada (dos escritos de 29/09/2021 e 08/10/2021 e de em 03/03/2022 e em 10/03/2022), que foi situada temporal e em face das circunstancias provadas.
Dessa forma improcede a impugnação feita, também quanto a estes factos.
A apelante impugna o facto 34 que tem a seguinte redação:
34) A parede exterior, na parte da frente, está, na sua quase totalidade, abaixo do nível do terreno exterior, o que não cumpre a planta do imóvel. (artigos 42.º e 43.º)
A impugnação é infundada, visto que o facto em análise assenta no teor do relatório pericial (Pg 16)
Improcede desta forma a impugnação da matéria de facto.

VI-APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS:
Vejamos agora as razões de discordância da Apelante quanto á matéria de direito.
6.1.Da mora do credor
Defende a apelante que o Tribunal a quo deveria ter aplicado ao presente caso as normas contidas nos artigos 813º a 816º do CC, por se estar perante uma situação de mora do credor.
Isto porque, ao não aceitar a prestação (leia-se a reparação pela ré), sem motivo justificado, os AA. incorreram em mora, de acordo com o artigo 813º do CC. e que, por isso, não pode ser imputada à R.
Assim, não havendo dolo do devedor, como é o caso, a R. não responde perante os AA., conforme artigo 814.º, n.º 1 do C.C.
Apreciando desde já esta questão recursiva, apenas haverá que dizer que a mesma, dependia da procedência da impugnação da matéria de facto nessa matéria – matéria de facto alegada pela Ré na contestação de recusa dos autores em franquearem a moradia necessária à reparação - o que não ocorreu, ficando por isso, prejudicada a sua apreciação, pois a ré não logrou fazer prova dos factos impeditivos do direito dos autores, como lhe competia, por força do disposto no art. 342º nº 2 do Código Civil.
6.2.Da denúncia dos defeitos e da caducidade.
Alega a apelante que em nenhum momento os AA. denunciaram à R. os defeitos da moradia (leia-se, acontecimentos da vida real, concretamente determinados, como factos) limitando-se a comunicar meras generalidades e “pequenos problemas”, sem nunca identificarem, em concreto, as patologias de que a mesma padecia, não podendo considerar-se verdadeiras denúncias.
Para além disso, os AA. comunicaram à R. a existência de generalidades, que denominaram de defeitos para lá dos prazos previstos tanto no artigo 5º-A n.º 2 do DL 67/2003, de 8 de Abril como no artigo 1220º do CC, uma vez que admitem que a moradia padecia de defeitos desde 2019, mas apenas os denunciaram em Março de 2022, pelo que nesse momento o direito havia caducado pelo decorrer do prazo de 1 ano.
Comecemos pela questão da denúncia dos defeitos.
Provou-se que Autores e Ré celebraram, em 14 de maio de 2019, um contrato por meio do qual a Ré vendeu aos Autores, pelo preço de € 234 500,00, uma moradia V3, da sua propriedade, sita na Rua ..., lote nº ..., freguesia ..., concelho do Gondomar, constituída por cave, rés-do-chão e 1º andar, cujo terreno está descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o n.º ... e com o artigo matricial ....
Assim, tal como se afirmou na sentença, atenta a matéria de facto dada como provada, é incontroverso que o que está em causa é um contrato de compra e venda, que tem como efeitos essenciais, para além da transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito, a obrigação de entregar a coisa, por parte do vendedor, e a obrigação de pagar o preço, por parte do comprador. – cfr. arts. 874.º e 879.º do Cód. Civil.
Tendo os Autores invocado defeitos na coisa vendida, tal transporta-nos para o regime da responsabilidade por cumprimento defeituoso, em caso de compra e venda de coisas defeituosas que se encontra previsto e regulado nos artigos 913º e ss do Código Civil.
Resulta ainda da matéria de facto provada que o vendedor do imóvel, seu construtor, desenvolve profissionalmente tal atividade. Por sua vez, tal como declarado na escritura pública, os autores adquiriram o imóvel para sua habitação.
É pois igualmente aplicável ao contrato em apreço, o regime que resulta do DL 67/2003 de 8 de abril, aliás como se entendeu na sentença.
O regime jurídico estabelecido pelo DL n.º 67/2003, de 08 de Abril (com a atualização dada pelo DL n.º 84/2008, de 21/05) visou a harmonização dos sistemas de proteção dos consumidores, entre os países da UE, mas com expressa preocupação de prevenir “a diminuição do nível de proteção já hoje reconhecido entre nós ao consumidor”.
Este último diploma legal transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, sobre certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, aprovando um novo regime jurídico para a conformidade dos bens móveis com o respetivo contrato de compra e venda, celebrado entre profissional e vendedor.
Ora, tal como se apreciou e decidiu em Acórdão desta Relação de 12.09.2017 [8]: “I - O regime jurídico estabelecido pelo DL n.º 67/2003, de 08 de Abril (atualizado pelo DL n.º 84/2008, de 21/05) visou a harmonização dos sistemas de proteção dos consumidores, entre os países da UE, mas com expressa preocupação de prevenir “a diminuição do nível de proteção já hoje reconhecido entre nós ao consumidor”. Daqui resulta um sistema legislativo plural, integrado pelas normas gerais do direito civil, pelas normas especiais “de defesa do consumidor” constantes da na Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, e pelas normas especialíssimas deste D.L. 67/2003 (entre outros) todas elas constituindo um regime jurídico complexo, cuja vocação é a de facultar ao consumidor a utilização dos instrumentos que lhe confiram maior grau de proteção contra a violação dos seus direitos contratuais, postos em causa num concreto ato de consumo.
II - O regime jurídico estabelecido pelo DL n.º 67/2003, de 08 de Abril é aplicável à compra e venda de um imóvel para habitação em que o construtor/vendedor desenvolva profissionalmente tal atividade.”
É pois aplicável ao contrato em apreço, o regime da compra e venda de coisa defeituosa e, porque resulta da escritura pública celebrada que o imóvel se destina a habitação, dedicando-se profissionalmente o vendedor à venda de imóveis, é-lhe igualmente aplicável o regime que resulta do DL 67/2003 de 8 de abril, como se entendeu na sentença.
Apesar deste diploma ter sido revogado, pelo D.L. 84/2021, de 18/10, a nova regulamentação só é aplicável a contratos celebrados após a sua entrada em vigor, pelo que é aplicável aos autos a versão dada pelo DL n.º 84/2008, de 21/05, que se encontrava em vigor na data em que o contrato de compra e venda foi celebrado em 14.5.2019.
Conclui-se assim que, face à matéria de facto apurada, é inequívoco que os Autores e a Ré encontram-se abrangidos pelo âmbito subjetivo de aplicação deste diploma, pois a Ré, que é uma empresa que se dedica à construção de edifícios e sua promoção imobiliária, construiu o imóvel que vendeu aos Autores, que o destinaram à sua habitação própria e permanente, qualificando-se, pois, como um bem de consumo (art. 1.º-B, als. b) e c)), o que o inclui no âmbito objetivo de aplicação do diploma.
Isto posto, a ré veio excecionar a caducidade na contestação, alegando não terem sido respeitados pela autora o prazo legal para a denúncia dos defeitos (no caso em apreço, das desconformidades com o que foi acordado).
Na sentença foi a caducidade julgada improcedente, entendendo-se igualmente que a denúncia foi feita atempadamente, decisão com a qual a apelante discorda, mas sem razão, como veremos.
A caducidade tem por objetivo evitar o protelamento do exercício de certos direitos por lapsos de tempo dilatados, levando-os a que se extingam pelo decurso do prazo fixado.
Prevalecem assim na caducidade considerações de certeza e de ordem pública, no sentido de ser necessário que, ao fim de certo tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis, estando em causa prazos perentórios de exercício do direito.
A caducidade é a extinção do direito pelo seu não exercício durante certo tempo e o seu fundamento específico é a necessidade de certeza jurídica já que, como ensinava Manuel Andrade, “certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem, assim, definidas duma vez para sempre com o transcurso do respetivo prazo”.[9]
A caducidade, cujo fundamento, de interesse público, é a necessidade de certeza jurídica, permite que a situação jurídica das partes fique definida após o decurso de certo prazo. [10]
O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe mas quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido (cfr. art. 331.º, n.º 2 do CC).
Tratando-se de um bem imóvel, o comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, até um ano depois de conhecido o defeito e dentro de cinco anos após a entrega da coisa, caducando a respetiva ação no prazo de seis meses a contar da denúncia (cfr. arts. 913.º, 916.º, n.º 3 e 917.º do C.C).
É igualmente aplicável, como vimos, o DL 67/2003 de 8 de abril (na versão que vimos ser a aplicável), o qual confere ao consumidor, no seu artigo 4º nº 1, em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.
E nesta matéria dispõe o artigo 5º nº 1 deste diploma o seguinte:
1 - O consumidor pode exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respetivamente, de coisa móvel ou imóvel.
E o artigo 5º-A estabelece os seguintes prazos para o exercício dos direitos:

1 - Os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam no termo de qualquer dos prazos referidos no artigo anterior e na ausência de denúncia da desconformidade pelo consumidor, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detetado.
3 - Caso o consumidor tenha efetuado a denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia e, tratando-se de bem imóvel, no prazo de três anos a contar desta mesma data. (sublinhado nosso)
Assim sendo, quer no regime da compra e venda, quer no regime especial do DL 67/2003 de 8 de abril, o comprador está sujeito a dois prazos:
-o prazo de denúncia dos defeitos ao vendedor e,
-o prazo de propositura da ação.
Está em causa no presente recurso, apenas o primeiro prazo indicado, o prazo para a denúncia dos defeitos, que é de um ano, aplicando-se um ou o outro regime jurídico referenciados.
O regime da caducidade dos direitos decorrentes dos defeitos da coisa pressupõe desde logo aferir-se o momento do conhecimento do defeito (ou da sua cognoscibilidade) e da tempestividade da sua invocação.
Nas palavras do Professor Pedro Romano Martinez, “Para haver responsabilidade por cumprimento defeituoso, em caso de compra e venda de coisas defeituosas é necessário que seja previamente feita a denúncia do defeito.
Importa que o comprador comunique ao vendedor o facto da coisa entregue padecer de um determinado defeito, ou seja que tem vícios ou que não corresponde á qualidade acordada. A denúncia será pois um ónus que impende sobre o vendedor”.[11]
A nosso ver, roça até a litigância de má-fé a afirmação do apelante de que os autores não denunciaram os defeitos e que se limitaram a comunicar “generalidades” e “pequenos problemas”.
Com efeito, as inúmeras fotografias de moradia juntas aos autos, retratam toda uma situação bem dispare, sendo inúmeros os defeitos observáveis a “olho nu”, resultantes duma deficiente execução da obra de construção levada a cabo pela vendedora.
No caso em apreço, resulta da matéria de facto que o imóvel foi entregue aos compradores/consumidores em 14.5.2019.
Logo no Outono e no Inverno de 2019 o imóvel acabado de construir pela ré, revelou as primeiras desconformidades, com o aparecimento de humidade no piso da cave e garagem.
Essas desconformidades foram prontamente comunicadas, verbalmente à ré.
A 4 de Abril de 2020 os AA alertam a ré que aquelas humidades começaram a alastrar por várias divisões da casa, por telefone e por mensagem do dia 24.2.2020. (Cfr. factos 14 a 17).
Alem do agravamento da humidade, começaram a existir (já no ano de 2021) no interior e no exterior da habitação, infiltrações de água e aluimento do chão (factos 20 e 21).
O que motivou novas interpelações dos AA à ré, através dos e-mails de 29.9.2021 e 8.10.2021.
Não se tratou assim da comunicação da “existência de generalidades, que denominaram de defeitos”, como alega a apelante, mas sim da comunicação dos defeitos visíveis que foram surgindo no imóvel, que redundaram nos danos melhor explanados nos artigos 33 a 81 dos factos provados, que nos dispensamos aqui de reproduzir.
Ora, a denúncia não requer a observância de nenhuma forma especial, de acordo o disposto no art.º 219.º do CC, podendo ser veiculada por qualquer meio, desde que tal se revele adequado a comunicar a existência de um concreto defeito e proceda à sua inequívoca imputação ao vendedor.
A declaração de denúncia é uma declaração negocial recetícia, sem forma especial para ser emitida, mediante a qual se comunicam, de forma precisa e circunstanciada, os defeitos de que a coisa padece”.[12]
Também Menezes Cordeiro, afirma que, a lei não prevê uma forma solene, podendo ser efetuada de qualquer modo (219º), e pode ainda ser tacita (217º).
Recomenda, porém “o recurso á forma escrita: a denúncia pode ser o ponto de partida para um litígio, cabendo salvaguardar os competentes meios de prova.”[13]
A denúncia pode ser assim feita por qualquer meio (telefone, carta, via oral, notificação avulsa, citação para ação, etc.).
Da matéria de facto provada resulta que os autores atuaram de forma diligente a comunicar à ré a ocorrência dos defeitos, defeitos esses que se revelaram num momento muito inicial, logo após a construção da vivenda e sua entrega aos autores e que, não tendo sido reparados de forma eficaz foram evoluindo e agravando, deixando a moradia dos autores num estado deplorável, sem condições para ser habitada, o que é revelado, como já dissemos, nas inúmeras fotografias juntas aos autos.
E se dúvidas houvesse, que não as temos, sempre seria impeditivo da caducidade, o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido, de acordo com o disposto no nº 2 do art. 331º do Código Civil.
Ora, o facto da ré se ter prontificado a reparar alguns daqueles defeitos (sem sucesso, diga-se), como prontificou tendo levado a cabo algumas intervenções, tal significa o reconhecimento do direito dos autores obstativos da caducidade.
Desta forma improcede este fundamento do recurso.
6.3. Da redução do preço
Alega ainda a Autora que o Tribunal a quo na sentença recorrida fez ainda errada aplicação e interpretação dos artigos 2º, 4º e 5º-A do DL n.º 67/2003, de 08 de Abril e 911º, 913º a 920º, 1221º e 1222º do CC.
Que os AA. manifestaram sempre intenção que a R. reparasse os defeitos da moradia, motivo pelo qual, optando por esse direito, estavam obrigados a dar-lhe essa oportunidade de sanar os problemas, devendo a partir daí aplicar-se as normas do CC, concretamente, os artigos 1221º e 1222º do CC e não as do DL n.º 67/2003, de 08 de Abril, nomeadamente para optarem pela redução do preço.
Dispõe ao art. 4.º, quanto aos direitos do consumidor:
“1 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.
2 - A reparação ou substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, e sem grave inconveniente para o consumidor, tendo em conta a natureza do bem e o fim a que o consumidor o destina.
3 - A expressão «sem encargos», utilizada no n.º 1, reporta-se às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material.
4 - Os direitos de resolução do contrato e de redução do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador.
5 - O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais.
6 - Os direitos atribuídos pelo presente artigo transmitem-se a terceiro adquirente do bem”.
Os direitos conferidos pela norma são, num primeiro plano, o direito à reparação ou à substituição e, num segundo plano, o direito à redução do preço ou a resolução do contrato.
E, como se pode ler no acórdão do STJ de 25 de janeiro de 2024[14], “É possível, com efeito, entender que existe uma espécie de “hierarquia” entre os dois grupos de direitos, que só deve haver recurso aos “direitos de primeiro plano” quando o exercício dos “direitos de primeiro plano” não seja viável ou adequado à satisfação dos interesses em presença, destacando-se, naturalmente, os do consumidor.”
Ora, quanto à reparação, é certo que a ré, tal como alega neste recurso, predispôs-se a resolver as patologias existentes na habitação do A., chegando ou inclusive, a deslocar-se à habitação dos AA. com dois funcionários a fim de realizar alguns trabalhos de reparação.
Acontece que, decorre da matéria de facto provada que não só a reparação (pontual) por parte da ré se mostra tardiamente prestada, (relembra-se que os defeitos iniciais foram detetados ainda no ano da compra e venda, em 2019 e, pese embora os inúmeros pedidos de reparação pelos autores, a ré apenas se disponibilizou a atuar pontualmente no ano de 2021, como a mesma não solucionou a situação, dado o estado deplorável em que o imóvel ainda se encontra.
Decorreu, na verdade o “prazo razoável” de que fala a lei, não sendo exigível aos autores que permaneçam na expetativa de verem os defeitos, vir a ser reparados pela ré, atendendo o seu anterior comportamento de desresponsabilização pelos mesmos.
Desta forma, ficaram os autores dispensados de exercer – continuar a – exercer os “direitos do primeiro nível”, não lhe restando senão o recurso aos “direitos do segundo nível”.
Chegamos assim ao direito que lhes foi reconhecido de ver reduzido o preço da coisa vendida, direito que também lhes é reconhecido pelos art.s previsto nos arts. 911.º e 913.º do CC
Quanto a este, diz a apelante que “a existir, o direito dos AA. a exigirem a redução do preço terá de ser determinado de acordo com o previsto nas disposições conjugadas dos artigos 1222º e 884.º, n.º 2 do CC, ou seja, até ao montante máximo de 14.270,00€, cujo valor exato apenas poderá ser definido em sede de incidente de liquidação de sentença, mas nunca ultrapassando aquele valor por ter sido o que resultou da avaliação do perito.”
A redução do preço é justificada, pelo desequilíbrio das prestações.
Trata-se de um direito que, mais do que visar o ressarcimento do prejuízo, procura o restabelecimento do equilíbrio das prestações.[15]
Como se afirmou na sentença recorrida, “Acontece que na situação de redução do preço não se está propriamente a arbitrar uma indemnização, mas a restabelecer o equilíbrio das prestações, reclamado pelo princípio da justiça contratual.
Assim, o apuramento da desvalorização, na situação em análise, impõe-se através da liquidação posterior (art. 609 nº 2 CPC).”
A redução do preço não corresponde a uma indemnização, nem ao custo da eliminação dos defeitos, e está sujeita a dois limites – deve ser proporcional à diminuição do valor e não pode exceder o preço acordado.
 O direito à redução do preço, previsto nos arts. 911.º e 913.º do CC, exige a culpa do devedor (culpa efetiva ou presumida).
A redução do preço deve, em regra, ser determinada pela diferença entre o preço acordado e o valor objetivo da coisa com defeito.
Na sentença, a ré foi condenada, em consequência da procedência do pedido de redução do preço a pagar aos Autores AA e BB o valor que vier a ser apurado em incidente de liquidação de sentença até ao montante de € 23.900,00”.
O Tribunal entendeu não dispor de elementos que lhe permitam determinar em que medida o preço deva ser reduzido, impõe-se relegar essa liquidação para incidente, tendo como limite o valor peticionado em obediência ao princípio do pedido (art. 609.º, n.º 1 do C.P.Civil).
O que os apelantes contestam é ter sido fixado o valor limite de €23.900,00 euros, quando a seu ver aquele limite deveria ser até ao montante máximo de 14.270,00€.
Isto porque, atendendo ao nº 2 do art. 884º do C.Civil, não se mostrando individualizadas as parcelas do preço global, a redução é feita por meio de avaliação. No caso dos autos, não estando as parcelas devidamente individualizadas no contrato, resultou da avaliação feita pelo senhor perito do Tribunal que a reparação dos defeitos ascenderá, no máximo, a 14.270,00€, pelo que a redução do preço deverá fazer- se atento o valor daquelas reparações, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 884º.
A propósito da liquidação posterior, pode ler-se no acórdão do STJ de 16.11.2023, [16] “A propósito da obrigação de indemnização, não é seguro que se deva proceder, desde logo, a uma quantificação com base na equidade. Não se apurando o valor exato do dano, coloca-se a questão de saber se o tribunal pode desde logo fixar a indemnização, com base na equidade (art.566 nº3 do CC ) ou se deveria relegar a quantificação para incidente posterior (art.609 e 378 nº2 do CPC ) e sobre a qual existem três orientações: (1)em princípio deve ser fixada a indemnização com base na equidade, só devendo relegar-se para liquidação posterior quando houver total carência de elementos para a formulação do juízo de equidade, ou seja, “dos limites que tiver por provados”, pelo que o art.566 nº3 CC prevalece sobre o art.609 nº2 do CPC; (2), a indemnização segundo critérios de equidade só se impõe quando esgotadas as possibilidades de apuramento com base nas quais haja de ser determinado, mesmo em sede de liquidação em execução de sentença (agora liquidação posterior ), já que a contradição entre a norma do art.566 nº3 do CC e a do art.609 nº2 (anterior 661 nº2 ) do CPC é meramente aparente; (3) a opção depende do juízo que, em face das circunstâncias concretas, se possa formular sobre a maior ou menor probabilidade de futura determinação, ou aquela que dê maiores garantias de se mostrar ajustada à realidade. O princípio da racionalidade para fazer face à morosidade da justiça leva a que a interpretação do art.566 nº3 do CC seja a de que se não puder ser averiguado o valor exato dos danos até à sentença e também não seja possível ou previsível determiná-lo em incidente posterior de liquidação, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.”
No presente recurso não é posta em causa pelas partes a decisão que relegou a liquidação em momento posterior, tão-só a ré não concordou com o limite fixado, que a seu ver deveria corresponder ao valor da reparação.
Ora, a redução do preço, como dissemos não se confunde com o valor da reparação.
Cura Mariano[17] refere a este propósito a existência de divergências doutrinárias e jurisprudenciais, quanto aos critérios a seguir, tendo em consideração o art. 884º do C.Civil.
Assim, afirma:
“-Há quem defenda que esta redução deve ser encontrada na diferença entre o valor da obra sem defeitos (valor ideal) e o valor da obra com defeitos, ao tempo da celebração do contrato.
-Para outros, o montante da redução deve ser calculado, subtraindo o valor do preço acordado e o valor objetivo da obra com defeitos na data da sua aceitação;
-Noutra perspetiva, o montante da redução verificar-se-ia entre o preço acordado e o valor pelo qual as partes teriam celebrado o contrato, caso tivessem previsto a existência dos defeitos”.
Não se cuidando aqui de apurar tal valor, visto que foi decidida a liquidação em momento posterior, mostra-se injustificada a pretendida limitação de tal redução ao valor da reparação, considerando que, a redução do preço visa preço não corresponde a uma indemnização, nem ao custo da eliminação dos defeitos, e visa restabelecer o reequilíbrio das prestações no contrato de compra e venda celebrado entre as partes.
Improcede assim a pretensão da apelante.
6.4.Dos danos não patrimoniais
No que respeita aos danos não patrimoniais que os AA. dizem ter sofrido, os mesmos a existirem sugiram em consequência daqueles terem recusado a prestação da R., pelo que são da sua única e exclusiva responsabilidade.
A fixação dos danos patrimoniais deve levar em linha de conta as condições económicas da R., o grau de culpa, bem como a situação económica dos lesados. Ao não apurar aquelas circunstâncias o Tribunal a quo violou os artigos 496.º, n.º 4 e 494.º do C.C., pelo que a R. não deveria ter sido condenada no pagamento de qualquer indemnização aos AA. a título de danos não patrimoniais ou, a sê-lo, sempre teria de ser em valor não superior a 1.000,00€.
Na sentença foram consideradas as seguintes circunstâncias, na fixação da indemnização pelo dano da privação do uso da moradia acabada de construir, adquirida pelo casal de autores para nela viver com a filha menor, concretizando um sonho, que é partilhado pela generalidade das pessoas:
A privação de uso de uma coisa, inibindo o proprietário ou o detentor de exercer sobre a mesma os inerentes poderes, constitui uma perda que deve ser considerada e objeto de indemnização autónoma. Constituindo o simples uso do bem uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária, a sua privação constitui um dano patrimonial, suscetível de ser indemnizado.
No caso, provou-se que as infiltrações de água e a elevada humidade permanente no imóvel tem agravado o estado de saúde do Autor e constituem um perigo para a saúde da Autora BB.
Mais se provou que os Autores, com empenho, esforço e muito sacrifício, juntaram as suas economias para comprarem a moradia para ali viverem em família, que sonharam, idealizaram, planificaram as suas vidas em função da tão “desejada” casa e que as expectativas em torno da casa
foram crescendo à medida que se aproximava a tão desejada data para habitar a casa onde constituíram família (o que é evidente, até pela idade da filha de ambos) e que, o que era um sonho, transformou-se num pesadelo que teima em não ter fim e que o que devia proporcionar bem-estar, alegria, entusiasmo, satisfação e orgulho, antes proporcionou tristeza, angústia, tormento, sofrimento e vergonha, ficando várias noites sem dormir. Mais se demonstrou que toda esta situação causou nos Autores dor, sofrimento, vergonha, tormento e tristeza.
Considerando a importância de que se reveste na vida de um casal a decisão de adquirir uma casa para constituírem uma família, o impacto negativo evidentemente causado pelo facto de as patologias afetarem o imóvel de uma forma geral, o arrastar da situação sem que a Ré tenha debelado os problemas que lhe foram sendo reportados, o que tudo impede os Autores de fruírem plenamente o imóvel, reputo adequado atribuir-lhes, a título de compensação por tais danos, a quantia peticionada, sendo € 7 500,00 (sete mil e quinhentos euros) a cada um.”
O artigo 12.º do DL 67/2003, de 8 de abril, no sue nº 1, expressamente reconhece ao consumidor o direito à indemnização dos danos não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.
Como se pode ler no Ac STJ de 10.12.2019,[18] a equidade traduz, no nosso sistema jurídico, um método facultativo que o julgador tem ao seu dispor para que possa decidir sem aplicação de regras formais, ainda que essa decisão tenha de ser tomada “à luz de diretrizes jurídicas dimanadas pelas normas positivas estritas”.
Em face do exposto, o juízo de equidade alicerçado, nas particularidades e especificidades do caso concreto, ponderadas na sentença mostra ser justa e adequada a indemnização fixada.
Improcede por isso o recurso in tottum.

VII-DECISÃO
Pelo exposto e em conclusão acordam os Juízes que compõem este tribunal da Relação em jugar totalmente improcedente o recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 8 de outubro de 2024.
Alexandra Pelayo
Rodrigues Pires
Lina Baptista
________________
[1] Os factos impugnados no recurso encontram-se assinalados a negrito.
[2] Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “A Relação atua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida… “;
[3] Miguel Teixeira de Sousa in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, p. 348.
[4] Noções Elementares de Processo Civil, pág. 191.
[5] Neste sentido, o acórdão da Relação de Coimbra de 14/01/2014 (Henrique Antunes) e os acórdãos do STJ de 19/05/2021 (Júlio Gomes) e de 14/07/2021 (Fernando Baptista), todos in www.dgsi.pt.
[6] In A Ação Declarativa Comum, 3.ª edição, pág. 278.
[7] Disponível em www.dgsi.pt.
[8] Proferido no Processo 3922/12.2TBVLG.P1, sendo Relator o Juiz Desembargador Rui Moreira, estando disponível in www.dgsi.pt.
[9] Teoria Geral da Relação Jurídica, vol II, pag. 464.
[10] Manuel de Andrade, mesmo loc.
[11] Pedro Romano Martinez in Direito das Obrigações- Parte Especial- Contratos, Almedina, pg. 131.
[12] Pedro Romano Martinez, loc cit.pg 131.
[13] Loc citado, pg. 268.
[14] Proferido no P7842/21.1T8VNG.P1.S1, sendo Relatora Catarina Serra, disponível in www.dgsi.pt.
[15] Ver neste sentido, Pedro Romano Martinez, in Direito das Obrigações, (parte Especial). Contratos, 2ª ed. Almedina pg. 485 e em Cumprimento Defeituoso Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, 2001, pg. 360 e João Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da obra, 4º ed. Almedina pg. 106.
[16] Proferido no P 2232/20.6T8CSC.L1.S1, sendo Relator Jorge Arcanjo, disponível in www.dgsi.pt.
[17] Loc cit. Pg. 106.
[18] Disponível in www.dgsi.pt