TAXA DE JUSTIÇA
CONTESTAÇÃO
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO PASSIVO
Sumário

Em caso de litisconsórcio passivo, no caso dos RR. não apresentarem contestação conjunta, é devida taxa de justiça por cada articulado/contestação.

Texto Integral

PROC. N.º[1] 1915/19.8T8PVZ-E.P1


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Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 2

RELAÇÃO N.º 166

Relator: Alberto Taveira

Adjuntos: Lina Castro Baptista

Ramos Lopes


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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

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I - RELATÓRIO.

AS PARTES

A.: AA

RR.: BB, e

CC.


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A) O A. demandou os RR. (26.12.2019) pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 138,449,62 €, e juros vincendos desde a citação até integral pagamento.

Alega para tanto haver celebrado com os RR. contrato de prestação de serviços e os RR. haverem incumprido com o acordado.

B) O 1.º R. (07.02.2020), BB, contestou a demanda e procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida.

C) A 2.ª R. (07.02.2020), CC, contestou, e não procedeu a pagamento de taxa de justiça.

D) A 15.06.2020 foram emitidas guias à 2.ª R. para pagamento de taxa de justiça e multa nos termos do artigo 570.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.

Por ofício de 15.06.2020 foi a 2.ª R. devidamente notificada para tal efeito.

E) Por requerimento de 29.06.2020 a 2.ª R. vem reclamar de tal notificação, acabando por pedir que seja dado sem efeito tal notificação. Invoca para tanto que se está perante litisconsórcio passivo pelo que terá que se aplicar o normativo do n.º 3 do artigo 530.º do Código de Processo Civil.

F) A 04.09.2020 é proferida decisão pela qual é desatendida a reclamação nos seguintes termos:

Com o respeito devido pela douta argumentação expendida pela co-Ré, entendemos que não lhe assiste razão e que a co-Ré estava e está obrigada ao pagamento de taxa de justiça pelo seu impulso processual, a saber: por ter apresentado uma contestação autónoma da contestação do co-Réu (art. 6.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais).

Porque apresentou um articulado autónomo, não há lugar à aplicação do regime estabelecido no art. 530.º, n.º 4 e n.º 5 do Código de Processo Civil.

Pelo exposto, indefere-se o requerido pela co-Ré.

Mais foi a 2.ª R. notificada nos termos do artigo 570.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, para proceder ao pagamento “a taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça, com o limite mínimo de 5 UCs e máximo de 15 UCs (nos termos do art. 570.º, n.º 5 do Código de Processo Civil)”, tudo com a cominação do desentranhamento da contestação.

G) Interposto recurso deste despacho (alínea F)), não foi o mesmo admitido por despacho de 05.11.2020, no apenso A).

A 2.ª R., reclamou de tal decisão, sendo que por este Tribunal da Relação do Porto foi decidido em decisão sumária:

Nestes termos, indeferindo a reclamação apresentada, mantém-se a decisão que não admitiu o recurso interposto pela aqui reclamante.

Apresentada reclamação à conferência, foi a reclamação desatendida (Acórdão de 27.05.2021).

H) Designada tentativa de conciliação, realizada a mesma (14.02.2024), e tendo-se frustrado a mesma, foi designada data para audiência prévia (18.03.2024)


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DA DECISÃO RECORRIDA

Em sede de audiência prévia (17.04.2024), é proferida a seguinte DECISÃO, nos seguintes termos:

De seguida, o Mmo. Juiz deu a palavra aos Ilustres Mandatários para se pronunciarem sobre a questão do desentranhamento da contestação da Ré, os quais da mesma fizeram uso, tendo depois proferido o seguinte despacho:


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D E S P A C H O

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Verifica-se que a Ré, notificada do despacho com a refª citius 416257827, não procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida e da multa, pelo que, nos termos do disposto no art. 570.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, determina-se o desentranhamento da contestação apresentada pela Ré.“.

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DAS ALEGAÇÕES

A R., vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:

Nestes termos e nos melhores de Direito que sempre resultarão do douto suprimento de V.as Ex.as, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se, em consequência, o despacho que mandou desentranhar a contestação da Recorrente, e o prosseguimento da acção, considerando tal contestação, com que se fará inteira justiça.“.


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A recorrente apresenta as seguintes CONCLUSÕES:

A. Tendo presente que o conceito de impulso processual encerra, unicamente, a prática de um acto processual, independentemente da forma segundo a qual é praticado, a circunstância de vários autores ou réus deduzirem na mesma peça processual, isto é, na mesma petição inicial ou contestação, as respectivas pretensões, não nos permite afirmar que tais autores ou réus, por se terem servido do mesmo articulado, praticaram em conjunto um único impulso processual.

B. Na verdade, os impulsos processuais serão tantos, quantos, sob o ponto de vista processual, forem os actos processuais praticados, e não os articulados oferecidos.

C. Assim, tendo sido deduzidas duas contestações, na mesma peça processual, são, em substância, dois, os actos processuais praticados, e, por consequência, igualmente dois os impulsos processuais.

D. Assim sendo, a referência feita no douto despacho recorrido, à circunstância de a recorrente ter de pagar, por si só e na íntegra, uma única Taxa de Justiça, com base no disposto no nº 1 do artigo 6º do RCP, deixa de fazer qualquer sentido, na medida em que, fossem quantos fossem os articulados oferecidos, neles tendo sido vertidas duas contestações, são sempre igualmente dois os impulsos processuais, do que decorre que, independentemente de dois RR. apresentarem duas contestações num único articulado ou em dois, é sempre o mesmo o número de impulsos processuais, do que decorre que nada justifica tributar de forma diferente da que se encontra prescrita nos artigos 528º nº 1 e 530º nº 4, do CPC, os impulsos processuais vertidos num ou em dois articulados, por dois RR.

E. Não resultando do nº 4 do artigo 528º do CPC, que deve ser dada qualquer relevância à circunstância de as partes em litisconsórcio, deduzirem as suas pretensões numa única peça processual, ou em tantas quantas as pretensões deduzidas, nada justifica, por ser inaplicável ao caso o nº 1 do artigo 6º do RCP, que tais partes sejam tributadas por forma a pagarem cada uma, uma Taxa de Justiça.

F. Resulta de forma clara da observância das regras gerais de interpretação da lei, que não é possível descortinar no artigo 6º nº 1 do RCP, uma regra estatuindo que, contrariamente ao que se dispõe no nº 1 do artigo 528º do CPC, quando um dos litisconsortes impulsionar o processo, ou nele praticar um acto processual, sujeito a Taxa de Justiça, numa peça processual em que só ele intervém, pagará, por essa razão e por inteiro, uma Taxa de Justiça.

G. Tendo presente que do nº 1 do artigo 6º do RCP, se não retira, em circunstância alguma, qualquer referência à questão formal de vários impulsos processuais - enquanto actos processuais - se encontrarem incorporados numa única peça processual, ou, ao invés, estarem incorporados na mesma peça processual, então, parece-nos, que o intérprete não deverá ir além do que retirar de tal norma o sentido que ela patentemente tem, qual seja o de definir o momento em que a parte deve proceder ao pagamento da Taxa de Justiça, que corresponde ao momento em que pratica o impulso processual, sem nada estabelecer ou estatuir a propósito do valor da Taxa de Justiça que a parte deve pagar, seja quando o impulso processual é solitário, dentro da peça processual em que é apresentado, seja quando segue acompanhado por vários outros impulsos processuais, dentro da mesma peça processual.

H. Sendo a regra do artigo 6º nº 1 do RCP, uma regra geral, e as regras dos artigo 528º nº 1 e 530º nº 4, do CPC regras especiais, a primeira não pode afastar a aplicação da segunda, cujo destino, aliás, é mesmo o de afastar a regra geral.

I. É patente, em face da manifestação clara de intenções do legislador, vertidas no preâmbulo do RCP, e da Lei de autorização legislativa ao abrigo do qual foi criado, que o mesmo procurou arrumar as normas substantivas em matéria de custas, nas leis de processo, deixando as regras quantitativas e procedimentais, no RCP.

J. Assim, no CPC, o interprete encontrará as regras definidoras da responsabilidade por Custas e Taxa de Justiça, no CPC, através das quais se deverá apurar quem paga a Taxa de Justiça, enquanto que as regras procedimentais, referentes ao modo e tempo de pagamento de pagamento, bem como as regras quantitativas, definidas nas diversas tabelas indicativas dos valores da Taxa de Justiça correspondentes aos diversos tipos processuais, deverão ser encontradas no RCP.

K. Face à natureza e ao fim da taxa de justiça, contrapartida tendencial do concreto funcionamento do sistema judiciário, o que o nº 1 do artigo 6º do RCP pretende significar, é que o interessado deve pagar a taxa de justiça devida, a única ou a primeira prestação, no momento em que desencadeie a sua actividade processual, sendo por essa razão estranho a qual regra de incidência pessoal ou objecto de Taxa de Justiça.

L. A separação de águas, relativamente às matérias que, quanto a Custas Judiciais, deveriam constar do RCP e do CPC, estava consagrada na Lei de autorização legislativa n.º 26/2007, de 23 de Julho, em cujo artigo 2º, nº 2 se estabelecia que o sentido e extensão da autorização legislativa concedida ao governo, em matéria de alteração do Código de Processo Civil, incluía ”Integrar no Código de Processo Civil todas as normas que não sejam meramente procedimentais e digam respeito à responsabilidade pelo pagamento de custas;” enquanto, tal sentido e extensão, relativamente à criação do Regulamento das Custas Processuais, se limitava à reunião ”… em um só diploma todas as normas procedimentais relativas à responsabilidade por custas processuais, integrando as custas cobradas em processos judiciais, administrativos e fiscais e no âmbito dos processos que devam decorrer no Tribunal Constitucional;”

M. Ou seja, dúvidas não pode haver, em face do teor da autorização legislativa concedida ao Governo, pela Assembleia da República, que é nula a possibilidade de resultarem do RCP, quaisquer normas que possam dispor em sentido contrário do que resulta normas de responsabilização por custas, constantes do CPC, designadamente das que estabelecem os termos em que as partes podem responsabilizadas pelo pagamento da Taxa de Justiça.

N. Assim, a interpretação sufragada no douto despacho recorrido, segundo a qual, o nº 1 do artigo 6º do RCP, afasta a aplicação das regras especiais, relativas à responsabilização das partes, por Taxa de Justiça, em sede de litisconsórcio e coligação, é claramente ilegal, porquanto do RCP, só poderão constar, quanto à Taxa de Justiça, meras regras procedimentais.

O. OU seja, só podendo constar do RCP, meras regras procedimentais, ao referido nº 1 não pode ser atribuída outro sentido que não o mencionado por Salvador da Costa, ou seja, o de definir o momento em que se vence a obrigação de pagamento da Taxa de Justiça.

P. Assim sendo, atenta a situação em que se encontrava a recorrente, quando apresentou em juízo a sua contestação, não era exigível à recorrente, o pagamento de qualquer Taxa de Justiça, cujo valor deveria ser dividido com o co-réu, que numa primeira fase a suportaria sozinho, na medida em que, das pertinentes normas do CPC, referentes ao litisconsórcio e à coligação, constantes do artigo 528º do CPC, resulta, de forma muito resumida, que, no caso de litisconsórcio, é paga pelos vencidos uma única taxa de justiça, a qual será reduzida a metade, em caso de transacção, e dividida por todos os litisconsortes, em parte iguais – se todos ficarem vencidos na mesma proporção -, ou na proporção do respectivo decaimento, se decaírem em proporções diversas,

Q. Enquanto no caso de coligação, cada parte coligada paga uma taxa de justiça.

R. Segundo o nº 4 do artigo 530º do CPC, é o primeiro litisconsorte enunciado na p. i., seja como Autor, seja como Réu, quem paga a Taxa de Justiça, gozando, subsequentemente, do direito de regresso sobre os demais litisconsortes, quanto à parte correspondente à responsabilidade de cada um deles, por Taxa de Justiça.

S. Ou seja, convocando o intérprete as regras gerais de interpretação da lei, e apurando o respectivo sentido, seja em função do respectivo texto, seja perscrutando nos textos, o próprio pensamento legislativo, o resultado a que se chega parece-nos ser diverso do resultado interpretativo a que chegou o douto despacho recorrido, porquanto o apuramento da responsabilidade da recorrente por Taxa de Justiça, no presente caso, deverá resultar da interpretação das pertinentes regras do CPC, onde o legislador, reconhecidamente, arrumou ou sedeou todas as regras substantivas, referentes à responsabilidade das partes por Custas e Taxa de Justiça, como sejam as referentes à responsabilidade pelo pagamento de Taxa de Justiça, no caso especial das partes litisconsorciadas.

T. Não sendo, assim, a norma do nº 1 do artigo 6º do RCP, uma norma definidora da responsabilidade dos diversos sujeitos processuais, em matéria de Taxa de Justiça, mas tão somente, uma norma definidora do momento em que a parte deve proceder ao pagamento da Taxa de Justiça, parece-nos que a sua aplicação, sufragada no douto despacho recorrido, ao caso da recorrente, que intervém no processo em litisconsórcio com o co-Réu BB, viola as regas substantivas de responsabilidade por custas, do CPC, designadamente as regras que se retiram do nº 1 do artigo 528º, e do nº 4 do artigo 530º do CPC.

U. Tal como recordado no acórdão de 23.01.2024, proferido no recurso 69/2024, pelo Tribunal Constitucional, … o Tribunal Constitucional tem entendido de forma pacífica que o tributo instituído como ‘taxa de justiça’ configura uma verdadeira ‘taxa’, com uma ‘natureza bilateral ou correspetiva’ (Acórdão n.º 421/2013, 3.º Secção, ponto 3), consubstanciando ‘a contrapartida pecuniária da utilização do serviço da administração da justiça’ por parte do respetivo sujeito passivo (Acórdão n.º 301/2009, 2.ª Secção, ponto 5).”

V. Sendo certo que foi a Assembleia da República quem concedeu ao Governo a autorização necessária, que, na falta de um Regime Geral, lhe permitisse legislar em matérias de Custas Judiciais, cumpre convocar para a respectiva interpretação as regras consensualmente reconhecidas como manifestação do princípio da legalidade, em matéria tributária, entre as quais se reconhece o princípio da tipicidade.

W. As normas de incidência dos impostos e das taxas estão sujeitas ao princípio da legalidade tributária e ao princípio da tipicidade fechada, ou taxativa, daí resultando que devem estar absolutamente tipificadas as regras de incidência.

X. Nem mais nem menos do que, no nosso ordenamento jurídico, resulta ainda do artigo 8º (Princípio da legalidade tributária) da Lei Geral Tributária, que em nome da unidade do sistema jurídico, igualmente se convoca no presente caso, segundo cujo nº 1, ”Estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, a definição dos crimes fiscais e o regime geral das contra-ordenações fiscais.”

Y. Ou seja, enquanto, substantivamente, normas de natureza tributária, as regras de incidência da Taxa de Justiça, a que nos vimos referindo, dos artigos 528º números 1 e 4 do CPC, - e segundo o douto despacho recorrido, a norma do nº 1 do artigo 6º do RCP -, estão sujeitas ao princípio da tipicidade, do que resulta que o intérprete, não pode deixar de considerar que a Taxa de Justiça é unicamente devida perante circunstâncias de facto tipificadas no respectivo tipo legal, o que de todo não sucede no caso do nº 1 do artigo 6º do RCP, do qual, como atrás se viu, não consta qualquer regra relativa à responsabilização das partes, em matéria de Taxa de Justiça, designadamente uma regra, segundo a qual, a disposto no artigo 528º nº 1 do CPC, só seria aplicável no caso de o litisconsorte não oferecer a sua defesa em articulado próprio. “.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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II-FUNDAMENTAÇÃO.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil

Como se constata do supra exposto, a questão a decidir, é a seguinte:

Em caso de litisconsórcio passivo a totalidade da taxa de justiça devida pela apresentação da contestação é devida pelo 1.º R. indicado na petição inicial.


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OS FACTOS

Os factos com interesse para a decisão da causa e a ter em consideração são os constantes no relatório, e que aqui se dão por reproduzidos.


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DE DIREITO.

As custas processuais existem de forma a, ainda que parcialmente, compensar o Estado pelo serviço público de acesso aos Tribunais e à Justiça.

Dispõe o artigo 529.º do Código de Processo Civil que:

1 - As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.

2 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais. (…)”.

Já o artigo 530.º do mesmo Código estabelece:

1 - A taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais.

(…).

4 - Havendo litisconsórcio, o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial, reconvenção ou requerimento deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, salvaguardando-se o direito de regresso sobre os litisconsortes”.

Por sua vez, o art 6.º do Regulamento das Custas Processuais estabelece que:

1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento”.

Quanto à oportunidade do pagamento dispõe o artigo 14.º do mesmo Regulamento:

1 - O pagamento da primeira ou única prestação da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do ato processual a ela sujeito (…)”.

Apresentando os litisconsortes contestações separadas será devida taxa de justiça por cada um deles?

Vejamos.

Em recente aresto deste Tribunal da Relação do Porto, de 26.01.2023, relatado pela Des ISABEL SILVA, dgsi.pt, expôs-se o diferente entendimento que tem havido por parte dos Tribunais superiores:

Como é sabido, o litisconsórcio pode ser voluntário ou necessário; em ambas as situações está em causa uma relação material que respeita a várias pessoas; o critério para as diferenciar reside na imposição legal ou contratual em que essas pessoas estejam todas no processo ou não: art.º 32º e 33º do CPC.

Daí que, ainda que a relação material controvertida respeite a várias pessoas, se a lei ou o negócio permitir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade e o tribunal irá definir apenas a situação daquele que estiver no processo.

Já o litisconsórcio necessário ocorre nas situações em que a lei ou o negócio o impõe, obrigando a que todos estejam no processo, podendo ainda resultar da necessidade de se alcançar o efeito útil normal da decisão: art.º 33.º do CPC. (…)

Ora, no caso de litisconsórcio necessário, independentemente do número de pessoas que existam, do lado ativo ou passivo, temos sempre uma única ação: art.º 35º do CPC.

Ao contrário, no litisconsórcio voluntário, temos uma acumulação de ações, em que cada pessoa mantêm uma posição de independência face aos restantes.

As decisões jurisprudenciais sobre a questão aqui em apreço apresentam soluções diversas [3 Cada uma das situações analisadas comporta a sua especificidade, que aqui não consideramos o mais relevante.]. Assim, na resenha que se conhece:

No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), de 28/05/2019, processo nº 6770/18.2T8CBR-A.C1 (relator Alberto Ruço) [4 Disponível em www.dgsi.pt/, sítio a atender nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem.], analisou-se uma situação de litisconsórcio voluntário, com 2 Réus, A e B, uma só contestação, B com benefício de apoio judiciário com dispensa do pagamento da taxa, e A a quem foi indeferido idêntico benefício. Tratava-se de saber se, perante tal indeferimento, A deveria ser notificado para pagar a taxa de justiça.

O TRC respondeu: Apesar de no n.º 4 do artigo 530.º do Código de Processo Civil se referir que «Havendo litisconsórcio, o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial, reconvenção ou requerimento deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, salvaguardando-se o direito de regresso sobre os litisconsortes», o benefício de apoio judiciário concedido a um dos litisconsortes não dispensa os restantes do pagamento da taxa de justiça devida.

No acórdão do Tribunal da Relação de Évora (TRE), de 14/03/2019, processo nº 378/18.0T8FAR-A.E1 (relatora Cristina DÁ Mesquita), estavam em causa 4 Réus, constituídos por marido e mulher, B casado com D e E com F.

B requereu apoio judiciário, que lhe foi concedido. Na contestação, os Réus B e D (litisconsórcio necessário) afirmaram subscrever a contestação apresentada pelos réus E e F e deduziram também reconvenção. Só após a contestação é que D requereu idêntico apoio judiciário. D foi notificada para pagamento da taxa de justiça relativa à Reconvenção; veio requerer ser liberada do pagamento da multa, anunciando que já deu entrada do requerimento para obtenção do benefício de apoio judiciário, o que lhe foi indeferido. De seguida foi junta aos autos decisão da Segurança Social sobre o pedido de concessão de apoio judiciário apresentado pela ré D, o qual foi deferido na modalidade de dispensa da taxa de justiça e do pagamento dos demais encargos com o processo.

O Tribunal entendeu: «1 - Estando em causa uma situação litisconsorcial que pressupõe uma única relação material controvertida e quando todos os litisconsortes impulsionam os autos na mesma peça processual não faz sentido a imposição do pagamento de uma taxa de justiça por cada um dos sujeitos processuais que compõem a parte ativa/passiva da relação processual.

2 - É o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial/reconvenção/requerimento que deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, sem prejuízo do direito de regresso que lhe assiste sobre os demais litisconsortes. Se ele beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, a obrigação de pagamento recai sobre o litisconsorte seguinte, não abrangido pelo referido benefício e, assim, sucessivamente.

3 - Na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida por parte do litisconsorte que não beneficia de apoio judiciário, ou de documento comprovativo da apresentação do pedido de apoio judiciário, a secretaria deve notificá-lo nos termos previstos no art. 570.º, n.º 3, do CPC e se, findos os articulados, estiver em falta o pagamento dos valores previstos naquele normativo, é o mesmo réu notificado para proceder ao pagamento dos valores referidos no n.º 5, do art. 570.º, do CPC, sob pena de desentranhamento da contestação.»

No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (TRG), de 02/07/2013, processo nº 41777/12.4YIPRT-A.G1 (relatora Ana Cristina Duarte), tínhamos como Réus o casal constituído por A e R. Ambos haviam solicitado apoio judiciário, tendo sido concedido a R e estando o de A a aguardar decisão. O TRG entendeu que a questão que lhe era proposta em sede de recurso era saber se, no caso de ação proposta contra marido e mulher, o apoio judiciário de um aproveita ou não ao outro.

O Tribunal decidiu: «1 – Os artigos 447.º-A, n.ºs 4 e 5 do CPC e os artigos 6.º, n.º 1 e 13.º, n.º 6 do RCP, tratam diferentemente as situações de litisconsórcio e de coligação, quer quanto à responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça, quer quanto á respetiva base de cálculo.

2 – Estando em causa uma situação de litisconsórcio passivo, que pressupõe uma única relação material controvertida, não faz sentido a imposição do pagamento de uma taxa de justiça por cada um dos sujeitos processuais que compõem a parte passiva da relação processual.

3 – Assim, enquanto não for decidido o apoio judiciário solicitado por um dos litisconsortes, o outro litisconsorte, em virtude do indeferimento do pedido de apoio judiciário por si formulado, não terá que pagar taxa de justiça pelo impulso processual devido pelo oferecimento da contestação.»

No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), de 24/03/2011, processo nº 891/09.0TBLNH.L1-2 (relatora Ondina Carmo Alves) estava em causa uma situação de um casal de Autores (A e B), que pagaram uma única taxa de justiça juntamente com a petição. Ainda no domínio da anterior legislação (art.º 474.º-A, nº 4 do CPC), em 1ª instância considerou-se serem devidas 2 taxas de justiça, uma por cada um dos Autores.

O TRL teve diverso entendimento, concluindo que: «1. A taxa de justiça é uma tributação aplicável no âmbito judicial como contrapartida pela prestação de serviços de justiça e é fixada em função do valor e complexidade do processo, sendo devido o pagamento da taxa de justiça pelo impulso processual de cada parte.

2. A parte processual é a pessoa ou cada uma das pessoas que pede a composição do litígio, ou contra quem ela é pedida. Os sujeitos processuais são, ao invés, as pessoas que podem integrar uma parte ou uma pluralidade de partes.

3. O artigo 447º, nºs 4 e 5 do CPC, bem como os artigos 6º, nº 1 e 13º, nº 6 do RCP tratam diferentemente as situações de litisconsórcio e de coligação, quer quanto à responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça, quer quanto à respetiva base de cálculo.

4. Estando em causa uma situação litisconsorcial ativa que pressupõe uma única relação material controvertida, não faz sentido a imposição do pagamento de uma taxa de justiça por cada um dos sujeitos processuais que compõem a parte ativa da relação processual.»

Tendo presente este diferente entendimento (sendo que a maioria da jurisprudência cuida de situações em que os RR. litisconsortes apresentam uma única contestação), afirmamos que no caso em concreto, situação de litisconsórcio passivo, no qual os RR,. apresentam contestação separadas, é devida taxa de justiça.

Para além da citada jurisprudência no Ac. atrás transcrito, neste sentido, Ac Tribunal da Relação de Guimarães, 1980/21.8T8VRL-B.G1, de 19.01.2023, relatado pelo Des FRANCISCO SOUSA PEREIRA, Ac Tribunal da Relação de Évora, 378/18.0T8FAR-A.E1, de 14.03.2019, relatado pela Des CRISTINA DÁ MESQUITA, Ac Tribunal da Relação de Coimbra, 6770/18.2T8CBR-A.C1, de 28.05.2019, relatado pelo Des ALBERTO RUÇO, Ac Tribunal da Relação de Évora, 1251/16.1T8STB-A.E1, de 24.09.2020, relatado pelo Des CANELAS BRÁS, Ac Tribunal da Relação do Porto 1204/17.2T8PVZ-A.P1, de 22.05.2018, relatado pelo Des JOSÉ CARVALHO, Ac Tribunal da Relação de Guimarães 4684/17.2T8GMR.G1, de 28.11.2019, relatado pela Des MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES.

Por sua vez a doutrina aponta claramente no mesmo sentido.

ANTÓNIO ABRANTES GERALDES. PAULO PIMENTA e LUÍS PIRES DE SOUSA, in Código de Processo Civil Anotado, Vol I, 2018, pág. 583, em anotação do artigo 530.º afirmam:

Nos casos de litisconsórcio necessário ou voluntário, a taxa de justiça, ainda que seja da responsabilidade de todos os compartes, deve ser paga pelo que figurar em primeiro lugar quer na petição, quer na contestação, sem embargo do direito de regresso. Se, apesar do litisconsórcio passivo, os réus apresentarem contestações separadas a cada um desses articulados corresponderá o pagamento da taxa de justiça. Nos casos de coligação, em que existe uma acumulação de ações com valor processual autónomo, a taxa de justiça é paga por cada consorte em coligação, sendo calculada nos termos da Tabela I-B anexa ao RCP, nos termos do seu art. 13º, nº 7, al. a).“.

No mesmo sentido SALVADOR DA COSTA, in As Custas Processuais, 2021, 8ª ed., pág. 16:

Reportando-se à situação de litisconsórcio do lado ativo, incluindo o caso de reconvenção, o n.º 4 estabelece que a obrigação de pagamento da taxa de justiça integral por quem figurar em primeiro lugar no instrumento processual em causa e o seu direito de regresso sobre os outros litisconsortes. É motivado pelo escopo de simplificação na área do pagamento da respetiva taxa de justiça.

Tem a ver com o perfil plural das partes, ou seja, com a cumulação subjetiva ou contitularidade da relação jurídica controvertida. Abrange o litisconsórcio necessário e o voluntário, independentemente da natureza da espécie processual em causa.

Questiona-se sobre se cada um dos litisconsortes deve proceder ao pagamento da taxa de justiça legalmente prevista, ou se esta é da responsabilidade da parte plural propriamente dita.

A letra deste normativo, ao salvaguardar o direito de regresso do litisconsorte que pagou a taxa de justiça sobre os outros litisconsortes, pela própria natureza deste instituto, vai no sentido de se reportar à taxa de justiça devida pela parte plural (Neste sentido, pode ver-se o Ac. da RE, de 14.03.2019 (378/18)).

Pressupõe que os litisconsortes do lado ativo ou do lado passivo subscrevam a mesma peça processual. Figurando em primeiro lugar na peça processual pessoa que beneficie de isenção de custas ou de apoio judiciário, a obrigação de pagamento recai sobre o litisconsorte seguinte não abrangido pelos referidos benefícios, e assim sucessivamente (Neste sentido, pode ver-se o Ac da RC, de 28.5.2019 (6770/19)).

Aderindo a este entendimento, nada mais resta do que confirmar o decidido pela primeira instância.


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III DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).


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Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.

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Porto, de 2024/10/8.

Alberto Taveira

Lina Castro Baptista

João Ramos Lopes

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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.