HABILITAÇÃO DE CESSIONÁRIO
MEDIDA DE RESOLUÇÃO
SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL
Sumário

Sumário (elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC):
I – Não obsta à apreciação de incidente de habilitação de cessionário previsto no artigo 376º, CPC, ou à verificação da substituição processual regulada no artigo 269º, nº 2, CPC, o facto de ter sido proferida sentença de extinção da instância em processo executivo quando se encontrava ainda pendente incidente de reclamação à nota de honorários e despesas apresentada pela agente de execução.
II - A transferência de direitos e obrigações de uma instituição de crédito à qual foi aplicada medida de resolução pelo Banco de Portugal, para um banco “de transição” nos termos do disposto nos artigos 139º, 140º, 145º RGIFSF, opera por deliberação de tal entidade.
III – Nessa hipótese, não há lugar a incidente de habilitação de cessionário, nos termos do disposto no artigo 376º, CPC ocorrendo uma simples substituição processual, nos termos do disposto no artigo 269º, nº 2, CPC.

Texto Integral

Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:

I - RELATÓRIO
1.1– O primitivo exequente “Banif – Banco Internacional do Funchal, SA”, instaurou, em 07-10-2014, execução para pagamento de quantia certa, sob a forma sumária, contra os executados “Olissibona-Empreendimentos Turísticos, SA”, A, B, C, D e E, identificados nos autos, alegando ser portador de uma livrança subscrita pela primeira executada e avalizada pelos demais, no valor de € 3.514.274,44, vencida em 01-08-2004, e cujo montante não foi por eles liquidado.
Alegou ainda o exequente que por escrituras de 10-02-2010 e de 27-06-2012, a executada “Olissibona-Empreendimentos Turísticos, SA” constituiu a seu favor duas hipotecas voluntárias sobre o prédio urbano sito em São Cristóvão e São Lourenço, Largo da Rosa, números  e Rua , freguesia de São Cristóvão e São Lourenço, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial da Lisboa sob o n.º … da freguesia de São Cristóvão e São Lourenço, inscrito na matriz sob o artigo … da referida freguesia, as quais se encontram registadas, respetivamente, pelas apresentações …de 2010-02-17 e …, de 2012-06-28. De harmonia com a alegação da exequente, tais hipotecas destinaram-se a garantir “(…) todas e quaisquer obrigações ou responsabilidades, que existam ou venham a existir em nome da sociedade executada, emergentes ou resultantes de operações de crédito concedidas ou a conceder (…)”, pelo que “(…) o imóvel supra identificado responde pelas quantias peticionadas no âmbito da presente execução”.
Por fim, alegou o exequente que na data da interposição da ação, a dívida exequenda ascendia a € 3.550.099,34 (incluindo juros e imposto de selo).
1.2 – Após penhora do prédio urbano supra identificado, conforme auto de penhora de 04-11-2024 junto aos autos, foram citados os executados, bem como os credores, para eventual reclamação de créditos.
1.3 – Em 25-02-2015, foi proferido despacho a que corresponde a referência 332198969, no qual se considerou que o exequente procedera a uma cumulação de execuções fundadas em títulos diversos (livranças e duas escrituras públicas de constituição de hipoteca), pelo que, nos termos do artigo 709º, nºs 1 e 5, CPC, a execução deveria ter seguido, ab initio, a forma ordinária de processo comum para pagamento de quantia certa, com prolação de despacho liminar, o que não sucedeu – cfr. artigo 726º, nº 1, CPC. Contudo, considerando que tal despacho liminar teria ordenado a citação dos executados e que a penhora sempre se iniciaria pelo imóvel hipotecado, por estar em causa uma dívida com garantia real, considerou o tribunal a quo: “(…) que não foram postergados quaisquer direitos processuais dos executados, nomeadamente, a possibilidade de dedução de embargos de executado, sendo certo que já se mostram deduzidos embargos por parte dos executados, sem que a questão do erro na forma do processo tenha sido suscitada (…)”. Consequentemente, foi determinada a prossecução dos autos na forma ordinária do processo de execução, sem anulação de qualquer dos atos praticados.
1.4 - Em 15-04-2015, a exequente e os executados apresentaram requerimento conjunto (referência 19340302), no qual, no essencial:
- Informam ter sido paga a quantia exequenda, razão pela qual o exequente solicitou à agente de execução a extinção da execução;
- Solicitam que seja admitida desistência de pedido relativamente aos embargos de executado que constituem os apensos A e B dos autos;
- O exequente requer que seja admitida a sua desistência do pedido contra todos os executados, ao abrigo do preceituado nos artigos 285º e 286º CPC;
- Declaram executados e exequente aceitar reciprocamente “as desistências ora formuladas”.
1.5 – Em 01-05-2015, a executada “Olissibona-Empreendimentos Turísticos SA” apresentou reclamação à nota de honorários e despesas apresentadas pela agente de execução (“Reclamação de Ato” – referência 19499677), relativamente à qual apresentou em 07-05-2015 requerimento de ampliação de pedido (19544666), que mereceu a oposição do exequente “Banif-Banco Internacional do Funchal, SA” (requerimento com a referência 19623690, apresentado em 14-05-2015).
1.6 - Em 05-07-2016 foi proferida decisão a que corresponde a referência 355267200 com o seguinte conteúdo:
Nestes autos de ação executiva para pagamento de quantia certa, na forma ordinária, movidos por BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A., contra OLISSIBONA – Empreendimentos Turísticos, S.A., A, B, C, D e E, todos com os sinais dos autos, dada a qualidade do interveniente e a disponibilidade do direito peticionado, julgo válida a desistência do pedido, operada no art. 5.º do requerimento de fls. 119/120, nos termos combinados dos artigos 848.º, n.º 1, 277.º, al. d), 285.º, n.º 1 e 290.º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil e, consequentemente, declaro extinta a presente instância executiva e o direito que o exequente pretendia fazer valer contra os executados.
Custas pelo desistente (art. 537.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.
Oportunamente conclua os autos, a fim de ser apreciada a reclamação à nota de honorários e despesas”.
1.7 – Ulteriormente, em 08-04-2017, foi proferida decisão (a que corresponde a referência 365085739) que julgou procedente a reclamação deduzida pela executada à nota de honorários e despesas deduzida, constando do respetivo dispositivo:
Face ao exposto, defere-se a reclamação deduzida pela executada OLISSIBONA – Empreendimentos Turísticos, S.A., à nota de honorários e despesas da Sra. Agente de Execução, e, consequentemente determina-se a reformulação daquela nota em conformidade.
Notifique e comunique
1.8 – De tal decisão foi interposto recurso pela agente de execução para este Tribunal da Relação de Lisboa, no qual veio a ser proferida decisão sumária em 26-04-2018, que o julgou improcedente, mantendo a decisão recorrida.
1.9 – Apresentada nova nota discriminativa de honorários e despesas de agente de execução em 24-04-2020, a executada “Olissibona – Empreendimentos Turísticos, SA” da mesma reclamou em 07-05-2020 (requerimento com a referência 35503048).
1.10 – Na sequência de tal reclamação, foi proferido despacho em 08-07-2020 (referência 407157101), com o seguinte conteúdo: “Notifique a Sra. Agente de Execução para proceder à retificação da nota de despesas e honorários em conformidade”, ao qual a agente de execução apresentou resposta em 02-09-2021, pugnando pelo “indeferimento da reclamação apresentada”.
1.11 – Em 16-11-2022 foi proferido despacho com o seguinte conteúdo (referência 420582408):
Tendo em conta o teor da informação prestada pela Sra. Agente de Execução a fls. 325, indefere-se a reclamação à nota de honorários e despesas apresentada pela executada Quinta da Bela Vista.
Notifique e comunique”.
1.12 – Tal despacho foi objeto de recurso pela executada, o qual foi admitido por despacho de 08-07-2024 e remetido a este Tribunal da Relação de Lisboa em 09-07-2024, encontrando-se pendente.
2. Anteriormente, em 04-11-2020, a atual executada “Quinta da Bela Vista – Explorações Hoteleiras, SA” requereu que fosse admitida a sua imediata intervenção nos autos em substituição da primitiva executada “Olissibona – Empreendimentos Turísticos, SA”, nos termos do disposto no artigo 269º, nº 2, CPC, na qualidade de sociedade incorporante daquela, tendo apresentado documentação relativa a tal incorporação.
Mais requereu que fosse de imediato operacionalizado o acesso aos autos do seu mandatário, o que foi efetivado (requerimento com a referência 37033186).
3. Em 05-11-2020, a atual executada “Quinta da Bela Vista – Explorações Hoteleiras, SA”, na qualidade de sociedade incorporante da primitiva executada Olissibona-Empreeendimentos Turísticos, SA, deduziu incidente de habilitação de adquirente ou cessionário contra o exequente Banif – Banco Internacional do Funchal, S. A., e o habilitando Banco Santander Totta, SA, invocando os seguintes fundamentos:
1. Conforme está evidenciado nos autos do processo principal, a ora requerente, por via do requerimento desta data com a REFª: 37032996, nos termos do disposto no artigo 269.º, n.º 2, do CPC, solicitou a substituição da primitiva executada Olissibona – Empreendimentos Turísticos, S. A. por si própria.
2. Fê-lo porque, conforme decorre da Certidão Permanente online com o Código de acesso: 1412-5532-2416, incorporou, por fusão, a primitiva executada Olissibona – Empreendimentos Turísticos, S. A., NIF 511 178 468.
3. Apesar de ainda não ter recaído qualquer despacho sobre o referido requerimento, considerando o disposto no artigo 269.º, n.º 2, do CPC, há apenas que proceder à substituição da Olissibona pela Quinta da Bela Vista.
4. Daí a legitimidade da requerente para suscitar este incidente.
II - Do interesse e necessidade que se pretende salvaguardar com esta habilitação
5. Conforme decorre dos autos, a execução extinguiu-se pelo pagamento da quantia exequenda pela executada.
6. No dia 20 de abril de 2015 a agente de execução enviou um faxe para o escritório do advogado da executada Olissibona com a seguinte nota de honorários e despesas:
1. HONORÁRIOS E DESPESAS AGENTE DE EXECUÇÃO
Descritivo Quant. Valor Unitário IVA Valor (…)
7. Desta nota de honorários infere-se que os € 53.998,04 relativos aos “Honorários por Resultados Obtidos” foram apurados pela irrestrita aplicação das taxas marginais constantes da tabela do anexo VIII da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto, à quantia paga pelo executado ao exequente: € 3.550.909,34.
8. Com as quantias para tanto cobradas previamente à executada Olissibona, o exequente pagou direta e integralmente à agente de execução a nota de honorários e despesas por esta apresentada.
9. A executada Olissibona apresentou reclamação da nota de honorários e despesas da agente de execução através de requerimento aduzido aos autos no dia 30 de Abril de 2015 - Ref. n.º 19499677 da plataforma informática Citius - pela qual insurgiu-se contra a remuneração adicional variável da nota de honorários, discriminada no quadro 1, 4.ª linha, com o descritivo “Honorários por resultados obtidos”, com o valor total de € 66.417,58 (sessenta e seis mil quatrocentos e dezassete euros e cinquenta e oito cêntimos), pagos a título de “Honorários por Resultados Obtidos” (€ 53.998,04 + € 12.419,54 de IVA).
10. Nessa sequência foi judicialmente decidido, o seguinte: “Assim sendo, deve a Sra. Agente de Execução reformular a nota de honorários e despesas apresentada, em conformidade com a tabela constante do anexo VIII da Portaria n.º 282/2013, sem aplicação de qualquer taxa sobre o valor remanescente a 160 UC. …”
“Por conseguinte, impõe-se julgar procedente a reclamação apresentada nos autos.”
Face ao exposto, defere-se a reclamação deduzida pela executada OLISSIBONA – Empreendimentos Turísticos, S.A., à nota de honorários e despesas da Sra. Agente de Execução, e, consequentemente determina-se a reformulação daquela nota em conformidade (…).
11. Desta sentença foi interposto recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que, através de acórdão enunciado pela 6.ª Secção, há muito transitado em julgado, confirmou a sentença da primeira instância.
12. Depois de ter sido interpelada para tanto, a agente de execução apresentou a nota discriminativa de honorários e despesas de 24 de abril de 2020 e primitiva executada Olissibona apresentou reclamação contra esta nota discriminativa em Junho de 2020.
13. A agente de execução declarou nos autos que devolverá as quantias recebidas ao exequente porque foi este quem lhe pagou a nota de honorários e despesas.
14. Por seu turno, o exequente Banif também revelou nos autos o entendimento que a devolução das quantias recebidas pela agente de execução a título remuneração adicional variável terá de ser feita a ele próprio.
15. Porém, considerando o pagamento referido em 8. antecedente é óbvio que as quantias que a agente de execução tem de devolver, em última análise, terão de ser entregues à Quinta da Bela Vista, na qualidade de sociedade incorporante da primitiva executada Olissibona – Empreendimentos Turísticos, S. A., NIF 511 178 468, porque foi esta quem suportou, satisfez e custeou económica e efetivamente esse pagamento.
16. Ou seja, é óbvio que a ora requerente pode exigir o reembolso do pagamento que efetuou de € 66.417,58 (sessenta e seis mil quatrocentos e dezassete euros e cinquenta e oito cêntimos) pagos a título de “Honorários por resultados obtidos”.
17. Daí o interesse e necessidade deste incidente.
18. Sinaliza-se que todos os factos acima descritos têm natureza endoprocessual e, por isso, incontroversa.
III - Da resolução do Banif e venda da respetiva atividade bancária ao habilitando Banco Santander Totta, S. A.
19. Conforme é do conhecimento geral e público e do tribunal por virtude do exercício das suas funções, em dezembro de 2015 o Governo e o Banco de Portugal anunciaram a resolução do Banif e a venda da atividade bancária ao Banco Santander Totta, S. A. (Totta) por 150 milhões de euros – vide documento que adiante se junta com o n.º 1.
20. Foi ainda criada a sociedade-veículo Oitante para a qual foi transferida a atividade bancária com que o Totta não ficou.
21. Na verdade, o Banco de Portugal, em Reunião Extraordinária do Conselho de Administração, realizada no dia 19 de dezembro de 2015, às 18h00m, ao abrigo do disposto nos números 1,3,5 e 9 do artigo 145º-M do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, deliberou (…)
IV - Da sucessão do Banif, pelo Banco Santander Totta, nos direitos e obrigações que estiveram na base desta execução, do acordo de pagamento que a extinguiu e das obrigações acessórias ainda subsistentes
26. O Banco Santander Totta adquiriu portanto os créditos que o Banif detinha sobre os executados, todas as garantias acessórias a eles inerentes e obviamente as obrigações daí derivadas, designadamente as relativas aos honorários da agente de execução.
Concretizemos.
IV – I - Dos contratos e atos que estiveram na base e que derivaram da dinâmica desta execução
27. A execução fundou-se na livrança junta aos autos principais, correspondente ao documento n.º 1 do Requerimento Executivo (RE).
28. A subscrição e avalização da livrança de que consta o documento n.º 1 do RE derivou de um contrato de empréstimo, celebrado em 10 de Fevereiro de 2010, aditado a 15 de Dezembro de 2010, em 27 de Junho de 2012 e em 11 de Fevereiro de 2013 – vide documento que adiante se junta com o n.º 2 e que aqui se dá por integralmente reproduzido por razões de economia processual.
29. Para garantia desse empréstimo foi constituída hipoteca sobre o prédio sito em São Cristóvão e São Lourenço, Largo da Rosa, n…. e Rua Marquês de Ponte de Lima, n.º …, freguesia de São Cristóvão e São Lourenço, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial da Lisboa sob o n.º … da freguesia de São Cristóvão e São Lourenço, inscrito na matriz sob o artigo …, freguesia de Santa Maria Maior - cf. Requerimento Executivo, documento n.º 2.
30. As situações jurídicas complexas e sinalagmáticas subjacentes e decorrentes desta execução constituem seguramente direitos e obrigações, ativos e passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banif – Banco Internacional do Funchal, S. A., constantes do Anexo 3 da deliberação do Banco de Portugal de 20 de dezembro de 2015, que por isso foram alienados e transferidos ao Banco Santander Totta:
31. De resto, a transferência para o Santander Totta das situações jurídicas sob referência encontra evidência e demonstração também no facto de se em vez do pagamento imediato e integral da quantia exequenda pela Olissibona tivesse sido paga apenas parte da dívida exequenda e celebrado um acordo de pagamento em prestações do remanescente da dívida nos termos do disposto no art. 806.º do CPC, a dívida subsistente em Dezembro de 2015 seguramente transferir-se-ia para o Banco Santander Totta.
32. Foi isso que aconteceu e acontece, por exemplo, no acordo de pagamento em prestações do remanescente da dívida, celebrado entre o Banif e a Quinta da Bela Vista – Explorações Hoteleiras, S. A. nos termos do disposto no art. 806.º do CPC no quadro do Processo n.º 405/14.0T8FNC – Execução sumária – Ag. de Execução - do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira Juízo de Execução do Funchal - Juiz 1 – vide documento n.º 3.
33. Na verdade, a Quinta da Bela Vista continuar e ainda está a fazer ao Banco Santander Totta os pagamentos previstos nas cláusulas do acordo de pagamento de fls. 100 a fls. 113 dos autos do Processo n.º 405/14.0T8FNC, datado de 31 de Março de 2015 – vide, a título meramente exemplificativo, os documentos que adiante se junta com o n.º 4.
34. Enfim e numa palavra: o Santander Totta adquiriu os direitos e obrigações decorrentes e subsistentes das situações jurídicas que estiveram na base e decorreram desta execução e que eram originariamente da titularidade do ainda exequente Banif, designadamente as questões relacionadas com os pagamentos dos honorários da agente de execução ainda pendentes.
35. Por isso o Santander Totta deve assumir a posição processual do primitivo exequente e transmitente Banif.
V - Do cabimento do incidente de habilitação
36. O incidente da habilitação consiste na tramitação processual autónoma que implica a modificação da instância quanto aos sujeitos, ou seja, a substituição de alguma das partes na relação substantiva em litígio seja por sucessão seja por ato entre vivos – cfr. art. 262.º, al. a), do CPC.
37. O incidente de habilitação de adquirente ou cessionário visa, apenas, produzir modificação nos sujeitos da lide, produzindo efeitos de natureza meramente processual, ao nível das partes que se defrontam na lide, sem interferir com a discussão do direito que constitui o objeto da causa, tal como é configurado pelo pedido e pela causa de pedir.
38. No caso de transmissão, por ato entre vivos, da coisa ou direito litigioso, a habilitação é facultativa, conforme resulta do regime inserto no art. 263.º do CPC.
39. A habilitação do adquirente ou cessionário, prevista no art. 356.º do CPC é admissível desde que se verifiquem os pressupostos de aplicação do art.º 263.º do CPC, a saber:
· A pendência de uma ação ou incidente processado autonomamente;
· A existência de uma coisa ou de um direito litigioso;
· A transmissão da coisa ou direito litigioso na pendência da ação por ato entre vivos;
· O conhecimento da transmissão durante a ação.
40. Como a integração entre o Banco Santander Totta e o Banif está feita e já não há distinção entre ambas as entidades com a aquisição por aquele dos ativos e passivos deste, é manifesto que no caso vertente estão cabalmente preenchidos os pressupostos e requisitos de que depende a válida utilização deste incidente processual.
Pelo exposto, por apenso, deve:
· Admitir-se este incidente de habilitação do adquirente ou cessionário;
· A final, declarar-se habilitado o Banco Santander Totta, S. A. como adquirente e sucessor dos ativos e passivos do exequente Banif, o qual deve ser colocado processualmente na posição deste para com ele seguir a causa.
Pede a V. Exa. Deferimento
3.1 – Em 20-11-2020 foi proferida a seguinte decisão:
Por apenso à ação executiva que BANIF - Banco Internacional do Funchal S.A. intentou contra Quinta da Bela Vista - Explorações Hoteleiras, S.A. e Outros veio Quinta da Bela Vista – Explorações Hoteleiras, S.A., requerer a habilitação do Banco Santander Totta, S.A., NIF 500 844 321, com sede na Rua do Ouro, nº …, 1100-063 Lisboa, enquanto cessionária, na posição do da Exequente.
Atento o teor da informação que antecede constata-se que a execução está extinta.
Ora, estando extinta a execução, de que estes autos são dependentes, não faz sentido a continuação do presente incidente que é inútil.
Pelo exposto, julgo extinta a instância no presente incidente de habilitação por inutilidade da lide, art.º 277º, al. e) do CPC. Custas pela Requerente, com taxa de justiça que fixo em 1 UC.
Registe e notifique”.
3.2 – Não se conformando com tal decisão, a executada da mesma interpôs recurso, vindo a ser proferido acórdão por este Tribunal de Relação de Lisboa em 07-10-2021, no qual foi decidido não ocorrer a inutilidade superveniente da lide, e, em consequência, revogar a decisão recorrida e determinar o prosseguimento dos autos de habilitação “com o despacho liminar que o tribunal de 1ª instância considere adequado
3.3 – Em 02-02-2022 foi proferido despacho que ordenou a notificação dos requeridos, para, no prazo de 10 dias, contestarem, querendo, a presente habilitação (artigos 356.º, n.º 1, alínea a) e 293.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil)
3.4 – Apenas o “habilitando” Banco Santander apresentou contestação, na qual se pronunciou pela improcedência da presente habilitação (30-06-2022 referência 42732087), impugnando parte da factualidade alegada e considerando, no essencial, não corresponder à verdade que para si tenham sido transmitidos os direitos e obrigações do BANIF por força de medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal. Efetivamente, na perspetiva do contestante, a execução extinguiu-se e o “Banif” pagou à agente de execução a nota de despesas e honorários, o que sucedeu em abril de 2015, portanto em momento prévio à medida de resolução datada de 20-12-2015. Consequentemente, não houve transmissão para o Banco Santander Totta dos direitos e obrigações em causa nos presentes autos, o que sempre determinará a improcedência da presente habilitação.
3.5 – Foi proferido decisão, em 11-11-2022, que indeferiu o incidente de habilitação, transcrevendo-se o seu conteúdo integral:
Por requerimento datado de 05.11.2020, veio Quinta da Bela Vista – Explorações Hoteleiras, S.A., deduzir o presente INCIDENTE DE HABILITAÇÃO DE ADQUIRENTE OU CESSIONÁRIO, contra o exequente BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A. e contra o habilitando Banco Santander Totta, S.A.
Notificados, apenas o exequente BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A., deduziu oposição, pugnando pela improcedência da habilitação.
Cumpre apreciar.
Decorre dos autos de execução que por sentença datada de 05.07.2016, foi homologada a desistência do pedido exequendo operada pelo exequente BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A., mais se declarando extinta a instância executiva e o direito que o exequente pretendia fazer valer contra os executados.
Ora, nos termos do art. 270.º, alínea a) do Código de Processo Civil a instância pode modificar-se, quanto às pessoas, em consequência da substituição de alguma das partes, quer por sucessão, quer por ato entre vivos, na relação substantiva em litígio.
Por sua vez, o art. 271.º, n.º 1 daquele código estipula que no caso de transmissão, por ato entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa, enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substitui-lo.
O n.º 2 acrescenta que a substituição é admitida quando a parte contrária esteja de acordo.
Na falta de acordo, só deve recusar-se a substituição quando se entenda que a transmissão foi efetuada para tornar mais difícil, no processo, a posição da parte contrária.
Finalmente, o n.º 3 estabelece que a sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, exceto no caso de a ação estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da ação.
Por outro lado, o art. 376.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, estabelece que a habilitação do adquirente ou cessionário da coisa ou direito em litígio, para com ele seguir a causa, faz- se por termo de cessão lavrado no processo ou por requerimento de habilitação.
O n.º 2 acrescenta que nos casos em que a habilitação se faz por termo de cessão lavrado no processo é notificada a parte contrária para contestar, podendo o notificado, designadamente, impugnar a validade do ato ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo.
Por seu turno, o n.º 3 estabelece que nos casos em que a habilitação se faz por requerimento de habilitação deve ser junto:
a) O título da aquisição ou da cessão;
b) A prova da notificação da aquisição ou cessão ao devedor que deve conter:
i) A menção dos elementos referidos no n.º 2 do artigo 235.º;
ii) A menção de que o notificado pode impugnar a validade do ato ou alegar
que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo; e
iii) A morada para onde o notificado pode enviar a contestação, caso o pretenda fazer.
O n.º 4 estipula que nos casos referidos no número anterior, o requerimento deve ainda ser acompanhado:
a) Da contestação do notificado; ou
b) Da declaração de que o notificado aceitou a aquisição ou a cessão; ou
c) Da declaração de decurso do prazo de contestação sem que o notificado
tenha contestado a aquisição ou cessão.
O n.º 5 preceitua que na falta de contestação, o juiz verifica se o documento prova a aquisição ou a cessão e, em caso afirmativo, declara sucintamente que o adquirente ou cessionário está habilitado, prescrevendo o n.º 6 que se houver contestação, o juiz decide após produzidas as provas necessárias, fundamentando sucintamente a decisão ou aderindo aos fundamentos apresentados pelas partes.
Finalmente, o n.º 7 estatui que a habilitação pode ser promovida pelo transmitente ou cedente, pelo adquirente ou cessionário, ou pela parte contrária; neste caso, aplica-se o disposto no n.º 1, com as adaptações necessárias.
A habilitação do cessionário do direito em litígio ocorre, por regra, nos casos em que a transmissão respeita a um direito de crédito do autor para um terceiro em relação aos sujeitos da causa principal.
Ao contrário da habilitação por morte de uma das partes, a habilitação do adquirente ou cessionário é facultativa, uma vez que o transmitente por ato entre vivos do direito litigioso continua a ter legitimidade para a causa, não obstante a sentença final produzir, em regra, efeitos de caso julgado em relação ao adquirente, mesmo que este não intervenha na ação.
Se for o cedente ou o transmitente a requer a habilitação do cessionário ou do transmissário da coisa litigiosa, deve invocar, a título de causa de pedir, os factos em que se consubstanciou o negócio jurídico da cessão ou da transmissão, e pedir que o cessionário ou o transmissário, conforme o caso, seja declarado habilitado para, como seu substituto, continuar na causa principal (Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 2.ª Edição, pág. 240).
Todavia, conforme se depreende do disposto no art. 376.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a habilitação apenas deve ser admitida quando a aquisição ou cessão da coisa ou direito ocorre na pendência da causa, sendo o terminus ad quem da possibilidade de instauração do incidente a do trânsito em julgado da decisão final.
Com efeito, referia o Prof. Alberto dos Reis em comentário ao art. 381.º do Código de Processo Civil de 1939 (atual art. 376.º do Código de Processo Civil) que, “O incidente do art. 381.º supõe que a causa está pendente e que o cessionário pretende substituir-se nela ao cedente. Se a ação declarativa findou e o cessionário quer promover a execução, não pode servir-se do processo deste artigo para se habilitar como sucessor do cedente; tem então de se habilitar no requerimento para a execução: a habilitação é, em tal caso, requisito de legitimidade como exequente.” (Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª Edição (Reimpressão), pág. 604).
Também o STJ entendeu, no Ac. de 18-01-2001 (CJSTJ, 2001, Tomo I, pág. 73) que “O n.º 1 do art. 376.º do Código de Processo Civil apenas teve em vista as situações de habilitação do adquirente ou cessionário de “coisa ou direito em litígio”, exigindo-se que haja ocorrido, na pendência de uma dada causa, uma transmissão por ato entre vivos da coisa ou direito em litígio, que seja objeto imediato da controvérsia a dirimir nessa mesma causa”.
No caso em apreço, resulta dos autos que a presente habilitação foi interposta após a extinção da instância executiva – que ocorreu por força da sentença prolatada em  5.07.2016 – ainda que tenha ocorrido tramitação posterior da execução com vista à apreciação da reclamação à nota de honorários e despesas apresentada pelo Agente de Execução.
Ora, decorre do disposto no art. 55.º do Código de Processo Civil que a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor. Se o título for ao portador, será a execução promovida pelo portador do título.
Nos termos do n.º 1 do art. 56.º do Código de Processo Civil resulta que tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda, para o que no próprio requerimento executivo deduzirá o exequente os factos constitutivos da sucessão.
Tendo havido sucessão na titularidade da obrigação exequenda, já na pendência da execução, não sendo possível fazê-lo no requerimento executivo, será através do incidente de habilitação que serão alegados os factos demonstrativos dessa mesma sucessão.
Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa acima citado, “Se o art. 56º do Código de Processo Civil confere legitimidade como exequente e como executado aos sucessores do credor e aos sucessores do devedor, respetivamente, que no mesmo título figurem nessa qualidade, tanto basta para que, sendo essa cessão posterior à entrada em juízo do requerimento executivo, essa sucessão se processe por via incidental, ficando a legitimidade assegurada”.
Ponderou-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 15-02-2007 (acessível in www.dgsi.pt) que, “Para além da admissibilidade do incidente de habilitação do cessionário na ação declarativa (art.º 271.º, do CPC), também na ação executiva poderá suceder o mesmo.
Com efeito, em desvio à regra geral da determinação da legitimidade na execução, fixada no art.º 55.º do CPC, prevê-se que, tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda (art.º 56.º, n.º 1, do CPC).
O termo sucessão é aí utilizado em sentido amplo, incluindo a transmissão tanto mortis causa como inter vivos, como é entendimento pacífico quer na doutrina quer também na jurisprudência (…).
Se a transmissão ocorrer depois de instaurada a ação executiva, o prosseguimento desta contra os sucessores, quer do exequente quer do executado, ficará dependente então do incidente de habilitação (…).
Na verdade, em face da amplitude da exceção consagrada no n.º 1 do art.º 56.º do CPC, não se descortinam razões que possam obstar à dedução da habilitação dos sucessores das partes, depois da propositura da ação executiva”.
Retomando o caso em apreço, pelo que acima ficou dito, verifica-se que a presente habilitação foi instaurada já após a extinção da execução. Ademais, a circunstância da primitiva executada ter sido incorporada, por fusão, na requerente da habilitação, não implica a necessidade da sua habilitação através do incidente previsto no art. 356.º do Código de Processo Civil, dando origem apenas a uma mera substituição subjetiva da instância, por aplicação do disposto no art. 269.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Termos em que a presente habilitação não pode ser admitida.
De notar que a presente decisão não contraria o douto acórdão da Relação de Lisboa prolatado a fls. 95 e seguintes destes autos, dado que em tal decisão se prevê expressamente que a habilitação não possa proceder com o presente fundamento.
Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, indefiro o presente incidente de habilitação.
Custas pela requerente (art. 527.º do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.
Comunique ao Agente de Execução”.
4 – Não se conformando com tal decisão, a recorrente “Quinta da Bela Vista – Explorações Hoteleiras, SA” da mesma interpôs recurso, com as seguintes conclusões que se transcrevem:
“a. É manifesto que os factos endoprocessuais descritos nos pontos I a XVII das páginas 6 a 10 antecedentes caracterizam um procedimento ou incidente de natureza declaratória inserido na tramitação da ação executiva.
b. Na verdade, a reclamação contra a nota de honorários e despesas da agente de execução é um incidente que corre nos próprios autos e faz parte da tramitação normal e típica da ação executiva.
c. Nos autos da execução que constitui o processo principal foi deduzido incidente de reclamação da conta da agente de execução que foi julgado procedente mas que ainda está pendente quanto à reformulação da nota de honorários e despesas ordenada pela sentença de 8 de abril de 2017 e confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de Janeiro de 2019.
d. É certo que no processo executivo a decisão final corresponde à extinção da execução, pelo pagamento, quitação, perdão ou qualquer outro facto extintivo (cfra artigos 846º e 849º do CPC)
e. Porém, dada a especial natureza e fins do processo executivo, o momento em que é elaborada a nota de honorários e despesas da agente de execução e a respetiva reclamação precede a decisão final (artº 846º nº 4 do CPC).
f. Por isso, no processo executivo, diversamente do que ocorre no processo declarativo, a conta é anterior à decisão final.
g. Deste modo:
- A sentença datada de 5 de julho de 2016 que declarou válida a desistência do pedido operada no art. 5.º do requerimento de fls 119/120 e declarou extinta a instância executiva, foi enunciada posteriormente à suscitação do incidente da reclamação da nota de honorários e despesas mas não o decidiu;
- A sentença de 8 de abril de 2017 que deferiu a reclamação deduzida pela executada OLISSIBONA – Empreendimentos Turísticos, S.A., à nota de honorários e despesas da Sra. Agente de Execução, e, consequentemente determinou a reformulação daquela nota em conformidade foi enunciada depois da extinção da execução mas não extinguiu o incidente de natureza declaratória inserido na tramitação da ação executiva, além do mais porque, reitere-se e sublinhe-se, determinou a reformulação da conta pela agente de execução;
- A reformulação da nota de honorários e despesas da agente de execução foi aduzida aos autos no dia 24 de abril de 2020;
-  Essa reformulação foi objeto de nova reclamação que, constituindo um incidente que corre nos próprios autos e faz parte da tramitação normal ação executiva, ainda está pendente porque o despacho de 16 de novembro de 2022 é suscetível de recurso.
h. Está, portanto, em causa saber se:
- A quantia a devolver é a de € 66.417,58 (sessenta e seis mil quatrocentos e dezassete euros e cinquenta e oito cêntimos), pagos em 2015 a título de “Honorários por Resultados Obtidos” (€ 53.998,04 + € 12.419,54 de IVA) ou a de € 52.918,09 indicada na nota apresentada pela Exma. Agente de Execução em 24 de Abril de 2020 e que foi objeto de reclamação ainda por decidir;
- A nota de honorários reformulada pela agente de execução e aduzida aos autos no dia 24 de abril de 2020 está ou não em conformidade com a sentença de 8 de abril de 2017 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10 de janeiro de 2019;
- A quem é que a agente de execução deve devolver a quantia devida: se ao primitivo exequente Banif ou ao habilitando Banco Santander Totta.
i Ao contrário do decidido pelo meritíssimo juiz a quo, é obvio ainda que:
- O incidente da reclamação contra a nota de honorários e despesas, que corre termos nos próprios autos da ação executiva e faz parte da sua tramitação normal, ainda subsiste;
- Este incidente de habilitação é admissível, tem de ser admitido e julgado procedente porque, reitere-se e sublinhe-se: o Estava pendente por ocasião da enunciação da sentença a quo e ainda está pendente o incidente da reclamação da nota de honorários porque o despacho de 16 de novembro de 2022 dos autos principais é passível de recurso;
Existe ainda uma coisa ou direito litigioso, precisamente os denominados honorários por resultados obtidos da agente de execução, com o valor total de € 66.417,58.
j. É, portanto, óbvia e premente a necessidade da habilitação do Santander Totta como sucessor do exequente Banif.
k. De resto, como bem referiu e sinalizou o ilustre mandatário do Banif quer no processo principal quer neste apenso, caducou o seu mandato em consequência da medida de resolução que foi aplicada ao seu constituinte pelo Banco de Portugal em dezembro de 2015.
l. Note-se que estamos nos domínios do patrocínio judiciário obrigatório, o que obriga à intervenção oficiosa do juiz do processo nos termos previstos no artigo 41.º do CPC. m. Como é apodítico, a pendência da causa como requisito da habilitação do adquirente ou cessionário tem de ser entendida e considerada em sentido amplo, abrangendo não apenas o processo principal mas também um seu incidente, especialmente os de natureza declarativa processados nos autos principais, ilação que se impõe por ser um corolário da natureza instrumental do processo e da prevalência da materialidade subjacente e porque, obviamente, a todos aproveita que o processo executivo decida todas as questões nele suscitadas.
n. É, portanto, manifesto que está pendente um incidente declarativo que, para estes efeitos, deve ser tido como uma verdadeira ação, à qual os presentes autos correm por apenso, sendo certo que existe uma coisa ou um direito litigioso, que foi transmitido na pendência da ação por ato entre vivos, tendo tal transmissão sido conhecida durante tal ação.
o. Estando pendente uma ação ou incidente de natureza declarativa enxertado na tramitação da ação executiva, mostra-se indiferente à decisão do incidente de habilitação de adquirente ou cessionário o facto de, nessa ação, já ter sido proferida sentença, para mais quando esta ainda estava por enunciar por ocasião da dedução deste incidente.
p. A habilitação do adquirente nos termos do artº. 356º do CPC é admissível desde que se verifiquem os pressupostos de aplicação do artº. 263º do mesmo diploma legal, que são:
- A pendência de uma ação ou incidente declarativo enxertado;
- A existência de uma coisa ou de um direito litigioso;
- A transmissão da coisa ou direito litigioso na pendência da ação por ato entre vivos;
- O conhecimento da transmissão durante a ação.
q. Todos os mencionados pressupostos de que depende a admissibilidade da habilitação do adquirente encontram-se preenchidos, sendo certo que as partes, designadamente o chamado Banco Santander Totta, nunca pôs em causa a validade da transmissão, nem alegou que a mesma foi feita para tornar mais difícil a sua posição processual na causa principal.
r. O direito processual não é um fim em si mesmo, mas sim um instrumento de realização do direito material - princípio da instrumentalidade do processo em relação ao direito substantivo -, devendo a lei adjetiva adequar-se ao direito substantivo - art. 6.º do CPC.
s. No caso vertente o meritíssimo juiz a quo faz exatamente o contrário, porque ignora a materialidade subjacente que aponta inequivocamente no sentido da imperiosidade da habilitação requerida e fica enquistado na sua sentença de 20 de novembro de 2020 e na contemplação e interpretação literal do direito adjetivo como se ele existisse para se servir a si próprio.
t. O meritíssimo juiz a quo persiste na tramitação deste apenso e dos autos principais com o Banif quando toda a gente sabe – incluindo ele próprio por virtude do exercício das suas funções – que, por força da referida deliberação do Banco de Portugal, conforme decorre do n.º 8 do art.º 145.º-N do RGICSF, o Banif já não é o titular da situação jurídica substantiva e processual subsistente nestes autos dada a transferência da sua atividade para o Banco Santander Totta, S. A., que “produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a alienação.”
u. Reitere-se e sublinhe-se que o meritíssimo juiz a quo desconsidera completa e intoleravelmente a pendência do incidente enxertado e processado nos autos principais, desencadeado em abril de 2015 e, portanto, mais de um ano antes da sentença de 5 de julho de 2016 e que esta relegou expressamente para conhecimento posterior.
v. A sentença a quo assenta e está viciada por erro nos seus pressupostos fáctico/jurídicos e viola os princípios da economia processual, da gestão processual e da adequação formal que impõem as modificações da instância e a convolação processual.
w. Na verdade, esses princípios, que constituem verdadeiros poderes/deveres do juiz, exigem que se atinja o maior efeito e resultado processual com a maior economia de meios e o menor número de atos, designadamente por via das modificações subjetivas e objetivas da instância.
x. Desta forma, cada processo deve resolver o maior número de litígios possível, através dos atos e formalidades que se mostrem indispensáveis e úteis.
y. Como é apodítico, à luz do princípio da economia processual, da gestão processual e da adequação formal, é óbvio que todas as questões ainda pendentes relacionadas com a reclamação contra a nota de honorários e despesas têm de ser resolvidas no quadro do processo de execução.
z. A requerente/apelante tem presente a jurisprudência que entende que, nos casos de transmissão de créditos do BANIF-Banco Internacional do Funchal, S.A. para o Banco Santander Totta, S. A. por força da Deliberação do Banco de Portugal de 26 de dezembro de 2015 não há lugar à dedução de incidente de habilitação de cessionário mas somente alteração nominal da parte no processo - cf. ac. do STJ de 28.09.2017, processo n.º 1570/13.9TBCSC-A. aa. Nesse pendor, não tendo o Banco Santander Totta, S. A. vindo aos autos principais invocar a qualidade de exequente por força da mencionada Deliberação do Banco de Portugal, mesmo que se considere inaplicável o incidente de habilitação concretamente suscitado, ao menos cumpre, a pedido da executada, nos termos do disposto no artigo 193.º do CPC, notificá-lo nos autos principais para vir, no prazo que lhe for assinalado, assumir a transmissão do crédito exequendo na parte subsistente relacionada com o identificado incidente de reclamação contra a nota de honorários e despesas da agente de execução.
Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas. Venerandas, deve dar-se provimento a este recurso e, consequentemente, revogar-se a sentença a quo, a qual deve ser substituída por outra que receba este incidente e, atento o disposto no artigo 665.º do CPC, declare habilitado o Banco Santander Totta, S. A. como adquirente e sucessor dos ativos e passivos do exequente Banif, o qual deve ser colocado processualmente na posição deste para com ele seguir a causa, ou, ao menos, caso se considere inaplicável ao caso vertente o incidente da habilitação, deve, a pedido da executada, ordenar-se a notificação do Banco Santander Totta nos autos principais para vir, no prazo que lhe vier a ser assinalado, assumir a situação jurídica em apreciação no incidente da reclamação contra a nota de honorários, pois só desse modo se fará a costumada Justiça!”
5. Não foram apresentadas contra-alegações.
6.  Foi admitido o recurso, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos do incidente de habilitação, e efeito devolutivo.
7.  Remetidos os autos a este tribunal foi oportunamente determinada a notificação de ambas as partes para, ao abrigo do disposto no artigo 665º, nº 3, CPC, se pronunciarem sobre a possibilidade de o tribunal de recurso se substituir ao tribunal recorrido, declarando verificada a substituição do primitivo exequente “Banif Banco Internacional do Funchal, SA” pelo “Banco Santander Totta, SA”, nos termos do disposto no artigo 269º, nº 2, CPC.
Apenas a executada/recorrente respondeu a tal notificação, anuindo à substituição do tribunal recorrido nos termos propostos.
8. Inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir.
II – QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608º, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC.
Consequentemente, nos presentes autos, a questão a decidir identifica-se com os pressupostos da habilitação do requerido Banco Santander Totta, SA, em substituição do primitivo exequente Banif-Banco Internacional do Funchal, SA. Mais concretamente, haverá que definir se a circunstância de já ter sido proferida sentença de extinção nos autos executivos principais inviabiliza o presente incidente de habilitação (por inexistência de causa pendente), e se a substituição do primitivo exequente pode ser efetivada por via do mecanismo previsto no artigo 269º, nº 2, CPC.
III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na decisão do presente recurso, serão ponderados os factos que se extraem da tramitação processual, referidos no relatório que antecede, que se sintetizam nos seguintes termos:
1.1– Na execução de que o presente incidente de habilitação de cessionário constitui apenso, figura como primitivo exequente “Banif – Banco Internacional do Funchal, SA”, e como primitivos executados “Olissibona-Empreendimentos Turísticos, SA”, A, B, C. D e E;
1.2 – Tal execução foi instaurada em 07-10-2014, tendo sido indicados como títulos executivos uma livrança subscrita pela primeira executada e avalizada pelos demais executados, no valor de € 3.514.274,44, vencida em 01-08-2004, e ainda duas escrituras pelas quais foram constituídas a favor da primitiva exequente duas hipotecas voluntárias sobre o prédio urbano sito em São Cristóvão e São Lourenço, Largo da Rosa, números 4, 5 e 6 e Rua …, n.º …, freguesia de São Cristóvão e São Lourenço, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial da Lisboa sob o n.º … da freguesia de São Cristóvão e São Lourenço, inscrito na matriz sob o artigo … da referida freguesia, registadas a seu favor, pelas apresentações … de 2010-02-17 e …, de 2012-06-28;
1.3 - Em 15-04-2015, a exequente e os executados apresentaram na execução de que o presente incidente constitui apenso, requerimento conjunto, no qual, informam ter sido paga a quantia exequenda, solicitam que seja admitida desistência de pedido relativamente aos embargos de executado que constituem os apensos A e B dos autos, o exequente requer que seja admitida a sua desistência do pedido contra todos os executados, ao abrigo do preceituado nos artigos 285º e 286º CPC e todos declaram aceitar reciprocamente “as desistências ora formuladas”.
1.4 – Em 01-05-2015, a executada “Olissibona-Empreendimentos Turísticos SA” apresentou reclamação à nota de honorários e despesas apresentadas pela agente de execução, requerimento que complementou em 07-05-2015, alegando tratar-se de ampliação de pedido, reclamação essa que mereceu a oposição do exequente “Banif-Banco Internacional do Funchal;
1.5 - Em 05-07-2016, ainda nos referidos autos executivos, foi proferida decisão a que corresponde a referência 355267200 com o seguinte conteúdo:
Nestes autos de ação executiva para pagamento de quantia certa, na forma ordinária, movidos por BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A., contra OLISSIBONA – Empreendimentos Turísticos, S.A., A, B, C, D e E, todos com os sinais dos autos, dada a qualidade do interveniente e a disponibilidade do direito peticionado, julgo válida a desistência do pedido, operada no art. 5.º do requerimento de fls. 119/120, nos termos combinados dos artigos 848.º, n.º 1, 277.º, al. d), 285.º, n.º 1 e 290.º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil e, consequentemente, declaro extinta a presente instância executiva e o direito que o exequente pretendia fazer valer contra os executados.
Custas pelo desistente (art. 537.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.
Oportunamente conclua os autos, a fim de ser apreciada a reclamação à nota de honorários e despesas”.
1.6– Ainda em tais autos executivos, em 08-04-2017 foi proferida decisão que julgou procedente a reclamação deduzida pela executada à nota de honorários e despesas (aí se determinando a apresentação de nota corrigida), da qual foi interposto recurso pela agente de execução para este Tribunal da Relação de Lisboa, no qual foi proferida decisão sumária em 26-04-2018, que o julgou improcedente, mantendo a decisão recorrida;
1.7 – Apresentada nova nota discriminativa de honorários e despesas de agente de execução em 24-04-2020, a executada “Olissibona – Emprrendimentos Turísticos, SA” da mesma reclamou em 07-05-2020;
1.8 – Tal reclamação foi indeferida em 16-11-2022 por despacho que foi objeto de recurso pela executada, o qual foi admitido por despacho de 08-07-2024 e remetido a este Tribunal da Relação de Lisboa em 09-07-2024;
1.9 – O presente incidente de habilitação de adquirente ou cessionário foi instaurado em 05-11-2020, pela atual executada “Quinta da Bela Vista – Explorações Hoteleiras, SA” (na qualidade de sociedade incorporante da primitiva executada Olissibona-Empreeendimentos Tutísticos, SA) contra o exequente Banif – Banco Internacional do Funchal, S. A., e o habilitando Banco Santander Totta, SA, tendo por base os fundamentos supra consignados;
1.10 - Em 20-11-2020 foi proferida a decisão que julgou extinta a instância no presente incidente de habilitação por inutilidade da lide, nos termos do artigo 277º, al. e), CPC;
1.11 – Não se conformando com tal decisão, o recorrente da mesma interpôs recurso, vindo a ser proferido acórdão por este Tribunal de Relação de Lisboa em 07-10-2021, no qual foi decidido não ocorrer a inutilidade superveniente da lide, e, em consequência, revogar a decisão recorrida e determinar o prosseguimento dos autos de habilitação “com o despacho liminar que o tribunal de 1ª instância considere adequado”;
1.12 –– Em 02-02-2022 foi proferido despacho que ordenou a notificação dos requeridos, para, no prazo de 10 dias, contestarem, querendo, a presente habilitação, vindo a ser proferido decisão, em 11-11-2022, que indeferiu o incidente de habilitação, cujo conteúdo integral já se mostra supra transcrito.
Dos pressupostos da habilitação de adquirente ou cessionário
Como se alcança da leitura da decisão recorrida, a improcedência do incidente de habilitação do adquirente ou cessionário, fundamentou-se no facto de o mesmo ter sido instaurado já após a extinção da execução e “(…) da circunstância da primitiva executada ter sido incorporada, por fusão, na requerente da habilitação, não implica a necessidade da sua habilitação através do incidente previsto no art. 356.º do Código de Processo Civil, dando origem apenas a uma mera substituição subjetiva da instância, por aplicação do disposto no art. 269.º, n.º 2 do Código de Processo Civil”.
Constata-se no segmento transcrito da decisão recorrida a existência de uma imprecisão na alusão à necessidade de habilitação da executada, dado que a questão a decidir e que constitui objeto do presente recurso, radica na necessidade de habilitação do primitivo exequente “Banif-Banco Internacional do Funchal, SA” pelo “Banco Santander Totta, SA.
A controvérsia no âmbito dos presentes autos radica pois na viabilidade do incidente de habilitação do cessionário por apenso a execução na qual já foi proferida sentença de extinção, e na necessidade da substituição processual ocorrida por efeito direto de uma deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal ser promovida por meio de incidente de habilitação de cessionário.
Dispõe o artigo 356º, CPC, sob a epígrafe “Habilitação do adquirente ou cessionário”:
1 - A habilitação do adquirente ou cessionário da coisa ou direito em litígio, para com ele seguir a causa, faz-se nos termos seguintes:
a) Lavrado no processo o termo da cessão ou junto ao requerimento de habilitação, que é autuado por apenso, o título da aquisição ou da cessão, é notificada a parte contrária para contestar; na contestação pode o notificado impugnar a validade do ato ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo;
b) Se houver contestação, o requerente pode responder-lhe e em seguida, produzidas as provas necessárias, é proferida decisão; na falta de contestação, verifica-se se o documento prova a aquisição ou a cessão e, no caso afirmativo, declara-se habilitado o adquirente ou cessionário.
2 - A habilitação pode ser promovida pelo transmitente ou cedente, pelo adquirente ou cessionário, ou pela parte contrária; neste caso, aplica-se o disposto no número anterior, com as adaptações necessárias.”
Como refere, Salvador da Costa[1]: “A habilitação é fundamentalmente, a prova da aquisição, por sucessão ou transmissão, da titularidade de um direito ou de um complexo de direitos, ou de uma situação jurídica ou complexo de situações jurídicas. É utilizada para promover no processo a substituição (…) de alguém com a mesma qualidade jurídica, ou para substituir o transmitente ou cedente da coisa ou do direito litigioso”.
O incidente de habilitação mostra-se sistematicamente inserido no título III do Código de Processo Civil relativo aos Incidentes da Instância, aí se mostrando regulada a habilitação quer nas situações de sucessão mortis causa, quer de transmissão da coisa ou direito em litígio. Em ambas as hipóteses de sucessão na relação jurídica controvertida, deve a lide prosseguir com os habilitados, operando-se a modificação subjetiva da instância, que constitui uma exceção ao princípio da estabilidade da instância consagrado no artigo 260º CPC.
Ora, temos como certa a consideração efetuada na decisão recorrida de que “(…) a habilitação apenas deve ser admitida quando a aquisição ou cessão da coisa ou direito ocorre na pendência da causa, sendo o terminus ad quem da possibilidade da instauração do incidente a do trânsito em julgado da decisão final”. Tal entendimento é o que decorre do disposto no já citado artigo 356º, n 1, CPC, “A habilitação do adquirente ou cessionário da coisa ou direito em litígio, faz-se (…)”, revelando-se válidas todas as referências doutrinárias e jurisprudenciais ali efetuadas, que, consequentemente, se dão por reproduzidas.
Porém, já não merece concordância a decisão recorrida no segmento em que defende que a presente habilitação, tendo sido instaurada após a extinção da execução, ocorre numa fase processual em que não existe litígio que justifique a sua admissão.
Na realidade, percorrendo os termos do processo principal, verifica-se que:
- A execução de que os presentes autos constituem apenso foi instaurada pelo primitivo exequente “Banif – Banco Internacional do Funchal, SA” em 07-10-2014;
- Em 15-04-2015, a exequente e os executados apresentaram em tal execução requerimento conjunto, do qual se extrai terem obtido acordo quanto ao pagamento da quantia exequenda, solicitando a extinção dos autos por desistência do pedido apresentada pelo exequente e expressamente aceite pelos executados;
- Em 01-05-2015 e 07-05-2015, a primitiva executada “Olissibona-Empreendimentos Turísticos SA” apresentou reclamação à nota de honorários e despesas apresentada pela agente de execução;
- Em 05-07-2016 foi proferida decisão que julgou extinta a ação executiva e determinou que fossem os autos oportunamente conclusos para apreciação da reclamação à nota de honorários e despesas;
– Em 08-04-2017 foi proferida decisão que julgou procedente a reclamação deduzida pela executada à nota de honorários e despesas (aí se determinando a apresentação de nota corrigida), da qual foi interposto recurso pela agente de execução para este Tribunal da Relação de Lisboa, julgado improcedente em 26-04-2018;
– Apresentada nova nota discriminativa de honorários e despesas de agente de execução em 24-04-2020, a executada “Olissibona – Empreendimentos Turísticos, SA” da mesma reclamou em 07-05-2020;
– Tal reclamação foi indeferida em 16-11-2022 por despacho que foi objeto de recurso pela executada, o qual foi admitido por despacho de 08-07-2024 e remetido a este Tribunal da Relação de Lisboa em 09-07-2024;
– O presente incidente de habilitação de adquirente ou cessionário foi instaurado em 05-11-2020;
Exposta a tramitação processual, julgamos ser inequívoco que, não obstante já ter sido proferida sentença de extinção da ação executiva, subsiste o litígio quanto à questão da nota de honorários e despesas da agente de execução que, aliás, já tinha sido suscitada no momento em que foi proferida sentença de extinção. Apenas por esse motivo ali se determinou a oportuna abertura de conclusão para decisão da reclamação que havia sido apresentada pela então executada. Certo é que tal reclamação foi julgada procedente, determinando-se a correção da nota de honorários e despesas (por decisão confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa), e a apresentação da nota corrigida mereceu a oposição da executada, que deduziu reclamação e recorreu da decisão que a julgou improcedente (recurso esse que se encontra pendente). Consequentemente, tal litígio persiste, não se mostrando dirimido, pelo que deverá considerar-se ainda “pendente” a causa por forma a viabilizar o incidente de habilitação deduzido.
Afigura-se, pois, que o facto de ter sido proferida sentença de extinção da instância executiva, por si, não é suscetível de obstaculizar o incidente de habilitação, dado que, em rigor, ainda se mostra por dirimir a reclamação deduzida à nota de honorários e despesas apresentada pela agente de execução. Consequentemente, a decisão definitiva que vier a ser proferida nessa reclamação irá repercutir-se na esfera jurídica dos – atuais – sujeitos processuais.
Certo é que tal habilitação visa operar a substituição, no lado ativo da lide executiva, do banco “Banif - Banco Internacional do Funchal, SA” pelo “Banco Santander Totta, SA”, radicando na medida de resolução adotada pelo Banco de Portugal em 19-12-2015 quanto ao primeiro.
Efetivamente, naquela data, o Banco de Portugal deliberou:
a) Declarar que o Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A. se encontra «em risco ou em situação de insolvência» («failing ou likely to fail»), nos termos e para os efeitos do disposto pelo artigo 145º-E, n.º 2, alínea a), do RGICSF;
“(…) b) Iniciar o processo da medida de resolução prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 145º E do RGICSF ao Banif-Banco Internacional do Funchal, SA”;
c) Promover diligências tendentes à alienação da atividade do Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A. junto do Banco Popular Español, S.A. e do Banco Santander Totta, S.A.”;
Na sequência de tal deliberação, o Banco de Portugal, em reunião extraordinária do Conselho de Administração ocorrida em 20 de dezembro de 2015, deliberou, além do mais:
a) Constituir a sociedade “Naviget,, S.A. (…)”;
b) Transferir para a Naviget, SA,, os direitos e obrigações correspondentes a ativos do Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A., constantes do anexo 2 à deliberação, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 145º-S e na alínea c) do n.º 2 do artigo 145º-T, em articulação com o n.º1 do artigo 145º-L, todos do RGICSFs;
(…)
d) Alienar ao Banco Santander Totta, S.A. os direitos e obrigações, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A., constantes do Anexo 3 à deliberação, nos termos do disposto  no nº 1 do artigo 145ºM do RGICSF (…).”
Por seu turno, em tal anexo 3, estabelece-se sob a epígrafe “Direitos e obrigações que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A. transferidos para o Banco Santander Totta, S.A.”,  serem objeto de transferência, de acordo com os critérios ali fixados, os “ativos, passivos elementos extrapatrimoniais e ativos sob a gestão do Banif, registados na contabilidade (…)”.
Já na alínea b) de tal anexo 3 ficou estabelecido:
As responsabilidades do BANIF perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o adquirente, com exceção dos seguintes (“Passivos Excluídos”):
- (…).
 Por fim, na alínea d) do aludido Anexo 3 foi estabelecido que as responsabilidades e elementos extrapatrimoniais do Banif que não são objeto de transferência para o adquirente, nem para a Naviget, S.A., permanecem na esfera jurídica do Banif – Banco Internacional do Funchal, SA.
Da leitura e interpretação de tais deliberações do Banco de Portugal constata-se que no presente litígio não estão em discussão matérias que se reconduzam às responsabilidades que não foram objeto de transferência para o Santander Totta, SA.
Consequentemente, a eventual responsabilidade do primitivo exequente Banif – Banco Internacional do Funchal, SA, no conflito ainda não resolvido quanto à reclamação da nota de custas de parte e honorários da agente de execução, transmitiu-se ao Banco Santander Totta, SA, por efeito da medida de resolução aplicada ao primeiro pelo Banco de Portugal.
E, sendo inequívoco que ocorreu tal sucessão, a mesma deverá produzir reflexos a nível processual, fundamentando a substituição nos autos principais do Banco Internacional do Funchal, SA pelo Banco Santander Totta, SA.
Porém, esta constatação não implica a automática consideração de que o Banco Santander Totta, SA está obrigado a efetuar quaisquer pagamentos no sentido de regularizar o litígio quanto à reclamação da nota de honorários e despesas da agente de execução, significando apenas que na qualidade de “substituto” do Banif – Banco Internacional do Funchal, SA terá, forçosamente, que discutir tal matéria.
Por isso se deve afirmar que o efeito útil da habilitação (ou da substituição processual, nos termos do disposto no artigo 269º, nº 2, CPC) esgota-se no prosseguimento da lide com os habilitados, o que não corresponde a “(…) conferir-lhes a titularidade da relação material controvertida em causa” – Salvador da Costa[2].
Assim, assente a sucessão do Banco Santander Totta SA ao primitivo exequente no litígio ainda subsistente nos autos, merece concordância a decisão recorrida no segmento em que afirma não ser necessária a habilitação prevista no artigo 356º, CPC, sendo apenas necessário o recurso a uma mera substituição subjetiva da instância, nos termos do disposto no artigo 269º, nº 2, CPC. Efetivamente, dispõe aquela norma que:
No caso de transformação ou fusão de pessoa coletiva ou sociedade, parte na causa, a instância não se suspende, apenas se efetuando, se for necessário, a substituição dos representantes.”
Neste sentido se tem vindo a pronunciar, sem divergências, a jurisprudência, enunciando-se a título exemplificativo os seguintes acórdãos disponíveis para consulta em jurisprudencia.csm.org.pt:
- Acórdão da Relação de Lisboa de 18-06-2015, proferido no processo nº 2318/12.0TJLSB.A.L1.8.F9, aí se referindo no respetivo sumário: “Não há lugar a habilitação, quando transferida a generalidade da atividade e do património de um Banco, por resolução do Banco de Portugal”. Já no texto do acórdão, proferido em caso similar ao presente, é referido: “(…) a transferência do feixe de direitos e deveres (…) ocorreu na data da deliberação, nos seus termos e de forma imediata, ou seja, a transferência ocorreu ope legis. Assim sendo, não há lugar à habilitação (…)”;
- Acórdão da Relação do Porto de 15-01-2019, proferido no processo 113/10.0TYVNG.ED.P1.C4, ali se tendo decidido que: “I O Banco de Portugal dispõe do poder de transferência de direitos e obrigações de uma instituição de crédito, produzindo a decisão de transferência efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário (arts. 139.º, 140.º, e 145.º-O do RGICSF). II - A substituição processual ocorrida por efeito direto de uma deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal que opere a dita transferência não carece de ser promovida através de incidente de habilitação de cessionário ou outro nos termos do artigo 269.º, nº2, do CPC”;
- Acórdão da Relação do Porto de 26-02-2019, proferido no processo nº 1804/16.8T8LOU.A.P1.B2, constando do respetivo sumário: “I - A transmissão da generalidade dos direitos e obrigações de uma entidade bancária a que foi aplicada, pelo Banco de Portugal, a medida de resolução para uma nova entidade bancária opera por força da lei, não tendo, por isso, natureza contratual, como ocorre na cessão de créditos.
II - Não há, por isso, que deduzir incidente de habilitação de cessionário ao abrigo do art. 356º do Cód. do Proc. Civil”.
- Acórdão da Relação de Guimarães de 02-11-2017, proferido no processo 1438/11.3BBRG.A.G2.7E: “A constituição de um banco de transição, a definição dos seus estatutos, da sua atividade e dos seus ativos, passivos e elementos patrimoniais, transferidos de uma ou mais instituições de crédito, é da competência exclusiva do Banco de Portugal.
Ocorrendo a transferência daqueles ativos, passivos e elementos patrimoniais para o banco de transição, este último deve considerar-se, para todos os efeitos legais, como sucessor na posição (substantiva e processual) da anterior instituição de crédito.
Nesta hipótese, devendo ocorrer a substituição processual da anterior instituição de crédito pelo banco de transição, justifica-se, perante a lacuna da lei processual civil perante esta situação atípica, a aplicação, com as necessárias adaptações, do ritualismo processual previsto para a situação típica (transformação e fusão de pessoas coletivas ou sociedade comerciais) – art. 269º, n.º 2 do CPC -, atenta a significativa proximidade entre as duas situações.
Tal como decorre desse regime, não há lugar a suspensão da instância e/ou incidente de habilitação previsto no art. 356º, do Código de Processo Civil.”
Aliás, situação similar ocorre com a própria recorrente, que, desde o requerimento que apresentou em 04-11-2020, afirmando-se como substituta da primitiva executada “Olissibona” (qualidade que comprovou documentalmente), solicitando o reconhecimento de tal substituição ao abrigo do disposto no artigo 269º, nº 2, CP, teve a perceção de que, sucedendo à mesma por incorporação, não carecia de instaurar incidente de habilitação. E o certo é que desde então tem vindo a intervir nos autos na qualidade de executada, apresentando, como tal, requerimentos e recursos, que têm vindo a ser apreciados, embora tal substituição (que não suscitou qualquer controvérsia nos autos), ainda não tenha sido formalmente declarada.
Certo é que, no lado ativo da lide, não poderá deixar de ser afirmada a  substituição do exequente, nos termos expostos, por efeito de medida de resolução do Banco de Portugal, reiterando-se que o litígio em causa nos autos se integra no núcleo das responsabilidades que foram objeto de transferência para o “Banco Santander Totta, SA”. Tal substituição ocorre numa fase processual em que ainda persiste um litígio nos autos principais que, em abstrato, seria suscetível de legitimar o incidente de intervenção deduzido, mas que, como decorre de medida de resolução do Banco de Portugal, pode efetivar-se por simples modificação subjetiva da lide, nos termos do disposto no artigo 269º, nº 2, CPC, o que cumpre declarar.
Acresce que, in casu, a definição de que é o “Banco Santader Totta, SA” o atual exequente por efeito das supra enunciadas medidas de resolução do Banco de Portugal constitui questão relevante, desde logo em face da oposição que expressamente deduziu a tal substituição processual.
Pelo exposto, revelando-se parcialmente procedente o recurso, impõe-se a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que declare que por força das deliberações do Banco de Portugal de 19-12-2015 e 20-12-2015, o “Banco Santander Totta, SA” sucedeu ao primitivo exequente “Banif Banco Internacional do Funchal, SA”, nas obrigações ali definidas, entre as quais se incluem as que ainda se encontram em debate nestes autos.
No que se reporta à responsabilização por custas, haverá que ponderar a regra geral consagrada no artigo 527º, CPC, designadamente o disposto no nº 1 daquela  norma que determina a condenação em custas da parte que a elas deu causa.
Ora, nos termos expostos o incidente de habilitação (requerido pela executada) revela-se desadequado, dada a obtenção do efeito pretendido pela via da substituição processual, nos termos do disposto no artigo 269º, nº 2, CPC. Consequentemente, será de manter a condenação da executada nas custas do incidente de habilitação.
Porém, os requeridos “Banif-Banco Internacional do Funchal, SA” e “Banco Santander Totta, SA”, deram origem à atividade processual corporizada no presente recurso, pelo que deverão ser responsabilizado pelas respetivas custas.
*
III – DECISÃO
Pelo exposto, procedendo parcialmente o recurso, revoga-se o despacho recorrido, o qual se substitui pela seguinte decisão:
Declara-se que por força das deliberações do Banco de Portugal de 19-12-2020 e de 20-12-2020, o “Banco Santander Totta, SA” sucedeu ao primitivo exequente “Banif-Banco Internacional do Funchal, SA” nas obrigações definidas em tais deliberações, entre as quais se incluem as que se encontram em debate nos autos principais,
Custas da decisão de habilitação pela executada/recorrente e custas do recurso pelo Banif-Banco Internacional do Funchal, SA” e  pelo “Banco Santander Totta, SA”.
D.N.

Lisboa, 10 de outubro de 2024
Rute Sobral
Higina Castelo
Pedro Martins
_______________________________________________________
[1]  Os incidentes da Instância, 2016, 8ª edição, pág. 204
[2] Ob. Cit. pág. 204