IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ACTO INÚTIL
DECLARAÇÕES DE PARTE
PRESCRIÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Sumário

Sumário (da responsabilidade do relator):
I. Deve ser rejeitado pedido de modificação da decisão de facto quando a alteração pretendida introduzir seja inócua para a decisão do recurso, designadamente por ser relativa a questão em que a posição do recorrente fez vencimento;
II. Não tem fundamento pedido de modificação da decisão de facto quando assente em declarações de parte do recorrente favoráveis à sua pretensão, sem qualquer outro meio de prova que as sustente;
III. Não tem também fundamento pedido de modificação da decisão de facto assente em declarações favoráveis do recorrente e apenas corroborada por elementos probatórios genéricos e indiretos, quando a decisão proferida assente em prova direta, favoravelmente valorada pelo Tribunal;
IV. O prazo de prescrição do direito à restituição de quantia emergente de mútuo nulo é o ordinário e não o estabelecido para o enriquecimento sem causa;
O mero decurso do tempo não constitui abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, se desacompanhado de outros factos que estabeleçam uma confiança segura do devedor na não cobrança de um crédito.

Texto Integral

Acordam os juízes da 2.ª Secção deste Tribunal da Relação,

I. Síntese
I.I. Elementos objetivos:
Autos – Processo comum declarativo;
Juízo recorrido - Juízo Local Cível da Moita - Juiz 1;
Decisão recorrida – Sentença final de mérito;
Âmbito do recurso – Decisão de facto e de direito. –
I.II. Elementos subjetivos:
Recorrente (réu na ação) – A …;
Recorrido (autor na ação) – B …. –
I.III. Conclusões do apelante (questões de facto identificadas a negrito e itálico e concretos pontos de discordância com a decisão a negrito, itálico e sublinhado – sem atualização de grafia):
1. Não se conformando com a douta sentença proferida que julgou parcialmente procedente a acção e condenou o Réu, o Réu apresente o presente Recurso de Apelação, com subida imediata, nos próprios autos [art.º 645º, n.º 1, alínea a)] para o Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos e para os efeitos dos artigos 627º n.º 1 e 2, 629º, n.º 1, 631º, n.º 1, 637º, 638º e 639, n.º 2, alíneas a) e c) todos do C.P.C. - com reapreciação da prova (cfr. art.º 638º, n.º 7 do C.P.C).
2. Os autos iniciaram-se com a alegação de que o Autor havia emprestado ao Réu, reembolsável em oito meses, em numerário, entregue em cerca de quatro vezes, nos últimos seis meses de 2021, a quantia total de € 25.700,00 (vinte e cinco mil e setecentos euros), nos seguintes montantes parcelares e para os seguintes fins: (i) € 11.300,00 (onze mil e trezentos euros) para pagamento de dívidas da irmã do Réu; ( ii) € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros) para pagamento da mobília de apartamento, cujo material foi fornecido e pago à empresa G …, Lda. em Leiria; (iii) € 1.900,00 (mil e novecentos euros) para compra de roupa em Braga.
3. Na sua contestação, o Réu confessou o empréstimo de € 3.000,00 (três mil euros, em 2013, para pagamento de uma dívida da sua irmã; alegou a prescrição de tal crédito; alegou que os móveis (em montante inferior ao alegado pelo Autor) haviam sido uma oferta, através de umas das empresas do Autor, o mesmo acontecendo relativamente à roupa adquirida em Braga.
4. O Réu não se conforma com alguns factos considerados provados e não provados, nem com a fundamentação de Direito vertida na douta sentença de que se recorre, visando com o presente recurso a revogação da mesma e absolvição de todos os pedidos contra si deduzidos.
5. Fruto de confissão do Réu, o Tribunal a quo considerou provado que 2) Para pagamento parcial de uma dívida da sociedade C …, Lda., sociedade titulada pela irmã do Réu, o Autor entregou ao Réu, a pedido deste, em Maio de 2013, com a obrigação de restituição, € 3.000,00 (três mil euros) em dinheiro; que 3) A referida quantia foi utilizada para pagamento de uma dívida da referida sociedade às Finanças no valor de € 3.304,00 (três mil trezentos e quatro euros); que 4) À data, Autor e Réu acordaram que o reembolso ao Autor pelo Réu da referida quantia seria efectuado em três prestações, a realizar nos três meses imediatamente seguintes a Maio de 2013, acrescidos de 2% de juros ao ano, como sinal da amizade de ambos.
6. Contudo, em audiência de discussão e julgamento, em 22 de Junho de 2023, que ficou gravada no sistema habilus, com início pelas 10h13m e termo 11h45, esclareceu o Réu que o Autor deu por saldada tal dívida.
7. Em depoimento prestado em ficheiro Diligência_610-22.5T8MTA_2023-06-22_10-55-19, do minuto 00:29 ao minuto 04:27, o Réu explicou o negócio no Congo que proporcionou ao Autor uma margem de lucro que levou o mesmo a considerar saldada a divida que o Réu tinha a si pelo referido empréstimo de € 3.000,00 (três mil euros).
8. Reproduz-se: (01:29) Juiz: Então o senhor está a dizer é que acordaram na não devolução do dinheiro? Réu: Quer dizer, ele disse-me! Por isso é que ele nunca o pediu só veio agora pedir agora (01:37) Juiz: Mas o Autor alguma vez lhe disse que não tinha que restituir essa quantia? Réu: Disse, disse nesse jantar, no Príncipe Real. (…) (04:05m) Juiz: o senhor diz é que as contas ficaram saldadas porquanto fecharam um negócio no Congo que trouxe ao Autor uma boa margem de lucro. É isso? (04:18) Réu: Ele disse, sendo assim considera saldado. Só isso, mais nada. Daí ele nunca mo ter pedido (04:27m). (04:49) Juiz: olhe, o senhor nunca foi interpelado pelo Autor para lhe pagar as quantias aqui peticionadas nos autos? Réu: Não, só depois de eu ter saído da empresa. Já me meteu uma injunção, agora está-me a pedir isto, por isso. E ainda tenho outro processo, por isso ((05:13). (…) (05:30) Depois da minha saída da empresa doutora. (…) Recepção da carta eu confirmo (05:51).
9. Tais factos não foram contrariados pelo Autor nas suas declarações de Parte, nem pelas testemunhas por si arroladas, pelo que deve ser aditado à matéria de facto provada, atento o disposto no art. 5º n.º 2 alínea a) e art. 607º do CPC - 5.1) Autor, em virtude de um negócio angariado pelo Réu no Congo, e atenta a margem de lucro auferida pelo Autor, deu o empréstimo referente ao pagamento da divida da irmã do Réu, no montante três mil euros, por saldado.
10. De tal alteração à matéria de facto provada, resulta que deve o Réu ser absolvido do pedido de pagamento ao Autor da quantia de € 3.000,00 (três mil euros), acrescida de juros de mora vencidos desde a citação e vincendos até efetivo e integral pagamento, à taxa legal de juro civil, assim se alterando a sentença recorrida;
11. Caso assim não se entenda, deverá ser considerado prescrito o direito do Autor.
12. Estabelece o art. 1143º do CC, que o contrato de mútuo de valor superior a (euro) 25.000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a (euro) 2500 se o for por documento assinado pelo mutuário.
13. A prescrição extintiva, para além de razões de justiça, é um C … Lda. endereçado fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade, por isso foi crismada de «impium remedium» ou «impium praesidium», intervindo na fundamentação da prescrição uma ponderação de justiça.
14. A prescrição assenta na ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, o torna indigno da tutela do Direito, em harmonia com o aforismo «dormientibus non succurrit jus».
15. O Autor, titular do direito, podendo livremente exercitá-lo, deixou de o fazer durante um período legalmente estabelecido – cerca de 9 (nove anos - o que faz presumir que renunciou ao mesmo, criando na ordem jurídica assim considerada a convicção de que não necessita (ou mesmo até que é indigno) da proteção jurídica que anteriormente lhe era conferida.
16. Sendo certo que a nulidade - do contrato de mútuo - é invocável a todo tempo (art. 286º, do C. Civil), não se pode olvidar que o Autor sempre teve conhecimento de tal.
17. A nulidade do contrato por falta de forma obrigaria, numa análise superficial, à restituição das prestações pelas partes, o que constitui o exemplo típico do instituto do enriquecimento sem causa.
18. O direito à restituição do que foi obtido sem causa justificativa está sujeito ao prazo de prescrição do art. 482º do CC: três anos, “a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável”.
19. Conhecimento esse que o Autor tem desde o momento em que emprestou toda e qualquer quantia ao Réu (2013), não tendo alegado em momento algum que não tinha tal conhecimento.
20. A prescrição do artigo 482º do Código Civil funda-se na conveniência de compelir os empobrecidos a, podendo e querendo, exercer o direito à restituição, o exercerem em prazo curto, a fim de esse direito não ter de ser apreciado a longa distância dos factos;
21. Pelo que, sendo a prescrição uma excepção peremptória, mais não se pode concluir do que pela absolvição do Réu do pedido, nesta parte, como já alegado na Contestação, devendo a douta sentença recorrida ser alterada!
22. Sempre se dirá que um negócio nulo não é um negócio inexistente, não se traduz num “nada” em que não se deteta um substracto factual ou corpo de um negócio jurídico pois no negócio nulo essa realidade fáctica existe e, com ela, o negócio.
23. Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante determinado lapso de tempo estabelecido na lei, (todos) os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição (art. 298º, n.º 1, do C. Civil) e o direito à invocação da nulidade de um negócio não é um direito indisponível e não resulta da lei que o mesmo esteja isento de prescrição.
24. A nulidade de negócio jurídico não constitui motivo de suspensão ou interrupção da prescrição, conforme resulta da interpretação a contrario do disposto nos arts. 318º a 327º, do C. Civil, sendo certo que o regime da prescrição é inderrogável (art. 300º, do C. Civil).
25. Razões de segurança e certeza jurídica impõem que o instituto da prescrição, nos termos acima delineados, prevaleça sobre a possibilidade de invocação da nulidade do negócio jurídico a todo tempo, devendo assim esta considerar-se precludida sempre que o direito emergente do mesmo negócio, sem a invalidade imputada, se mostre já extinto por prescrição.
26. Se assim se não entender, sempre se dirá que a invocação da nulidade do negócio e a alegada obrigação do Réu de restituir aquilo que lhe foi prestado – os três mil euros - , sempre seria de considerar um verdadeiro abuso de direito.
27. Integra abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente.
28. O abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium resulta da violação do princípio da confiança, traduzida no facto de o Autor, passados cerca de 9 (nove) anos agir, de forma claramente ofensiva, contra as fundadas expetativas por ele criadas no Réu, no sentido do não exercício do direito.
29. O Autor aceitou emprestar ao Réu determinada quantia, reembolsável em determinado prazo, prescindindo de formalidades legais, invocando-as agora – passados muitos anos - em seu benefício, procurando uma vantagem que, de outra forma, não teria!
30. Pelo que, também por esta via, deverá a douta sentença de que se recorre ser revogada e absolvido o Réu de pagar ao Autora tal montante, sendo o abuso de direito uma excepção peremptória que implica a absolvição do pedido, tendo sido alegada em sede de Contestação.
31. Se assim se não entender, e por cautela foi considerado provado que as Partes acordaram no pagamento do montante em causa em três prestações, a realizar nos três meses imediatamente seguintes a Maio de 2013 (junho, julho e Agosto de 2013), acrescidos de juros de 2% ao ano – Facto provado 4)
32. Nos termos do disposto na alínea e) art. 310º do CC, prescrevem no prazo de 5 (cinco) anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, como é o presente caso – prescrição essa que o Réu alegou na sua contestação.
33. A chamada prescrição de curto prazo, elencada no art.º 310.º do C.C., visa, além do mais, evitar que o credor deixe acumular os seus créditos.
34. Em contratos de mútuo oneroso – como é o caso - o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização.
35. Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário (julho, agosto e setembro de 2013) é uma quota de amortização do capital no sentido vertido no art. 310.º, alínea e), do Código Civil.
36. Pelo que, também por esta via deve ser considerado prescrito o alegado direito do Autor, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se por outra que absolva o Réu de restituir ao Autor B … a quantia de €3.000,00 (três mil euros), julgando procedente as excepções de prescrição e abuso de direito.
37. Por fim, se assim se não entender, e por mera cautela e dever de patrocínio sempre se dirá que existe clara contradição entre a matéria de facto provada (fundamentação) e a decisão, que denota um erro na apreciação da prova porquanto o Tribunal considerou provado que a taxa de juro acordada entre as partes foi de 2% de juros ao ano, como sinal da amizade de ambos” (facto provado em 4)), mas condenou o Réu no pagamento de juros à taxa legal de juro civil, que neste momento, é de 4%, ou seja, em ordem de grandeza superior àquela que foi a vontade das Partes.
38. Determina o art. 615º n.º 1 c) do CPC que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão – o que se verifica sem margem de dúvida.
39. Deve assim ser a douta sentença recorrida declarada nula no que aos juros civis respeita, substituindo-se por decisão que não condene no pagamento de juros em valor superior a 2%.
40. Acresce que, o Autor peticionada a condenação do Réu a pagar juros desde a citação até efectivo e integral pagamento, resultando linear que o Autor criou no Réu a convicção de que o reembolso da quantia de € 3.000,00 (três mil euros) não era devido.
41. Contudo, também resulta cristalino que o invocado crédito do Autor não é linear, tendo criado no Réu a legitima convicção de que o reembolso não era devido, razão pela qual se defende.
42. Deve a douta sentença ser revogada também nesta parte e o Réu, em última instância, condenado ao pagamento de juros, à taxa de 2%, desde o trânsito em julgado da decisão condenatória até efectivo e integral pagamento, e não da sua citação.
43. Não alcança o Réu a razão pela qual o douto Tribunal a quo considerou não provado (vide g) dos factos não provados) que os móveis em causa nos factos provados de 6) a 11) haviam sido dados pelo Autor ao Réu, por intermédio de uma das sociedades a que o Autor está ligado.
44. O Réu prestou depoimento e declarações de parte em audiência de discussão e julgamento, em 22 de Junho de 2023, que ficou gravada no sistema habilus media studio, com início pelas 10h13m e termo 11h45. Em depoimento que ficou gravado em ficheiro Diligência_610-22.5T8MTA_2023-06-22_10-17-07, entre os minutos 11:56m a 13:54m e 23:30m a 27:12, inquirido pela Meritíssima Juiz, o Réu referiu resumidamente “o senhor B … disse para eu falar com o Sr. A … o senhor dos móveis do qual me facultou o número e que me disse: A … vais lá, escolhes a mobília, que quem paga isso é o grupo. Você é sócio do grupo, as empresas são para quando a gente precisa conseguir tirar algum partido das empresas . E eu fui lá, vi escolhi os móveis”.
45. Na mesma sessão de audiência de julgamento, em depoimento prestado em ficheiro Diligência_610- 22.5T8MTA_2023-06-22_10-55-19, entre os minutos 19:08 a 19:39 e 19:49 a 20:37 , referiu o Réu resumidamente que “Pela relação de Sócio em França e pela relação ao fim ao cabo pessoa, não é, de amizade que a gente tinha” que os móveis foram oferecidos.
46. O próprio Autor, em sede de julgamento, admitiu que o pagamento dos móveis foi efetuado por uma das suas empresas. quando antes o Autor havia peticionado a condenação do Réu como litigante de má fé por alegar tais factos, no articulado de resposta à contestação (arts. 40º, 41º e 49º).
47. O Autor prestou depoimento e declarações de parte em audiência de discussão e julgamento, em 28 de Setembro de 2023, que ficou gravada no sistema habilus media studio, com inicio pelas 09h50m e termo 10h40. Em depoimento prestado em ficheiro Diligência_610-22.5T8MTA_2023-09-28_09-50-14, instado pela Meritíssima Juiz se foi a empresa que pagou, ao minuto 28:39m referiu: “Provavelmente sim. Eu nem sei bem se foi a D … S.A., se foi a E …, S.A., se foi a F …, não posso dizer que empresa foi. Sei dizer é que nessa altura essa mobília era para ter sido paga por ele, ele é que devia pagar a mobília, mas depois não pagou e depois mais tarde veio a fatura.(28:59m)… (31:48m) Olhe, mas seja uma ou seja outra, o dinheiro veio do mesmo sítio. Sou presidente das duas e sou dono das duas (31:54m).
48. Na sequência da prova produzida, veio a apurar-se que, efectivamente, os cheques de pagamento dos móveis foram emitidos pela sociedade D …, SA a favor da sociedade G …, Lda., e a favor daquela emitidos por esta a fatura e os recibos (factos 8) a 11) dados como provados),
49. A constância da posição processual das Partes releva em sede de apreciação das suas declarações e depoimentos, tendo o Réu, ao contrário do Autor, mantido a mesma postura – a verdade – e não navegando ao sabor do que se ia descobrindo.
50. Deve considerar-se as declarações do Réu e eliminar-se da matéria de facto não provada aquele constante da alínea g), aditando-se à matéria de facto provado como facto: 7.1) Fruto da longa amizade que existia entre Autor e Réu, o Autor decidiu ajudar o Réu oferecendo-lhe mobília através de uma das sociedades a que está ligado.
51. No que à questão das roupas respeita, e face aos factos provados em 13) e 14) , mais uma vez se demonstra que o Autor, na sua petição inicial, invocou fatos (datas) e modos de pagamento que não correspondem à verdade, tendo os factos em causa ocorrido um ano antes do alegado.
52. O Réu prestou depoimento e declarações de parte em audiência de discussão e julgamento, em 22 de Junho de 2023, que ficou gravada no sistema habilus media studio, com início pelas 10h13m e termo 11h45. Em depoimento gravado em ficheiro Diligência_610-22.5T8MTA_2023-06-22_10-17-07, entre os minutos 17:11 e 18:00, o Réu confirma que se deslocou à loja de roupa em Braga, não lhe tendo sido entregue qualquer quantia monetária.
53. Mais afirmou que não comprou qualquer roupa e que o Autor é que fez questão de lhe oferecer, conforme gravação em ficheiro Diligência_610-22.5T8MTA_2023-06-22_10-17-07, entre os minutos 18:30 e 20:24m.
54. O Réu não necessitava que o Autor lhe pagasse quaisquer roupas não só pelo vencimento que auferia, mas também porque beneficiava de um cartão de crédito que podia fazer face a tal despesa.
55. O que foi corroborado pelo próprio Autor que afirmou que o vencimento do Réu “Nos dois lados, ultrapassava os seis mil euros por mês mais despesas, mais despesas, cartões de crédito, tanto de Portugal como de França, e um BMW de serviço série 6 (20:01m)”, em sede de audiência de discussão e julgamento, em 28 de Setembro de 2023, que ficou gravada no sistema habilus media studio, com inicio pelas 11h12 e termo 11h40, gravado em ficheiro Diligência_610-22.5T8MTA_2023-09-28_11-12-38, e instado pelo seu Ilustre Mandatário ao minuto 19:38.
56. Razão pela qual mal andou o Tribunal ao considerar não provado o facto p), o qual deverá passar a constar dos factos provados com a seguinte redação: 14.1) O Réu tinha condições financeiras para comprar roupa ma loja identificada em 13);
57. Sobre os mesmos factos, Autor e Réu apresentam versões opostas.
58. Apelando ao histórico dos autos, não resultam dúvidas que o Autor mudou a sua narrativa desde a petição inicial até à produção de prova, devendo ter-se em conta a maleabilidade da história dos factos invocados do Autor no sentido de desconsiderar as suas declarações/depoimento, desfavorecendo-as.
59. O depoimento da Testemunha H … não pode ser considerado “sincero e desinteressado”, tendo o mesmo apresentado um discurso preparado, visando a condenação do Réu, tendo, em primeira mão referido que só aquele havia comprado roupa (que mais tarde corrigiu após reforço da pergunta), e transmitindo ao Tribunal pela ordem invocada pelo Réu na sua contestação (vide art. 85º) quais os bens adquiridos.
60. Decorre ainda das suas declarações que as mesmas nunca foram espontâneas.
61. A Testemunha prestou depoimento em audiência de discussão e julgamento, em 28 de Setembro de 2023, que ficou gravada no sistema habilus media studio, em ficheiro Diligência_610-22.5T8MTA_2023-09-28_11-51- 18, ao minuto 02:16 refere que o Sr. A … é que comprou roupa no dia da deslocação e,
62. A instância da Meritíssima Juiz referiu: ; (11:11m) J: e ao réu, ofereceu-lhe roupa naquele dia? T: se ele não lhe pagou se calhar ofereceu. A intenção não era oferecer se calhar, digo eu não sei.
63. De onde resulta que a Testemunha não tem conhecimento directo de causa, baseando o seu depoimento em suposições.
64. Mal andou o Tribunal a quo ao considerar provado o facto 15), devendo ser substituído por outro: 15) O Autor ofereceu ao Réu, na loja identifica em 13), um blazer, uma camisa, umas calças de ganga e uns sapatos.
65. O presente recurso é admissível em razão do valor porquanto à quantia de € 3.000,00 (três mil euros) (alínea b) da decisão), acrescerá a quantia que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença conforme alínea c) da decisão, tendo o Autor alegado, nos autos principais, ter entregue a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) diretamente ao Réu, em Braga, na presença do Senhor H …, numa loja de roupa (art. 6º da petição inicial)
66. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, que é de facto e de Direito, revogando-se a sentença recorrida e, alterada que seja a matéria de facto provada e não provada, seja a mesma substituída por outra que absolva o Réus dos pedidos contra si deduzidos.
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O recorrido respondeu, pugnando pela improcedência total do recurso.
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I.IV. Elementos relevantes dos autos:
1. Na sentença objeto de recurso foi proferida decisão com o seguinte teor:
Em face ao exposto, julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência:
a) Declara-se a nulidade por falta de forma do contrato de mútuo celebrado entre o Autor B … e o Réu A …  mediante o qual os Autor lhe entregou a quantia de €3,000,00 (três mil euros) com a obrigação de restituição;
b) Condena-se o Réu A …  a restituir ao Autor B … a quantia de €3.000,00 (três mil euros), acrescida de juros de mora vencidos desde a citação e vincendos até efetivo e integral pagamento, à taxa legal de juro civil, julgando-se improcedentes as excepções de prescrição e abuso de direito;
c) Condena-se o Réu A … a pagar ao Autor B … a quantia que vier a ser liquidada em ulterior incidente de liquidação previsto no artigo 358.º e seguintes do Código de Processo Civil, correspondente ao valor do blazer, da camisa, das calças de ganga e dos sapatos à data da sua compra, em finais de 2020;
d) Não se determina a condenação do Réu A … como litigante de má-fé.
e) Absolve-se o Réu A … do demais peticionado.
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Fixa-se à acção o valor de €25.700,00 (vinte cinco mil e setecentos euros) conformidade com o disposto nos artigos 296.º, 297.º do Código de Processo Civil).
Custas pelo Autor e pelo Réu na proporção do respetivo decaimento, fixando-se o do Autor em 80% e o do Réu em 20% (…);
2. Na sua petição inicial pedira o autor:
a) serem declarados nulos os contratos de mútuo celebrados entre Autor e Réu, em que permitiu ao Réu receber do Autor, por empréstimo, a quantia total de € 25.700,00 (vinte cinco mil e setecentos euros), nas condições supra descritas;
b) ser o Réu, em consequência, condenado a restituir ao Autor a quantia de € 25.700,00 (vinte cinco mil e setecentos euros), acrescida de juros legais vincendos, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento;
3. Na sua alegação constante deste articulado, no que à questão em apreço interessa, disse o autor:
(…) 4.º
Foram os seguintes os empréstimos feitos pelo Autor ao Réu:
- € 11.300,00 (onze mil e trezentos euros) - valor esse, que segundo informação prestada pelo Réu ao Autor, seria para pagamento de dívidas da sua irmã;
- € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros) - valor esse, que segundo informação prestada pelo Réu ao Autor, seria para pagamento da mobília de apartamento, cujo material foi fornecido e pago à empresa G …,  Lda em Leiria;
- € 1.900,00 (mil e novecentos euros) - valor esse, que segundo informação prestada pelo Réu ao Autor, seria para compra de roupa em Braga.
5.º
Estes montantes, foram sempre entregues em numerário, por quatro vezes, sendo duas entregas inclusive, efetuadas pelo funcionário da portaria do grupo, o Senhor I … a pedido do Autor, foram feitos levantamentos da sua conta pessoal.(…)
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I.V. Factos dados por provados na sentença recorrida:
1. O Autor e o Réu conhecem-se há cerca catorze anos, tendo existido entre ambos uma relação pessoal e profissional que cessou em 22 de Janeiro de 2022.
2. Para pagamento parcial de uma dívida da sociedade C …, Lda., sociedade titulada pela irmã do Réu, o Autor entregou ao Réu, a pedido deste, em Maio de 2013, com a obrigação de restituição, € 3.000,00 (três mil euros) em dinheiro.
3. A referida quantia foi utilizada para pagamento de uma dívida da referida sociedade às Finanças no valor de € 3.304,00 (três mil trezentos e quatro euros).
4. À data, Autor e Réu acordaram que o reembolso ao Autor pelo Réu da referida quantia seria efectuado em três prestações, a realizar nos três meses imediatamente seguintes a Maio de 2013, acrescidos de 2% de juros ao ano, como sinal da amizade de ambos.
5. Autor e Réu não reduziram a escrito o acordo supra referido.
6. Entre Agosto e Outubro de 2019, já separado da sua esposa desde Maio desse ano, o Réu arrendou uma casa para nela habitar, na Rua … …, Barreiro.
7. O Réu havia deixado na casa de morada de família os seus pertences, bem como todos os móveis que a compunham.
8. A sociedade G …, Lda. emitiu à sociedade D …, S.A. de que é administrador o Autor a fatura 2019/890 datada de 09.12.2019 referente a móveis no valor de €8.500,01.
9. O local da descarga dos móveis foi na Rua … … Lote … - …ª esquerdo no Barreiro.
10. Para pagamento dos móveis foram emitidos cheques pela sociedade D …, S.A. à ordem da sociedade G …, Lda.
11. A sociedade G …, Lda. emitiu os correspondentes recibos à sociedade D …, S.A.
12. O Autor é presidente do Conselho de Administração da sociedade E …, SA, pessoa colectiva n.º …, com sede na Rua …, Nº… - …, Escritório …, Lisboa.
13. No final de 2020 numa deslocação em trabalho à sociedade J …, com instalações em Braga, Autor, Réu, H … e L … deslocaram-se à loja de roupa da N …, LDA.
14. O Autor comprou peças de roupa para si próprio.
15. Por solicitação do Réu, o Autor adiantou o pagamento de um blazer, uma camisa, umas calças de ganga e uns sapatos de valor não apurado, para o Réu, com a obrigação de este lhe restituir o valor pago.
16. O Autor efetuou o pagamento da roupa parcialmente em dinheiro diretamente na loja e o restante por transferência bancária da conta da sua esposa M … para a conta da sociedade N …, LDA., no montante de € 1.200,00 (mil e duzentos euros), que englobou as peças de roupa adquiridas para si e para o Réu.
17. Mediante carta registada com aviso de recepção datada de 28.02.2022 o Autor solicitou ao Réu o pagamento, no prazo de cinco dias, de €25.700,00 referentes a entregas em dinheiro nesse montante.
18. O Réu não entregou ao Autor os montantes solicitados.
19. Para além da presente acção o Autor intentou contra o Réu uma injunção com o n.º …./…, vindo a desistir do pedido.
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Factos não provados:
(…)
a) O Autor entregou ao Réu, a pedido do mesmo, por diversas vezes nos últimos seis meses de 2021 e com a obrigação de restituição as seguintes quantias em numerário:
a1) - € 11.300,00 (onze mil e trezentos euros) - valor esse, que segundo informação prestada pelo Réu ao Autor, seria para pagamento de dívidas da sua irmã;
a2) - € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros) - valor esse, que segundo informação prestada pelo Réu ao Autor, seria para pagamento da mobília de apartamento, cujo material foi fornecido e pago à empresa G …, Lda em Leiria;
a3) - € 1.900,00 (mil e novecentos euros) - valor esse, que segundo informação prestada pelo Réu ao Autor, seria para compra de roupa em Braga.
b) Estes montantes foram sempre entregues em numerário, por quatro vezes, sendo duas entregas inclusive, efetuadas pelo funcionário da portaria do grupo, o Senhor I … a pedido do Autor.
c) Foram feitos levantamentos da conta pessoal do Autor.
d) O prazo de reembolso das quantias entregues seria até oito meses.
e) O Réu nunca entregou ao Autor qualquer documento comprovativo da receção dos montantes referidos devido à elevada confiança existente entre ambos.
f) Nunca o Autor exigiu ao Réu o reembolso da quantia de €3000,00 e respectivos juros acordados, salvo nos presentes autos.
g) Fruto da longa amizade que existia entre Autor e Réu, o Autor decidiu ajudar o Réu oferecendo-lhe mobília através de uma das sociedades a que está ligado.
h) A oferta de tais móveis totalizou a quantia aproximada de € 8.900,00 (oito mil e novecentos euros).
i) Os móveis foram pagos pela sociedade E …, SA. j) O Réu, a pedido de O …, Administrador do Grupo E …, S.A. assinou, nos escritórios da dita sociedade, em Leiria, já em 2020, a fatura emitida àquela sociedade por G …, Lda., pessoa colectiva n.º …, com sede na Estrada … e …, …, …., 2440-… Leiria.
l) Aquando da deslocação em trabalho à sociedade J … referida em 13) dos factos provados, o Autor pretendeu oferecer roupa aos presentes.
m) O Autor ofereceu ao Réu na dita loja, um blazer, uma camisa, umas calças de ganga e uns sapatos.
n) O Autor entregou diretamente ao Réu o montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) na loja de roupa em Braga, na presença do Senhor H …, com a obrigação de restituição nos oito meses seguintes. o) O Réu nunca pediu ao Autor qualquer dinheiro emprestado para comprar roupa. p) Até porque tinha condições monetárias para o fazer.
q) O Réu solicitou ao Autor que lhe entregasse com a obrigação de restituição determinados montantes pecuniários para pagamento de dívidas da Senhora P …
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir. –
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II. Objeto do recurso (como delimitado pelas conclusões do recorrente):
- Da admissibilidade da reapreciação da decisão de facto relativamente a questão em que o recorrente não foi condenado;
- Dos fundamentos da alteração da decisão de facto;
- Da verificação de prescrição do direito à perceção de quantias entregues com base em mútuo declarado nulo;
- Da verificação de abuso de direito. –
III. Apreciação da matéria do recurso:
III.I. Recurso da decisão de facto:
III.I.I. Imodificabilidade da decisão de facto relativa a empréstimo de valores para aquisição de mobiliário:
Pretende o recorrente pôr em causa a decisão de facto relativa à alínea g) do elenco dos não provados: - que os móveis em causa nos factos provados de 6) a 11) haviam sido dados pelo Autor ao Réu.
Pede que a decisão de facto seja alterada, eliminando-se da matéria de facto não provada a referida al. g) e aditando-se um novo facto provado com o seguinte teor:
7.1) Fruto da longa amizade que existia entre Autor e Réu, o Autor decidiu ajudar o Réu oferecendo-lhe mobília através de uma das sociedades a que está ligado.
Prévia à apreciação desta questão é a avaliação da utilidade desta apreciação para a decisão do recurso.
Importa começar por considerar o enunciado legal da questão - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662.º n.º 1 do CPC).
A literalidade do preceito refere-se a decisão diversa (de facto), mas a teleologia do preceito implica, necessariamente, que a diversa decisão (de facto), seja suscetível de se repercutir numa diversa decisão da matéria do próprio recurso (neste sentido, designadamente, acórdão desta Relação de 27/10/2022, Carlos Castelo Branco, dgsi.pt.)
Tal, manifestamente, não sucede no caso.
Importa considerar que, a despeito da unidade do pedido condenatório líquido deduzido pelo autor (condenação do réu na restituição da quantia de €25.700,00, acrescida de juros legais vincendos, desde a citação até efetivo pagamento), este assenta em três segmentos factuais perfeitamente autonomizados na petição inicial, relativos à invocação de diferentes empréstimos feitos ao réu:
- a) para pagamento de uma dívida de terceiro (a sua irmã);
- b) para aquisição de mobiliário;
- c) para compra de roupa.
Estes três atos, seja qualificando-os juridicamente como contratos autónomos de mútuo, seja como atos concretos de execução parcelar de um mútuo singular, ou até, no limite, chamando à colação um tertium genus, que poderia ser uma atípica abertura de crédito sucedida de concretas entregas em sua execução, serão sempre autonomizados, de forma expressa, com os respetivos contornos negociais bem definidos (diferente objeto, diferente convenção de juros, diferentes momentos de conclusão).
Desses três atos, ainda que integrados num único pedido líquido, o tribunal a quo, relevando a sua autonomia, segmentou o seu dispositivo, por forma a:
a) Condenar o réu/recorrente nos valores relativos a empréstimo para pagamento da dívida de terceiro (condenando o réu no pagamento da quantia de €3.000, acrescida de juros, pelo empréstimo para pagamento de dívida da irmã do autor);
b) Condenar o réu/recorrente em valor carecido de liquidação, correspondente a peças de roupa por este adquiridas com recurso a fundos do autor;
c) Absolver o réu do mais peticionado, isto é, portanto, do pedido relativo a empréstimo de valores empregues na aquisição de mobiliário.
Pretende o réu, pelo presente recurso, pôr em causa a decisão de facto relativa a este empréstimo para aquisição de mobiliário, solicitando, em síntese, que o tribunal dê por provada a existência de uma doação dos bens em causa (e, por consequência, declare a inexistência de uma obrigação de restituição).
Esta é uma matéria em que o réu não ficou vencido e, pelo contrário, foi expressamente absolvido do pedido  correspondente a este segmento factual.
A questão poderia ser tratada como verdadeira falta de legitimidade para o recurso, nesta parte (por falta de decaimento), ou como questão prévia à reapreciação da matéria de facto, devida à irrelevância da questão para a decisão do recurso (o que resulta expressamente dos seus próprios termos).
A análise do caminho mais adequado depende da perspetiva que se tome sobre a autonomia substantiva das questões objeto de recurso, o que, de uma forma simplificada, corresponde a sobrelevar a existência de um pedido único, como consta da petição inicial, ou uma separação efetiva de condenações, como declarada na sentença.
Sendo ambas as soluções defensáveis, deve impor-se aquela que confira a máxima amplitude ao recurso e a maior segurança à solução do pleito, que, no caso, implica considerar que o vencido é único, a despeito da aludida segmentação factual feita pelo dispositivo da sentença.
Admitido que está o recurso com este objeto (e, portanto, incluindo segmentos factuais em que o recorrente fez vencimento), ganha eficácia o referido obstáculo prévio ao conhecimento da impugnação de facto, que pode ser referido como a completa inocuidade, ou inutilidade, desta concreta reapreciação para a decisão do recurso.
Prove-se que estes valores foram doados (como pretende o recorrente) ou, mantendo-se como não provada a doação, estando também não provado este concreto empréstimo, tendo o réu/recorrente sido absolvido deste pedido, ou deste segmento autónomo do pedido, qualquer que seja o resultado da impugnação de facto, será insuscetível de determinar qualquer alteração da decisão do recurso.
A impugnação da matéria de facto não serve para dar à parte a possibilidade de retificar ou esclarecer pontos irrelevantes da decisão com que não concorde. Serve para dar suporte a uma pretensão de uma parte vencida em alterar a decisão da causa, como estabelecida em 1.ª instância.
Não sendo esse o caso, não reúne a impugnação requisitos para ser apreciada, nessa parte, devendo ser rejeitada.
Assim, não se deve admitir a reapreciação da decisão de facto no que concerne à entrega de quantias para aquisição de mobiliário, o que se decide. –
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III.I.II. Pontos subsistentes de impugnação da decisão de facto:
Subsistem, assim, dois pontos de facto pretendidos alterar pelo recorrente:
a) A entrega do autor ao réu da quantia de €3.000 para pagamento de dívidas de terceiro (a sua irmã);
b) A entrega do autor ao réu de quantias por este usadas na aquisição de peças de vestuário (descritas no dispositivo da sentença).
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a) O empréstimo para pagamento de dívida da irmã do autor:
Sustenta o recorrente a sua impugnação, neste ponto, dizendo:
1. Fruto de confissão do Réu, o Tribunal a quo considerou provado que
(…) 2) Para pagamento parcial de uma dívida da sociedade C …, Lda., sociedade titulada pela irmã do Réu, o Autor entregou ao Réu, a pedido deste, em Maio de 2013, com a obrigação de restituição, €3.000,00 (três mil euros) em dinheiro; que 3) A referida quantia foi utilizada para pagamento de uma dívida da referida sociedade às Finanças no valor de €3.304,00 (três mil trezentos e quatro euros); que 4) À data, Autor e Réu acordaram que o reembolso ao Autor pelo Réu da referida quantia seria efectuado em três prestações, a realizar nos três meses imediatamente seguintes a Maio de 2013, acrescidos de 2% de juros ao ano, como sinal da amizade de ambos.
2. Contudo, em audiência de discussão e julgamento, em 22 de Junho de 2023, que ficou gravada no sistema habilus, com início pelas 10h13m e termo 11h45, esclareceu o Réu que o Autor deu por saldada tal dívida.
3. Em depoimento prestado em ficheiro Diligência_610-22.5T8MTA_2023-06-22_10-55-19, do minuto 00:29 ao minuto 04:27, o Réu explicou o negócio no Congo que proporcionou ao Autor uma margem de lucro que levou o mesmo a considerar saldada a divida que o Réu tinha a si pelo referido empréstimo de € € 3.000,00 (três mil euros).
4. Reproduz-se: (01:29) Juiz: Então o senhor está a dizer é que acordaram na não devolução do dinheiro? Réu: Quer dizer, ele disse-me! Por isso é que ele nunca o pediu só veio agora pedir agora (01:37) Juiz: Mas o Autor alguma vez lhe disse que não tinha que restituir essa quantia? Réu: Disse, disse nesse jantar, no Príncipe Real. (…) (04:05m) Juiz: o senhor diz é que as contas ficaram saldadas porquanto fecharam um negócio no Congo que trouxe ao Autor uma boa margem de lucro. É isso? (04:18) Réu: Ele disse, sendo assim considera saldado. Só isso, mais nada. Daí ele nunca mo ter pedido (04:27m). (04:49) Juiz: olhe, o senhor nunca foi interpelado pelo Autor para lhe pagar as quantias aqui peticionadas nos autos? Réu: Não, só depois de eu ter saído da empresa. Já me meteu uma injunção, agora está-me a pedir isto, por isso. E ainda tenho outro processo, por isso ((05:13). (…) (05:30) Depois da minha saída da empresa doutora. (…) Recepção da carta eu confirmo (05:51).
5. Tais factos não foram contrariados pelo Autor nas suas declarações de Parte, nem pelas testemunhas por si arroladas, pelo que deve ser aditado à matéria de facto provada, atento o disposto no art. 5º n.º 2 alínea a) e art. 607º do CPC - 5.1) Autor, em virtude de um negócio angariado pelo Réu no Congo, e atenta a margem de lucro auferida pelo Autor, deu o empréstimo referente ao pagamento da divida da irmã do Réu, no montante três mil euros, por saldado.
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Resumindo a posição do recorrente réu quanto a esta questão, este solicita que seja aditada a existência de um perdão de dívida, assentando para tanto nas declarações do próprio réu, não contraditadas pelo autor ou por testemunho.
Quer isto dizer que não põe em causa os factos essenciais que sustentaram esta parte da condenação, i.e., que a quantia lhe foi entregue pelo autor e não restituída, pretendendo aditar um facto extintivo superveniente – o aludido perdão de dívida.
Não existe na decisão de facto qualquer referência expressa a esta questão, o que se deve considerar natural e não constitutivo de qualquer omissão relevante.
Esta conclusão decorre de ser uma matéria extrínseca à factualidade essencial e que o recorrente pretende aditar, suportando-se exclusivamente nas suas declarações, sendo que o argumento em causa não fora apresentado anteriormente nos autos.
Não tendo a questão sido discutida nos articulados e dando o tribunal por provada a entrega de €3.000 (expressamente reconhecida pelo réu/recorrente), não teria o tribunal que afastar expressamente este argumento na sua fundamentação.
Mais que as considerações anteriores, essencial para a reapreciação deste ponto é a circunstância de se tratar de um facto favorável à parte declarante, sem qualquer outra prova que o suporte.
A prova produzida parcialmente e que não constitua confissão em sentido próprio (isto é, a assunção de um facto desfavorável ao declarante), terá tanto maior valor consoante os elementos desfavoráveis que contenha.
A simples declaração de um facto favorável, sem qualquer elemento de corroboração, ainda por cima de um facto extintivo de uma obrigação pecuniária por causa diversa do pagamento, é um elemento probatório insuscetível de pôr em causa a coerência da decisão proferida.
O que antes ficou dito também serve, mutatis mutandis, para o argumento apresentado pelo recorrente de ausência de contradita, declaração ou depoimento em sentido contrário.
A circunstância de ser um facto favorável à parte que o manifesta, fora do contexto da discussão de facto havida nos autos, não é, em termos de normalidade, algo suscetível de ser antecipado ou rebatido por qualquer outra pessoa (repete-se que o argumento do perdão, manifestado em contexto social – um jantar – foi apresentado, do que os autos documentam, apenas em sede de audiência final).
Não existe, assim, qualquer insuficiência, contradição ou imprecisão que justifique a alteração da decisão de facto, nesta parte.
É o que se decide. –
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b) A entrega do autor ao réu de quantias por este usadas na aquisição de peças de vestuário (descritas no dispositivo da sentença).
Sobre este ponto, sustenta o recorrente que:
- Face aos factos provados em 13) e 14) , mais uma vez se demonstra que o Autor, na sua petição inicial, invocou factos (datas) e modos de pagamento que não correspondem à verdade, tendo os factos em causa ocorrido um ano antes do alegado.
- O Réu prestou depoimento e declarações de parte em audiência de discussão e julgamento, em 22 de Junho de 2023, que ficou gravada no sistema habilus media studio, com início pelas 10h13m e termo 11h45. Em depoimento gravado em ficheiro Diligência_610-22.5T8MTA_2023-06-22_10-17-07, entre os minutos 17:11 e 18:00, o Réu confirma que se deslocou à loja de roupa em Braga, não lhe tendo sido entregue qualquer quantia monetária.
- Mais afirmou que não comprou qualquer roupa e que o Autor é que fez questão de lhe oferecer, conforme gravação em ficheiro Diligência_610-22.5T8MTA_2023-06-22_10-17-07, entre os minutos 18:30 e 20:24m.
- O Réu não necessitava que o Autor lhe pagasse quaisquer roupas não só pelo vencimento que auferia, mas também porque beneficiava de um cartão de crédito que podia fazer face a tal despesa.
- O que foi corroborado pelo próprio Autor que afirmou que o vencimento do Réu “Nos dois lados, ultrapassava os seis mil euros por mês mais despesas, mais despesas, cartões de crédito, tanto de Portugal como de França, e um BMW de serviço série 6 (20:01m)”, em sede de audiência de discussão e julgamento, em 28 de Setembro de 2023, que ficou gravada no sistema habilus media studio, com início pelas 11h12 e termo 11h40, gravado em ficheiro Diligência_610-22.5T8MTA_2023-09-28_11-12-38, e instado pelo seu Ilustre Mandatário ao minuto 19:38.
- Razão pela qual mal andou o Tribunal ao considerar não provado o facto p), o qual deverá passar a constar dos factos provados com a seguinte redação:
14.1) O Réu tinha condições financeiras para comprar roupa na loja identificada em 13);
- Sobre os mesmos factos, Autor e Réu apresentam versões opostas.
- Apelando ao histórico dos autos, não resultam dúvidas que o Autor mudou a sua narrativa desde a petição inicial até à produção de prova, devendo ter-se em conta a maleabilidade da história dos factos invocados do Autor no sentido de desconsiderar as suas declarações/depoimento, desfavorecendo-as.
- O depoimento da Testemunha H … não pode ser considerado “sincero e desinteressado”, tendo o mesmo apresentado um discurso preparado, visando a condenação do Réu, tendo, em primeira mão referido que só aquele havia comprado roupa (que mais tarde corrigiu após reforço da pergunta), e transmitindo ao Tribunal pela ordem invocada pelo Réu na sua contestação (vide art. 85º) quais os bens adquiridos.
- Decorre ainda das suas declarações que as mesmas nunca foram espontâneas.
- A Testemunha prestou depoimento em audiência de discussão e julgamento, em 28 de Setembro de 2023, que ficou gravada no sistema habilus media studio, em ficheiro Diligência_610-22.5T8MTA_2023-09-28_11-51- 18, ao minuto 02:16 refere que o Sr. A … é que comprou roupa no dia da deslocação e,
- A instância da Meritíssima Juiz referiu: ; (11:11m) J: e ao réu, ofereceu-lhe roupa naquele dia? T: se ele não lhe pagou se calhar ofereceu. A intenção não era oferecer se calhar, digo eu não sei.
- De onde resulta que a Testemunha não tem conhecimento direto de causa, baseando o seu depoimento em suposições.
- Mal andou o Tribunal a quo ao considerar provado o facto 15), devendo ser substituído por outro: 15) O Autor ofereceu ao Réu, na loja identifica em 13), um blazer, uma camisa, umas calças de ganga e uns sapatos.
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Quer isto dizer, em resumo quanto a este ponto, que o recorrente pretende uma dupla alteração na matéria de facto assente nos autos.
A primeira, relativa ao facto instrumental “capacidade financeira” do réu de adquirir, por si, as peças de roupa em causa (não carecendo de empréstimo do autor para o fazer).
A segunda, relativa ao facto essencial (mútuo ou doação), aditando que as peças de roupa em causa foram oferecidas pelo autor ao réu.
Impõe-se uma análise individualizada, ainda que deva referir-se que, ao contrário do ponto anterior (relativo ao empréstimo para pagamento de dívida da irmã), os meios e juízos de prova aqui apresentados pelo recorrente não se atêm a declarações do próprio, chamando outros elementos à análise.
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O segmente relevante da decisão da matéria de facto relativa a esta matéria é o seguinte:
Para apuramento da factualidade vertida em 13) a 16) atentou-se nas declarações de parte do Autor que a confirmou, de forma consistente e segura, tendo referido que o pagamento das roupas destinadas ao Réu se tratou de um empréstimo. E tais declarações mostram-se corroboradas pelo depoimento consistente e seguro da testemunha H …, empresário do ramo dos plásticos e automóveis que referiu ser amigo do Autor e conhecer o Réu por ter sido sócio do Autor.
Em depoimento que se afigurou sincero e desinteressado referiu que no final do ano de 2020 se deslocou à sociedade J … em Braga com o Autor e com o Réu, bem como a uma loja de roupa na mesma cidade. Referiu a testemunha que o Autor não declarou querer oferecer roupa aos presentes, tendo comprado um sobretudo para si próprio. Referiu ainda que o Réu escolheu um blazer, uma camisa, umas calças e uns sapatos que quis comprar, tendo referido que não tinha dinheiro para pagar. Referiu ainda ter ouvido o Autor dizer que lho podia emprestar e ter visto o Autor nessa altura entregar ao Réu dinheiro em numerário, cuja quantia referiu desconhecer. Disse ainda que uma parte do valor da roupa foi paga na loja em numerário que o Autor entregou ao Réu e o restante por transferência bancária, desconhecendo em concreto os valores pagos pela roupa adquirida pelo Autor e pelo Réu, mas que estima que ronde os €3.000, 00 a €4.000,00. Atentou-se ainda no comprovativo de transferência no valor de €1200,00 realizada em 18.12.2020, bem como no depoimento da testemunha Q …, - técnica de recursos humanos na Empresa E … S. A, filha do Autor que referiu conhecer o Réu por ter sido seu colega de trabalho e ter sido pessoa próxima da sua família. A testemunha em depoimento sereno e que se afigurou sincero confirmou ter realizado a pedido de seu pai a transferência de €1200,00 da conta pessoal deste e de sua mãe para a conta indicada pelo Réu por mensagem, atentando-se ainda no teor das mensagens datadas de 17.12.2020 e 18.12.2020 trocadas entre o Réu e a testemunha juntas aos autos com a contestação a fls. 40 verso a 42.
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Vejamos.
Quanto ao facto instrumental relativo às condições financeiras do réu de proceder, por si, à aquisição das peças de roupa (de onde pretende retirar o facto essencial de que o recorrido as não teria pago), deve começar-se por dizer que a expressão convocada é vaga e pouco substanciada.
Aludir a condições financeiras, neste contexto, é algo que permite englobar uma quantidade de situações muito diversa e, nessa medida, impunha outra substanciação.
Por outro lado, em termos concretos, o recorrente fundamenta a sua impugnação deste ponto com a conjugação das declarações do próprio com as declarações do autor, na parte em que aludem ao vencimento total do réu (€6.000 mensais), bem como à circunstância de auferir de outras regalias (que seriam também, em termos de normalidade, redutoras de despesas pessoais – cedência de automóvel e de cartão de crédito pelas empresas).
É certo, repescando uma alusão anteriormente feita, que a declaração do autor relativa aos rendimentos do réu, não sendo uma confissão, encerra uma perspetiva negativa para a sua posição, na medida em que traduz a admissão de rendimentos manifestamente superiores à média e, nessa medida, confere consistência ao argumento de desnecessidade de acorrer a empréstimos para efeito de adquirir vestuário.
Todavia, nem este facto instrumental cede perante a prova direta do facto essencial.
Passando a este segundo ponto, sustenta o recorrente que o depoimento da testemunha H … não podia ter sido valorado favoravelmente, como fez o tribunal a quo, tendo o seu depoimento sido orientado para favorecer o autor e prejudicar o réu.
Nada existe nas suas declarações ou nos autos que sustente tal ilação e, portanto, não pode ser sindicado o juízo de apreciação constante da decisão recorrida.
Não deixa, todavia, de se assinalar o carater direto e objetivo das declarações, confrontado com o juízo indireto e genérico que decorre dos rendimentos do réu.
Vertendo esta asserção à expressão do recorrente (capacidade financeira), é claro que esta depende do nível de rendimentos, mas também do nível de despesas e, quanto ao momento concreto em que o negócio se concretizou, das efetivas e imediatas disponibilidades financeiras no concreto dia em que as peças de vestuário foram adquiridas.
Sobre isso, mesmo num quadro de rendimentos muito acima da média, nada foi apresentado, o que sustenta a decisão recorrida.
Por último, importa referir que um outro juízo de normalidade social se pode contrapor, este claramente corroborando a decisão de facto – a razão de alguém oferecer a um amigo peças de roupa (cujo valor não se apurou, ante uma alegação de €1900 e elementos que apontam para um pagamento de €1200, englobando peças adquiridas pelo próprio autor).
É referida uma relação de amizade. Foi dada por provada uma relação pessoal com largos anos. Em termos de normalidade, sem referência a qualquer razão especialmente  justificativa (uma data festiva, uma ligação afetiva/amorosa, ou outra que se conceba) será pouco explicável a versão pretendida prevalecer, sem qualquer prova direta que a corrobore e, pelo contrário, havendo elementos que apontam diretamente em sentido inverso.
Quer isto dizer, em síntese, que também neste concreto ponto não procede a impugnação da matéria de facto. –
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Decorre do antecedente que a impugnação da decisão de facto não tem, na sua totalidade, sustentação. –
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III.II. Direito
Subsidiariamente à decisão de facto, convoca o recorrente diversos argumentos de direito para sustentar a sua pretensão recursória.
Invoca prescrição da obrigação de restituição convocando o instituto do enriquecimento sem causa.
Segundo esta tese, sobreleva à declaração de nulidade a circunstância de o autor enriquecer pela restituição, beneficiando do prazo curto de prescrição estabelecido para o enriquecimento e não do prazo ordinário.
É uma tese sem sustentação.
Como decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31/1/2019 (Oliveira Abreu, dgsi.pt) a restituição, por parte do mutuário, de tudo quanto haja recebido do mutuante, em caso de nulidade do mútuo (…) deve ser enquadrada nos termos do art.º 289º n.º 1 do Código Civil, desconsiderando-se o instituto do enriquecimento sem causa.
Esta asserção decorre da natureza subsidiária do instituto de enriquecimento sem causa, que só deve ser convocado na falta de outra disposição reguladora dos acréscimos patrimoniais, que existe nesta situação, diretamente decorrente da declaração de invalidade do mútuo.
Numa lógica paralela, apresenta o recorrente um segundo argumento – o abuso de direito de solicitar a restituição por decurso do tempo.
Este abuso, na forma de venire contra factum proprium, radicaria na falta de reclamação do crédito pelo período de 9 (nove) anos, criando a convicção do seu não exercício.
Também não lhe assiste razão.
O mero decurso do tempo é enquadrado juridicamente pelo instituto da prescrição e, nessa medida, até ao seu transcurso não existe nenhuma confiança juridicamente tutelável de não exercício de um direito.
Dizendo de outro modo, para fundamentar um venire contra factum proprium assente em não exercício do direito não basta a mera invocação de decurso do tempo, impondo-se apresentar, sustentadamente, outros elementos de facto que deem corpo à confiança criada (a propósito do mero decurso do tempo não constituir abuso de direito, veja-se, designadamente, o acórdão desta Relação de 4/7/2024, Teresa Soares, diariodarepublica.pt e a propósito da constituição do abuso de direito induzida pelo decurso do tempo, carecer de outros elementos indutores de confiança no não exercício do direito, vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12/11/2013, Nuno Cameira e de 10/1/2023, Fátima Gomes, ambos em dgsi.pt).
No caso, não existe qualquer outro elemento apurado indutor de confiança, que não o decurso do tempo, o que conduz também à improcedência deste argumento.
A um terceiro nível, entrelaçando dois argumentos, invoca o recorrente simples prescrição da obrigação de juros e contradição na decisão (ao dar por provada uma convenção de juros de 2% e proferindo condenação no pagamento de juros moratórios legais).
Não lhe assiste razão, em qualquer dos argumentos.
É claro que os créditos de juros emergentes de um contrato de mútuo em que é convencionada a amortização da dívida em prestações de capital e juros estão sujeitos ao prazo de prescrição de 5 anos previsto no art.º 310.º, al, e) do Código Civil (cf., por todos, acórdão desta Relação de 22/3/2022, Cristina Coelho, ecli.pt), esta invocação não tem, todavia, qualquer fundamento no caso.
O réu/recorrente foi condenado numa obrigação de restituição, com juros de mora legais contados desde a citação e, portanto, sem cômputo de qualquer juro convencional a sustentar este argumento.
Será tautológico afirmar que a declaração de nulidade do contrato faz cair qualquer crédito emergente de uma cláusula contratual, sendo a condenação moratória diretamente assente na lei.
O mesmo se deve dizer, com as necessárias adaptações, a propósito da invocada contradição na decisão.
A prova do juro contratual é extrínseca à condenação na obrigação de restituição e respetivos acréscimos legais e, portanto, não existe qualquer contradição decisória (que existiria, isso sim, se sobre a declaração de nulidade do mútuo e da obrigação de restituição fossem aplicados juros calculados à taxa convencional).
Quer isto dizer, em síntese, que improcedem as razões apresentadas e o recurso, na totalidade. –
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IV. Dispositivo  
Face ao exposto, declara-se a apelação improcedente mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
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Custas pelo recorrente.
Notifique-se e registe-se. –
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Lisboa, 10-10-2024,
João Paulo Vasconcelos Raposo
Rute Sobral
Laurinda Gemas