CONTRATO DE CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL
REGIME APLICÁVEL
FORMA ESCRITA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
COVID 19
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Sumário

SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC)
I – O contrato de cessão de exploração de estabelecimento ou, como passou a ser designado no âmbito do NRAU (aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27-02), locação de estabelecimento, embora nominado, não tem um regime específico fixado na lei, já que se lhe aplicam, ex vi do n.º 1 do art. 1109.º do CC, e com as necessárias adaptações, as regras especiais do regime dos arrendamentos urbanos para fins não habitacionais previstas na Subsecção VIII intitulada “Disposições especiais do arrendamento para fins não habitacionais. Não obstante o cariz locativo da locação de estabelecimento, a remissão constante do art. 1109.º, n.º 1, do CC não pode ser entendida como uma remissão em bloco para todo o regime dos arrendamentos urbanos para fins não habitacionais.
II – A locação de estabelecimento - no caso, a cessação de exploração de uma Escola de Equitação - deve ser reduzida a escrito - cf. art. 1112.º, n.º 3, ex vi do art. 1109.º, n.º 1, ambos do CC -, sendo as razões dessa forma escrita as mesmas que levaram o legislador a estabelecer, no art. 1069.º, n.º 1, do CC, a exigência legal de forma escrita para o contrato de arrendamento, em particular as da solenidade, controlo público (até pela atividade desenvolvida) e facilidade da prova.
III – Ante o disposto nos artigos 219.º, 220.º e 221.º, n.º 2, do CC, é de considerar nula, por inobservância da forma escrita, a estipulação posterior ao contrato de locação de estabelecimento em apreço, acordada verbalmente pelas partes, em resultado do encerramento da Escola de Equitação decretado por causa da pandemia de Covid-19, nos termos da qual as rendas de abril a agosto de 2020 não seriam devidas no período em que estaria (previsivelmente) encerrado o estabelecimento, e, por outro lado, como contrapartida dessa renúncia, o prazo de duração do contrato seria prorrogado, passando de 5 anos para 5 anos e 5 meses.
IV – Dada a situação de pandemia de Covid-19 verificada desde 11 de março e os impactos que teve, determinando o encerramento da Escola de Equitação, e considerando o valor que já havia sido pago relativo à renda de março de 2020, mostra-se equitativamente ajustado, ao abrigo do disposto no art. 437.º, n.º 1, do CC, determinar a redução do valor das rendas a que a Autora, locadora, tem direito, ficando a Ré, locatária, obrigada a pagar-lhe o valor correspondente a metade das cinco rendas relativas ao período de abril a agosto de 2020.
V – A declaração de resolução do contrato de locação do estabelecimento pela locatária, conquanto ilícita, pode operar o seu efeito extintivo do contrato, equivalendo a uma denúncia do mesmo, uma vez que está consagrado na lei o direito potestativo de denúncia do contrato pelo arrendatário/locatário, como resulta dos termos conjugados dos artigos 1098.º, n.ºs 5 e 6, 1109.º, n.º 1, e 1110.º, n.ºs 1 e 2, do CC.
VI – No caso, a declaração unilateral resolutiva da Ré efetuada em meados de agosto de 2020, apesar de ilícita, fez cessar o contrato, pois a Ré podia tê-lo denunciado, mas sem apagar as consequências do que não deixa de ser um incumprimento contratual definitivo do contrato, fazendo-a incorrer na obrigação de indemnizar pelo prejuízo causado à parte contrária (cf. art. 798.º do CC), pagando à Autora o valor das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta (no caso de um ano), nos termos do art. 1098.º, n.º 6, ex vi do n.º 1 do art. 1110.º, e do art. 1110.º, n.º 2, aplicáveis por via da remissão do n.º 1 do art. 1109.º, todos do CC.

Texto Integral

Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
A …, LDA. interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou parcialmente procedente a ação declarativa que, sob a forma de processo comum, contra si foi intentada pela B ….
Na Petição Inicial, apresentada em 17-02-2022, a Autora peticionou que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 59.944,30 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vincendos até integral pagamento, alegando, para tanto e em síntese, que:
- Entre as partes foi celebrado um contrato de exploração nos termos do qual, no exercício da atividade de ambas, a Autora cedeu à Ré a Escola de Equitação de que é proprietária, que se encontra instalada nos terrenos sitos no Hipódromo do ..., em Lisboa, tendo sido prevista a duração de 5 anos - com início em setembro de 2016, renovando-se apenas por escrito e com o consentimento de ambas as partes -, e a renda mensal de 3.300,00 €;
- Em março de 2020, por efeito da pandemia de Covid-19, a Ré foi forçada a encerrar a Escola de Equitação, tendo a Autora, por causa disso, consentido na suspensão do pagamento das rendas entre abril e agosto de 2020, as quais haveriam de ser pagas no fim do contrato;
- Porém, a Ré apenas pagou 1.210 € da renda de março de 2020, nenhum outro pagamento tendo feito;
- Entretanto, a Ré enviou à Autora uma comunicação de resolução do contrato, invocando o incumprimento desta última;
- A Autora opôs-se à imputação assim feita, tendo, por seu turno, instado a Ré a cumprir o contrato, cujo fim estava previsto para final de agosto de 2021;
- Deste modo, encontram-se em dívida as rendas vencidas e não pagas, designadamente o remanescente da renda de março de 2020 (2.090 €), bem como as 17 rendas seguintes (de abril de 2020 a agosto de 2021), no valor de 3.300 € cada, tudo perfazendo 58.190 €, a que acrescem os juros já vencidos no valor de 1.754,30 €.
Na sua Contestação, a Ré defendeu-se por impugnação motivada, de facto e de direito, bem como por exceção perentória - invocando, quanto ao pedido de pagamento de rendas durante o período de pandemia, a impossibilidade não culposa de a Autora cumprir a sua obrigação principal e, quanto ao pedido de rendas vincendas até final do contrato, o abuso do direito -, e ainda por Reconvenção, peticionando, a esse título, que fosse:
a. Declarada inexistente e ineficaz a pretensa resolução da Autora, ou, caso assim não se entendesse, inválida por falta de fundamento;
b. Condenada a Autora a devolver à Ré a caução ilegalmente retida, no valor de 6.600,00 €, acrescida de juros vencidos no valor de 637,94 € e juros vincendos até integral reembolso, ou, caso assim não se entendesse, o valor descontado de qualquer crédito apurado a favor da Autora;
c. Condenada a Autora a indemnizar a Ré por danos não patrimoniais no valor de 1.000,00 € (mil euros), acrescida de juros vincendos até pagamento;
d. E, subsidiariamente, para o caso de não se considerar o contrato suspenso por impossibilidade temporária, declarada a modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias, nos termos do disposto no art. 437.º do Código Civil, declarando-se a sua suspensão entre meados de março e agosto de 2020, declarando-se expressamente a inexistência da obrigação de pagamento de renda durante esse período.
Alegou, para tanto e em síntese, que:
- As rendas correspondentes aos meses de encerramento da Escola de Equitação não são devidas, já que não existiu sinalagma, por manifesta impossibilidade não culposa das partes, sendo que uma qualquer alteração ao contrato teria de ser feita por acordo escrito, o que nunca sucedeu;
- Ainda que assim não se entendesse, a Ré sempre teria direito à modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias;
- A Ré operou a resolução do contrato, conforme comunicação de 13-08-2020, atenta a grave e reiterada violação de deveres de conduta pela Autora e a quebra de confiança ocorrida;
- A Autora aceitou a resolução, pois recebeu as chaves do estabelecimento no dia 29-10-2020;
- A própria Autora resolveu o contrato de cessão de exploração por carta datada de 23-10, com efeitos a 30-10-2020;
- A pretensão da Autora quanto a rendas vincendas após a resolução do contrato configura enriquecimento sem causa enquadrável como abuso de direito, dado que abriu novo concurso para exploração da Escola de Equitação em outubro de 2020 e a escola continuou a ser explorada, não podendo remunerar-se duas vezes por tal exploração;
- A carta enviada pela Autora aos sócios (doc. 4 junto com a Contestação), na medida em que é uma divulgação pública de factos falsos, causou-lhe danos não patrimoniais.
Mais requereu a condenação da Autora como litigante de má-fé.
Na Réplica, a Autora pugnou pela improcedência da reconvenção e do pedido de condenação como litigante de má-fé, alegando designadamente que a “suspensão da obrigatoriedade do pagamento das rendas resulta da legislação que foi publicada no âmbito da pandemia COVID-19 e da possibilidade dada pela Autora de a Ré suspender o pagamento das rendas, relegando o mesmo para o término do Contrato, como decorre do email que se junta como Doc. 1”.
Na audiência prévia, foi proferido despacho que admitiu a reconvenção, despacho saneador e de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com prestação de depoimento pelo legal representante da Autora e produção de prova testemunhal.
Após, foi proferida a Sentença recorrida cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
“Pelo exposto, e ao abrigo das disposições legais citadas:
a) julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a Ré a pagar à Autora a quantia de € 51.590,00 (cinquenta e um mil, quinhentos e noventa euros), a título de capital, acrescida dos juros vencidos, desde a data de interpelação para pagamento, bem como dos vincendos, sempre à taxa legal devida para os créditos comerciais, até efectivo e integral pagamento;
b) julga-se a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo-se a Autora/reconvinda do pedido;
c) absolve-se a Autora do pedido de condenação como litigante de má-fé.
Custas pela Ré – artigo 527º do C.P.C.
Registe e notifique.”
É com esta decisão condenatória que a Ré não se conforma, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões (que, apesar da sua extensão, transcrevemos, omitindo os destaques, uma vez que permitem, ainda assim, a compreensão do objeto do recurso):
A. A sentença recorrida é nula, por excesso de pronúncia, por conhecer da questão da (in)validade da resolução da Recorrente, sem que tenha sido formulado qualquer pedido nesse sentido;
B. A resolução opera por mera comunicação extrajudicial e é eficaz assim que recebida pelo destinatário, conforme disposto no n.º 1 do artigo 436.º e no n.º 1 do artigo 224.º do Código Civil;
C. Assim, seja lícita ou ilícita, produz plenamente os efeitos, pois não depende de aceitação;
D. Ora, como a Recorrida confessa que recebeu a carta de resolução, era seu ónus peticionar judicialmente a invalidação da resolução, se a considerava injustificada, pois caso contrário mantêm-se os efeitos produzidos;
E. Porém, a Recorrida não o fez, nem por via de ação, nem de exceção, nem nestes autos, nem em quaisquer outros – limitou-se a alegar que a resolução não teve fundamento (art. 17.º da PI), como se não tivesse de a impugnar se a queria invalidar;
F. Não tendo sido peticionada a invalidação da resolução feita pela Ré, não pode o tribunal decretá-la, por falta de poderes para o efeito, por força do princípio do dispositivo, uma vez que não se trata de questão de conhecimento oficioso;
G. Não podendo o Tribunal decretar a invalidade da resolução, por falta de pedido, também não a pode usar como fundamento da decisão, pois tal configura uma violação indireta do princípio do dispositivo, por ter exatamente os mesmos efeitos de uma decisão;
H. Deve, portanto, ser declarada a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, nos termos do disposto na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil;
Acresce que
I. O Tribunal a quo não valorou corretamente a prova testemunhal produzida e, por um lado, considerou provados factos que não são verdadeiros e, por outro, não considerou provados factos que resultaram demonstrados na instrução;
J. A Recorrente impugna a redação do facto provado n.º 8, porque está incorreta, por erro do Tribunal na interpretação do acordo, em duas vertentes;
K. Em primeiro lugar, é errada a menção “Em resultado da legislação que foi publicada”, porque a reunião mencionada na comunicação que a Recorrida dirigiu à Recorrente é anterior à aprovação da legislação, pelo que naturalmente não foi resultado da mesma; 
L. A comunicação em causa (email) foi enviada em 3 de abril de 2020, referindo-se ao acordo obtido em reunião de 31 de março;
M. Ora, em 31 de março, a legislação não tinha sequer sido aprovada, quanto mais publicada (a Lei n.º 4-C/2020 foi aprovada em 2 de abril de 2020 e publicada a 6 de abril de 2020);
N. Ou seja, o acordo é anterior à legislação, pelo que naturalmente não foi resultado da mesma;
O. Consequentemente, tem de se eliminar do facto 8 a menção “Em resultado da legislação que foi publicada”;
P. Em segundo lugar, porque o acordo relevado pela comunicação não determinava a suspensão do pagamento das rendas de abril e agosto de 2020 “na condição de que as mesmas fossem liquidadas no fim do contrato.”;
Q. Como se lê no documento n.º 1 da réplica que consubstancia tal acordo (email de 03.04.2020): “A Direção da B … aceitou suspender a referida renda mensal, nos seguintes termos: (…) Os cinco meses (Abr, Mai, Jun, Jul, Ago) em que a renda fica suspensa, serão acrescentados ao final do contrato, como extensão, para compensar a B … dos meses em que não vai receber a contratada renda mensal.”
R. Ou seja, o escopo do acordo foi a prorrogação do contrato por cinco meses, não a suspensão de rendas;
S. E foi isto mesmo que a testemunha C … confirmou no seu depoimento:
“não há nenhum acordo para suspensão das rendas, há efetivamente uma proposta para que haja um prolongamento do contrato e recuperação dessas rendas no final do contrato.” (cfr minutos 30:10 a 30:27 do seu depoimento);
T. Nenhum dos depoimentos prestados contraria o texto do documento que, portanto, tem de se considerar provado tal e qual resulta literalmente do mesmo;
U. O próprio Tribunal a quo evidencia, em sede de fundamentação, que compreendeu este facto, pois afirma que “nomeadamente, postecipando esse pagamento para o final do contrato, como extensão deste” – porém, não o refletiu na decisão da matéria de facto;
V. Impõe-se, portanto, corrigir a redação do facto provado n.º 8, nos termos seguintes: 
8. A Recorrida comunicou à Ré que aceitava a suspensão do pagamento das rendas entre Abril e Agosto de 2020, sendo acrescentados cinco meses ao final do contrato, como extensão.
W. O Tribunal a quo considerou como não provado que a) que a Recorrida teve atitudes de discriminação dos trabalhadores da Ré, consubstanciadas, nomeadamente, na obrigação de estes frequentarem um bar diferente do dos sócios, na proibição de estes montarem e na não aceitação dos mesmos como sócios (artigo 12º contestação);
X. Porém, estes factos foram provados não só pelos depoimentos das diversas testemunhas da Recorrente, mas também pelo depoimento da principal testemunha da Recorrida, D …;
Y. A obrigação de estes frequentarem um bar diferente do dos sócios, foi provada pelo depoimento das testemunhas E … (minutos 14:40 a 14:59), C … (minutos 16:38 a 16:53) e D …, que confirmou que “os tratadores têm um bar próprio para eles.” (cfr. minutos 15:31 a 15:43);
Z. A proibição de os tratadores montarem, ficou provada pelo depoimento das testemunhas F … (minutos 12:25 a 13:51), E … (minutos 13:21 a 14:19) e D …, que confirmou que os tratadores “Podem trabalhar os cavalos, mas montá-los não.” (cfr. minutos 15:44 a 15:49);
AA. A não aceitação dos mesmos como sócios, ficou provada pelo depoimento das testemunhas F … (minutos 14:37 a 15:30), E … (minutos 15:15 a 16:01), C … (minutos 14:57 a 16:27) e D … (minutos 16:00 a 17:10);
BB. Assim, a testemunha da Recorrida, Eng. D …, confirmou todos os factos essenciais alegados pela Recorrente no artigo 12.º da Contestação: os tratadores têm um bar próprio, não podem montar (só os sócios podem) e o ex-tratador não foi admitido como sócio, tendo antes recebido uma autorização para montar (quando na verdade queria ser instrutor);
CC. Acresce que, da instrução, resultaram provadas outras práticas discriminatórias: (a) testemunha E …, declarou que “os miúdos que eram sócios da escola não tinham os mesmos direitos que o resto dos sócios do clube” (minutos 13:01 a 13:14) e que (b) “os filhos dos tratadores não podiam ter aulas, é uma discriminação que não deveria ser aceitável, em lado nenhum do mundo e muito menos em 2022.” (minutos 14:20 a 14:39) e (c) a testemunha C …, confirmou-o, esclarecendo que “os filhos dos tratadores não podem montar na B …, há uma serie de limitações e regras sociais que estão completamente desadequadas e fora do seu tempo.” (minutos 16:54 a 17:05);
DD. Consequentemente, é incontornável inverter a decisão do Tribunal a quo e considerar provado o facto a);
EE. Salienta-se que o Tribunal a quo não valorou o depoimento da testemunha E … porque a considerou “menos colaborante, revelou uma inaudita animosidade perante os responsáveis da Recorrida, em termos pouco sustentados em dados objetivos.”;
FF. Contudo, nada disto é verdade, por um lado, porque a testemunha descreveu os factos de forma objetiva e respondeu a tudo o que foi questionado, salvo quando não se recordava, tendo o seu depoimento sido credível, seguro e coerente com o das demais testemunhas;
GG. Por outro lado, porque foi o Tribunal que revelou animosidade para com a testemunha (ao ponto de a voz do tradutor chegar a estremecer ao traduzir), apenas porque esta – em 2023 – não se lembrava do mês exato em que os factos de 2020 ocorreram, desconsiderando não só o facto de se terem passado 3 anos, mas também o facto de a testemunha ter declarado no início do depoimento que tinha sido mãe durante a pandemia (cfr. minutos 9:39 a 9:49) e que, na época, acumulava vários trabalhos (cfr. minutos 22:00 a 25:10) – o que torna perfeitamente legitimo que não consiga precisar o mês de um (dos muitos) factos abordados no seu depoimento;
HH. Consequentemente, o depoimento tem de ser valorado, por serem falsos os motivos indicados pelo Tribunal a quo para o desconsiderar;
II. Face ao exposto, e em suma, a decisão da matéria de facto deve ser revogada e substituída por outra que considere provado que:
8. A Recorrida comunicou à Ré que aceitava a suspensão do pagamento das rendas entre Abril e Agosto de 2020, sendo acrescentados cinco meses ao final do contrato, como extensão; e (a) a Recorrida teve atitudes de discriminação dos trabalhadores da Ré, consubstanciadas, nomeadamente, na obrigação de estes frequentarem um bar diferente do dos sócios, na proibição de estes montarem e na não aceitação dos mesmos como sócios.
JJ. A sentença recorrida parece ainda de diversos erros de Direito;
KK. A sentença é inválida por violação do disposto no disposto no n.º 1 do artigo 436.º e no n.º 1 do artigo 224.º do Código Civil e da Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril;
LL. Como se disse, o Tribunal a quo não podia conhecer da questão da (in)validade da resolução, porque a resolução não foi judicialmente impugnada, pelo que a sentença padece de nulidade;
MM. Caso assim não entenda (o que não se admite e por mera cautela de patrocínio se equaciona), a sentença é inválida por erro de Direito, pois aplicou erradamente o regime da resolução, em violação do disposto no n.º 1 do artigo 436.º e no n.º 1 do artigo 224.º do Código Civil, ao entender que a resolução carece de aceitação do declaratário e não tem de ser judicialmente invalidada para deixar de produzir efeitos;
NN. Por outro lado, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, a resolução ilegal não poderia ser convertida em denúncia, porque (a) nenhuma das partes o pediu, porque (b) nem o contrato, nem a lei, preveem direito de denúncia in casu e (c) porque tal decisão não foi fundamentada;
OO. Face ao exposto, a sentença é inválida e tem de ser substituída por outra que, nos termos legais, reconheça que a resolução foi eficaz (pois chegou ao conhecimento da Recorrida) e não foi impugnada, pelo que produziu plenamente todos os seus efeitos, extinguindo o contrato de cessão de exploração em agosto de 2020;
PP. Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, o regime previsto no artigo 8.º da Lei n.º 4C/2020 não é aplicável in casu;
QQ. Primeiro, porque ficou provado que o acordo mencionado no facto provado 8 foi celebrado antes da aprovação e publicação da citada lei;
RR. Segundo porque, mesmo que assim não fosse, o artigo 8.º da Lei n.º 4-C/2020 consagrou um direito potestativo a favor do arrendatário (não um regime obrigatório de diferimento de pagamento de rendas), direito que não se provou ter sido exercido nos termos legais;
SS. Sendo a única reunião das partes anterior à existência da Lei e consagrando o mesmo uma solução diferente da legal (prorrogação do contrato e não o diferimento do vencimento das rendas), é notório que a sentença é inválida por erro na aplicação do artigo 8.º da Lei n.º 4 C/2020 já que este regime não é aplicável in casu, face ao teor dos factos provados;
TT. Por outro lado, a sentença é inválida por erro na apreciação da prova e consequente Erro de Direito;
UU. Em primeiro lugar porque, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, tem de se considerar provado (nos termos supra expostos) que a Recorrida cometeu atos discriminatórios, ou seja, ilícitos contratuais, pelo que a resolução é fundada e, portanto, lícita;
VV. Assim, é incontestável que o contrato de cessão de exploração em causa nos autos cessou em agosto de 2020, por resolução da Recorrente, seja porque, como a resolução não foi judicialmente impugnada, produz plenamente os seus efeitos, seja porque, mesmo que a resolução tivesse sido impugnada, ficou judicialmente provado o seu fundamento;
WW. Em segundo lugar porque, como o acordo de prorrogação não concretiza a futura lei (na medida em que é anterior ao regime legal e normativamente diverso da solução consagrada), para ser válido, tinha de ser formalizado através de alteração ao contrato, nos termos do n.º 5 da cláusula 20ª do contrato de cessão de exploração, formalização esta que não se provou ter existido;
XX. Portanto, apesar de estar provada uma possibilidade de acordo, não se pode concluir pela real existência de um acordo, por falta de forma, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo;
YY. A sentença é também inválida por violação dos artigos 1100º, n.º 4, e 1098º, n.º 6, aplicados ex vi artigos 1109.º e 1110.º, todos do Código Civil;
ZZ. O Tribunal a quo afirma expressamente que o regime subsidiariamente aplicável ao contrato de cessão de exploração é o da locação, contudo, aplicou ao caso o regime do arrendamento, em vez do da locação;
AAA. Assim, errou o Tribunal na aplicação da lei, pois aplicou ao caso normas que não o regulam;
BBB. Depois, o Tribunal a quo aplicou o artigo 1100.º do Código Civil, que nunca seria aplicável in casu, por se tratar de uma norma para contratos com duração indeterminada;
CCC. Finalmente, e mais grave, o Tribunal a quo retalhou o regime do arrendamento para favorecer a Recorrida, ignorando que a denúncia prevista no n.º 6 do artigo 1098.º do Código Civil está sujeita aos prazos legais de pré-aviso consagrados no n.º 1 do mesmo artigo;
DDD. Por incrível que pareça, o Tribunal a quo decidiu que o período de pré-aviso da “resolução convertida em denúncia” havia de ser 1 ano, em violação frontal da própria norma que aplicou para decidir o caso, o artigo 1098º, que determina um pré-aviso de 90 dias e não de 1 ano;
EEE. Assim, a sentença é inválida por erro na aplicação dos artigos 1100º, n.º 4 e 1098º, n.º 6, ex vi artigos 1109º e 1110º, todos do Código Civil, porque o regime do arrendamento não é o aplicável subsidiariamente ao contrato dos autos e, se fosse, determinaria um período de pré-aviso em falta de 90 dias, não de 1 ano, como refere a sentença sem qualquer base legal ou contratual;
FFF. Face a tudo exposto, conclui-se que todas as normas aplicadas na sentença, ou foram mal aplicadas, ou não se aplicam ao caso concreto;
GGG. Importa, portanto, determinar o regime aplicável, tendo em conta os factos provados e a correta aplicação das normas legais da resolução;
HHH. Assim, em primeiro lugar, a resolução da Recorrente, de agosto de 2020, tem de se considerar válida e eficaz, porque foi recebida e não foi impugnada;
III. Em segundo lugar, a resolução da Recorrida, de 23 outubro de 2020, tem de ser declarada juridicamente inexistente e ineficaz por falta de objeto (por o contrato já estar cessado desde agosto de 2020), como peticionado na Reconvenção;
JJJ. Em terceiro lugar, a Recorrida não pode peticionar o pagamento das rendas desde a data da resolução até ao final do contrato, por completa inexistência de base legal ou contratual para tal direito;
KKK. Mesmo que se considere aplicável ao caso dos autos o regime do artigo 1098º do Código Civil (o que se equaciona subsidiariamente, por mera cautela), será apenas devido o pagamento do período de pré-aviso preterido, ou seja, 90 dias, nunca de todas as rendas até final do contrato;
LLL. Em quarto lugar, a obrigação de pagamento das rendas durante o período da pandemia (meio de março a agosto de 2020) é regulada pelas regras gerais de Direito, na medida em que a Lei n.º 4-C/2020 não é aplicável in casu e o acordo das partes é inválido por falta de forma (e, de todo o modo, regula uma prorrogação contratual, não o pagamento de rendas);
MMM. Ora, ficou provado que a escola encerrou, como refere a sentença, que “por motivos externos e absolutamente alheios à vontade das partes, a Ré deixou de poder assegurar o funcionamento da escola de equitação” – ou seja, verificou-se uma quebra de sinalagma, por impossibilidade temporária não culposa de cumprimento do contrato por parte da Recorrida;
NNN. Consequentemente, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 795.º do Código Civil, não pode ser exigida à Recorrente a sua contraprestação: o pagamento do preço relativo ao período de encerramento (rendas de metade do mês de março de 2020 até à data da resolução, em agosto);
OOO. Caso assim não se entada (o que não se concede) é aplicável in casu – como inclusivamente reconhece a sentença – o instituto da modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias, conforme peticionado pela Recorrente em sede reconvencional;
PPP. Isto porque, quando a alteração das circunstâncias se verificou, em meados de março de 2020, a Ré não estava em mora, como se provou (cfr. facto provado n.º 10), não havendo qualquer impedimento à aplicação do citado instituto;
QQQ. Consequentemente, seja por força do disposto no n.º 1 do artigo 795.º do Código Civil, ou no artigo 437.º do Código Civil, não é devido o pagamento do valor remanescente da renda de mês de março, nem é devido o pagamento das rendas dos meses de abril a agosto de 2020;
RRR. Por este motivo, é perfeitamente irrelevante se havia (ou não) acordo da Recorrida quanto à suspensão do pagamento de renda no período da pandemia, pois este estava suspenso por força da lei;
SSS. Face a tudo exposto, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que, reconhecendo a resolução como válida e eficaz, declare que a Recorrida não tem direito a receber quaisquer rendas e tem de devolver a caução recebida.
Terminou a Apelante requerendo que o recurso seja julgado procedente, com a revogação da sentença recorrida, sendo substituída por outra que:
a) Declare a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia;
b) Altere a decisão da matéria de facto, nos termos da Conclusão II;
c) Julgue a ação improcedente, por não provada, reconhecendo que a Apelante nada deve à Apelada;
d) Julgue a Reconvenção procedente por provada, quanto (i) ao pedido de declaração de inexistência e ineficácia da pretensa resolução da Apelada, ou, caso assim não se entenda, de invalidade por falta de fundamento; (ii) ao pedido de devolução da caução e também (iii), para o caso de não se considerar o contrato suspenso por impossibilidade temporária durante a pandemia, ao pedido de declaração da modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias, nos termos do disposto no art. 437.º do Código Civil, decretando-se a sua suspensão entre meados de março e agosto de 2020, declarando-se expressamente a inexistência da obrigação de pagamento de renda durante este período.
Foi apresentada alegação de resposta, em que a Autora-Apelada defendeu que seja negado provimento ao Recurso, mantendo-se a Sentença proferida, concluindo nos seguintes termos:
1) O Tribunal a quo não excedeu os seus poderes quando na sentença apreciou a validade da resolução do contrato;
2) Na sua petição inicial a Autora invocou não ter aceite a resolução apresentada pela Ré;
3) Na sua Contestação a Ré invocou que que a resolução produziu efeitos na data em que foi rececionada pela Autora, nos termos do disposto nos artigos 436.º e 224.º do Código Civil;
4) A questão da falta de fundamento e invalidade da resolução contratual foi suscitada pela Autora e contestada pela Ré, pelo que, o Tribunal a quo tinha de forçosamente se pronunciar sobre a validade da mesma;
5) Caso o Tribunal não se tivesse pronunciado sobre esta matéria, a sentença teria que ser considerada nula por omissão de pronúncia;
6) Face ao exposto conclui-se que não existe qualquer nulidade, por excesso de pronuncia, na Sentença proferida pelo Tribunal a quo, não se encontrando, assim, preenchida a parte final do art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, na medida em que o Mmo Juiz a quo não apreciou ou conheceu “de questões de que não podia tomar conhecimento”;
7) Também não existe qualquer erro na decisão da matéria de facto;
8) Ficou claramente provado nos autos que a Recorrida decidiu diferir o pagamento da renda para os últimos meses do contrato;
9) É falso que a Recorrida tenha pretendido prorrogar o contrato celebrado;
10) A Recorrida aceitou a suspensão do pagamento das rendas, com a condição das mesmas serem pagas no fim do contrato;
11) Razão pela qual a matéria e facto constante do ponto 8 foi corretamente apreciada e dada como provada nos autos;
12) Deve-se, assim, manter-se como provado o facto 8 no sentido referido na douta Sentença – “Em resultado da legislação que foi publicada, a Recorrida comunicou à Ré que aceitava a suspensão do pagamento das rendas entre Abril e Agosto de 2020, na condição de que as mesmas fossem liquidadas no fim do contrato.”
Por outro lado,
13) Quanto ao único facto dado como não provado de que a “Recorrida teve atitudes de discriminação dos trabalhadores da Ré, consubstanciados, nomeadamente, na obrigação de estes frequentarem um bar diferente do dos sócios, uma proibição de estes montarem e na não aceitação dos mesmos como sócios”, o mesmo foi corretamente julgado pelo Tribunal a quo, na medida em que, ao contrário do que a Recorrente indica nas suas alegações de recurso - não foi produzida nos autos qualquer prova bastante do mesmo.
14) Razão pela qual tal facto não pode constar da matéria de facto assente;
 15) No nosso Direito predomina o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no número 5, do artigo 607º do Código de Processo Civil, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto;
16) Sendo que, no presente caso, o Tribunal a quo decidiu, conforme legalmente lhe é permitido, não valorar o depoimento da Testemunha, F … (antigo funcionário da Ré) pelo facto de o mesmo ter sido vago e subjetivo;
E,
17) Considerou que a testemunha E … “para além de uma postura em juízo que o Tribunal reputou de menos colaborante, revelou uma inaudita animosidade perante os responsáveis da Autora, em termos pouco sustentados em dados objectivos, tanto mais que, como reconheceu, não estava diariamente na escola de equitação e não tinha qualquer função relacionada com a gestão da Ré. Por estes motivos, o seu depoimento, não só não foi valorado para contra-prova de factos invocados pela Autora, como também não serviu para prova da matéria deduzida em sede de reconvenção”;
18) O depoimento da testemunha E … contém extrapolações e afirmações conclusivas não provadas por nenhuma testemunha ou documento;
19) Razão pela qual muito bem esteve o Tribunal a quo quando não valorou o seu testemunho;
20) Os trabalhadores da Ré não sofreram qualquer discriminação por parte da Autora;
 21) É por demais evidente que o que a Autora procurou fazer com a formulação de um pedido reconvencional, foi tentar ganhar alguma posição processual, para poder contrabalançar com os valores que deve em rendas à B …;
22) Tanto mais que os referidos estatutos, regras de conduta e regulamento sempre foram do perfeito conhecimento da Autora desde o início e a mesma só agora vem suscitar a questão de um pedido de indemnização por uma alegada discriminação...
23) O Tribunal a quo valorou corretamente a prova testemunhal produzida nos autos;
24) Posto isto, a pretensão da Recorrente não poderá proceder, devendo manter-se a matéria de facto dada como provada e como não provada, nos mesmíssimos termos que constam da douta Sentença recorrida;
25) Não merecendo a sentença recorrida qualquer censura;
26) Ao contrário do que a Recorrente pretende fazer crer nos presentes autos, não se verifica qualquer erro na interpretação e aplicação do Direito;
27) Desde logo pelo facto dos artigos 436º nº 1 e 224º nº 1, ambos do Código Civil não serem aplicáveis no caso do contrato em análise;
28) Regendo-se o mesmo, nesta matéria pelo disposto na lei quanto à locação, mormente as disposições que regulam a locação de estabelecimento comercial (incluindo as normas supletivas que sejam aplicáveis à locação de estabelecimento comercial) e não as regras gerais sobre a resolução contratual, como a Recorrente pretende fazer crer nos autos;
29) Uma vez que, por se tratar de um contrato de cessão de exploração, devem ser aplicadas as normas do regime da locação, por dizerem respeito ao regime da locação de estabelecimento em concreto e não aos contratos, em geral;
30) Isto porque, conforme é entendimento da Doutrina e Jurisprudência, a denominada cessão de exploração ou concessão de exploração de estabelecimento comercial, não é, senão, um contrato de locação do estabelecimento como unidade jurídica, ou seja, um negócio jurídico pelo qual o titular do estabelecimento proporciona a outrem, temporariamente e mediante retribuição, o gozo e fruição da respetiva exploração mercantil.
Desta forma,
31) Tendo ficado provado nos autos que inexistia qualquer fundamento para a resolução do contrato pela Recorrente (cessionária), a sua declaração a pôr-lhe fim sempre haveria de ser entendida como denúncia; tendo esta sido intempestiva – considerando a inexistência de disposição contratual sobre esta matéria e o regime supletivo dos artigos 1100º, n.ºs 1, a) do Código Civil – há lugar ao pagamento à ora Recorrida, com a cessação do contrato, das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, no caso, de 1 ano, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 1110º, n.º 2 e 1098º, n.º 6, ex vi artigos 1109º e 1110º, todos do Código Civil;
32) Não é verdade que a o Douto Tribunal a quo tenha incorrido em erro na aplicação do regime da Lei nº 4-C/2020, de 6 de abril;
33) Ficou provado nos autos, que a Autora e ora Recorrida, decidiu diferir o pagamento da renda para os últimos meses do contrato;
34) É falso que a Recorrida tenha pretendido prorrogar o contrato celebrado.
35) A Recorrida aceitou a suspensão do pagamento das rendas, com a condição das mesmas serem pagas pela Ré e ora Recorrida no fim do contrato;
36) Esta solução aceite pela Autora e ora Recorrida de deferimento do pagamento das rendas para o final do contrato é coincidente com a solução que o legislador preconizou na Lei nº 4-C/2020, de 6 de abril, não se confundido com uma suspensão do contrato com prorrogação do prazo de duração do contrato por período igual ao da suspensão;
37) A sentença a quo não é inválida por erro na apreciação da prova e consequente Erro de Direito;
38) Não ficou provado nos autos que a Recorrida cometeu atos discriminatórios; pelo que a resolução da Recorrente tem que ser considerada infundada e ilícita;
39) O acordo de diferimento do pagamento das rendas de março a agosto de 2020 para o final do contrato de cessão de exploração, adota a mesma solução preconizada pelo legislador.
40) Não estando aqui em causa uma prorrogação do contrato, pelo que não se aplica neste caso o alegado pela Recorrente quanto à necessidade de formalização de uma prorrogação de contrato por aditamento escrito;
 41) A sentença recorrida também não viola os artigos 1100º nº 4 e 1098º nº 6, ex vi artigos 1109º e 1110º, todos do Código Civil;
42) Não padecendo a sentença recorrida de qualquer invalidade;
43) O pré aviso de denuncia do contrato de cessão de exploração objeto dos presentes autos, é de 1 ano nos temos para os efeitos do disposto no nº 2 do artigo 1110º do Código Civil;
44) Termos em que a Recorrente é devedora das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta;
45) Não tendo aplicação no presente caso o nº 1 do artigo 795º do Código Civil, nem o artigo 437º do Código Civil;
46) Mesmo que o regime jurídico aplicado pela Mmª Juiz a quo não fosse o aplicável – o que não se concede, sempre se diria que o contrato de cessão de exploração foi celebrado por um prazo de 5 anos, não estando acordado entre as partes a possibilidade de as mesmas o poderem revogar antecipadamente;
47) As Partes pretendiam que o contrato vigorasse pelo referido prazo de 5 anos;
48) Desta forma, também por esta solução jurídica, estaria a Ré e ora Recorrente obrigada a pagar as rendas até ao final do contrato (o dia 31-08-2021).
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se a sentença é nula por excesso de pronúncia, por conhecer da questão da invalidade da resolução do contrato efetuada mediante comunicação da Ré-Apelante;
2.ª) Se deve ser modificada a decisão da matéria de facto, designadamente quanto ao ponto 8 e ao facto não provado vertido na alínea a);
3.ª) Se a Ré não estava obrigada a pagar, no final do contrato, as rendas relativas ao período da pandemia (de meio de março a agosto de 2020) – dada a impossibilidade temporária não culposa de cumprimento do contrato pela Autora e por a Lei n.º 4-C/2020 não ser aplicável ao caso, considerando ainda os termos do acordo de suspensão do pagamento das rendas / prorrogação do contrato ou a invalidade desse acordo por falta de forma, e, no limite, o instituto da modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias;
4.ª) Se a referida resolução foi eficaz e lícita, não equivalendo a denúncia, tendo feito cessar, em agosto de 2020, o contrato de cessão de exploração, não estando a Ré obrigada a pagar as rendas peticionadas, estando, ao invés, a Autora obrigada a restituir-lhe o valor da caução;
5.ª) Se a resolução do contrato (posteriormente) efetuada pela Autora-Apelada é inexistente e ineficaz por falta de objeto.
Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia
A Ré-Apelante defende, em síntese, que: a sentença recorrida é nula, por excesso de pronúncia, por conhecer da questão da (in)validade da resolução efetuada pela Ré, sem que tenha sido formulado qualquer pedido nesse sentido; a resolução opera por mera comunicação extrajudicial e é eficaz assim que recebida pelo destinatário, não dependendo de aceitação (artigos 436.º, n.º 1, e 224.º, n.º 1, do CC), pelo que, seja lícita ou ilícita, produz plenamente os efeitos; como a Autora reconhece que recebeu a carta de resolução, era seu ónus peticionar judicialmente a invalidação da resolução, se a considerava injustificada, o que não fez (por ação ou exceção, apenas alegou a falta de fundamento da mesma), pelo que se mantêm os efeitos produzidos, não podendo o Tribunal decretá-la, uma vez que não se trata de questão de conhecimento oficioso, nem sequer considerá-la como fundamento da decisão, pois tal configura uma violação do princípio do dispositivo.
A Apelada discorda, argumentando, em síntese, que: o Tribunal a quo não excedeu os seus poderes quando apreciou a validade da resolução do contrato, pois da Petição Inicial resulta claro que a Autora alegou não ter aceitado a resolução apresentada pela Ré, tendo esta, na sua Contestação, invocado precisamente que a resolução produziu efeitos na data em que a comunicação foi rececionada pela Autora, nos termos do disposto nos artigos 436.º e 224.º do CC; portanto, a questão da falta de fundamento e invalidade da resolução contratual foi suscitada pela Autora e impugnada pela Ré, pelo que não podia o Tribunal a quo deixar de se pronunciar sobre a validade da mesma.
Vejamos.
Nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de normativo legal que deve ser conjugado com o disposto no n.º 2 do art. 608.º do CPC, nos termos do qual “(O) juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Não se podendo, todavia, perder de vista que, conforme expressamente previsto no art. 5.º, n.º 3, do CPC, “(O) juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.
A este propósito, citamos, pela sua clareza, a explicação de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, pág. 737: “Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (ver o n.º 2 da anotação ao art. 608).
Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608-2), é nula a sentença em que o faça.”
Na anotação ao art. 608.º, págs. 712-713, clarificam ainda estes autores que, na sentença, o juiz deverá responder aos pedidos deduzidos pelo autor e pelo réu reconvinte, a todos devendo sucessivamente considerar, a menos que a apreciação de um esteja prejudicada; o mesmo fará relativamente às várias causas de pedir invocadas, bem como quanto às exceções perentórias que tenham sido deduzidas pelo réu ou pelo autor reconvindo (sem prejuízo da possível inutilidade), acrescentando que resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação “não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-3) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.”
Adiante reproduzimos as considerações constantes da fundamentação de direito da sentença a respeito da declaração resolutiva do contrato enviada pela Ré, aqui remetendo para as mesmas, por economia. Da sua análise e do segmento decisório da sentença resulta claro que o Tribunal, ao referir-se  “à questão decidenda nestes autos, consubstanciada, fundamentalmente, em dois pontos: a validade (ou falta dela) da declaração de resolução do contrato operada pela Ré; a produção de efeitos desse mesmo contrato, com a consequente determinação da obrigação de pagamento dos valores acordados a título de prestação mensal”, tão só apreciou, como não podia deixar de ser - face ao pedido e à causa de pedir, tanto da ação, como da reconvenção -, se à Ré assistia fundamento para a resolução, portanto, se a mesma era (ou não) justificada ou lícita, sendo esse o sentido a dar à expressão “validade” (ou falta dela) da declaração de resolução contratual feita pela Ré.
Efetivamente, o reconhecimento judicial da ilicitude ou ilegalidade da resolução está, desde logo, implícito no pedido que a Autora deduziu na Petição Inicial, atento o efeito jurídico que a mesma pretende obter e a causa de pedir em que assenta a sua pretensão, pois a Autora invocou na Petição Inicial, como facto integrante da causa de pedir, a injustificada (ilícita ou ilegal) resolução do contrato comunicada pela Ré, a qual, por seu turno, na Contestação, invocou, como exceção perentória e causa de pedir reconvencional, essa mesma resolução, alegando factos que, na sua ótica, consubstanciam um incumprimento contratual por parte da Autora e, por isso, fundamento legal da resolução. Assim, é óbvio que o Tribunal recorrido não podia deixar de conhecer da questão da licitude da referida resolução do contrato (que não se confunde com a eficácia da declaração/comunicação efetuada) que as partes discutem nos presentes autos, aplicando as pertinentes regras de direito aos factos provados.
Saber se, como argumenta a Apelante, a resolução em apreço produziu (ou não) os seus efeitos, independentemente da sua licitude, uma vez que a declaração resolutiva foi recebida pela Autora e não depende de aceitação, é matéria estrita de alegação de direito, à qual o Tribunal não está, como é óbvio, vinculado, cumprindo sim apreciar se existiu um erro de julgamento a esse respeito.
Portanto, o Tribunal a quo não violou o princípio dispositivo, antes conheceu, como não podia deixar de ser, de questão suscitada por ambas as partes, procedendo à qualificação jurídica dos factos invocados como causa de pedir da ação e da reconvenção, e também como exceção perentória, pelo que não se verifica a causa de nulidade da sentença invocada pela Apelante, improcedendo as conclusões da sua alegação recursória a este respeito.
Dos Factos
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos (aditámos o que consta do ponto 4 entre parenteses retos, por estar plenamente provado pelo acordo das partes e pelo documento junto aos autos – art. 662.º, n.º 1, do CPC):
1. A Autora foi fundada em 23 de março de 1910 e tem como fim cultivar os desportos equestres de forma a propagar o gosto e interesse pela equitação e pelo hipismo.
2. A Ré é uma pessoa coletiva de direito privado constituída sob a forma de associação, sem fins lucrativos, de natureza desportiva, cultural e recreativa, tendo como fim promover o desporto equestre em todas as suas disciplinas e superintender todos os aspetos que se relacionem com a sua prática, controlo, regulamentação, promoção e organização.
3. A Autora é proprietária da escola de equitação que se encontra instalada nos terrenos sitos no Hipódromo do ..., em Lisboa.
4. Em 7 de junho de 2016, foi celebrado um Contrato de Exploração entre Autora e Ré, mediante o qual aquela cedeu a exploração da escola de equitação à Ré – doc. 1 junto com a P.I. [cujo teor é o seguinte:
Cláusula Primeira
OBJECTO DO CONTRATO
O contrato terá por objecto a concessão de exploração da Escola de Equitação (de ora em diante designada abreviadamente por J …) da B … (de ora em diante designada abreviadamente por B …) propriedade desta e que se encontra instalada nos terrenos sitos no Hipódromo do ... em Lisboa, nas condições a seguir estabelecidas.
Cláusula Segunda
VIGÊNCIA
1 - A concessão de exploração será feita por um período de 5 (cinco) anos, com início no dia 1 de Setembro de 2016.
2 - O contrato de concessão chegado ao seu termo apenas se renovará se as partes nisso concordarem por escrito, fixando o preço devido pelo período de renovação.
3 - Caso a Câmara Municipal de Lisboa (CML) venha a revogar a concessão de exploração ou a modificar o regime estabelecido no contrato das instalações da B …, o contrato de concessão de exploração do estabelecimento a celebrar com o adjudicatário caducará ou modificar-se-á em conformidade com as modificações do contrato de exploração, sem que o adjudicatário tenha direito de exigir da B … qualquer indemnização.
Cláusula Terceira
BENS DO ESTABELECIMENTO
1 - A B … colocará à disposição do adjudicatário para este explorar, o estabelecimento com todos os equipamentos e pertenças constantes de inventário que será anexo ao contrato a celebrar (ANEXO I)
2 - O adjudicatário tomou conhecimento directo das instalações, equipamentos, pertenças e materiais da J ….
3 - O adjudicatário obrigar-se-á a substituir os equipamentos e pertenças constantes do inventário, que se danifiquem irreparavelmente, quer devido a utilização prudente ou imprudente, ou que por qualquer motivo se percam, por outros de, pelo menos igual género, qualidade e quantidade.
4 - Os equipamentos e pertenças substituídos, passarão a integrar o estabelecimento, através de alteração ao inventário, não tendo o adjudicatário direito a qualquer indemnização.
Cláusula Quarta
FORMA DE EXPLORAÇÃO
1 - O estabelecimento com todos os equipamentos e pertenças deverá ser explorado pelo adjudicatário de acordo com todas as regras legais e técnicas próprias da actividade, de forma a aumentar e potenciar a sua clientela e a prestigiar o seu nome comercial.
2 - Deverão ser sempre mantidas as melhores relações com fornecedores, trabalhadores, autoridades, clientes e vizinhos.
3 - O adjudicatário não poderá utilizar o estabelecimento para fim diverso daquele a que este se destina.
Cláusula Quinta
MANUTENÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS DO ESTABELECIMENTO
O adjudicatário antes de assinar o presente Contrato tomou conhecimento das instalações e condições objecto do mesmo, que declara aceitar, incondicionalmente e sem reservas de qualquer natureza, tendo ainda confirmado a existência das condições adequadas e necessárias à realização da actividade concessionada.
O adjudicatário manterá o tipo de estabelecimento actualmente existente, não podendo alterar-lhe as características fundamentais, tais como a classificação legal e o núcleo fundamental de produtos oferecidos ao público, que, em caso algum poderão deixar de se enquadrar na actividade de J ….
Cláusula Sexta
CONCESSÃO
1 - O estabelecimento a concessionar deverá ser explorado exclusivamente pelo adjudicatário, o qual não poderá por qualquer forma, ceder ou transmitir a outrem a exploração do estabelecimento, nem arrogar-se direitos de arrendatário das instalações colocadas à sua disposição.
2 - Durante toda a duração da concessão, o estabelecimento apenas poderá encerrar um dia por semana.
3 - O adjudicatário obriga-se a obter todas as Licenças necessárias à exploração do estabelecimento.
4 - O tipo de aulas lecionadas devem respeitar o estabelecido no programa de formação da Federação Equestre Portuguesa.
5 - O Adjudicatário obriga-se a dar formação teórica pelo menos 4 vezes por ano (palestras sobre equitação, anatomia do cavalos, preparação para exames de sela IV, étc)
6 - O adjudicatário obriga-se a ter programas de campos de férias nos períodos de férias escolares.
Cláusula Sétima
INVESTIMENTOS
1 - O adjudicatário obriga-se a realizar todas as obras de manutenção necessárias ao funcionamento e apresentação da J …
2 - O adjudicatário obriga-se a realizar, nomeadamente, os seguintes investimentos nas infraestruturas:
a) Construção de instalações sanitárias e balneários para os alunos da J …;
b) Remodelação das boxes, nomeadamente reparação de madeiras e pinturas;
c) Melhoria/Reparação/Substituição do parque de equipamento da J ….
3 - Os melhoramentos e ou benfeitorias a realizar deverão ser previamente aprovadas pela B … e passarão a fazer parte integrante da J …, renunciando o adjudicatário a qualquer direito a ser ressarcido ou compensado pelas mesmas.
Cláusula Oitava
ALTERAÇÕES RELATIVAS AO ADJUDICATÁRIO
1 - O adjudicatário deverá informar a B … das alterações verificadas durante a execução do contrato e referentes:
1.1. - Ao nome e denominação social;
1.2. - Ao endereço e sede social;
1.3. - Alteração dos treinadores e demais colaboradores contratados. Qualquer alteração do quadro de pessoal deverá ser previamente subsmetido à B …, identificando o motivo da substituição e a identificação completa e CV do novo treinador e ou colaborador;
1.4 - A quaisquer outros factos que alterem de modo significativo a sua situação, nomeadamente tratando-se de pessoa colectiva: certidão actualizada; declaração de inexistência de dívidas à segurança social e ao fisco.
Cláusula Nona
DENOMINAÇÃO COMERCIAL
O Estabelecimento comercial será designado por B … Academy, conforme Anexo II.
Cláusula Décima
PREÇOS
Os preços a praticar pelo adjudicatário não poderão ser superiores aos preços praticados nas escolas de equitação similares situadas no distrito de Lisboa.
Cláusula Décima Primeira
TRABALHADORES
1 - O estabelecimento será entregue sem trabalhadores ao serviço.
2 - O adjudicatário contratará todo o pessoal necessário à organização e funcionamento do estabelecimento de modo a responder da melhor maneira às exigências da exploração.
3 - Todos os encargos laborais, sociais e fiscais respeitantes aos trabalhadores, serão da exclusiva responsabilidade do adjudicatário, não existindo qualquer vínculo entre estes trabalhadores e a B ….
4 - O estabelecimento será devolvido sem qualquer trabalhador ao seu serviço.
5 - Cessando por qualquer motivo os efeitos do contrato de concessão a celebrar e a B … por força da lei tiver de receber com o estabelecimento, trabalhadores contratados pelo adjudicatário, este pagará aquele, a título de indemnização, a quantia respeitante a dois anos do salário correspondente.
Cláusula Décima Segunda
OUTRAS OBRIGAÇÕES E DIREITOS DO ADJUDICATÁRIO
1 - O adjudicatário assumirá ainda as obrigações de despesas que, durante a vigência do contrato de concessão de exploração se relacionem com:
1.1. - Manutenção e conservação do estabelecimento e de todos os equipamentos e pertenças;
1.2. - O fornecimento de telefone;
1.3. - Contratualizar os segurso de acidentes pessoais para todos os trabalhadores, seguros inerentes à prática desportiva de todos os alunos, bem como seguros de responsabilidade civil.
1.4. - A limpeza diária das instalações, e dos equipamentos do estabelecimento;
1.5. - Os fornecimentos de água e electricidade consumidos no estabelecimento, mediante nota de débito emitida pela B ….
2 - Todos os trabalhadores do adjudicatário têm de se apresentar fardados e com boa apresentação e asseio, bem como estar devidamente identificados.
3 - O adjudicatário obriga-se a dar cumprimento ao estabelecido nos Estatutos, Regulamento Interno e Regulamento Disciplinar da B …, devendo para o efeito assinar cópia dos referidos documentos que ficarão anexos ao presente contrato.
4 - O adjudicatário obriga-se a dar cumprimento a todas as regras de segurança, nomeadamente não permitir que nenhum aluno monte sem toque.
5 - O adjudicatário obriga-se a interromper a actividade no decorrer do CSIO.
6 - O adjudicatário terá direito a:
6.1. uso exclusivo de 22 boxes. As boxes devem destinar-se exclusivamente a cavalos da J …, sendo proibida a sua utilização para cavalos a penso;
6.2. Uso exclusivo da casa de Arreios;
6.3. Uso exclusivo de escritório;
6.4. Uso exclusivo da casa de ração;
6.5. Uso exclusivo da casa/zona de ferrador;
6.6. Uso exclusivo de armazém de palha;
6.7. Uso prioritário do denominado picadeiro da escola;
6.8. Uso, em horário a acordar, do Picadeiro Eng. G …;
6.9. Quando previamente autorizado, uso de outras instalações/infraestruturas da B ….
7 - Nas horas em que não forem lecionadas aulas, as zonas desportivas afectas à J …, nomeadamente o picadeiro da J …, poderão ser utilizadas pelos sócios, conforme previsto nos Estatutos da B ….
8 - Todos os alunos da J … terão de ser, obrigatoriamente, sócios da B …, bem como obter a licença de praticamente junto da FEP.
9 - O adjudicatário compromete-se a levar os alunos da J … a participar no maior número de competições possíveis, organizadas pela B ….
Cláusula Décima Terceira
PASSIVO
1 - O estabelecimento será entregue ao adjudicatário sem passivo e no mesmo estado será devolvido à B ….
2 - Ficarão a cargo do adjudicatário o pagamento de todas as contribuições, impostos, taxas e multas e coimas devidas ao Estado ou a outras entidades públicas, resultantes da sua gerência.
Cláusula Décima Quarta
SUPERVISÃO DO FUNCIONAMENTO
1 - A Direcção da B …, durante a concessão, poderá supervisionar o estabelecimento e o funcionamento deste, e para este efeito, terão acesso diário e incondicional às respectivas instalações, a qualquer hora, dentro do horário de funcionamento.
2 - O exercício do direito de supervisão referido não ilibará o adjudicatário da responsabilidade pelas irregularidades que forem detectadas no funcionamento da J ….
Cláusula Décima Quinta
OBRAS
1 - Com excepção das de conservação e das referidas na Cláusula Sétima número 2 supra, que ficam a seu cargo e expensas, sem que haja lugar a indemnização por elas, o adjudicatário não poderá efectuar quaisquer obras nas instalações da J …, sem prévia autorização, por escrito da Direção da B ….
Cláusula Décima Sexta
RESPONSABILIDADE CIVIL
1 - O adjudicatário assumirá obrigatoriamente a responsabilidade civil em que possa incorrer, causada por acidentes corporais e materiais que possam sobrevir em razão da sua exploração, e, especialmente, em matéria de acidentes com os alunos.
2 - O adjudicatário ficará responsável perante a B … por quaisquer prejuízos que a este advenham do funcionamento ilegal do estabelecimento em resultado da exploração pelo adjudicatário, ou da sua utilização para fins ilícitos.
Cláusula Décima Sétima
RESOLUÇÃO
1 - A B … poderá resolver o contrato, mediante carta registada com aviso de recepção, verificando-se algum dos seguintes casos:
1.1. Utilização do estabelecimento para fim diverso daquele a que este se destina;
1.2. Utilização abusiva ou acentuada deterioração das instalações, equipamentos e materiais do estabelecimento;
1.3. Cedência não autorizada pela B … do gozo do estabelecimento a terceiros;
1.4. Encerramento do estabelecimento fora dos casos previstos no contrato de concessão.
1.5. Prática de actos dolosos ou negligentes que prejudiquem ou afectem a qualidade da exploração, dos serviços prestados ou do bom-nome e imagem do estabelecimento ou da B …;
1.6. A oposição ao exercício do direito de supervisão do estabelecimento.
1.7. Ocorrência de acidentes onde ocorram danos físicos graves, mesmo em casos de negligência.
1.8. Não cumprimento do projecto apresentado aquando da adjudicação da presente concessão.
1.9. Não pagamento do preço acordado, nos termos da Clausula Décima Oitava, até ao dia 8 do mês a que respeita.
1.10. A alteração ou substituição do quadro técnico (corpo docente) sem a prévia aprovação da B ….
1.11. O não cumprimento pelo adjudicatário das obrigações legal ou contratualmente estipuladas.
2 - Verificando-se a resolução do contrato nos termos anteriores, a B … fará suas todas as quantias a que tenha direito por efeito dele.
3 - No caso de resolução do contrato, o adjudicatário expressamente renuncia ao direito de retenção que eventualmente lhe pudesse assistir, obrigando-se a entregar as instalações e todo o imobilizado da J … à B … no prazo não superior a 10 (dez) dias. Caso o adjudicatário não cumpra o aqui estabelecido fica sujeito a uma penalidade diárias, a aplicar pela B …, no valor de € 300,00 (trezentos euros), sem prejuízo do dever de indemnizar imediatamente a B …, ou terceiros, por todos e quaisquer custos, prejuízos e danos daí resultantes, incluindo, nomeadamente, multas, coimas, penalidades, despesas judiciais, honorários de advogados e/ou solicitadores.
Cláusula Décima Oitava
PREÇO
1 - Na data de assinatura do presente contrato será paga a quantia de € 6.500 (seis mil e quinhentos euros), pela adjudicação da concessão de exploração da J ….
2 - O valor da renda mensal será de € 3.300 (três mil e trezentos euros)/mês.
3 - A renda mensal terá de ser liquidada até ao dia 8 do mês anterior a que diga respeito. Caso o adjudicatário se atrasar no pagamento da renda será devida uma indemnização igual a 50% do valor da renda.
4 - A renda mensal será actualizada anualmente de acordo com o índice de preços ao consumidor.
5 - A título de caução o adjudicatário entrega a quantia de € 6.600 (seis mil e seiscentos euros), equivalente a dois meses de renda.
6 - A primeira renda devida será a referente ao mês de setembro de 2016.
Cláusula Décima Nona
FORO COMPETENTE
As partes acordam que todos os litígios decorrentes da execução, interpretação e validade do presente contrato de concessão serão submetidos ao foro do Tribunal da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro.
Clausula Vigésima
DISPOSIÇÕES GERAIS
1 - O presente contrato contem a totalidade do acordo e entendimento entre as Partes relativamente ao seu objecto, integrando e sobrepondo-se a quaisquer acordos, compromissos e comunicações anteriores, verbais ou escritas, entre as Partes.
2 - As disposições deste contrato são distintas e independentes umas das outras, e se qualquer disposição deste Contrato for ou se tornar invalida ou ineficaz, as restantes disposições permanecerão em vigor como se a disposição invalida ou ineficaz tivesse sido eliminada e as Partes acordarão uma disposição valida e eficaz que tenha efeito similar ao da disposição invalida ou ineficaz que substitui.
3 - O não exercício por uma das Partes de qualquer dos seus direitos ao abrigo deste contrato não poderá ser interpretado como renúncia dessa Parte aqueles direitos, e a renúncia por uma das Partes a qualquer dos seus direitos não poderá ser tida como implicando a renúncia a quaisquer outros direitos.
4 - As epígrafes dos artigos do contrato foram incluídas por razão de mera conveniência, não fazendo parte da regulamentação aplicável as relações deles emergentes, nem constituindo suporte para interpretação ou integração do presente contrato.
5 - Quaisquer modificações do presente Contrato devem ser reduzidas a escrito e assinadas pelos representantes de ambas as Partes”.]
5. Na Cláusula Segunda ficou definido que a concessão de exploração seria pelo prazo de 5 anos, tendo início em 01-09-2016 e renovando-se apenas, por escrito, com o consentimento de ambas, pelo que vigoraria até 31-08-2021.
6. Nos termos da Cláusula Décima Oitava, o valor a pagar pela Ré seria de 3.300 € mensais.
7. Em 18 de março de 2020, por causa da pandemia resultante do Covid-19, foi decretado pelo Governo que a escola de equitação teria de ser encerrada, o que veio a suceder.
*8. Em resultado da legislação que foi publicada, a Autora comunicou à Ré que aceitava a suspensão do pagamento das rendas entre abril e agosto de 2020, na condição de que as mesmas fossem liquidadas no fim do contrato.
9. Em março de 2020, do valor devido nos termos do contrato, a Ré apenas liquidou a quantia de 1.210,00 € (doc. 2 junto com a p.i.).
10. Desde março de 2020 que a Ré não mais liquidou qualquer quantia nem regressou às instalações da Autora.
11. A Ré remeteu à Autora a comunicação escrita datada de 13-08-2020, com o assunto: «Resolução do contrato de cessão de exploração celebrado em 7 de julho de 2016, relativo à Escola de Equitação “B … Academy”», com o seguinte teor, conforme doc. 3 junto com a P.I. que ora se dá por reproduzido: «(...) Vimos pela presente declarar a resolução do contrato supra identificado. A resolução tem como fundamento a ilicitude reiterada da conduta de V.Exas. ao longo da execução do contrato, que comprometeu, de forma definitiva e irreversível, a confiança por nós depositada na vossa instituição, essencial à manutenção do mesmo (...).»
12. Em resposta, a Autora remeteu à Ré a carta datada de 31-08-2020, com o seguinte teor, além do mais que se dá por reproduzido, conforme doc. 4 com a P.I.: «(...) Acusamos a receção da V/carta (...) a qual nos causou enorme estranheza na medida em que nos são feitas acusações falsas, descabidas e que refutamos em absoluto. (...) perante tudo o atrás exposto, vimos pela presente carta instar V.Exas. a cumprir e honrar o contrato de cessão de exploração celebrado com a B … nos seus exatos termos. Caso persistam em realizar uma resolução unilateral ilegal do contrato em assunto, estarão obrigados a pagar à B … as rendas vincendas até à data de termo de vigência do contrato (...), as rendas referentes aos meses de março a setembro de 2020, ainda em falta, bem como, uma indemnização pelos prejuízos sofridos pela B … incluindo por custas judiciais e honorários de advogados. (...)»
13. A Autora recebeu da Ré as chaves do estabelecimento em 29 de outubro de 2020.
14. A Autora remeteu à Ré a carta datada de 23-10-2020, com o seguinte teor, além do mais que se dá por reproduzido, conforme doc. 3 com a Contestação: «(...) Assunto: Resolução do contrato de cessão de exploração (...) Vimos, por este meio, comunicar (...) a resolução do contrato (...), ao abrigo do disposto no n.º 1.4, n.º 1.9 e n.º 1.11 da cláusula décima sétima desse contrato. A A …, Lda. tem faltado reiteradamente às suas obrigações contratuais, nomeadamente no que respeita ao pagamento pontual das rendas (...). A presente comunicação de resolução do contrato de cessão de exploração (...) produzirá os seus efeitos no próximo dia 30. (...)»
15. No mesmo dia 23 de outubro de 2020, a Autora remeteu aos seus sócios uma comunicação escrita com o seguinte teor, além do mais que ora se dá por reproduzido, cf. doc. 4 junto com a Contestação: «Assunto: Escola de Equitação da B … (...) Infelizmente e por razões alheias à B …, a empresa detentora da concessão informou durante o mês de Agosto que não tencionava retomar actividade. Depois de resolvidos todos os problemas legais decorrentes da quebra de contrato, está neste momento a B … em condições de abrir novo concurso para atribuição do direito de exploração da Escola de Equitação. (...) Todos os interessados neste concurso deverão obter os documentos e informação necessária na secretaria da B …, a partir de 23-Outubro-2020. Deverão fazer chegar à mesma secretaria as suas propostas até dia 23-Novembro-2020. (...)»
16. Conforme previsto no n.º 5 da cláusula 18.ª do contrato de cessão de exploração, a Ré prestou uma caução de 6.600,00 €, cujo reembolso solicitou à Autora por carta datada de 10-11-2020, que esta recebeu (doc. 5 com a Contestação).
17. Por carta datada de 18-11-2020, cf. doc. 6 junto com a Contestação, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido, a Autora solicitou à Ré o pagamento da quantia global de 58.190,00 €.
Ponto 8 impugnado
Foi dado como provado que: Em resultado da legislação que foi publicada, a Autora comunicou à Ré que aceitava a suspensão do pagamento das rendas entre abril e agosto de 2020, na condição de que as mesmas fossem liquidadas no fim do contrato.
Na sentença motivou-se o assim decidido referindo designadamente que:
«O tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida, analisada critica e objectivamente, de acordo, também, com as regras da experiência comum.
(…) O ponto 8. – o único, aliás, que expressa o objecto do presente litígio, à luz da causa de pedir e do pedido formulados pela Autora na acção – resultou provado através da ponderação crítica da prova testemunhal efectuada em juízo e dos documentos constantes dos autos. Assim, valorou-se o depoimento de H …, funcionária administrativa da Autora, que confirmou, quer o facto de não ter havido qualquer perdão de rendas, quer o facto de nessa quantia estarem incluídas as despesas correntes de uso das instalações, como água e electricidade; e também de D …, secretário-geral da Autora, que acompanhou de perto este assunto e se mostrou peremptório na afirmação de que esta apenas autorizou o deferimento do pagamento daquelas rendas. Por outro lado, o depoimento de C … que, apesar de não ter qualquer ligação formal à Ré (cuja sócia é a mulher), aparentou, para todos os efeitos, ser o seu gerente de facto, foi no sentido de que não houve propriamente uma combinação; mas é, precisamente, nesse sentido o teor da comunicação electrónica de 03.04.2020, mantida entre o Presidente da Direcção da Autora e o próprio C …, em representação da Ré – doc. 1 junto com a réplica – que aquele, quando confrontado, declarou “não se recordar” de à mesma ter respondido. Esta comunicação, com o objectivo de reportar por escrito o conteúdo da conversa entre ambos mantida dias antes, consigna expressamente, além do mais, que, por solicitação da Ré, a Autora aceitou suspender o pagamento da renda mensal, em determinadas condições – nomeadamente, postecipando esse pagamento para o final do contrato, como extensão deste. Ora, não havendo notícia de essa comunicação ter merecido qualquer resposta, pelo menos nessa ocasião (veja-se a sucessão de emails junta pela Ré no seu requerimento de exercício do contraditório de 09.05.2022 – ref. 42172597), é legítimo concluir, em reforço da convicção formada através da ponderação da prova testemunhal, que, efectivamente, a Ré não havia ficado dispensada do pagamento das rendas correspondentes ao período de encerramento da escola por efeito das medidas de confinamento geral – até porque, como infra se mencionará, foi nesse preciso sentido que, nesse período, foi publicada legislação especial e temporária; houve, sim, um acordo quanto à suspensão de tal pagamento, que haveria de ser retomado aquando, também, do retomar das actividades
A Apelante pretende que se dê como provado que: A Recorrida comunicou à Ré que aceitava a suspensão do pagamento das rendas entre abril e agosto de 2020, sendo acrescentados cinco meses ao final do contrato, como extensão.
Argumenta, em síntese, que: na comunicação que a Autora dirigiu à Ré (email enviado em 03-04-2020) é feita menção ao que havia sido acordado pelas partes na reunião de 31-03-2020, que é anterior à aprovação da legislação (Lei n.º 4-C/2020, aprovada em 02-04-2020 e publicada a 06-04-2020), não sendo naturalmente resultado da mesma; como se lê no documento n.º 1 da Réplica que consubstancia o referido acordo das partes (email de 03-04-2020): “A Direção da B … aceitou suspender a referida renda mensal, nos seguintes termos: (…) Os cinco meses (Abr, Mai, Jun, Jul, Ago) em que a renda fica suspensa, serão acrescentados ao final do contrato, como extensão, para compensar a B … dos meses em que não vai receber a contratada renda mensal”; ou seja, resulta desse documento e não foi contrariado pelos depoimentos prestados, que o escopo do acordo foi a prorrogação do contrato por cinco meses, não a (mera) suspensão de rendas, tendo isso mesmo sido dito pela testemunha C … (“não há nenhum acordo para suspensão das rendas, há efetivamente uma proposta para que haja um prolongamento do contrato e recuperação dessas rendas no final do contrato”), o que, aliás, é evidenciado na fundamentação da sentença, quando aí se afirma que “nomeadamente, postecipando esse pagamento para o final do contrato, como extensão deste.
A Apelada discorda, alegando, em suma, que: ficou provado que a Autora decidiu diferir o pagamento da renda para os últimos meses do contrato, sendo falso que tenha pretendido prorrogar o contrato celebrado.
Apreciando.
Foi ouvida na íntegra a gravação da prova produzida em audiência de julgamento, mais tendo sido analisados os documentos juntos aos autos, com especial destaque para o documento junto com a Réplica, que se trata da versão impressa de um email de cuja análise resulta ter sido enviado a 03-04-2020 por I ….
De salientar que este legal representante da Autora, no depoimento que prestou em audiência de julgamento, confirmou precisamente ter enviado esse email no sentido de colocar por escrito o acordo que havia resultado da conversa mantida com C …; ademais, este último, no depoimento prestado, confrontado com o documento em causa, embora dizendo não se lembrar de ter recebido esse email, reconheceu que o deveria ter recebido pois era o seu endereço de email.
Do conjunto da prova produzida resultou claro que, apesar de C … não ser o gerente da Ré (não outorgou o contrato em apreço nos autos, junto com a PI como doc. 1, o que foi feito pela sócia gerente, sua mulher), sempre agiu como o “gerente de facto” da Ré. Ainda da análise do referido documento (email) resulta que a mensagem de correio eletrónico foi enviada com conhecimento (em CC), entre outros a “D …” e f. ….pt (que será o endereço de correio eletrónico de H …).
Atentando no teor do referido email e nos depoimentos prestados pelo seu autor (I …) e respetivo destinatário (C …), em ordem a apurarmos a vontade das partes que aí ficou expressa (buscando interpretar a sua vontade), desde já adiantamos que a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, vertida no ponto 8 em apreço, não se nos afigura ser a mais correta, como já deixava entrever a motivação acima citada, por se mostrar contraditória, nisto se reconhecendo alguma razão à Apelante.
O referido email, datado de 03-04-2020, tem o seguinte teor (sublinhado nosso):
No seguimento da nossa conversa de dia 31-Mar, venho por este meio deixar por escrito o que acordámos:
● Face á grave situação que todos vivemos com o surto de Covid-19, a B … Academy informou a B …, que no dia 13-Março iria suspender o serviço de prestação de lições de Equitação.
A Direção da B … comunicou a todos os Sócios no dia 18-Março, que, resultante do estado de emergência declarado, o Hipódromo seria encerrado, ficando com acesso restrito, apenas para os serviços mínimos.
Daqui resultou o encerramento de todas as atividades desenvolvidas no Hipódromo.
● Por este motivo, veio a B … Academy pedir suspensão de renda mensal contratada junto com a B ….
A Direção da B … aceitou suspender a referida renda mensal, nos seguintes termos:
○ Aparentemente a B … Academy só vai reativar as lições de Equitação em Setembro de 2020
Até lá e com inicio a 1-Abril, a renda fica suspensa.
Os cinco meses (Abr, Mai, Jun, Jul, Ago) em que a renda fica suspensa, serão acrescentados ao final do contrato, como extensão, para compensar a B … dos meses em que não vai receber a contratada renda mensal.
Caindo esta extensão a meio de um ano letivo, podem as partes acordar que a mesma extensão seja até final desse ano letivo, extra contrato inicial, sempre com pagamento de renda mensal.
Ficou acordado que a B … Academy pagaria com efeitos imediatos a totalidade da renda do mês de Março, renda esta que está em atraso.
● A B … Academy suspendeu atividade e retirou do Hipódromo a maioria dos seus Cavalos, pelo que, se usar boxes da B … para estabular outros Cavalos seus, as mesmas serão faturadas ao preçário em vigor, em condições iguais a qualquer outro Sócio.”
Do depoimento do legal representante da Autora resultou bem claro que, nos termos do acordo verbalmente firmado, as rendas relativas aos meses de abril a agosto de 2020 não eram perdoadas, mas haveria uma suspensão do pagamento da renda durante esse período de tempo - em que a atividade da Escola ficava (previsivelmente) suspensa -, e que o pagamento seria normalmente retomado depois (a partir de setembro de 2020), com o prolongamento do contrato pelo mesmo período de tempo; ou seja, as rendas de abril a agosto de 2020 não eram pagas, mas, em contrapartida, seriam pagas rendas de setembro de 2021 a janeiro de 2022, não cessando assim o contrato a sua vigência a 31 de agosto de 2021, como era suposto acontecer. Também o referido C … referiu que havia sido acordado suspender o pagamento das rendas para ser reativado quando as coisas voltassem à normalidade, acrescentando ter sido “proposto” pela Autora o prolongamento do contrato.
Não nos parece que tenham existido depoimentos convincentes no sentido de o acordo firmado ser, pura e simplesmente, o de as rendas relativas aos meses de abril a agosto de 2020 serem liquidadas no fim do contrato. Contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo, não nos mereceram credibilidade a esse respeito os depoimentos das testemunhas H … e D …, quando disseram que as rendas suspensas seriam pagas no fim do contrato, mas sem explicitarem de que forma.
Com efeito, se o acordo das partes fosse no sentido do pagamento do valor total das 5 rendas relativas aos meses de abril a agosto de 2020 (16.500 €) em 31-08-2021, seguramente não teria sido mencionado no email que Os cinco meses (Abr, Mai, Jun, Jul, Ago) em que a renda fica suspensa, serão acrescentados ao final do contrato, como extensão, para compensar a B … dos meses em que não vai receber a contratada renda mensal. Admitimos que as testemunhas H … e D … possam ter interpretado de forma diferente o referido email, porventura por não terem estado diretamente envolvidos na negociação do acordo ou por discordarem do mesmo ou apenas por não terem lido com a devida atenção a mensagem enviada.
Pareceu-nos mesmo que consideravam desadequada a solução que havia sido encontrada (de não pagamento das rendas de abril a agosto de 2020 e prolongamento da duração do contrato, com o pagamento de rendas relativas ao período da extensão, de setembro de 2021 a janeiro de 2022), já que, como referiu a testemunha H …, a manutenção do Hipódromo, mesmo sem o funcionamento da Escola, envolvia uma série de despesas correntes, como água e eletricidade. Esta testemunha também referiu que a Ré usou boxes que se encontravam vazias para ter cavalos, fazendo-o à margem da Escola, apesar de não existirem aulas de equitação durante o confinamento, parecendo considerar que, por esse motivo e uma vez que a Autora continuou a ter despesas fixas para manutenção das instalações, as rendas deveriam ser pagas a final, como forma de compensar tudo isto (até porque não foram reclamadas pela Autora despesas de água e luz, nem faturadas quantias pelo uso das boxes).
Porém, esse seu entendimento, em linha com o da testemunha D …, não se nos afigura ter razão de ser, sendo contrariado pelo depoimento do legal representante da Autora e pelo teor da mensagem de correio eletrónico que este enviou. Ou seja, não é pelo facto de as testemunhas H … e D … terem dado a sua opinião sobre o assunto em apreço que ficámos convencidos quanto ao que disseram, já que foi confessado pelo legal representante da Autora e resultou da mensagem que enviou, bem como, em parte, do depoimento da testemunha C …, que o pagamento da renda mensal ficava suspenso de abril a setembro de 2020 e que a duração do contrato teria uma extensão por igual período de tempo.
É, pois, nossa convicção que as partes (a Ré representada pelo seu gerente de facto) acordaram verbalmente, na reunião de 31-03-2020, em suspender o pagamento das rendas (acedendo a Autora ao que havia sido solicitado pela Ré a esse respeito) - “a renda fica suspensa” durante os cinco meses em que (previsivelmente) a Escola de Equitação estaria encerrada (período de tempo em que a Autora “não vai receber a contratada renda mensal”) -, havendo, em contrapartida, uma extensão à duração do contrato por mais 5 meses, além do mais mencionado na referida mensagem (prevendo-se designadamente, para o caso de a Ré usar boxes da Autora para estabular Cavalos durante o período de tempo em que a atividade da Escola estava suspensa, que seria feita a faturação dessas boxes, ao preçário em vigor, em condições iguais a qualquer outro sócio), estando os termos desse acordo sido explicitados no referido email. Em suma, o pagamento das rendas ficava suspenso por 5 meses, período em que a Escola de Equitação estaria encerrada, mas, em contrapartida, o prazo de duração do contrato seria prorrogado por mais 5 meses.
Por outro lado, no tocante à primeira parte do ponto 8 (em que consta Em resultado da legislação que foi publicada), é evidente que o referido acordo das partes se deveu ao facto de a Escola de Equitação explorada pela Ré ter sido encerrada, uma vez que, em 18 de março de 2020, por causa da pandemia resultante do Covid-19, foi decretado pelo Governo que a escola de equitação teria de ser encerrada – cf. ponto 7. Assim, a expressão constante do ponto 8 estará relacionada com a legislação que foi publicada no dia 18 de março, mais precisamente, a Resolução da Assembleia da República n.º 15-A/2020, de 18-03, que concedeu autorização para a declaração do estado de emergência, solicitada pelo Presidente da República, e o Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18-03, que declarou o estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública, bem como a demais legislação que antecedeu as referidas “conversa” e comunicação, designadamente o Decreto n.º 2-A/2020, de 20-03, e a respetiva Declaração de Retificação n.º 11-D/2020, de 20-03.
Pese embora na fundamentação de direito da sentença (passagem adiante citada) se relacione, de certo modo, o dito acordo das partes com os mecanismos legais que vieram a ser adotados, aludindo-se à referida Lei n.º 4-C/2020, publicada em 06-04-2020, não vemos razão para pensar que tenha sido a aprovação/publicação deste último diploma legal que levou as partes a chegarem a acordo nos termos descritos.
Todavia, a menção feita no ponto 8, conjugada com o que é referido na fundamentação de direito, mostra-se passível de gerar alguma confusão. Por isso, e uma vez que se está perante matéria de direito, entendemos ser mais rigoroso ficar a constar que o acordo firmado nos termos descritos em 8 se deveu ao circunstancialismo descrito no ponto 7.
Assim, impõe-se alterar a redação do ponto 8, o qual passa a ter o seguinte teor:
8. Em resultado do referido em 7, a Autora comunicou à Ré que aceitava a suspensão do pagamento das rendas entre abril e agosto de 2020, nos termos do email de 03-04-2020 (doc. 1 junto com a Réplica), cujo teor se dá por reproduzido e do qual consta designadamente que:
“○ Aparentemente a B … Academy só vai reativar as lições de Equitação em Setembro de 2020
Até lá e com inicio a 1-Abril, a renda fica suspensa.
Os cinco meses (Abr, Mai, Jun, Jul, Ago) em que a renda fica suspensa, serão acrescentados ao final do contrato, como extensão, para compensar a B … dos meses em que não vai receber a contratada renda mensal.
○ Caindo esta extensão a meio de um ano letivo, podem as partes acordar que a mesma extensão seja até final desse ano letivo, extra contrato inicial, sempre com pagamento de renda mensal.
● Ficou acordado que a B … Academy pagaria com efeitos imediatos a totalidade da renda do mês de Março, renda esta que está em atraso.
● A B … Academy suspendeu atividade e retirou do Hipódromo a maioria dos seus Cavalos, pelo que, se usar boxes da B … para estabular outros Cavalos seus, as mesmas serão faturadas ao preçário em vigor, em condições iguais a qualquer outro Sócio”.
Alínea a) impugnada
Na sentença foi considerado não provado que: a) a Autora teve atitudes de discriminação dos trabalhadores da Ré, consubstanciadas, nomeadamente, na obrigação de estes frequentarem um bar diferente do dos sócios, na proibição de estes montarem e na não aceitação dos mesmos como sócios (artigo 12.º contestação).
O Tribunal a quo motivou o assim decidido nos seguintes termos:
“Uma palavra, ainda, para o depoimento prestado pela testemunha E …, que se apresentou em juízo como “CEO” de uma empresa de eventos, tendo anteriormente sido consultora da Ré. Esta testemunha, para além de uma postura em juízo que o Tribunal reputou de menos colaborante, revelou uma inaudita animosidade perante os responsáveis da Autora, em termos pouco sustentados em dados objectivos, tanto mais que, como reconheceu, não estava diariamente na escola de equitação e não tinha qualquer função relacionada com a gestão da Ré. Por estes motivos, o seu depoimento, não só não foi valorado para contra-prova de factos invocados pela Autora, como também não serviu para prova da matéria deduzida em sede de reconvenção.
No que concerne à factualidade não provada – consubstanciadora de parte da causa de pedir reconvencional – a mesma deriva directa e naturalmente, quer da prova que, a respeito dessas matérias, a Autora logrou efectuar, nos termos já expostos, quer da falta de demonstração, pela própria Ré, dessa mesma factualidade. A este propósito, refira-se, ainda, que a testemunha F … (antigo funcionário da Ré) que, supostamente, havia sido alvo de comportamentos discriminatórios por parte da Autora, prestou um depoimento vago e subjectivo, não permitindo o apuramento, com o mínimo de consistência, da factualidade alegada em sede de contestação.”
A Apelante defende, em síntese, que: estes factos devem ser dados como provados, considerando, quanto ao bar próprio, os depoimentos prestados pelas testemunhas E …, C … e D …; quanto à proibição de os tratadores montarem, o depoimento das testemunhas F …, E … e D …, o qual confirmou que os tratadores “Podem trabalhar os cavalos, mas montá-los não” (só os sócios podem); a respeito da não aceitação como sócios, os depoimentos das testemunhas F …, E …, C … e D …, confirmando este que o referido F … não foi admitido como sócio, tendo apenas recebido uma autorização para montar; também resultaram provadas outras práticas discriminatórias, dos filhos dos tratadores, face aos depoimentos das testemunhas E … e C …, tendo o depoimento daquela sido indevidamente desconsiderado apenas por não conseguir precisar o mês de um (dos muitos) factos abordados no seu depoimento.
A Apelada discorda, defendendo, em síntese, que: não foi produzida nos autos prova bastante a respeito destes factos, tendo o Tribunal a quo decidido, como legalmente lhe é permitido, não valorar o depoimento da testemunha F … por ter sido vago e subjetivo, de igual modo não merecendo ser valorado o depoimento da testemunha E …; os estatutos, regras de conduta e regulamento da Autora sempre foram do perfeito conhecimento da Ré.
Vejamos.
Relativamente ao depoimento prestado pela testemunha F …, concordamos com a apreciação feita pelo Tribunal recorrido, pois aquele não foi capaz de dar conta, de forma objetiva de acontecimentos concretos com interesse para o caso, situando-os no tempo, acabando mesmo por dizer, quando inquirido no sentido de precisar a altura em que tinha acontecido aquilo de que estava a falar, que podia ter sido no outubro ou na primavera.
A testemunha E … prestou um depoimento que se nos afigurou subjetivo e pouco preciso, o que talvez se explique pelas funções que desempenhou, como responsável da Escola, ou por outros eventos da sua vida pessoal de que deu conta para justificar a sua falta de memória sobre alguns dos factos concretos em apreço (assim referiu ter sido mãe e ter outras atividades profissionais); o certo é que se mostrou muito crítica quanto a certas regras que desde o início eram impostas pela Autora, como a relativa à existência de dois restaurantes, um para o pessoal da Escola e outra para os sócios da Autora (referindo, com alguma indignação, um episódio em que tentou usar este último para almoçar com o staff da Escola), ou a regra que não permitia que os filhos dos tratadores tivessem aulas, mencionando também que os sócios da Escola não tinham os mesmos direitos que os sócios do Clube. Esta testemunha, tendo começado por dizer que a Ré tinha tudo a postos para retomar a sua atividade após o encerramento devido à Covid, o que só não foi aconteceu porque membros da B … o tornaram impossível (aliás, disse que durante 4 anos tornaram a sua vida insuportável, insultaram-na, filmaram-na), acabou por não ser capaz de situar no tempo esses acontecimentos. Mesmo tendo-lhe sido dito então pela Sr.ª Juíza, com alguma firmeza, que era importante e normal lembrar-se se teria sido em julho, agosto ou setembro, não foi capaz de o precisar e, de forma desadequada, respondeu que se a Sr.ª Juíza queria que mentisse, mentiria. Por tudo isto, compreende-se que o seu depoimento tenha merecido pouca credibilidade.
De qualquer modo, ficou claro, tanto pelo seu depoimento, como pelo depoimento do legal representante da Autora e da testemunha D … que efetivamente os trabalhadores da Ré deviam frequentar um restaurante diferente do dos sócios. Porém, no contexto do funcionamento do Hipódromo, que resultou percetível em especial face aos depoimentos destes dois últimos, não vemos que essa regra constituísse uma atitude discriminatória dos trabalhadores da Ré, desde logo porque não se devia ao facto de serem trabalhadores da Ré, mas sim ao facto de não serem sócios da Autora, parecendo-nos compreensível que os sócios da Autora, por terem essa qualidade, provavelmente pagando as respetivas quotas, tenham alguns “direitos” no uso das instalações que outras pessoas, apesar de serem funcionários ou alunos da Escola, não tenham.
Quanto à não aceitação dos trabalhadores da Ré como sócios, não foi produzida prova que permita uma tal generalização, apenas tendo sido dito, designadamente pelas testemunhas E … e C …, de forma pouco convincente, tanto mais que nem conseguiram situar no tempo esse facto, que havia sido recusado o pedido de adesão como sócio feito pelo tratador F …. Ora, desconhecendo-se quando tal sucedeu, quais as razões disso e como se processava a admissão de novos sócios, parece-nos inaceitável ver nesse acontecimento uma atividade discriminatória.
Quanto à proibição de os trabalhadores da Ré montarem os cavalos, foi referido pela testemunha D … que essa regra se aplicava apenas aos tratadores, tendo o instrutor da Ré autorização para montar e que, de qualquer forma, o F … também montou um cavalo. Por outro lado, sendo sabido que os cavalos são animais que têm um proprietário e um valor económico que pode ser considerável, que existe com frequência uma relação especial entre cavaleiro e montada, que um cavalo que não esteja a ser corretamente montado se pode magoar ou até magoar outros animais e pessoas, parece-nos compreensível que existam regras e cuidados a esse respeito, não se nos afigurando que a existência de regras nos termos explicados pela testemunha D …, cujo depoimento nos mereceu maior credibilidade a este respeito, configurasse uma prática discriminatória dos trabalhadores da Ré.
Assim, mantem-se inalterada a decisão da matéria de facto neste particular.
Da obrigação de pagamento das rendas de março/abril a agosto de 2020
Na fundamentação de direito da sentença, teceram-se a este respeito as seguintes considerações (sublinhado nosso):
“Atentemos, então, à questão decidenda nestes autos, consubstanciada, fundamentalmente, em dois pontos: a validade (ou falta dela) da declaração de resolução do contrato operada pela Ré; a produção de efeitos desse mesmo contrato, com a consequente determinação da obrigação de pagamento dos valores acordados a título de prestação mensal (rendas, considerando que o contrato pode ser qualificado como de locação de estabelecimento).
Entre as partes foi celebrado um contrato pelas próprias identificado como de cessão de exploração de estabelecimento – também podendo ser identificado como de locação de estabelecimento –, no qual a Autora figura como concedente e a Ré como concessionária, regido, em primeira linha, pelas disposições contratuais acertadas entre as partes e, nas faltas ou omissões, pelo regime consagrado nos artigos 1022º e seguintes do Código Civil, bem como legislação avulsa em vigor. É sabida a noção deste contrato: é o acordo pelo qual se transfere, temporária e onerosamente, para outrem, juntamente com o gozo do imóvel, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado (cfr., por todos, o Cons. ARAGÃO SEIA, “Regime do Arrendamento Urbano, Coimbra, 5ª edição, 2000, pág. 555). Como refere a Autora, a diferença fundamental entre este contrato e o de arrendamento comercial é que, enquanto este último consiste na mera cedência temporária do gozo de um imóvel mediante retribuição, o primeiro consubstancia-se na cedência temporária, mediante retribuição, da unidade económica constituída por um determinado estabelecimento comercial, do qual faz parte a fruição do imóvel onde ele está instalado – sendo essencial, neste caso, que se pretenda a manutenção, pelo cessionário, da exploração do estabelecimento no respectivo ramo de actividade e que a transmissão seja acompanhada de elementos que integram o estabelecimento (como aconteceu na situação sub judice).
Nesta medida, aliás, tem-se entendido que a expressão mais correcta para designar esta figura seria a de locação de estabelecimento (cfr. o Ac. S.T.J. de 26.01.1988 in B.M.J. 373, pág. 483 e PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, 4ª edição, pág. 703).
É sabido que, em matéria de responsabilidade contratual, regem os princípios da pontualidade no cumprimento (artigo 4 06º do Código Civil) e da presunção de incumprimento culposo: nos termos do artigo 799º, n.º 1 do Código Civil, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua. Determina o artigo 798º, por seu turno, que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
A produção de efeitos do contrato, repercutida para o caso, fundamentalmente, na obrigação de pagamento das rendas, foi fixada contratualmente com clareza; sucedeu, porém, que, por motivos externos e absolutamente alheios à vontade das partes, a Ré deixou de poder assegurar o funcionamento da escola de equitação.
Constitui jurisprudência pacífica que a pandemia de Covid-19, que afectou (também) este contrato em 2020, configura uma situação factual enquadrável no instituto da resolução ou modificação dos contratos por alteração das circunstâncias, nos termos do artigo 437º, n.º 1 do Código Civil (cf., por exemplo, o Acórdão da Relação de Guimarães de 07.10.2021: https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRG:2021:46168.20.0YIPRT.G1.79/). Com efeito, a anormalidade da alteração das circunstâncias em que as partes alicerçaram a decisão de contratar foi acompanhada de uma completa imprevisibilidade, constituindo a situação pandémica, de consequente confinamento, um exemplo manifesto de alteração de circunstâncias geral e totalmente alheia a condutas ou áreas de influência das partes, e a cujo domínio e controlo escapam absolutamente.
Por isso, de acordo com o artigo 437º do Código Civil, «se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato», numa expressão concludente do princípio da boa-fé no cumprimento dos contratos.
Certo é que, por efeito da legislação temporária aprovada nesse período, foram adoptadas medidas excepcionais e temporárias, das quais cumpre destacar a Lei n.º 4-C/2020, de 06.04, que estabeleceu um regime excepcional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, no âmbito da pandemia Covid-19, prevendo o diferimento das rendas vencidas durante o estado de emergência. Tal regime estendeu a sua aplicação, com as necessárias adaptações, a outras formas contratuais de exploração de imóveis, como é o caso de um contrato como o dos autos, de cessão de exploração com exploração de um imóvel.
Provou-se que, por força do circunstancialismo que impediu a verificação do sinalagma contratual, a Autora comunicou à Ré que aceitaria o deferimento do pagamento das rendas para o final do contrato, pagamento, esse, que, portanto, ficou em suspenso até esse determinado momento – concretizando, portanto, o regime legal aprovado para estas situações; pelo que, contrariamente ao alegado pela Ré na contestação, não haveria qualquer necessidade de alteração formal ao contrato – pois que esta sempre constituiu uma disposição emergente da lei.”
A Apelante discorda, argumentando, em síntese, que: ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, o regime previsto no art. 8.º da Lei n.º 4-C/2020 não é aplicável, porque o acordo mencionado no ponto 8 foi celebrado antes da publicação dessa lei e, além disso, as partes acordaram numa solução diferente da legal (prorrogação do contrato e não diferimento do vencimento/pagamento das rendas); ademais, o art. 8.º da Lei n.º 4-C/2020 consagrou um direito potestativo a favor do arrendatário (não um regime obrigatório), direito que não se provou ter sido exercido; o acordo de prorrogação, para ser válido, tinha de ser formalizado através de alteração ao contrato, nos termos do n.º 5 da cláusula 20.ª do contrato de cessão de exploração; assim, por falta de forma, não se pode concluir pela real existência de um acordo; a obrigação de pagamento das rendas durante o período da pandemia (meio de março a agosto de 2020) é, pois, regulada pelas regras gerais de Direito, verificando-se uma impossibilidade temporária não culposa de cumprimento do contrato por parte da Autora; logo, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 795.º do CC, não pode ser exigida à Ré a sua contraprestação, ou seja, o pagamento das rendas relativas ao período de encerramento (rendas de metade do mês de março de 2020 até à data da resolução, em agosto); caso assim não se entenda, é aplicável in casu – como inclusivamente reconhece a sentença – o instituto da modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias, conforme peticionado em sede reconvencional.
A Apelada, por sua vez, defende que: ficou provado que as partes acordaram em diferir o pagamento das rendas para os últimos meses do contrato, sendo essa solução coincidente com a solução que o legislador preconizou na Lei n.º 4-C/2020, não se confundindo com uma suspensão do contrato com prorrogação do prazo de duração do contrato por período igual ao da suspensão; não estando aqui em causa uma prorrogação do contrato, não se aplica o alegado pela Apelante quanto à necessidade de formalização de uma prorrogação de contrato por aditamento escrito; tão pouco tem aplicação no caso o n.º 1 do art. 795.º do CC ou o art. 437.º do CC.
Apreciando.
É fora de dúvida que as partes celebraram um contrato de cessão da exploração ou locação de estabelecimento (sendo o estabelecimento comercial em causa a Escola de Equitação designada por B … Academy), subsumível na previsão do art. 1109.º do CC, o qual dispõe, sob a epígrafe, “Locação de estabelecimento”, que:
“1 - A transferência temporária e onerosa do gozo de um prédio ou de parte dele, em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado, rege-se pelas regras da presente subsecção, com as necessárias adaptações.
2 - A transferência temporária e onerosa de estabelecimento instalado em local arrendado não carece de autorização do senhorio, mas deve ser-lhe comunicada no prazo de um mês.”
O contrato de cessão de exploração de estabelecimento ou locação de estabelecimento, como passou a ser designado no âmbito do NRAU (aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27-02), embora nominado (porque tem na lei nome próprio), não tem um regime específico fixado na lei, já que se lhe aplicam, ex vi do n.º 1 do art. 1109.º do CC, e com as necessárias adaptações, as regras especiais do regime dos arrendamentos urbanos para fins não habitacionais previstas na Subsecção VIII intitulada “Disposições especiais do arrendamento para fins não habitacionais” (artigos 1108.º a 1113.º), mormente as que dizem respeito à “Duração, denúncia ou oposição à renovação” - constantes dos artigos 1110.º e 1110.º-A - e à transmissão da posição do arrendatário - art. 1112.º, em particular o n.º 3 deste art. 1112.º, do qual resulta que o contrato deve ser celebrado por escrito (não faltando quem afirme, sem mais, que “(A) forma da locação de estabelecimento segue, hoje, o regime geral do 1069.°: deve ser celebrada por escrito” – assim “Código Civil Comentado III Dos Contratos em Especial”, Coordenação de Menezes Cordeiro, Almedina, 2024, pág. 616).
Para uma explicação sobre a evolução do regime do contrato de cessão de exploração de estabelecimento, veja-se o acórdão do STJ de 10-03-2022, proferido no processo n.º 19498/18.4T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, em que se refere que: “A subordinação dos contratos de cessão de exploração de estabelecimento ao regime dos arrendamentos não habitacionais, explica-se pelas alterações que, entretanto, se haviam verificado nesse regime, o qual tinha sido expurgado dos seus aspetos vinculísticos [8], pelo que já não se justificava prosseguir a orientação que havia sido iniciada jurisprudencialmente pelo acórdão sobre a cessão de exploração do cinema (…) nos meados dos anos 30 do século passado.
No entanto, o n.º 1, do artigo 1109.º, do Código Civil, não deixou de salvaguardar que essa remissão para o regime dos arrendamentos não habitacionais, seria efetuada com as necessárias adaptações exigidas pela circunstância do objeto locativo ser um estabelecimento comercial.”
De salientar, portanto, que não obstante o cariz locativo do contrato de cessão de exploração de estabelecimento ou locação de estabelecimento, a referida remissão não é feita de forma genérica e em bloco, como se todo o regime do arrendamento não habitacional fosse aplicável. Isto mesmo é bem explicado no acórdão da Relação de Coimbra de 17-04-2012, proferido no processo n.º 221/09.0TBCDN.C1, aí se referindo que (inserimos entre parenteses retos as notas de rodapé):
“A lei nova – para além de alterar o nomen iuris do contrato, adoptando a designação mais rigorosa de locação de estabelecimento comercial [18 Não deixa, contudo de notar-se, que em vários locais, o legislador continua a denominar o contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial. É o que sucede, v.g., nos artºs 269 e) do CIRE, 318 nº 3 do CT, 3 nº 2 c) do CIRS e 3 nº 4 do CIVA.] – manda aplicar ao contrato correspondente as regras, com as necessárias adaptações, das disposições especiais do arrendamento urbano para fins não habitacionais (artº 1109 do Código Civil)[19 Para a concretização das normas do arrendamento urbano para fins não habitacionais aplicáveis ao contrato de locação de estabelecimento comercial, cfr., Maria Olinda Garcia, Arrendamentos para Comércio e Fins Equiparados, Coimbra Editora, 2006, págs. 167 a 162 e Fernando de Gravato Morais, Novo Regime do Arrendamento Comercial, Almedina, Coimbra, 2011, págs. 351 a 354].
Por força dessa extensão de regime regula-se - agora expressamente - a desnecessidade de aquiescência do senhorio para a locação do estabelecimento, os casos em que ocorre locação de estabelecimento e a necessidade – fortemente discutida na vigência da lei revogada – de comunicação ao senhorio da transmissão do gozo do imóvel (artº 1109 nº 2 e 1112 nº 2 do Código Civil).
Mas exceptuadas aquelas regras, aplicáveis por expressa extensão legal, em tudo o mais, o regime passou – melhor se diria, continuou - a ser extremamente lacónico [20 Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 77.].
Com a nova lei, manteve-se, pois, a incompletude da regulação legal específica do contrato, e, portanto, a sua relativa atipicidade. Quer dizer: exceptuadas as regras específicas do contrato de arrendamento que a lei manda aplicar por extensão de regime, o contrato de locação de estabelecimento continua a ser regulado pelas convenções das partes, e, subsidiariamente, pelas disposições do contrato de locação e de arrendamento que com ele se não mostrem incompatíveis e, na sua falta, pelas regrais gerais dos contratos.
Portanto, ao contrário do que sustenta o recorrente na sua alegação, ao contrato de locação de estabelecimento comercial em apreço não é aplicável, por via subsidiária, indiscriminadamente, a Lei do Arrendamento Urbano em Vigor. Entre as normas excluídas contam-se, por exemplo, as regras reguladoras da resolução e da forma da comunicação correspondente.
Seria, de resto, de todo inexplicável que num momento em que, no tocante ao contrato de arrendamento, a lei se ordena claramente por uma flexibilização considerável senão mesmo amolecimento da tradicional rigidez do vínculo contratual que institui, essa mesma lei se orientasse, no tocante ao contrato de locação de estabelecimento, no sentido inverso, subtraindo-o à autonomia privada sob cujo signo foi geneticamente concebido.”
Portanto, muito embora no NRAU já não seja necessário discutir a natureza da locação de estabelecimento como um contrato misto ou um contrato atípico (para a subtrair ao regime do arrendamento) - pois é agora incontornável que se está perante uma locação, um subtipo de locação consagrado na lei, precisamente no artigo em anotação -, subsistem dificuldades de ordem prática, pela sujeição daquele contrato ao regime do arrendamento urbano para fins não habitacionais, com as necessárias adaptações – isto mesmo é afirmado no “Código Civil Comentado III Dos Contratos em Especial”, Coordenação de Menezes Cordeiro, págs. 615 e 617, aí se referindo ainda que “(T)em natureza objetivamente comercial, embora conste do Código Civil. Todavia, já se tem exigido, para a aplicação de juros comerciais, que o próprio senhorio seja, também ele, comerciante”.
Não se podendo olvidar que o n.º 2 do art. 1109.º do CC visa a situação em que o estabelecimento objeto do contrato está instalado em local arrendado, em que o regime do arrendamento urbano é naturalmente aplicável, em toda a sua extensão, nas relações com o senhorio (não resultando dos factos provados que seja caso disso).
Voltando à análise da situação concreta, lembramos que o Tribunal recorrido deu como provado que as partes acordaram que as rendas seriam todas liquidadas no fim do contrato, pelo que não parece ter considerado aplicável ao caso a Lei n.º 4-C/2020, de 06-04, cujo art. 8.º prevê o “Diferimento de rendas de contratos de arrendamento não habitacionais”, estabelecendo a possibilidade de o arrendatário diferir o pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, para os 12 meses posteriores ao término desse período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, pagas juntamente com a renda do mês em causa. Além disso, se bem percebemos, ao referir que as partes concretizaram o regime legal aprovado, o Tribunal a quo terá entendido que não havia necessidade de uma alteração formal ao contrato, por já decorrer da lei a possibilidade de diferimento das rendas.
Porém, não podemos acompanhar estas considerações, desde logo porque a referida solução legal não se mostra coincidente com a que, na perspetiva do Tribunal recorrido, foi adotada pelas partes. Efetivamente, segundo o Tribunal recorrido, o acordo das partes seria uma singela moratória, nos termos da qual o pagamento do montante total das rendas relativas aos 5 meses em que a Escola estava encerrada seria devido, no fim do contrato, sem qualquer pagamento faseado.
Há agora que procurar a solução do caso considerando os factos que ficaram efetivamente provados, apreciando se não pode ser exigido à Ré-Apelante o cumprimento da obrigação de pagamento das rendas relativa ao período de meados de março a agosto de 2020, face ao regime legal aplicável (que não corresponde inteiramente ao do arrendamento urbano) e ao acordo das partes plasmado no ponto 8 (com a nova redação).
O contrato em apreço nos autos foi reduzido a escrito (como se impunha – cf. art. 1112.º, n.º 3, ex vi do art. 1109.º, n.º 1, ambos do CC ou art. 1069.º do CC), o mesmo não tendo sucedido quanto à estipulação verbal posterior referida no ponto 8, não obstante tenha ficado estabelecido no contrato que quaisquer modificações ao mesmo devem ser reduzidas a escrito e assinadas pelos representantes de ambas as partes.
Está previsto na lei que a declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula (cf. artigos 219.º e 220.º do CC) e ainda, no que aqui interessa, que “As estipulações posteriores ao documento só estão sujeitas à forma legal prescrita para a declaração se as razões da exigência especial da lei lhes forem aplicáveis.” (cf. art. 221.º, n.º 2, do CC).
Cabe perguntar, desde logo, quais as razões pelas quais se exige forma escrita para a locação de estabelecimento. Em nosso entender, são as mesmas da exigência legal de forma escrita para o trespasse e para o contrato de arrendamento. A este respeito, veja-se a anotação ao art. 1069.º, n.º 1, do CC constante do “Código Civil Comentado III Dos Contratos em Especial”, Coordenação de Menezes Cordeiro, Almedina, 2024, pág. 448, aí se referindo designadamente que:
“13. A forma escrita passa, pois, a ser o meio exigido para a exteriorização das declarações de vontade de dar em arrendamento (locador ou senhorio) e de receber em arrendamento (locatário, arrendatário ou inquilino). O contrato pode surgir por adesão, de ambas as partes, a um texto comum, proposto por uma delas à outra ou disponibilizado por terceiros.
14. Na falta de forma, o negócio é nulo (220.º).  A lei atual permite repescagens por via de nulidades mistas, através da adenda do n.º 2, acima referida.
15. As razões de forma são as comuns: (a) solenidade: ocorre um fator de publicidade que torna o ato cognoscível do público; (b) reflexão: as partes não podem contratar sem um mínimo de compasso de espera, de modo a melhor poderem apreender a gravidade do seu ato; (c) prova: torna-se mais fácil demonstrar a existência do contrato e o seu conteúdo; (d) controlo público: o Estado e os municípios têm, no domínio do arrendamento, diversos poderes que requerem a cognoscibilidade objetiva do contratado.”
Afirmando-se nessa obra, na pág. 620, em anotação ao art. 1110.º do CC, já quanto às estipulações posteriores, que:
“9. Acordos supervenientes quanto à duração, denúncia e oposição à renovação são logicamente possíveis. Eles integrar-se-ão no contrato inicial, sem mais problemas.
10. A forma aplicável às cláusulas sobre a cessação do contrato é a mesma exigida para o próprio contrato: a escrita (1069.º). Perante elas, funcionam as razões de exigência de forma que se manifestam perante o próprio arrendamento (221.º/2).”
Em anotação ao referido art. 221.º do CC, explicavam Pires de Lima e Antunes Varela, no seu “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 212, que: “Não são abrangidas pela razão da exigência da forma cláusulas como as que fixam o lugar ou o tempo do cumprimento da obrigação, a forma do cumprimento ou a quitação do próprio pagamento (…) Mas já o mesmo não poderá dizer-se, por exemplo, de uma estipulação através da qual se amplie ou reduza o objeto de um contrato (uma compra e venda de imóveis, um arrendamento, etc.) sujeito a certa forma.”. No mesmo sentido, citando esta obra, se pronunciava Francisco Pereira Coelho, in “Arrendamento Direito Substantivo e Processual”, obra que pode ser consultada em “RED AD PERPETUAM REI MEMORIAM”, 2016, https://cij.up.pt/client/files/0000000001/pereira-coelho-arrendamento_545.pdf, pág. 144: “Se a forma escrita for legalmente exigida (…), as estipulações posteriores só estão sujeitas a forma legalmente prescrita “se as razões da exigência especial da lei lhes forem aplicáveis” (art. 221.º, n.º 2). Assim, serão inválidas por falta de forma estipulações verbais posteriores referentes, designadamente, ao objecto do arrendamento ou ao montante da renda; pelo contrário, estipulações posteriores que alterem, por exemplo, o lugar ou o tempo do pagamento da renda ou a forma do pagamento serão válidas mesmo que se trate de estipulações puramente verbais” (omitimos na citação a nota de rodapé).
Em matéria de arrendamento, afirmando que uma alteração do valor da renda carece de forma escrita, veja-se, por exemplo, o acórdão do STJ de 18-05-2006 na Revista n.º 1248/06, sumário disponível em www.stj.pt.
Tendo tudo isto presente, sendo certo que o referido acordo das partes (cuja “real existência” é descabido questionar nesta sede, como faz a Apelante, de forma contraditória com o que defendeu no âmbito da impugnação da decisão da matéria de facto), por envolver uma prorrogação do prazo de duração do contrato, contenderia com a sua cessação tal como havia sido prevista no contrato, desde já adiantamos que tendemos a considerá-lo inválido, nulo, porque não chegou a ser reduzido a escrito assinado pelas partes, sendo aqui aplicáveis as razões da forma escrita, em particular as da solenidade, controlo público (até pela atividade desenvolvida) e facilidade da prova.
Mas, antes de prosseguirmos, parece-nos importante clarificar melhor o sentido desse acordo e também ainda do próprio contrato de arrendamento no tocante ao momento do pagamento da renda, já que o clausulado nesse contrato é algo contraditório.
Com efeito, na Cláusula Décima Oitava está estipulado que o valor da renda mensal será de 3.300 € /mês e que a renda mensal terá de ser liquidada até ao dia 8 do mês anterior a que diga respeito. Porém, na cláusula anterior, como fundamento de resolução do contrato pela Autora, menciona-se o não pagamento do preço acordado, nos termos da Clausula Décima Oitava, até ao dia 8 do mês a que respeita (e não do mês anterior a que respeita).
Ora, o acordo vertido no ponto 8, ainda que possa ser formalmente inválido, não deixa de ser revelador da vontade das partes quanto à data de vencimento da renda mensal, evidenciando que a renda se vencia até ao dia 8 do mês a que respeitava (e não do mês anterior a que respeitava) – pois, se assim não fosse, em 03-04-2020, data do referido email, não estaria apenas em mora a renda de março de 2020, mas já também a renda de abril de 2020 (que se teria vencido a 08-03-2020), a qual foi, todavia, equiparada às rendas de maio, junho, julho e agosto, que ainda não estavam vencidas.
Nessa medida, prosseguindo a nossa análise, num esforço interpretativo dos termos do acordo em apreço (à luz da teoria da impressão do destinatário consagrada no art. 236.º do CC e sem olvidar o disposto no art. 238.º CC), entendemos que as partes acordaram, por um lado, que as rendas de abril a agosto de 2020 não seriam devidas no período em que estaria (previsivelmente) encerrado o estabelecimento (Escola de Equitação), e, por outro lado, como contrapartida dessa renúncia, estipularam a prorrogação do prazo de duração do contrato, que, de 5 anos, passou a ser de 5 anos e 5 meses.
Portanto, enquanto a própria atividade do estabelecimento estivesse suspensa (a Escola encerrada), não haveria lugar ao pagamento da renda (pois as rendas que deveriam ser pagas eram outras – relativas à extensão do contrato de setembro de 2021 a janeiro de 2022), o que, mais do que uma moratória, parece corresponder a uma renúncia antecipada abdicativa (a cuja validade, no caso concreto, não obstaria o disposto no art. 809.º do CC). Sobre esta figura, veja-se o estudo de Ana Filipa Morais Antunes “Da irrenunciabilidade antecipada a direitos”, in “Homenagem ao Professor Doutor Germano Marques da Silva”, Volume I, Universidade Católica Portuguesa, págs. 79-111, em que a autora enuncia as seguintes conclusões:
“1.º A renúncia antecipada é uma figura controversa no Direito português porque o acto abdicativo opera antes do momento da exigibilidade do direito ou da situação jurídica ou do exercício do concreto meio de tutela patrimonial. Nesta medida, justifica-se controlar a seriedade do ato praticado pelo credor e, de modo especial, a consciência de juricidade do mesmo. Com efeito, o acto abdicativo tem lugar antes de se efectivar o direito, numa palavra, previamente à verificação das pressupostas para o seu exercício.
2.º O legislador quis prevenir hipóteses de renúncia ao exercício de direitos que não tenham sido adequadamente ponderadas, tendo presente o efeito jurídico correspondente, a saber, a extinção do direito.
3.º As dificuldades potenciam-se no caso de o acto de renúncia ter por objecto uma situação jurídica de exigibilidade diferida, o que obriga a equacionar os termos de admissibilidade de uma renúncia a direitos futuros ou, pelo menos, em curso de constituição.
4.º O artigo 809.º não inquina a validade de todo o acto de renúncia. Compreende-se, por este motivo, que não possa, sem mais, proclamar-se a inadmissibilidade de qualquer forma de auto-regulamentação convencional das situações jurídicas ou dos meios de tutela patrimonial.
5.º A maior ou menor latitude da norma do artigo 809.º depende, em rigor, da interpretação dada ao artigo e da tornada de posição quanto à existência de um princípio geral de irrenunciabilidade antecipada de direitos.
6.º À luz do Direito vigente e do previsível Direito a harmonizar, no espaço europeu, afigura-se duvidosa a licitude de uma cláusula que, antecipadamente e em termos genéricos, vede ao credor a susceptibilidade de exercer uma pretensão indemnizatória com fundamento em comportamentos que configurem um inadimplemento contratual grave, ou que, noutra perspectiva, determine uma ablação quanto ao direito de resolver o contrato.
7.º A solução de princípio defendida parece sair reforçada nos domínios caracterizados por uma actuação profissional do devedor que dificilmente se compatibiliza com uma exclusão em abstracto, genérica e antecipada, de meios de tutela patrimonial.
8.º A solução enunciada tem de ser testada em concreto, ponderados, designadamente:
a) Os interesses satisfeitos com o direito ou a situação jurídica que constitui objecto do acto de renúncia;
b) A natureza da norma que titula o direito ou a situação jurídica a que se pretende renunciar;
c) O efeito previsível do acto de renúncia no universo de meios de tutela patrimonial.
9.º Impõe-se esclarecer, à luz de uma estipulação concreta, se o sujeito abdicante está, na verdade, a renunciará sua protecção jurídica ou, pelo contrário, a exercer, em termos esclarecidos e livres, a sua autonomia negociaç, compondo os respectivos interesses e fazendo-os corresponder na equação económica do contrato.
10.º No caso, designadamente, de o titular do direito ou da situação jurídica renunciar a um entre vários meios de tutela funcionalmente destinados a satisfazer o mesmo feixe de interesses, parece dever reconhecer-se, em princípio, a respectiva validade, porque não se configura, em rigor, uma ablação dos meios de tutela patrimonial.
11.º O princípio da irrenunciabilidade antecipada obsta ao reconhecimento, em geral, de uma renúncia abstracta, ex ante e genérica dos direitos e situações jurídicas que assistam ao sujeito abdicante.”
Ora, a relevância crucial do que veio a ser acordado verbalmente pelas partes (conforme plasmado no ponto 8), ao ponto de, no que ora importa, contender com o anteriormente estipulado no contrato quanto à cessação do mesmo – lembramos que estava previsto que a “concessão de exploração” era por um período de 5 anos e que a mora no pagamento de renda constituía fundamento de resolução do contrato – leva-nos a concluir que se lhe aplicam as razões da forma escrita, mantendo-se as cláusulas primitivas atinentes à vigência do contrato e à obrigação do pagamento de renda e consequências dessa falta de pagamento. O que não significa que as partes não pudessem mais tarde reduzir a escrito uma tal modificação aos termos do contrato, conforme previsto no contrato, que assim passaria a vinculá-las, com a prorrogação por 5 meses do prazo de duração do contrato, ou, pura e simplesmente, proceder em conformidade com o que havia sido acordado (apesar da invalidade formal), como provavelmente teria sucedido não fora a comunicação de resolução do contrato por parte da Ré.
Perante a nulidade do que foi estipulado verbalmente pelas partes, quanto à “dispensa” do pagamento da renda de abril a agosto de 2020 “em troca” da constituição da obrigação do pagamento da renda de setembro de 2021 a janeiro de 2022, importa agora ponderar da aplicação do disposto no art. 795.º do CC ou, não sendo caso disso, do regime do art. 437.º do CC.
Até nos parece que as partes, com o acordo que fizeram (nulo, é certo), quiseram adotar uma solução próxima da que poderia advir da aplicação de alguns mecanismos legais, no limite, do regime do art. 437.º do CC. Mas, não podendo prevalecer o que foi acordado pelas partes a esse respeito, importa ponderar a solução a dar ao caso, no tocante ao pagamento das rendas em apreço, relativas ao período de meados de março a agosto de 2020, que aquelas perspetivaram como sendo o período de tempo em que a Escola deveria ficar encerrada por causa da pandemia de Covid-19 (encerramento que efetivamente aconteceu).
Conforme já referimos, não nos parece que o Tribunal a quo tenha considerado aplicável o “regime excecional” consagrado na Lei n.º 4-C/2020 “para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, no âmbito da pandemia COVID-19”. Nessa parte não merece censura a decisão recorrida, pois, além de ser muito duvidosa a aplicabilidade desse regime excecional ao contrato de locação de estabelecimento em apreço (face ao teor do art. 10.º dessa lei – posto que a Ré não estava propriamente a explorar um imóvel, mas um estabelecimento com caraterísticas muito próprias, tratando-se de uma Escola de Equitação), é fora de dúvida que a Ré não quis beneficiar da aplicação do art. 8.º desse diploma legal, que apenas lhe permitia diferir o pagamento das rendas das rendas vencidas nos meses em que vigorou o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, para os 12 meses posteriores ao término desse período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, pagas juntamente com a renda do mês em causa.
A Ré-Apelante defende estar dispensada do pagamento das rendas relativas ao período de março (a parte que não pagou) a agosto de 2020, por força do disposto no art. 795.º, n.º 1, do CC, nos termos do qual “(Q)uando no contrato bilateral uma das prestações se torne impossível, fica o credor desobrigado da contraprestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa.”
Porém, não nos parece que a prestação em causa se tenha tornado definitivamente impossível, como seria necessário para convocar este preceito, antes se nos afigurando que existiu uma mera impossibilidade temporária, nos termos do art. 792.º do CC, do que resultaria não responder a Ré, devedora, pela sua mora no cumprimento.
Mas parece-nos que urge ir mais longe, considerando o pedido que foi deduzido pela Ré, ao abrigo do disposto no art. 437.º, n.º 1, do CC, que o Tribunal recorrido reconheceu ser aplicável ao caso, referindo designadamente que:
“Constitui jurisprudência pacífica que a pandemia de Covid-19, que afectou (também) este contrato em 2020, configura uma situação factual enquadrável no instituto da resolução ou modificação dos contratos por alteração das circunstâncias, nos termos do artigo 437º, n.º 1 do Código Civil (cf., por exemplo, o Acórdão da Relação de Guimarães de 07.10.2021: https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRG:2021:46168.20.0YIPRT.G1.79/). Com efeito, a anormalidade da alteração das circunstâncias em que as partes alicerçaram a decisão de contratar foi acompanhada de uma completa imprevisibilidade, constituindo a situação pandémica, de consequente confinamento, um exemplo manifesto de alteração de circunstâncias geral e totalmente alheia a condutas ou áreas de influência das partes, e a cujo domínio e controlo escapam absolutamente.”
Se bem percebemos, o Tribunal recorrido apenas afastou a aplicação deste artigo por considerar que existia um acordo das partes – com contornos tidos por próximos do regime excecional previsto na lei (na referida Lei n.º 4-C/2020) –, de cuja aplicação resultava a desnecessidade de convocar o disposto no art. 437.º do CC.
Sucede que, como vimos, nem o acordo das partes tinha o conteúdo que foi considerado pelo Tribunal a quo, nem pode ser considerado válido. Daí que não possamos deixar de ponderar aplicar ao caso o disposto no art. 437.º, n.º 1, nos termos do qual: “Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.”
Ora, é claríssimo que as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar sofreram uma alteração anormal. Basta lembrar que no próprio contrato de locação de estabelecimento ficou previsto que “Caso a Câmara Municipal de Lisboa (CML) venha a revogar a concessão de exploração ou a modificar o regime estabelecido no contrato das instalações da B …, o contrato de concessão de exploração do estabelecimento a celebrar com o adjudicatário caducará ou modificar-se-á em conformidade com as modificações do contrato de exploração, sem que o adjudicatário tenha direito de exigir da B … qualquer indemnização.” É evidente que o encerramento temporário da Escola de Equitação, objeto do contrato, constitui uma alteração anormal e imprevisível à data em que o contrato de locação daquele estabelecimento foi celebrado, justificando inteiramente uma modificação contratual segundo juízos de equidade, pois a exigência da totalidade do valor das rendas devidas durante o período de tempo em que a Escola não pôde funcionar atenta gravemente contra os princípios da boa fé, não se podendo considerar esse evento coberto pelos riscos próprios do contrato.
Nesta linha de pensamento, veja-se, por exemplo, o acórdão do STJ de 18-06-2024, proferido no processo n.º 2916/20.9T8PDL.L1.S1:
“I. Estando em causa a actividade de observação das Baleias nos Açores, e um contrato promessa de cessão de quotas de uma sociedade dotada de licença para tal actividade, em 13/08/2020 verificava-se uma muito profunda, imprevisível e, anormal alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar decorrente das consequências para as pessoas a nível global e aquele negócio em particular pela pandemia Covid-19.
II. O que sabemos hoje sobre a recuperação do turismo nos anos imediatos é irrelevante para efeitos de analisar a amplitude dessa alteração anormal das circunstâncias.”
Também se pronunciou nesse sentido o acórdão da Relação de Guimarães de 07-10-2021, proferido no processo n.º 46168/20.0YIPRT.G1, mencionado na sentença recorrida, conforme se alcança do respetivo sumário, com o seguinte teor:
“I. A Covid-19 constitui um exemplo claro de alteração de circunstâncias geral e totalmente alheia a condutas das partes, e a cujo domínio e controlo escapam completamente.
II. A repercussão jurídica da Covid-19 deve ser repartida por igual (igualdade não no sentido formal – no sentido de matematicamente igual -, mas antes material, ou seja, de forma equitativa) de forma a que não se criem desequilíbrios na distribuição do risco contratual.”
De referir que a situação apreciada neste último acórdão respeitava precisamente a um contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial de atividade turística e espaço rural, situado no Alentejo, estando a ser exigida pela requerente o pagamento das rendas mensais. A Relação de Guimarães afastou a aplicação da Lei n.º 4-C/2020, de 06-04, não obstante esteja prevista a sua aplicação, com as necessárias adaptações, a outras formas contratuais de exploração de imóveis, como é o caso do contrato de cessão de exploração que acarrete a exploração de um imóvel, o que aí sucedia. Efetivamente, entendeu-se que “o regime em causa apenas se aplica aos estabelecimentos abertos ao público destinados a actividades de comércio a retalho e de prestação de serviços encerrados ou que tenham as respectivas actividades suspensas e aos estabelecimentos de restauração e similares, incluindo nos casos em que estes mantenham actividade para efeitos exclusivos de confecção destinada a consumo fora do estabelecimento ou entrega no domicílio”, concluindo-se não ser o contrato aí em apreço enquadrável nessa previsão legal, estando vedada a respetiva aplicação por analogia, dado tratar-se de um regime jurídico de natureza excecional (art. 11.º do CC). Mais se considerou ser aplicável o regime previsto no art. 437.º n.º 1, do CC, justificando-se uma modificação do contrato no que respeita às prestações dos meses de abril, maio e junho de 2020, pautada por um critério de equidade, sendo que, da factualidade que se provou, resultava que a atividade da ré não havia ficado paralisada, mas grandemente diminuída, com um enorme impacto na respetiva faturação, no período entre abril e junho de 2020, tendo os meses de julho e agosto de 2020 representando para o Turismo e para a aí ré um novo arranque da atividade, o qual trouxe um significativo aumento da faturação, que não foi suficiente para compensar as perdas anteriores e permitir o pagamento das dívidas contraídas no período de abril a junho de 2020; por isso, e visto que noutros sectores de atividade com desafios similares, como sucede com os abrangidos pela referida Lei n.º 4-C/2020, se previu uma solução de diferimento de pagamento, entendeu-se que a mera solução (de diferimento de pagamento) adotada pelo Tribunal a quo era, ainda assim, mais penalizadora para a locatária do que para a locadora, não sendo suficiente para de forma equitativa não criar desequilíbrios na distribuição do risco contratual. Entendeu-se que, embora não se vislumbrando razões que levassem ao não pagamento integral das prestações em dívida, se devia considerar que, o diferimento do pagamento de tais prestações referentes aos meses de abril a junho de 2020, devia ser feito para os meses de janeiro de 2021 (a prestação de abril de 2020) - altura até à qual a aí apelante se encontrou em normal atividade, com o lucro adveniente das épocas festivas -, e junho e julho de 2021 (as prestações de maio e junho de 2020), tendo em conta que em janeiro de 2021 se entrou em novo estado de emergência, que voltou a abalar a economia em geral, e nomeadamente o sector turístico. Em conclusão, julgou esse Tribunal da Relação equitativa a solução de, condenando embora a ré no pagamento integral das três prestações que não pagou nos momentos contratualmente previstos, condená-la apenas no pagamento dos juros moratórios contados desde 1 de janeiro de 2021 quanto à prestação de abril de 2020, desde 1 de junho de 2021 quanto à prestação de maio de 2020 e desde 1 de julho de 2021 quanto à prestação de junho de 2020.
Volvendo ao caso dos autos, no confronto com este outro, avulta uma circunstância bem diferenciadora: o facto de a Escola de Equitação ter ficado, pura e simplesmente, encerrada, sem que a Ré tenha chegado a retomar a atividade de exploração da mesma, mesmo em agosto de 2020, em linha, aliás, com o que havia sido perspetivado pelas partes. O que se compreende até pela natureza da atividade desenvolvida e uma vez que, como é facto notório, os estabelecimentos de ensino encerram habitualmente durante o mês de agosto, para férias.
É bem certo que, conforme previsto no art. 438.º do CC “A parte lesada não goza do direito de resolução ou modificação do contrato, se estava em mora no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou.” Porém, muito embora o encerramento da Escola tenha ocorrido a 18-03-2020, por imposição legal, conforme diplomas legais acima citados, a verdade é que já a 11 de março de 2020, a COVID-19 havia sido caracterizada pela OMS como uma pandemia, sendo essa situação, considerada como calamidade pública, que veio a fundamentar a Declaração do Estado de Emergência. Assim, no preâmbulo do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, que declarou “o estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública”, é referido precisamente que:
“A Organização Mundial de Saúde qualificou, no passado dia 11 de março de 2020, a emergência de saúde pública ocasionada pela doença COVID -19 como uma pandemia internacional, constituindo uma calamidade pública.
A situação tem evoluído muito rapidamente em todo o mundo em geral, e, em particular, na União Europeia. Em face do que antecede, têm sido adotadas medidas de forte restrição de direitos e liberdades, em especial no que respeita aos direitos de circulação e às liberdades económicas, procurando assim prevenir a transmissão do vírus.
Portugal não se encontra imune a esta realidade. Bem pelo contrário, são crescentes os novos casos de infetados no nosso País. O conhecimento hoje adquirido e a experiência de outros países aconselham a que idênticas medidas sejam adotadas em Portugal, como forma de conter a expansão da doença, sempre em estreita articulação com as autoridades europeias.
Em Portugal, foram já adotadas diversas medidas importantes de contenção, as quais foram, de imediato, promulgadas pelo Presidente da República, e declarado o estado de alerta, ao abrigo do disposto na Lei de Bases da Proteção Civil.
Contudo, à semelhança do que está a ocorrer noutros países europeus, torna-se necessário reforçar a cobertura constitucional a medidas mais abrangentes, que se revele necessário adotar para combater esta calamidade pública, razão pela qual o Presidente da República entende ser indispensável a declaração do estado de emergência.
Nos termos constitucionais e legais, a declaração limita-se ao estritamente necessário para a adoção das referidas medidas e os seus efeitos terminarão logo que a normalidade seja retomada. Entretanto, confere às medidas que se traduzam em limitações de direitos, liberdades e garantias o respaldo Constitucional que só o estado de emergência pode dar, reforçando a segurança e certeza jurídicas e a solidariedade institucional”.
Ou seja, a situação anormal do início da pandemia de Covid-19, com todas as consequências nefastas que acarretou para a vida das pessoas e empresas no nosso país, que os órgãos de soberania nacionais quiseram reconhecer, mediante a declaração do estado de emergência, já havia tido início em 11 de março de 2020, justificando uma redução (proporcional) do valor da renda, pelo que se deverá considerar que havia sido paga a renda devida relativa ao mês de março  [3.300 € : 30 dias ꞊ 110 €/dia; 110 € x 11 dias ꞊ 1.210 €].
É bem certo que a partir de 4 de maio de 2020, com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-C/2020, de 30-04, foi estabelecida uma estratégia de levantamento de medidas de confinamento no âmbito do combate à pandemia da doença COVID 19, passando a ser permitida, a partir de 4 de maio de 2020, a prática de desportos individuais ao ar livre. Não obstante isso, a Ré não retomou a exploração da Escola de Equitação, porventura por considerar que valia o que havia sido acordado com a Autora, bem como pelo receio que ainda subsistia na generalidade das pessoas, sobre o que podia ou não ser feito em condições de segurança. Ou seja, muito embora a Ré tenha optado por fazer cessar o contrato de forma inopinada, sem ter em consideração os termos desse acordo quanto à extensão da duração do contrato, a verdade é que esse acordo, muito embora nulo, espelhava aquela que foi a vontade das partes, a dada altura, numa tentativa de encontrarem uma solução equilibrada face aos seus interesses conflituantes.
É esse equilíbrio que agora importa repor, não se nos afigurando equitativamente adequado que a Autora tenha direito a receber a totalidade das rendas relativas ao período de março/abril a agosto de 2020, em que a Escola de Equitação permaneceu encerrada (conforme havia sido previsto pelas partes), ademais tendo recebido da Ré as chaves do estabelecimento em 29 de outubro de 2020, numa altura em que até já tinha, dias antes, decidido abrir concurso para atribuição do direito de exploração da Escola de Equitação.
Daí que, tudo ponderado, se entenda ajustado, num juízo de equidade, atender parcialmente a pretensão da Ré-reconvinte, reconhecendo que a Autora-reconvinda apenas terá direito à quantia correspondente a metade do valor das rendas relativas ao período de abril a agosto de 2020 (ou seja, 8.250 €), sendo de considerar paga a renda de março.
Em suma, no período de meados de março a agosto (inclusive) de 2020, dada a situação de pandemia de Covid-19 verificada desde 11 de março e os impactos que teve, determinando mesmo o encerramento da Escola de Equitação a 18 de março, sem que essa atividade tivesse sido retomada em agosto, e considerando o valor que já havia sido pago relativo à renda de março, consideramos equitativamente ajustado, ao abrigo do disposto no art. 437.º, n.º 1, do CC, reduzir o montante das prestações/rendas devidas pela Ré, a qual fica obrigada a pagar à Autora o valor de 8.250 €, correspondente a metade das cinco rendas relativas ao período de abril a agosto de 2020.
Da resolução do contrato
Na fundamentação de direito da sentença constam, no que ora importa, as seguintes considerações (sublinhado nosso):
«(…) Sucede que, já em meados Agosto – cerca de 15 dias antes da data aprazada para reinício do funcionamento do estabelecimento e, consequente retomar da obrigação de pagamento pontual das rendas – a Ré dirigiu à Autora declaração de resolução do contrato, fundada, não em qualquer alteração das circunstâncias (fundadas, ou não, na situação pandémica), mas num putativo comportamento ilícito da cedente, consubstanciador (e fundamento) de incumprimento contratual.
Ora, compulsando a factualidade provada, o certo é que a Ré não logrou demonstrar qualquer incumprimento contratual pela Autora, em termos tais que legitimassem a resolução do contrato para que tal pudesse ter efeitos no respectivo vínculo; nem tão-pouco que a Autora tivesse aceite tal declaração como resolução ou que sobre si impendesse alguma obrigação de pôr em causa a licitude de tal declaração resolutiva. Provou-se, sim, que a Autora, respondendo àquela iniciativa, considerou o contrato findo, aceitou a devolução das chaves e transmitiu à Ré a obrigação de pagamento das rendas: quer as vencidas durante o período de suspensão, quer as vincendas até ao terminus do contrato (cf. pontos 12. e 13. dos factos provados). Assim se compreende, aliás, que, entretanto, a Autora tenha promovido novo concurso para concessão da escola (ponto 15. dos factos provados), já que considerou a declaração da Ré como denúncia do contrato operando, portanto, a sua cessação. Aliás, por esta razão, em bom rigor, não teria a Autora necessidade de remeter à Ré a declaração de resolução em Outubro (ponto 14. dos factos provados).
Na verdade, posto que inexistia fundamento para a resolução do contrato pela Ré (cessionária), a sua declaração a pôr-lhe fim sempre haveria de ser entendida como denúncia; tendo esta sido intempestiva – considerando a inexistência de disposição contratual sobre esta matéria e o regime supletivo dos artigos 1100º, n.ºs 1, a) do Código Civil – há lugar ao pagamento à Autora, com a cessação do contrato, das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, no caso, de 1 ano, nos termos dos artigos 1100º, n.º 4 e 1098º, n.º 6, ex vi artigos 1109º e 1110º, todos do Código Civil.
Assim sendo, tal como peticionado pela Autora, é devido o valor correspondente a parte da renda de Março de 2020 (não paga) e às rendas vencidas desde Abril do mesmo ano até ao fim estipulado do contrato (Agosto de 2021), ou seja, 58.190,00 (não contando com a quantia anteriormente já entregue pela Ré a título de caução).
Nos presentes autos estamos perante uma obrigação pecuniária cujo prazo de pagamento ficou estabelecido. Trata-se de uma prestação que, ainda possível, não foi efectuada pela Ré no tempo devido e conforme o contratualmente fixado.
Nesta conformidade, verifica-se aqui uma situação de mora imputável à Ré (cfr. artigos 804º e 805º, n.º 1 e 2, a), do Código Civil), constituindo-se aquela na obrigação de reparar os danos causados à Autora em consequência da mesma. Como se trata de uma obrigação pecuniária, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora – no caso, a data de interpelação para pagamento (ponto 17. dos factos provados) –, sendo devidos os juros legais para os créditos comerciais, salvo se antes da mora for devido juro mais alto ou as partes tiverem convencionado um juro moratório diferente do legal (artigo 806º, do Código Civil). Deve, portanto, a Ré ser condenada no pagamento da quantia em dívida, e ainda, no pagamento dos juros de mora, à taxa legal devida para os créditos comerciais – cfr. artigos 559º do C. Civil e 102º, § 3 do C. Comercial, bem como as Portarias n.º n.ºs 597/2005, de 19.07, e 277/2013, de 26.08, desde a respectiva data de vencimento.
O pedido formulado pela Autora é, pois, de proceder.
*
Aqui chegados, não é difícil antecipar a solução que merece o pedido reconvencional formulado pela Ré, consubstanciado num direito à resolução do contrato por incumprimento contratual imputado à Autora e na declaração de invalidade da declaração resolutiva desta.
Tratava-se, por assim dizer, de um “contra-pedido” dirigido pela reconvinte face à imputação de responsabilidade contratual feita pela Autora no âmbito da presente acção.
Sucede que, como visto supra, não pode ser imputado à Autora qualquer incumprimento contratual, posto que se demonstrou que a mesma cumpriu com todas as suas obrigações; pelo contrário provou-se que foi a Ré quem incumpriu a sua obrigação de pagamento das rendas e que, com uma suposta declaração resolutiva, operou a denúncia intempestiva do contrato.
Para além disso, também como já se concluiu anteriormente, com a denúncia efectuada pela Ré, não tinha a Autora necessidade de fazer operar uma resolução do contrato; podia desde logo (como o fez) extrair todas as consequências daquela denúncia.
Assim sendo, não assistia à Ré/reconvinte o direito à resolução do contrato, nem legal, nem contratual, por inexistir qualquer incumprimento imputável à contraparte, nem tão-pouco, por maioria de razão, o direito a indemnização por danos não patrimoniais (por manifesta não verificação dos respectivos pressupostos legais).
Finalmente, quanto ao pedido de reembolso da caução, também não pode proceder, já que, nos termos do contrato, a Autora tinha direito à sua retenção para cumprimento dos créditos detidos sobre a Ré – clausula 18ª, n.º 5 do contrato. Apesar de aí não constar expressamente estipulado, tal caução (correspondente a dois meses de renda), ali referida como “preço” da adjudicação da concessão da exploração (n.º 1), mais não é do que uma forma de garantia do cumprimento das obrigações para a cessionária emergentes do contrato, nos termos previstos no artigo 1076º, n.º 2 do Código Civil.
Mas, tendo a Autora direito ao pagamento das rendas em dívida, ao respectivo valor haverá, naturalmente, que deduzir a quantia já liquidada previamente a título de caução.
Razões por que, sem necessidade de outras considerações, e sem prejuízo de o valor entregue a título de caução se dever deduzir à quantia devida pela Ré, se impõe julgar o pedido reconvencional totalmente improcedente.»
A Apelante discorda deste entendimento, defendendo, em síntese, que: o Tribunal a quo aplicou erradamente o regime da resolução, em violação do disposto nos artigos 436.º, n.º 1, e 224.º, n.º 1, do CC, ao entender que a resolução carece de aceitação do declaratário e não tem de ser judicialmente invalidada para deixar de produzir efeitos; a resolução foi fundada e, portanto, lícita, uma vez que a Autora cometeu atos discriminatórios, ou seja, ilícitos contratuais; a resolução foi eficaz (pois chegou ao conhecimento da Autora) e não foi impugnada, pelo que produziu plenamente todos os seus efeitos, extinguindo o contrato de cessão de exploração em agosto de 2020; a resolução, ainda que ilegal, não poderia ser convertida em denúncia, porque (a) nenhuma das partes o pediu, (b) nem o contrato, nem a lei, preveem direito de denúncia in casu e (c) tal decisão não foi fundamentada; a resolução feita pela Autora, em 23-10-2020, tem de ser declarada inexistente e ineficaz por falta de objeto (por o contrato já estar cessado desde agosto de 2020), como peticionado na Reconvenção; o regime do arrendamento não é aplicável subsidiariamente ao contrato dos autos e, se fosse, determinaria um período de pré-aviso em falta de 90 dias, não de um ano; o art. 1100.º do CC nunca seria aplicável in casu, por se tratar de uma norma para contratos com duração indeterminada; a denúncia prevista no n.º 6 do art. 1098.º do CC está sujeita aos prazos legais de pré-aviso consagrados no n.º 1 do mesmo artigo, que determina um pré-aviso de 90 dias e não de um ano.
A Apelada, por sua vez, defende que: os artigos 436.º, n.º 1, e 224.º, n.º 1, ambos do CC não são aplicáveis ao caso, regendo-se o contrato em apreço nesta matéria pelo disposto na lei quanto à locação, mormente as disposições que regulam a locação de estabelecimento comercial (incluindo as normas supletivas aplicáveis à locação de estabelecimento comercial); como inexistia fundamento para a resolução do contrato pela Ré (cessionária), a sua declaração a pôr-lhe fim sempre haveria de ser entendida como denúncia; tendo esta sido intempestiva, há lugar ao pagamento à Autora, com a cessação do contrato, das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, no caso, de um ano, por força da aplicação conjugada dos artigos 1100.º, n.º 1, al. a), 1110.º, n.º 2, e 1098.º, n.º 6, ex vi dos artigos 1109.º e 1110.º do CC; não ficou provado que a Autora cometeu atos discriminatórios, pelo que a resolução feita pela Ré é infundada e ilícita; o contrato de cessão de exploração foi celebrado pelo prazo de 5 anos, não estando acordado entre as partes a possibilidade de as mesmas o poderem revogar antecipadamente, pelo que sempre estaria a Ré obrigada a pagar as rendas até ao final do contrato (31-08-2021).
Apreciando.
Na esteira das considerações suprarreferidas, lembramos que, de harmonia com o disposto no art. 1110.º, n.º 1, aplicável ex vi do art. 1109.º, n.º 1, ambos do CC, as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação do contrato de locação de estabelecimento são, como sucede nos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação. Sobre o alcance da remissão, continuamos a acompanhar a posição adotada no citado acórdão da Relação de Coimbra de 17-04-2012, aí se referindo designadamente que:
“A resolução pode operar em casos previstos pelo contrato ou pela lei (artº 432 nº 1 do Código Civil). Há, portanto, duas modalidades de resolução: a legal e convencional. Na resolução legal, deve, por sua vez, fazer-se um distinguo entre a resolução fundamentada – que corresponde à regra geral – e a resolução imotivada – só excepcionalmente admitida – em que a uma das partes é reconhecida a faculdade de, sem fundamento, se desvincular. O direito de uma das partes de se desvincular sem necessidade de alegar um motivo é excepcional e justifica-se pela necessidade de tutela de um das partes do contrato – a parte mais fraca: é o que sucede, por exemplo, no Direito do Consumo, em que se permite ao consumidor a desvinculação, em certo prazo, do contrato (artº 8 nº 4 da Lei nº 24/96, de 31 de Julho). Se a desvinculação ad nutum resultar de convenção das partes, então o caso já não é, verdadeiramente de resolução, nem mesmo de revogação unilateral – mas de denúncia.
A lei civil substantiva fundamental portuguesa adopta no tocante à resolução do contrato um sistema declarativo: a resolução opera por simples declaração à outra parte, portanto, sem necessidade de intervenção constitutivo-condenatória do tribunal. Por outras palavras, a resolução opera ope voluntatis e não ope judicis (artº 436 nº 1 do Código Civil). A natureza potestativa da declaração de resolução imprime-lhe as características da unilateralidade recipienda, da irrevogabilidade, da incondicionalidade e da concretização dos respectivos fundamentos (artºs 224 nº 1, 1ª parte, e 230 nº 1 do Código Civil).
Essa declaração não está sujeita a forma especial, ainda que o contrato a cuja resolução se dirige o esteja [21 Como sucede, por exemplo, no tocante ao contrato promessa. Cfr. Ac. do STJ de 09.05.95, CJ (STJ), II, pág. 66.] e, por isso, pode ser mesmo meramente tácita (artº 217 nºs 1 e 2 do Código Civil). A declaração negocial da qual resulta a resolução do contrato pode ser expressa, afirmando a parte peremptoriamente que pretende a resolução; mas pode também ser meramente tácita, o que ocorrerá com a declaração na qual a parte que a emite não afirma claramente que tem a intenção de extinguir o contrato, mas de que se deduza que é esse o seu propósito. Assim, por exemplo, a reclamação da entrega da coisa vendida a prestações por parte do vendedor consubstancia, tacitamente, numa declaração de resolução do contrato [22Ac. do STJ de 28.11.75, BMJ nº 251, pág. 272 e Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, Almedina, Coimbra, 2005, págs. 71 e 72 e 175.]. O mesmo sucede, decerto, com a declaração do locador de estabelecimento comercial de que pretende que o locatário o abandone.
A declaração de resolução é uma declaração, unilateral, emitida por uma das partes, que se limita a levar ao conhecimento da outra a sua vontade de extinguir o vínculo contratual: o resolvente não pede, solicita ou roga nem ameaça simplesmente a outra parte a resolução do contrato, antes se limita a comunicar-lhe, com maior ou menor secura, aquela vontade, declaração que se torna eficaz logo que cheque ao poder ou seja conhecida por aquela parte (artº 224 nº 1 do Código Civil).
No caso, e como é comum, – e como resulta do instrumento que documenta as declarações de vontade integrantes do contrato de locação de estabelecimento concluído entre o recorrente e a sociedade comercial de que os demandados eram sócios e gerentes – convencionou-se na cláusula sexta, sob a epígrafe Causas de Resolução do contracto (sic), o seguinte: Constitui causa de resolução do presente contrato, a verificação de qualquer dos eventos seguintes: a) – A falta de pagamento pontual das prestações mensais referidas na cláusula 3ª.
Trata-se, nitidamente, de uma cláusula resolutiva expressa, através da qual se atribuiu a uma das partes – o credor das prestações pecuniárias acordadas como contrapartida da concessão do gozo do estabelecimento comercial – um poder resolutivo privado, que mais não é do que um expressão da chamada autotutela dos direitos, traduzindo-se no poder potestativo unilateral de, com base em determinado fundamento – a falta de pagamento pontual daquelas prestações – atinente a um incumprimento inserido no próprio contrato de no momento da sua celebração, a parte legitimada se desvincular do contrato (artºs 406 nº 1 e 432 nº 1 do Código Civil).
Em face desta cláusula é patente o inequívoco desejo das partes de não ficarem sujeitas, ainda que só parcialmente, ao complexo esquema do regime – geral - da resolução legal (artºs 801 nºs 1 e 2 e 808 do Código Civil).”
Assim, tendo em atenção o conteúdo do contrato em apreço, em particular a sua cláusula 17.ª, valem aqui as regras gerais constantes dos arts. 432.º, n.º 1, 433.º, 436.º, n.º 1, e 801.º, n.º 2, do CC, do que resulta, por um lado, que a resolução pode ter como fundamento o incumprimento da outra parte, além de ser admissível a cláusula resolutiva expressa (que foi consagrada no contrato em apreço) e, por outro lado, que a resolução, fundada na lei ou em contrato, se pode fazer mediante declaração unilateral à outra parte.
É ainda sabido que a resolução tem, em regra, efeito retroativo, mas nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efetuadas, exceto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas (cf. art. 434.º), sendo fora de dúvida que a locação de estabelecimento em apreço é um contrato de execução continuada (a este respeito, a título de exemplo, veja-se o acórdão do STJ de 13-09-2012, proferido na Revista n.º 3068/09.0TBSXL.L1.S1, sumário disponível em www.stj.pt).
No caso dos autos não se discute a eficácia das declarações de resolução que as partes fizeram, tendo em atenção o disposto no art. 224.º do CC. De sublinhar apenas que, contrariamente ao que a Apelante defende, a mera circunstância de uma declaração resolutiva ser eficaz nos termos do art. 224.º do CC, não basta para que possa ter o efeito jurídico pretendido, impondo-se naturalmente apreciar se tem fundamento (em face do estipulado no contrato e previsto na lei) e, nessa medida, se é lícita ou legal.
Ora, em face da matéria de facto provada, concordamos inteiramente com o Tribunal recorrido quando considerou que inexistia fundamento para a Ré proceder à resolução do contrato. Efetivamente, não ficaram provados quaisquer factos passíveis de configurarem uma atuação ilícita por parte da Autora ao longo da execução do contrato, mormente a alegada prática de atos de discriminação dos trabalhadores da Ré.
Ademais, não obstante essa resolução seja ilícita, isso não obsta a que possa ser equiparada a uma denúncia do contrato de locação de estabelecimento, muito embora, nisto não se podendo acompanhar inteiramente as considerações constantes da sentença recorrida, não se justifique convocar a aplicação do disposto no art. 1100.º do CC, que é uma regra que vale para a denúncia pelo arrendatário de contrato de duração indeterminada, sendo certo que, como já vimos, o contrato de locação em apreço tinha prazo certo.
Na verdade, a Ré, ao comunicar a resolução do contrato nos termos em que o fez, sem que existisse nenhum fundamento (legal ou contratual) para essa resolução, incorreu em incumprimento definitivo do contrato, uma vez que emitiu uma declaração séria, inequívoca e categórica de que não mais pretendia cumpri-lo, como é jurisprudência pacífica (veja-se, por exemplo, o acórdão do STJ de 25-10-2012, proferido na Revista n.º 1993/09.8TBVCT.C1.S1, em cujo sumário, disponível em www.stj.pt, se refere designadamente que: “A declaração categórica, inequívoca e firme de não outorgar o contrato-promessa equivale ao seu não cumprimento definitivo”). Essa sua comunicação mereceu uma imediata manifestação de discordância por parte da Autora, na carta enviada a 31-08-2020, importando saber se, apesar disso, com aquela declaração unilateral, a Ré fez cessar o contrato.
Podem ser alinhados argumentos em sentido negativo, merecendo destaque, nessa linha de pensamento, os seguintes acórdãos do STJ (sumários disponíveis em www.stj.pt):
- de 24-10-2013, proferido na Revista n.º 653/07.9TBLGS.E2.S1 (acórdão disponível em www.dgsi.pt), conforme resulta do seguinte trecho do respetivo sumário: “1-Num contrato de cessão de exploração a resolução do contrato não pode valer quando não s se provam  os fundamentos  que o R invoca na declaração resolutiva,  tanto mais também que o próprio contrato apenas prevê a resolução pela via de acordo( negocial). 2- Nestas circunstâncias o R fica obrigado ao pagamento das prestações respectivas até ao termo do contrato, sem que, isso, constitua da parte do A uma situação de abuso de direito, porquanto mais não representa do que um exercício legítimo de um direito, que no caso não excede os limites impostos pela boa fé (cfr. art. 334 do C. Civil).”
- de 22-11-2018, proferido na Revista n.º 1559/13.8TBBRG.G1.S1, de que destacamos o seguinte trecho do respetivo sumário (texto integral do acórdão disponível para consulta em www.dgsi.pt): “IV - A respeito da controvérsia doutrinal sobre os efeitos da resolução ilegal, ilícita ou ilegítima, a posição que merece sufrágio é aquela que considera que tal declaração deverá ser tida como ineficaz, sem efeito extintivo, e não a que defende que o contrato cuja declaração foi ilicitamente declarada se extinguiu e que o credor e o devedor deixam de estar adstritos à realização da prestação e da contraprestação, constituindo-se o autor de uma declaração de resolução ilícita, ilegal ou ilegítima apenas no dever de indemnizar os danos causados ao seu destinatário.”
- de 07-03-2019, proferido na Revista n.º 130/13.9TBVPV.L1.S1, como se alcança da seguinte passagem do respetivo sumário: “II - A resolução que seja desprovida de fundamento não produz o efeito extintivo da relação contratual. III - Tendo-se concluído que a resolução do contrato de cessão de exploração por parte do comodante de um posto de abastecimento de combustíveis só poderia operar mediante o reconhecimento judicial da sua validade e não tendo sido tidos como válidos quaisquer um dos fundamentos invocados, é de considerar que aquela declaração resolutiva é ilícita e, logo desprovida de eficácia, detendo, por isso, a cessionária título legítimo da ocupação que é oponível aos actuais proprietários do imóvel em que aquele posto se acha instalado.”
Uma posição intermédia, apoiada na doutrina aí citada (Pedro Romano Martinez), veio a ser adotada no acórdão do STJ de 15-01-2015, proferido no processo n.º 2365/08.7 TBABF.E1.S1 (disponível em www.dgsi.pt):
“I- Sendo a resolução negocial efectuada por simples declaração à parte contrária, nos termos prescritos no artº 436º, nº 1 do C. Civil, não carece de ser confirmada ou ratificada por sentença judicial. Ela torna-se eficaz logo que chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida, como é característico das declarações negociais receptícias ou recipiendas (artº 224º, nº 1 do C.Civil).
II- A expressão declaração recipienda tem o sentido de que não carece de aceitação pela parte do destinatário (declaratário) para a produção dos seus efeitos.
III- Tal não significa, todavia, que se possa resolver um contrato bilateral ou sinalagmático, como é o caso do contrato promessa dos autos, por simples capricho ou a bel-prazer de qualquer dos contraentes isto é, por livre alvedrio de qualquer deles, mesmo em caso de incumprimento temporário, normalmente  designado por mora.
IV- Como escreveu o saudoso Prof. Baptista Machado, «o direito de resolução, diz-se, é um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento. O que significa que precisa de se verificar um facto que crie este direito – melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a  constituição ( ou o surgimento) desse direito potestativo. Tal facto ou fundamento é aqui, obviamente, o facto de incumprimento ou a situação de inadimplência» (J. Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in «João Baptista Machado, Obra Dispersa», vol. I, Braga, 1991, pg. 130/1 e segs. sendo nosso o destaque a negrito).
(…) VI- Daqui, porém, importa tirar uma conclusão que é a de que tal declaração resolutória determina a cessação do vínculo se não for impugnada pela contraparte num contrato sinalagmático, mas, se o for e se for judicialmente reconhecida a inexistência de fundamento para tal resolução, então o contrato deve considerar-se subsistente.
VII- É esta a lição da nossa mais abalizada doutrina, como se colhe, inter alia, da transcrição de uma breve passagem da lição do ilustre Civilista, Pedro Romano Martinez:
«A declaração de resolução, ainda que fora dos parâmetros em que é admitida não é inválida, pelo que mesmo se injustificada determina a cessação do vínculo. Todavia, a contraparte pode contestar (judicialmente) os motivos da resolução, cabendo ao tribunal apreciar a justificação invocada. Sendo a resolução injustificada, e portanto ilícita, o autor da declaração responde pelo prejuízo causado à contraparte; como o princípio geral obrigação de indemnizar determina que deve ser reconstituída a situação que existiria (artº 562º); não se verificando nenhuma das hipóteses previstas no artº 566º, nº 1 (p.ex., impossibilidade), com a declaração de ilicitude resulta a subsistência do vínculo, que, afinal, não cessou.» [Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Apontamentos, 2ª edição da AAFDL (reimpressão 2008), pg. 233),”
A este respeito, destacamos o interessante artigo de Adriano Squilacce e Alexandre Mota Pinto, “A Resolução Ilícita: Uma Contradição Nos Termos?”, disponível online, com abundantes referências da doutrina, incluindo precisamente Pedro Romano Martinez (“Da Cessação do Contrato”, 2.ª Edição, Almedina, 2006, páginas 222-223), lembrando que, segundo este autor, apesar de a resolução ilícita originar a extinção do contrato, não está vedada a possibilidade de subsistência do vínculo, conquanto estejam cumulativamente verificados três pressupostos: (i) o cumprimento das prestações ainda seja possível; (ii) a parte lesada mantenha interesse no contrato; (iii) a execução do contrato não seja excessivamente onerosa para o declarante da resolução ilícita.
No seu referido artigo, Adriano Squilacce e Alexandre Mota Pinto, salientam ser “(…) muito importante notar que se a lei, enquanto regra geral, não permite a desvinculação ad nutum dos contratos, o entendimento de que a resolução ilícita extingue, de per se, o vínculo contratual (sem prejuízo de responsabilidade contratual) aparentemente introduziria uma incongruência sistemática.
Porém, seguindo de perto esta linha de pensamento, já não atentará contra a unidade do ordenamento jurídico o entendimento de que a resolução ilícita tem o efeito de cessar automaticamente o contrato, apenas nos casos em que a lei admite a denúncia ad nutum (sem prejuízo de eventual responsabilidade por força do incumprimento do prazo de pré-aviso).
De acordo com esta solução híbrida que adoptamos, a «resolução ilícita» só fará cessar automaticamente o contrato quando seja admissível a denúncia discricionária, cujo âmbito de aplicação está restrito aos contratos de execução continuada ou duradoura (v.g. contrato de agência) em que as partes não estipularam um prazo de vigência (ou na hipótese de um período mínimo de vigência legalmente previsto já ter decorrido — cfr., a este propósito, o artigo 30.º, n.º 3, do Decreto-lei n.º 231/81, de 28 de Julho, sobre o contrato de associação em participação). Em rigor conceitual, esta solução suscita a discussão relativa à forma de cessação do contrato: por efeito de uma «verdadeira» denúncia ou por força de uma resolução ilícita?
Questão mais académica, de formulação, e que como tal não interessa a estas nossas cogitações de cariz eminentemente prático. De facto, à semelhança da denúncia, a resolução de contratos duradouros ou de execução continuada apenas produz, em regra, efeitos para o futuro —cfr. artigo 434.º, n.º 2, do Código Civil.”
Esta posição vem na esteira da defendida por Paulo Mota Pinto, também lembrada no citado artigo, referindo que para esse autor “a resposta à questão em análise não tem, necessariamente, de ser uma resposta afirmativa ou negativa para todos os contratos, devendo variar consoante a modalidade do contrato em que ocorra a resolução ilícita (falamos em «modalidade» e não em «tipo» de forma propositada).
Com efeito, Paulo Mota Pinto entende que a solução a adoptar depende da circunstância de o declarante da resolução ilícita ter, ou não, o direito a denunciar o contrato. Para este Autor, caso o resolvente ilícito tivesse a possibilidade de extinguir o contrato através de uma denúncia ad nutum (o que, desde logo, implica que estejamos perante um contrato celebrado por tempo indeterminado), então a resolução ilícita extingue o vínculo contratual já que a declaração de resolução pode ser convertida numa declaração de denúncia. Nos demais casos, este Autor entende que a resolução sem fundamento é ineficaz, já que não estão cumpridos os pressupostos inerentes ao direito potestativo de resolução (in Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Volume II, Coimbra, 2008, páginas 1674-1676, nota 4861).”
Transpondo estas considerações para o caso dos autos, importa ter presente que existia a possibilidade de denúncia do contrato em apreço pela Ré, locatária, conforme resulta do disposto no n.º 2 do art. 1110.º do CC, aplicável ex vi do art. 1109.º, n.º 1: “Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.”
Efetivamente, no contrato em apreço, as partes estipularam que a duração do contrato era pelo prazo de 5 anos – não se tratava, pois, de um contrato de duração indeterminada, passível de denúncia no sentido técnico-jurídico do termo. No entanto, a lei confere ao locatário, no contrato de locação de estabelecimento com prazo certo, o direito potestativo de o denunciar, muito embora não se trate de uma denúncia propriamente dita, com o significado técnico-jurídico de que essa figura se reveste. Ou seja, é legalmente admissível a desvinculação discricionária, mas com um prazo de pré-aviso que as partes podem fixar dada a liberdade negocial que lhes é conferida (não sendo ilimitada, em face dos limites impostos pela boa fé e pelo equilíbrio dos interesses em presença).
Nesta perspetiva, parece-nos que se impõe concluir que o contrato cessou, tanto mais que a Autora não manifestou em juízo qualquer interesse na manutenção do contrato, antes pelo contrário, tendo inclusivamente, a 23-10-2020, divulgado a abertura de novo concurso para atribuição do direito de exploração da Escola de Equitação, e a 29-10-2020 recebido da Ré as chaves das instalações. Aliás, independentemente do direito à resolução do contrato que, ante o referido incumprimento contratual por parte da Ré, lhe poderia assistir, a Autora até veio comunicar, em 23-10-2020, a resolução do contrato para produzir os seus efeitos a 30-10-2020, invocando a falta de pagamento pontual das rendas, parecendo-nos despiciendo e prejudicado discutir a suposta inexistência, ineficácia ou invalidade dessa resolução (a qual nem integra a causa de pedir da ação).
Portanto, a declaração de resolução do contrato pela locatária, conquanto ilícita, operou o seu efeito extintivo do contrato, equivalendo a uma denúncia do mesmo, uma vez que está consagrado na lei o direito potestativo de denúncia do contrato pelo arrendatário/locatário (como resulta dos termos conjugados dos artigos 1098.º, n.ºs 5 e 6, 1109.º, n.º 1, e 1110.º, n.ºs 1 e 2, do CC).
Ante a resolução ilícita do contrato pela Ré, equiparada à denúncia do contrato, e a subsequente tomada de posição por parte da Autora, que entendeu resolver o contrato e peticionar uma indemnização, resta apreciar o montante da mesma, sendo certo que a pretensão desta radica nos lucros cessantes pela perda das rendas relativas ao período de duração do contrato que havia sido acordado (até final de agosto de 2021).
As partes não regularam, muito embora o pudessem ter feito, a antecedência com que esse direito poderia ser exercido, o que levanta a questão de saber se será adequado aplicar supletivamente as regras do arrendamento para habitação, em particular, o n.º 3 do art. 1098.º do CC.  Parece-nos que a resposta deve ser negativa, por se nos afigurar mais adequado, face ao objeto do contrato e aos interesses em presença, que a denúncia pelo arrendatário observe a antecedência legal de um ano prevista no n.º 2 do art. 1110.º do CC. Nesta linha de pensamento, veja-se o acórdão da Relação de Lisboa de 14-09-2023, proferido no processo n.º 3877/21.2T8LRS.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, conforme se retira da seguinte passagem do respetivo sumário:
“II - a denúncia, enquanto forma unilateral e autónoma de cessação contratual ou de extinção dos contratos, tem o seu campo de aplicabilidade normalmente vocacionado para os contratos estabelecidos por tempo indeterminado, acabando por se traduzir numa vontade não vinculada a qualquer justa causa e, como tal, discricionária, pelo que é igualmente referenciada doutrinariamente como figura de revogação unilateral;
III - no artº. 1110º, do Cód. Civil – aplicável ao arrendamento para fins não habitacionais -, o legislador deixa ao critério das partes as regras da denúncia e da oposição à renovação, mas apenas isso, e não a faculdade de suprimirem o direito à denúncia do arrendamento, cujas regras são, inclusive, imperativas (o artº. 1080º, do Cód. Civil);
IV - assim, no contrato de arrendamento para fins não habitacionais, o arrendatário goza do direito de denúncia, desde que o exerça nas condições contratualmente acordadas ou, na falta destas, nos termos previstos na lei, encontrando-se tal contrato de arrendamento sujeito ao princípio da, imotivada, liberdade de desvinculação;
V - nos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, nas situações em que as partes contratantes fixam expressamente o prazo de duração do contrato (ou não fixam qualquer prazo de duração do contrato), mas não prevêm qualquer antecedência mínima para a efectivação de denúncia por parte do arrendatário, é aplicável a antecedência mínima e supletiva de um ano inscrita no nº. 2, do artº. 1110º, do Cód. Civil;
VI - não sendo, em tais situações, aplicáveis os prazos de denúncia inscritos no nº. 3, do artº. 1098º, do mesmo diploma, previstos no âmbito do arrendamento urbano para habitação, mas antes prevalecendo a regra específica prevista naquele normativo (1110º, nº. 2), inexistindo razão para operar a remissão para as regras aplicáveis ao arrendamento urbano para habitação, por força do nº. 1, do mesmo artº. 1110º;
VII - a imposição legal que a denúncia não opere, nesta tipologia de arrendamento urbano para fins não habitacionais, com antecedência inferior a um ano, em nada depende do facto do contrato nada prever quanto ao seu prazo de duração, pois, a legal menção inscrita no nº. 2, do artº. 1110º - na falta de estipulação – abrange não só a falta de estipulação da duração do contrato, como ainda a concreta imperatividade na fixação de um prazo mínimo de denúncia.”
Nesse acórdão da Relação de Lisboa, considerou-se que nos contratos de arrendamento não habitacional com prazo certo aí em apreço deveria a ré ter observado o prazo de denúncia de um ano, e não de 120 dias, mas tal inobservância, não obstava à cessação dos contratos, determinando, todavia, a condenação da ré arrendatária no pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta – cf. o n.º 6 do art. 1098.º ex vi do n.º 1 do art. 1110.º, ambos do CC.
Reiteramos, na esteira da doutrina e jurisprudência citadas, que, sendo este regime aplicável à locação de estabelecimento em apreço, se impõe concluir que a declaração resolutiva em apreço, porque equiparada a uma declaração de denúncia do contrato por parte da Ré, fez cessar o contrato, mais a fazendo incorrer na obrigação de indemnizar a Autora. Na verdade, a inobservância da antecedência legalmente prevista para a denúncia não obstaria à cessação do contrato de locação de estabelecimento em apreço, por força do disposto no n.º 6 do art. 1098.º do CC ex vi dos artigos 1009.º, n.º 1, e 1110.º, n.º 1.
Muito embora sendo ilícita a resolução que foi comunicada pela Ré, não deixou de produzir os seus efeitos de cessação do contrato (nisto se reconhecendo que a Apelante tem alguma razão), mas sem prejuízo do direito à indemnização que assiste à Autora, porque não deixa a atuação daquela de configurar um incumprimento definitivo do contrato. Ou seja, a declaração unilateral resolutiva da Ré, apesar de ilícita, fez cessar o contrato, pois a Ré podia tê-lo denunciado (não estava legalmente obrigada a continuar vinculada àquele contrato), mas não podia apagar as consequências da situação de incumprimento contratual definitivo, fazendo-a incorrer na obrigação de indemnizar pelo prejuízo causado à parte contrária (cf. art. 798.º do CC), pagando à Autora o valor das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta (de um ano), nos termos do art. 1098.º, n.º 6, ex vi do n.º 1 do art. 1110.º, e do art. 1110.º, n.º 2, aplicáveis por via da remissão feita no art. 1109.º, n.º 1, do CC.
Não tem, pois, razão a Apelante quando defende (numa linha de argumentação subsidiária), ser aplicável ao caso o disposto no art. 1098.º, n.º 1, al. b), do CC (nos termos do qual o arrendatário pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao senhorio com a antecedência de 90 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos). Com efeito, não estamos perante uma oposição à renovação do contrato e, como vimos, a antecedência legalmente prevista para a denúncia pela locatária era de um ano.
Tendo existido uma resolução ilícita e infundada, não teria sentido algum beneficiar a Ré, locatária incumpridora, de modo a obter, não apenas a cessação do contrato, mas também uma redução do valor indemnizatório devido, com o pagamento das rendas correspondentes apenas a um (suposto) período reduzido de pré-aviso em falta. A única “redução” é a que decorre da circunstância de o contrato cessar a sua vigência em 31 de agosto de 2021, pelo que a Autora não poderia almejar a receber mais rendas do que as que se venceriam até essa data (ou seja, a obter um ganho económico superior ao que resultaria do cumprimento do contrato), sendo esses os lucros cessantes indemnizáveis – cf. art. 564.º, n.º 1, do CC. Tanto mais quando até havia sido estipulada no contrato uma cláusula resolutiva expressa, nos termos da qual, verificando-se a resolução do contrato por iniciativa da Autora nos casos aí previstos, esta faria suas “todas as quantias a que tenha direito por efeito dele”.
Em conclusão, além do montante relativo a metade das cinco rendas (de abril a agosto de 2020), é devido o valor das rendas relativas ao período pelo qual estava previsto que o contrato iria vigorar em toda a sua plenitude, de setembro de 2020 a agosto de 2021, uma vez que não ficou reduzido a escrito assinado pelas partes que a sua duração passaria a ser de 5 anos e 5 meses, nem a Autora peticionou o pagamento de rendas relativas à “extensão” do prazo verbalmente acordada ou a Ré provou que a Autora tivesse, entretanto, logrado ceder a exploração da Escola a uma terceira pessoa (apesar de ter aberto concurso nesse sentido).
Será, naturalmente, descontado o valor da caução paga - conforme foi decidido na sentença, que, nesta parte, em bom rigor, julgou parcialmente procedente a reconvenção, sem que isso tenha sido impugnado pela Autora-reconvinda (mormente em ampliação do âmbito do recurso) -, a cuja restituição a Apelante não tem, pois, direito, não lhe assistindo razão quando, na sua alegação recursória, clama pela procedência da reconvenção.
Assim, procedem apenas em parte as conclusões da alegação de recurso, ao qual será concedido parcialmente provimento, com a procedência parcial da ação e da reconvenção, absolvendo-se a Ré do pedido no tocante às quantias indicadas de 2.090 € (peticionada a título de valor remanescente da renda de março de 2020) e a metade do valor das rendas relativas ao período de abril a agosto de 2020 (no total de 8.250 €), mantendo-se, quanto ao mais, a sentença recorrida, ou seja, quanto à condenação da Ré a pagar à Autora a quantia de 41.250 € e respetivos juros nos termos aí indicados.
Vencidas ambas as partes, são responsáveis pelo pagamento das custas processuais, na proporção do respetivo decaimento, em ambas as instâncias, que se afigura adequado fixar em 29% para a Autora e 71% para a Ré na ação, e 20% para a Apelada e 80% para a Apelante no recurso (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se parcialmente a decisão recorrida na parte em que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de 2.090 € (relativa à renda remanescente de março de 2020) e a totalidade das rendas vencidas de abril a agosto de 2020, e na parte em que julgou a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo a Autora-reconvinda do pedido reconvencional, decidindo-se, em substituição:
- Julgar a reconvenção parcialmente procedente, declarando a modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias, com a redução do valor da renda relativa ao mês de março de 2020 para 1.210 €, que se reconhece já estar paga, e a redução para metade do valor das rendas relativas ao período de abril a agosto de 2020;
- Julgar a ação parcialmente procedente, absolvendo-se a Ré do pedido no tocante à quantia de 2.090 € (peticionada a título de valor remanescente da renda de março de 2020) e a metade do valor das rendas relativas ao período de abril a agosto de 2020 (no total de 8.250 €), mantendo-se, quanto ao mais, a sentença recorrida, ou seja, quanto à condenação da Ré a pagar à Autora a quantia de 41.250 € e respetivos juros nos termos aí indicados.
Mais se decide condenar a Autora-Apelada e a Ré-Apelante no pagamento das custas processuais, na proporção do respetivo decaimento, que, na ação, se fixa em 29% para a Autora e 71% para a Ré e, no recurso, se fixa em 20% para a Apelada e 80% para a Apelante.
D.N.

Lisboa, 10-10-2024
Laurinda Gemas
Inês Moura
António Moreira