NOTA DE HONORÁRIOS DE PERITO
Sumário

Justifica-se a redução do valor hora indicado na nota de honorários elaborada pelo Sr. Perito, na medida em que tal valor não respeite a margem de contenção que sempre deve ocorrer, como forma de harmonizar o direito à justa compensação pelos serviços prestados com o direito de acesso aos tribunais.

Texto Integral

Processo nº. 1256/19.0T8AVR-B.P1
3ª Secção Cível
Apelação em separado
Relatora –M. Fátima Andrade
Adjunta – Ana Olívia Esteves
Adjunta – Eugénia Cunha
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Central Cível de Aveiro
Apelante/ A..., Lda.

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
………………………………
………………………………
………………………………

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
i-A..., Lda., instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “B... – Companhia de Seguros, S.A.”, peticionando pela procedência da ação a condenação da R. a pagar à A. a quantia de € 65.437,75 a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescidos de juros vincendos à taxa legal desde a citação.
ii- No decurso da ação foi realizada prova pericial.
Tendo em 14/02/2023 sido junto pelo Sr. Perito relatório pericial, bem como na mesma data apresentado nota de honorários e despesas pelos serviços prestados pelo perito nomeado e autor do relatório, no valor de € 8.566,70.
iii- Notificada a autora, do relatório e nota de honorários, apresentou à nota de honorários reclamação, declarando não aceitar os seus valores e requerendo a apresentação de nova nota tendo em conta o por si alegado (vide requerimento de 06/03/2023).
Reclamação cujo teor aqui se reproduz:
“1º - A nota de honorários entregue nos autos levantam várias dúvidas à Autora.
2º - Em primeiro lugar, foi nomeado pelo Tribunal para efetuar a peritagem o Dr. AA.
3º - A Nota de honorários de 8.566,70 euros, encontra-se elaborada e pedida por pessoa diferente da do Sr. Perito nomeado pelo Tribunal. Porquê? Os honorários são pagos a quem? e Porque?
4º - Em segundo lugar, a Autora não aceita o valor do pedido efetuado a título de honorários pelo Exmo. Sr. Perito, por tal valor ser exorbitante, injusto e irrazoável, pelas várias razões que se irão explicitar.
Desde logo,
5º - Refere o Supremo Tribunal de Justiça - Ac. de 19-10-2021, in www. DGSI.pt o seguinte: " à harmonização do direito do perito à remuneração pelo serviço prestado com o direito de acesso aos Tribunais impõe alguma contenção na fixação dessa remuneração, não sendo de atender necessariamente ao padrão ditado pelas regras de mercado ou do jogo da livre concorrência".
6º - A Autora desconhece o grau académico do Sr. Perito, mas o valor hora peticionado de 102 euros +IVA parece, salvo o devido respeito, um valor pouco razoável e pouco justo.
7º - Aliás, em termos comparativos, a Sra. Perita nomeada pelo Tribunal anteriormente pelo mesmo trabalho solicitou o pagamento da quantia de 1.570,00 euros.
8º - O Exmo. Senhor perito pede um valor quatro vezes superior pelo mesmo trabalho!!!
9º- No caso concreto, a perícia, apesar da quantidade de documentos a analisar não era de difícil conteúdo, estudo ou compreensão, e a análise para pessoas familiarizadas com esses documentos e habituados a analisá-los não era um trabalho de grande monta, como se irá explicar mais adiante.
10º - Na verdade, o Exmo. Senhor Perito, inexplicavelmente, não fez uso do INVENTÁRIO EXISTENTE na AUTORA com data de 31-07-2017 das existências das sucatas quer no armazém de ..., quer no armazém de ..., o que tornou o seu trabalho mais moroso e mais inconsequente!!!
11º - Tal Inventário das existências, com data de 31.07-2017 (doc. 1 e 2 ao diante juntos), foi entregue ao Exmo. Senhor Perito, Dr. AA, mas o mesmo, não o utilizou para realizar o seu trabalho, nem disse, porque o não fez!!!
12º- A Autora não pode aceitar o valor hora de 102 euros + IVA, solicitados pelo Exmo. Senhor Perito, por o mesmo ser irrazoável, injusto e desproporcionado, até porque, a Autora sabe, que sem situações semelhantes o valor hora cobrado por um REVISOR OFlClAL de CONTAS é na ordem dos 30/35 horas por hora.
13º - a Autora não sabe qual o grau académico do Exmo. Senhor perito Dr. AA, ou seja, não sabe se o mesmo é ou não REVISOR OFICIAL de CONTAS, Economista ou Contabilista certificado, dai que, não possa aceitar o valor pedido, por o mesmo ser anormal para os usos e costumes.
14º- Relativamente às despesas de deslocação e transporte, a Autora o que tem a dizer é que uma viagem de Aveiro a Ovar são cerca de 30Km a 35Km x 2 = a 60 Km ou 70 Km, pelo que, o valor peticionado a este nível também não está correto.
15º - Não pode aceitar, ainda, a Autora o valor peticionado, uma vez que, no caso concreto estamos a falar de uma ação com o valor de 65.000,00 euros (Sessenta e cinco mil euros) e o valor pedido corresponde a um valor superior a 12 % do pedido da petição inicia]. Haja bom senso!!!
16º-Atento o supra exposto, deve ser apresentada uma nova nota de honorários pelo Exmo. Senhor Perito, tendo em conta a presente reclamação, ou no caso de assim não se entender, solicita-se ao Tribunal que oficie entidade competente (ex. Ordem dos Contabilistas Certificados) a fim de esta se pronunciar sobre a nota de honorários apresentada.
B-; Reclamação do Relatório Pericial
17º- Quanto ao relatório Pericial, a Autora não entende o porquê do Exmo. Senhor Perito não ter utilizado no seu trabalho o INVENTÁRIO de 31-07-2017 (DOCS. 1 e 2 supramencionados)) existente na Autora dos materiais existentes no armazém de ... e ...? Porquê? A utilização de tal Inventário muda as respostas aos quesitos? Porquê? e Qual o fundamento?
18º- Não entende, ainda a Autora porquê o Exmo. Senhor Perito não ter feito uso para as conclusões do seu Relatório, dos elementos do Anexo 22 ao seu relatório e que são as Guias dos Ativos próprios e Guias do Ambiente e talões de pesagem da sucata que era transportada de ... para .... Porquê? Qual o fundamento para não usar tais elementos de transporte e pesagem que referiam a deslocação da sucata de ferro de ... para ...?
19º- Além disso, o Exmo. Senhor Perito tinha os seguintes elementos objetivos que eram as vendas efetuadas pela Autora à C..., em Espanha (empresa D...), cujas guias de transporte tinham como local de carga ou saída .... Porquê não teve em atenção tais documentos?
20º- O Exmo. Senhor Perito já tinha na sua posse tais elementos (documentos do Anexo 22 do seu relatório) desde julho/agosto de 2022, porquê não fez uso dos mesmos? O uso dos mesmos altera ou não as respostas aos dois quesitos? Porquê?
21º- No que toca ao valor da sucata, porquê o Exmo. Sr. Perito ter indicado o valor médio da sucata de ferro como o valor da compra e não o valor médio da venda por parte da Autora?”
iv- Sobre a reclamação apresentada recaiu o seguinte despacho:
“Requerimento de 6-3-2023:
No que concerne à duvida sobre o emitente da nota de honorários, notifique o Sr. Perito e a entidade emitente para se pronunciarem, em 10 dias.
A) Reclamação sobre o valor dos honorários
Sobre o valor dos honorários, salvo melhor opinião não assiste razão à autora, começando desde logo por se dizer que não se entende o alegado desconhecimento da autora sobre o grau académico do Sr. Perito, quando essa informação consta do relatório pericial.
Admitindo-se que são consideráveis, os honorários revelam-se adequados e compatíveis com o rigor, extensão do relatório (composto por 224 páginas), complexidade e várias diligências efetuadas pelo Sr. Perito, descritas no referido relatório, dificuldades que se acentuaram pelo facto de a autora ter dois estabelecimentos distantes entre si, um em ..., outro em ....
Por conseguinte, tendo em consideração a natureza técnica da perícia, as qualidades e aptidões académicas do Sr. Perito, a extensão do relatório e as várias questões analisadas, assim como os valores que nos diversos processos têm sido praticados pelas perícias de extensão e complexidade semelhantes, afigura-se-nos como adequada e proporcional a nota de honorários apresentada.
Por outro lado, o valor por hora cobrado é um valor que equivalente ao que se nos é apresentado em diversas ações de honorários de advogados.
Devemos ainda ter presente o Acórdão do TC n.º 33/2017 de 8-3-2017 (citado pela entidade emitente da nota de honorários) segundo o qual: Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que impede a fixação de remuneração de perito em montante superior ao limite de 10 UC, interpretativamente extraída dos nos 2 e 4 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais em conjugação com a sua tabela IV.
Por fim sobre a comparação que a autora fez com os honorários da anterior perita que foi destituída, o incumprimento das suas funções deveria ser razão bastante para não se comparar o que não é comparável. O incumprimento pela anterior perita obrigou a que se procedesse a nova nomeação de perito, do qual resultou a realização e conclusão de uma prova pericial.
Por todo o exposto, indefere-se a reclamação apresentada sobre a nota de honorários.
Notifique.
Custas do incidente a que deu causa pela autora, com taxa de justiça que se fixa pelo mínimo. (artigo 7º, n.º 4 do RCP)
Notifique.”
v- Notificados o Sr. Perito e entidade emitente da nota de honorários, nos termos do determinado na 1ª parte do despacho mencionado em iv, emitiu ainda a entidade emitente da nota de honorários pronúncia sobre o valor dos honorários alvo de reclamação.
Declarando entre o mais:
“Os membros do E... nomeados como peritos comprometem-se a agir, na prestação dos serviços solicitados, segundo as regras e princípios orientadores estabelecidos no supra indicado Regulamento, com plena autonomia e competência científica e técnica, no respeito pelas boas práticas de deontologia e ética profissional, procurando evitar toda e qualquer situação de potencial conflito de interesses.
Após desempenho das funções de perito num processo judicial, o perito informa a Comissão Coordenadora das horas de serviço efetivamente prestado na peritagem realizada no âmbito desse processo E..., bem como das despesas que teve de suportar, para que a Comissão elabore a nota de honorários e despesas respetiva e a envie ao Tribunal.
Os honorários cobrados pelo E... são calculados com base no número serviço efetivamente prestado pelo membro que exerceu funções perito judicial e no preço fixado pela Comissão Coordenadora de 102,00€ por hora (valor de remuneração horária qualquer dos membros do E...).
O valor/hora tem em consideração a qualidade dos serviços prestados, o nível de qualificação, autoridade e competência técnica dos membros do E..., e os custos e financiamento da Universidade ....
(…)”.
Declaração que foi secundada pelo Sr. Perito, nos termos do requerimento que com a mesma data (20/04/2023) foi enviado aos autos.
vi- Notificada a A. da decisão de 29/03/2023 que indeferiu a reclamação por si apresentada sobre a nota de honorários elaborada pelo perito nomeado nos autos após apresentação do relatório pericial, da mesma interpôs recurso pugnando pela revogação de tal decisão, para tanto apresentando as seguintes:
“CONCLUSÕES
1º Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo Central Cível - J2 que constituiu o recorrido validou a nota de honorários apresentada pelo Exmo. Senhor Perito como adequada e proporcional.
Dá-se aqui por reproduzido na integra o teor do despacho recorrido.
2º- A ora recorrente entende e, salvo o devido respeito por melhor opinião que o valor de honorários de 8.566,70 euros, apresentado pelo Exmo. Senhor Perito é desproporcionado, desadequado e injusto, em face da situarão concreta em análise.
3º- Ao contrário do referido pelo Tribunal de Aveiro o relatório pericial, per si; é composto, apenas, por 32 folhas, o restante são documentos contabilísticos da ora recorrente e não foram produzidos ou elaborados pelo Exmo. Senhor Perito.
4º- Os presentes autos tem um valor de 65.437,75 euros, e o valor peticionado pelo Exmo. Senhor Perito ultrapassa o valor de 10% do processo o que não é razoável, nem dos usos e costumes.
5º- Desde logo, o valor hora de 102 euros + IVA peticionado pelo Exmo. Senhor Perito é um valor pouco razoável, pouco usual e que não costuma ser praticado nos tribunais portugueses em casos análogos.
6º- O valor usual em casos análogos não ultrapassa os 30 /35 euros, para um Economista ou Revisor Oficial de Contas.
7º- 0 valor peticionado pelo Exmo. Senhor Perito vai contra a melhor jurisprudência do STJ – V. Ac. de 19-10-2021, in www.DGSI.pt o seguinte: “a harmonização do direito do perito à remuneração pelo serviço prestado com o direito de acesso aos Tribunais impõe alguma contenção na fixação dessa remuneração, não sendo de atender necessariamente ao padrão ditado pelas regras de mercado ou do jogo da livre concorrência".
8º- 0 valor de honorários apresentado pelo Exmo. Senhor Perito é um valor superior em 4 vezes o valor apresentado no processo pela anterior Perito, que apresentou um valor de 1.570,00 euros.
9º- A decisão do Tribunal de Aveiro não se pronunciou sobre todas as questões efetuadas, em 6-03-2023, pela ora recorrente, na sua reclamação, dai que, a mesma padeça de nulidade, o que se invoca e para os devidos efeitos legais- artº 615 nº 1 alínea d) do CPC.
10°- Nomeadamente, quanto ao número de Kms. percorridos pelo Exmo. Senhor Perito entre Aveiro e Ovar.
11º- Não se pronunciou, ainda, o Tribunal sobre o pedido de parecer sobre a nota de honorários apresentada Ordem dos Contabilistas Certificados ou Ordem dos Revisores Oficiais de Contas), pelo que, nesta parte a decisão, também padece de nulidade, o que se alega e para os devidos efeitos legais- artº 615 nº 1 alínea d) do CPC.
12º- A decisão para a ora recorrente, salvo o devido respeito por melhor opinião, além de injusta é arbitrária e se não for revogada, pode trazer para a ora recorrente prejuízo irreparável, o que urge reparar.
13º O Tribunal de Aveiro proferiu decisão que fere o direito e a lei, nomeadamente, os artºs. 17 do Regulamento das Custas Processuais, o artº. 615 nº 1 alínea d), do CPC e o artº 20 da CRP o que se alega e para os devidos efeitos legais.
14º - Para o ora recorrente a decisão recorrida constitui uma verdadeira surpresa e uma lamentável e brutal denegação da justiça que urge reparar. Não fez, ainda, a decisão recorrida correta interpretação da lei e é atentatória das mais elementares regras do direito e da justiça.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso pelos motivos supra alegados e revogado o despacho de fs... dos autos, por ser de inteira Justiça !”

*
Não se mostram apresentadas contra-alegações.
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e em separado, com efeito meramente devolutivo (na sequência da decisão proferida no apenso A – Reclamação nos termos do artigo 643º do CPC).
*
Verificada a omissão de notificação do recurso interposto em relação à contrainteressada “E...”, foi ordenada a sua notificação de tal interposição a fim de querendo contra-alegar, bem como do subsequente processado.
Nada tendo sido requerido em tempo, foi considerada sanada a irregularidade do processado.
*
Foram dispensados os vistos legais.
*
II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pela apelante serem questões a apreciar:
- se o valor apresentado pelo Sr. Perito a título de honorários e pelo tribunal a quo aceite e arbitrado, é desproporcionado, desadequado e injusto, violando o disposto no artigo 17º do RCP e 20º da CRP (vide conclusões 1ª a 8ª);
- se a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia. Em causa as questões suscitadas pela reclamante/recorrente quanto ao valor reclamado a título de despesas por referência aos kms. indicados pelo Sr. Perito (conclusões 9ª e 10ª), bem como sobre o pedido de parecer à OC ou OROC quanto à nota apresentada (vide conclusões 11ª e 12ª).

III. FUNDAMENTAÇÃO
Para apreciação do assim decidido, importa considerar as vicissitudes processuais acima já elencadas.
A que acresce em especial o teor do próprio relatório pericial junto aos autos em 14/02/2023.
*
***
Apreciando e conhecendo.
No que ao valor dos honorários apresentados pelo Sr. Perito concerne e que o tribunal a quo sindicou, aceitando os mesmos, resultam de forma clara improcedentes as observações da recorrente quanto a uma suposta não complexidade ou exigente dedicação à análise documental subjacente à elaboração deste mesmo relatório.
Basta para tanto atentar na introdução inserida em tal relatório, na qual o Sr. Perito deu nota dos constrangimentos com que se deparou, para a análise dos dados e informações contabilísticos – sem possibilidade de observação direta do desenvolvimento das operações da empresa, por estarem em causa dados e informações contabilísticas do ano de 2017; por existirem dois estabelecimentos (um em .../... e outro em ...) com operações de compra e venda muito idêntica, o que causou dificuldades acrescidas nas conferências e validações, inexistindo contabilidade autónoma para cada um dos estabelecimentos. Só a partir de novembro de 2017 tendo sido implementada contabilidade analítica, utilizando subcontas, mas com valor pouco relevante por estarem em causa apenas 2 meses; por não ter sido adotado o sistema de inventário permanente; para além de constrangimentos quanto à obtenção de informações e documentos.
Tudo nos termos descritos no ponto 1.1 – intitulado “Constrangimentos e Considerandos”.
A que acrescem as dificuldades descritas no ponto 1.2 sobre a análise dos elementos da contabilidade, que implicou nomeadamente o escrutínio de quase 700 documentos de compras a empresas. Dando-se ainda nota das dificuldades encontradas com a mensuração dos artigos. Bem como a impossibilidade de analisar as operações do estabelecimento de ... isoladamente. Tendo o sr. Perito optado por analisar conjuntamente a totalidade dos inventários, das compras e vendas dos dois estabelecimentos, não descurando as movimentações internas e outras situações específicas.
Tudo conforme consta cabalmente justificado nas notas introdutórias do relatório, que incluem por tal uma justificação quanto ao minucioso e moroso trabalho desenvolvido pelo Sr. Perito.
Sr. Perito que neste contexto – vide ponto 1.3 “Síntese dos trabalhos desenvolvidos” mais indicou ter o trabalho executado implicado 7 deslocações ao estabelecimento de ...; uma ao escritório do ex CC em ... e uma visita ao estabelecimento em ... no intuito de conhecer a empresa e o seu controlo interno.
A que acrescentou O trabalho passou pela recolha de documentos e sua análise, solicitados sobretudo por email, com especial ênfase para a análise exaustiva das compras a empresas, de ambos os estabelecimentos; a análise das compras a particulares e construção de mapas síntese; análise dos ficheiros SAF-T da contabilidade e do software de gestão; a verificação e validação das transferências de mercadorias do estabelecimento de ... para ..., entre outras.
Muito trabalho teve de ser executado em gabinete, sobretudo de análise e da construção de mapas (que se invocam no ponto seguinte deste relatório) necessários à consolidação dos dados e à compreensão holística dos mesmos e da dinâmica da empresa. Não se esqueça também as deslocações ao Tribunal e o apoio incondicional do oficial de justiça às questões processuais.
Foi, sem dúvida, um trabalho muito além do inicialmente esperado e planeado.
Por último, merece ser sublinhado o apoio e o envolvimento que o ex-Contabilista da empresa - Sr. BB - proporcionou, sendo de assinalar as respostas, num reduzido espaço de tempo, aos pedidos de elementos e esclarecimentos entretanto endereçados.”
O trabalho desenvolvido pelo Sr. Perito, nos termos que descreveu e justificou no seu relatório e que em parte aqui deixámos reproduzido, mostra a complexidade, exigência de conhecimentos técnicos específicos e morosidade dos serviços prestados, como o próprio relatório evidencia, com todos os seus mapas e anexos no mesmo incluídos.
Relatório que na sua totalidade é composto por 224 páginas, anexos incluídos (páginas 33 e seguintes).
A limitação que o artigo 17º do RCP nºs 2 e 4 por referência à tabela IV impõe à remuneração a fixar ao trabalho desenvolvido pelos Srs. Peritos, foi afastada por força do decidido no Ac. do T. Constitucional nº 33/2017.
Na base da argumentação para o assim decidido por este tribunal, estando, entre o mais, a obrigatoriedade do desempenho da função de perito em cumprimento do dever de colaboração com o tribunal (artigo 469º do CPC, sem prejuízo da possibilidade de dispensa prevista no artigo 470º do CPC), obrigatoriedade enquadrada “no dever legal de colaboração dos cidadãos na administração da justiça. Apesar de se tratar de um dever meramente legal, ele não deixa de ter apoio no texto constitucional que, no n.º 3 do seu artigo 207.º, estabelece que «a lei poderá estabelecer ainda a participação de assessores tecnicamente qualificados para o julgamento de determinadas matérias».”
A este dever correspondendo o direito a não ser causado “um prejuízo desrazoável dos direitos de quem colabora” por via de uma adequada compensação a quem presta os serviços solicitados pelo tribunal.
E se é certo, tal como o afirmou o TC, não estar “a determinação do valor remuneratório de uma atividade de coadjuvação do tribunal (…) sujeita às regras de mercado ou ao jogo da livre concorrência, na fixação de preços, só assim se assegurando a compatibilização da sua repercussão no valor final das custas devidas, com a garantia do acesso à justiça”, - numa alusão ao direito de acesso ao tribunais garantido pelo artigo 20º nº 1 da CRP- devendo na “harmonização do direito à justa compensação do perito pelo serviço prestado com o direito de acesso aos tribunais” ocorrer “alguma contenção na fixação de padrões dos respetivos valores remuneratórios.»”, não é menos relevante o reconhecido e afirmado direito à justa compensação pelo trabalho desenvolvido pelo perito de acordo com a complexidade, dimensão e duração do esforço despendido pelo autor da perícia. Causa aliás da declarada inconstitucionalidade da norma, pelo limite na mesma estabelecido.
A complexidade do objeto da perícia, bem como a sua morosidade e esforço exigido ao Sr. Perito para a execução das funções que lhe foram cometidas estão cabalmente demonstrados pela análise do trabalho desenvolvido e enquadramento prévio que do relatório consta e acima reproduzidos. Os quais não se mostram sequer validamente questionados pela recorrente.
A concreta discórdia da recorrente funda-se no valor hora indicado pelo perito – 102 euros / hora (entenda-se pela entidade para quem trabalha).
Valor que de acordo aliás com a referência que é feita na própria nota de honorários foi fixado pela Comissão Coordenadora do E... tendo em conta, entre o mais o previsto no Regulamento 989/2021 da UA que “efetua as suas atividades em matérias de orçamentação e afetação de verbas face aos recursos financeiros gerados no estrito cumprimento dos princípios da sã concorrência com as demais entidades a operar no mercado e de harmonia com o preceituado em vigor na Universidade ... em matéria designadamente de prestação de serviços e consultoria.” (vide artigo 8º nº 1 desse mesmo Regulamento).
Ou seja, tendo em conta as regras do mercado e da livre concorrência e assim sem que se mostre observada uma qualquer margem de contenção na fixação dos valores remuneratórios que é esperada, tal como assinalado pelo TC.
Justifica-se a redução do valor hora indicado na nota de honorários elaborada pelo Sr. Perito (i.e. pela E...), na medida em que tal valor não respeite a margem de contenção que sempre deve ocorrer, como forma de harmonizar o direito à justa compensação pelos serviços prestados com o direito de acesso aos tribunais.
Por outro lado, importa assinalar que na nota de honorários não vem apresentada uma qualquer justificação para a remuneração horária de 102 euros.
Este valor afigura-se-nos assim excessivo e não justificado (pela não observância da já referida margem de contenção), devendo ser reduzido ao valor horário de 70 euros, perfazendo um total de € 4550 euros.
Valor este que respeitará a margem de contenção esperada, nos termos já assinalados.
Nestes termos procede parcialmente a pretensão da recorrente.
Cumpre em segundo lugar apreciar as assinaladas omissões de pronúncia, que por verificada, assim se suprem (vide artigo 665º do CPC).
Inexiste fundamento para o peticionado parecer sobre a nota de honorários à OCC ou OROC que assim se indefere, suprindo a omissão do tribunal a quo quanto a esta pretensão formulada pela recorrente aquando da sua reclamação.
Finalmente cumpre pronunciarmo-nos sobre a omissão de pronúncia, igualmente verificada, quanto às despesas apresentadas e validadas pelo tribunal a quo.
Em causa, concretamente, os Kms indicados como percorridos pelo Sr. Perito nas deslocações às instalações de ..., à razão de 100 km por cada deslocação.
Alegou então a recorrente que cada viagem (ida e volta) não superaria os 60 ou 70 km.
Não indicou qualquer prova para o efeito. Não evidenciando os kms. indicados na nota em análise desadequação notória.
Motivo por que também neste aspeto, improcede a pretensão da recorrente.
Em suma, procede parcialmente o recurso quanto ao valor dos honorários a arbitrar ao Sr. Perito que se reduzem a € 4.550,00.
No mais, mantém-se a decisão recorrida.
***
IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso interposto, consequentemente e revogando parcialmente a decisão recorrida, reduzindo o valor dos honorários arbitrados ao Sr. Perito ao valor de € 4.550,00.
No mais se mantém a decisão recorrida.
Custas pela recorrente e recorrida na proporção do decaimento e vencimento.
*
Porto, 2024-10-07.
Fátima Andrade
Ana Olívia Loureiro
Eugénia Cunha