NOTIFICAÇÃO DE ATOS PROCESSUAIS
FORMULÁRIO ELETRÓNICO
PROVA TESTEMUNHAL
Sumário

I - A notificação dos atos processuais à parte, no caso de pluralidade de mandatários constituídos por essa parte e na ausência de indicação em sentido diverso, bem se mostra efetuada se o for ao mandatário que praticou o ato que, diretamente, determinou o ato a comunicar.
II - Nas situações de falta de inserção no respetivo formulário eletrónico da informação respeitante à prova testemunhal oferecida no articulado, não ocorre contradição entre este e aquele, mas uma omissão de preenchimento de um dos campos deste.
IIII - Assim, nas referidas circunstâncias do caso, não tem aplicação a especial cominação (cfr. nº4, do art. 7º, da Portaria nº 280/2013, de 26/08), inconstitucional, nem a prevista na al. b), do nº10, do art.º 144º, do CPC, e no nº2, do art.º 7º, da referida Portaria, antes se devendo considerar apresentado o rol de testemunhas, por ser evidente a vontade da parte em indicar prova testemunhal, em conformidade com o disposto nos art.ºs 552º, nº 6 e 572º, al. d) do CPC, sempre podendo a parte suprir a falta de preenchimento do formulário (cfr. nº2, do art. 146º, do CPC).
IV - Outra interpretação e aplicação dos preceitos legais atinentes à matéria em causa, da referida Portaria e do Código de Processo Civil, mostrar-se-ia violadora da lei constitucional e da lei ordinária, por se revelar desadequada e desproporcional e a contender com as exigências de um processo equitativo, conduzindo a injustas decisões de forma em prejuízo das desejadas, de mérito.

Texto Integral

Processo nº 5343/23.2T8VNG-A.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 1



Relatora: Des. Eugénia Cunha
1º Adjunto: Des. José Nuno Duarte
2º Adjunto: Des. Fátima Andrade




Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto




Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: A Ré, A..., LDA

Recorrida: A Autora, B..., UNIPESSOAL LDA


A..., LDA. Ré nos autos em que é Autora B..., UNIPESSOAL LDA, notificada do despacho a considerar “extemporânea a retificação do formulário” e a determinar sejam “eliminadas da árvore do processo eletrónico as testemunhas apenas nesta data arroladas”, dele veio interpor recurso de apelação, pugnando pela sua revogação e substituição por outro a admitir o rol de testemunhas, formulando, para tanto, as seguintes
CONCLUSÕES:

I – DO RECURSO

I. O presente Recurso de Apelação versa sobre matéria de Direito, nos termos infra consignados, incidindo sobre o Despacho proferido a 12.06.2024, na seguinte parte:

“Requerimento de 07.06.2024 – ref.ª 39286906.

A omissão de leitura de um despacho que foi regularmente notificado não tem lhe retira eficácia processual, sendo precisamente por se concordar que é excessiva a consequência direta da desconformidade entre articulado e formulário prevista pelo art.º 144º, nº10, al. b) do Código de Processo Civil, que o tribunal convidou a parte a sanar o vício, o que, decorrido o prazo para o efeito concedido, a ré não fez.

Deste modo, tem-se por extemporânea a retificação do formulário, mantendo-se a cominação consignada o despacho de 21.02.2024, pelo que deverão ser eliminadas da árvore do processo eletrónico as testemunhas apenas nesta data arroladas”

Almejando uma melhor compreensão,

II. este Despacho foi proferido na sequência de Requerimento apresentado pela Ré a 07.06.2024 sob a referência eletrónica CITIUS 392 869 06, que aqui se transcreve: “vem sanar o pretenso vício decorrente da inserção de formulário, mais se consignando que o aqui Subscritor, constituído nos autos, não havia sido notificado do Despacho[1], só agora se tendo apercebido do mesmo, procedendo agora à sua inserção”.

Ora,

III. a Recorrente não se conforma minimamente a Decisão proferida, porquanto devia o rol ter sido admitido, pelo que se requer a V. Exa. seja revogado o Despacho proferido.

Na realidade, como veremos infra mais ao pormenor, são vários os argumentos que impõem Decisão diversa daquela que foi proferida:

I – DA AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DO MANDATÁRIO CONSTITUIDO

IV. O Mandatário Subscritor não foi notificado do Despacho invocado na Decisão aqui sob sindicância.

V. Concretizando, ao invés da maioria dos Despachos proferidos no âmbito do presente processo, o Despacho de 21.02.2024 apenas foi notificado a outro Mandatário que não o aqui Subscritor, daí que este não se tenha logo apercebido do mesmo.

VI. Enuncie-se, a título de exemplo, que noutros Despachos (com a referência 461 089 197 e 460 764 186), foi só o aqui Subscritor notificado, procedimento (esse) que não sucedeu no caso em apreço.

VII. Ao não ter sido notificado, o Mandatário Subscritor não se havia apercebido do Despacho.

Com efeito,

VIII. não tendo o Mandatário Subscritor - já constituído nos autos desde a Contestação - sido notificado do Despacho que concedia 5 (cinco) dias para suprir o pretenso vício (prazo esse também em violação da Portaria aplicável), mal andou o Tribunal a quo ao indeferir o peticionado pela Recorrente.

Nesta senda,

IX. deve o Despacho de 12.06.2024 ser revogado na parte que supra se mencionou, sendo substituído por outro que admita o rol de testemunhas.

II - DO PRAZO INDICADO EM VIOLAÇÃO DA PORTARIA N º 280/2013, de 26 de Agosto

X. A temática aqui trazida à colação consta da Portaria nº 280/2013, de 26 de agosto, maxime no seu nº7:

“Artigo 7.º

Preenchimento dos formulários

1 - Quando existam campos no formulário para a inserção de informação específica, essa informação deve ser indicada no campo respetivo, não podendo ser apresentada unicamente nos ficheiros anexos.

2 - Em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários, ainda que estes não se encontrem preenchidos.

3 - O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de a mesma ser corrigida, a requerimento da parte, sem prejuízo de a questão poder ser suscitada oficiosamente.

4 - Nos casos em que o formulário não se encontre preenchido na parte relativa à identificação das testemunhas e demais informação referente a estas, constando tais elementos dos ficheiros anexos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, a secretaria procede à notificação da parte para preencher, no prazo de 10 dias, o respetivo formulário, sob pena de se considerar apenas o conteúdo do formulário inicial.

5 - Existindo um formulário específico para a finalidade ou peça processual que se pretende apresentar, deve o mesmo ser usado obrigatoriamente pelo mandatário.”

Compulsados os autos,

XI. verifica-se que o Tribunal a quo proferiu um Despacho a conceder 5 dias, o que fez não cumprindo o nº 4 do artigo 7º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, não tendo sido dado cumprimento ao ordenado pela sobredita norma jurídica.

Neste conspecto,

XII. o Tribunal recorrido não deu cumprimento ao preceito acima mencionado, designadamente o prazo determinado pela lei, maxime de 10 dias.

Assim,

XIII. não tendo o Tribunal praticado o ato que a lei prevê e da forma que o prevê, deve o Despacho ser revogado, o que hic et nunc se requer.

III - AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DA SECRETARIA

Ao mesmo tempo, mesmo que assim não fosse,

XIV. a pretensa notificação em que se sustenta o Tribunal recorrido, é um Despacho (inclusivamente com o vício supra apontado) e NÃO uma notificação da Secretaria, o que processualmente corresponde a uma situação distinta, o que também sucede na sua forma de apresentação/notificação às partes requeridas, que é sempre realizada de outra forma.

Por outras palavras,

XV. a Secretaria – quem é o destinatário do comando jurídico – ainda nem sequer deu cumprimento ao estatuído pela norma apontada.

Assim,

XVI. deve o Despacho aqui colocado em crise ser revogado, sendo substituído por outro que admita o rol de testemunhas.

IV - DA (DES)APLICAÇÃO DA PORTARIA

Mesmo que assim não fosse, o que não se concede, atente-se no seguinte:

XVII. Consigna o Tribunal recorrido que a Decisão proferida não é desproporcional porque elaborou uma notificação para proceder em conformidade.

XVIII. Atente-se no seguinte trecho do Despacho “sendo precisamente por se concordar que é excessiva a consequência direta da desconformidade entre articulado e formulário prevista pelo art.º144º, nº10, al. b) do Código de Processo Civil, que o tribunal convidou a parte a sanar o vício, o que, decorrido o prazo para o efeito concedido, a ré não fez.

Para além do prazo e a forma ter sido inteiramente incorreta,

XIX. veja-se, exatamente a este propósito e numa situação em que foi a parte convidada a sanar o pretenso vício (inclusivamente sem outros erros que sucedem nesta situação), o entendimento do douto Tribunal da Relação de Lisboa de 27-01-2022, relatado por Carla Mendes:[2] “A norma constante do art. 7/4 da Portaria 280/2013 de 26/8 (indicação das testemunhas no formulário), revela-se excessiva e desproporcional, porquanto prejudica o direito de acção por parte do autor, uma vez que este, na p.i., elencou o rol de testemunhas.”

XX. A Recorrente dá aqui por reproduzida toda a argumentação expendida no referido Acórdão que decidiu revogar o aí Despacho impugnado, substituindo-o por outro que admitisse o rol de testemunhas.

Repare-se que,

XXI. a Ré apresentou a Contestação dando integral cumprimento ao que dispõe o artigo 572 nº 2 do CPC, incluindo o que resulta da sua alínea d), quando refere “Apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova”, rectius, apresentou o rol de testemunhas na Contestação.

XXII. A Decisão de não admitir o rol de testemunhas por não se encontrar preenchido o formulário, apesar desse rol constar da Contestação, é uma decisão não só ilegal por violação do artigo 572.º nº 2 do CPC (Lei 41/2013, de 26 de junho) como desajustada e desproporcionada, não salvaguardando o conteúdo mínimo do direito a um processo equitativo vertido nos artigos 20nº 4 e 18º nº 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa.

XXIII. O Despacho que indefere o rol de testemunhas apesar de este constar do processo e da Contestação, permite, no absurdo, que um Réu não respeite o comando imposto pelos artigos 552 nº 6 e 572 nº 2 do CPC, desde que respeite o preenchimento do formulário regulado por uma Portaria, sendo uma decisão incompreensivelmente que privilegia a primazia de uma portaria que visa retirar trabalho aos Tribunais na tramitação eletrónica dos processos judiciais sobre uma Lei da República (leia-se o Código do Processo Civil), facto claramente violador da hierarquia das normas, o que aqui se invoca.

XXIV. Esta decisão compromete o Princípio do Estado de Direito Democrático e o Direito de Acesso à Justiça e aos Tribunais contido nos artigos 1º e 20º da CRP, uma vez que o rol de testemunhas assume no direito de ação e de defesa uma posição de relevo para a prova dos factos em discussão, mesmo considerando que existem outros meios de prova que podem ser convocados.

XXV. A obrigação contida no artigo 7º nº 4 da Portaria 280/2013 de 26 de agosto, que tem em vista facilitar o trabalho na tramitação dos processos judiciais, entra em rota de colisão com os artigos 572 nº 2 do CPC e 552 nº 6 CPC, uma lei da Assembleia da República, revogando tacitamente uma norma de valor maior através de uma Portaria.

Por conseguinte,

XXVI. a interpretação feita pelo Tribunal a quo compromete direitos fundamentais, como o direito de defesa, de ação, o direito a um processo justo e equitativo, o princípio do contraditório, princípios que norteiam o atual processo civil (artigo 3º nº 3 do CPC), configurando-se nessa medida também como solução excessiva e desproporcionada à luz das regras do processo equitativo decorrentes do artigo 20º nº 4 da CRP, devendo por estas razões a norma contida no artigo 7º, nº 4 da Portaria 280/2013 de 26 de agosto, ser lida como: havendo divergência entre o formulário e o conteúdo material da peça prevalece o conteúdo do formulário quando este não comprometa as garantias de defesa o direito a um processo justo e equitativo, o princípio do contraditório.

XXVII. Não se olvide que apesar de nada constar no formulário, o rol consta da Contestação, em conformidade com o artigo 572.º da lei processual civil, articulado esse do conhecimento da parte contrária aquando da notificação da mesma, pelo que inexiste qualquer violação do estatuto da igualdade substancial das partes (artigo 4º do CPC).

XXVIII. Destarte, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência deve ser alterada a decisão recorrida substituindo-se por outra que admita o rol de testemunhas apresentado pela Recorrente e que todas as testemunhas sejam ouvidas em audiência de julgamento em 1ª instância.

Para terminar, se assim não se entender, o que não se concede,

V - PREVALÊNCIA DO MÉRITO SOBRE MERAS QUESTÕES DE FORMA

XXIX. Veja-se, a este propósito o que resulta da Exposição de Motivos do Código de Processo Civil de 2013: “1.5. Por tal motivo e em consonância como princípio da prevalência do mérito sobre meras questões de forma, bem como por via do reforço destes poderes de direcção, agilização e adequação da tramitação do processo pelo juiz, toda a actividade processual deve ser orientada para propiciar a obtenção de decisões que privilegiem o mérito ou substância sobre a forma, cabendo suprir-se o erro na qualificação pela parte do meio processual utilizado e evitar deficiências ou irregularidades puramente adjectivas que impeçam a composição do litígio ou acabem por distorcer o conteúdo da sentença de mérito, condicionado pelo funcionamento de desproporcionadas cominações ou preclusões processuais.(…)

2.1.A consagração de um modelo deste tipo contribuirá decisivamente para inviabilizar e desvalorizar comportamentos processuais arcaicos, assentes na velha praxis de que as formalidades devem prevalecer sobre a substância do litígio e dificultar, condicionar ou distorcer a decisão de mérito.”

XXX. Atente-se ainda no próprio Preâmbulo do DL n.º 329-A/95, de 12.12:

Primo: - “Garantia de prevalência do fundo sobre a forma”, entre as linhas mestras do modelo de processo perfilhado;

Secundo: - Atribuição ao processo civil de natureza “verdadeiramente instrumental no que toca à perseguição da verdade material, em que nitidamente se aponta para uma leal e sã cooperação de todos os operadores judiciários”, constituindo aquele “uma ferramenta posta à disposição dos seus destinatários para alcançarem a rápida, mas segura, concretização dos seus direitos”;

Tertio: - “Ter-se-á de perspectivar o processo civil como um modelo de simplicidade e de concisão, apto a funcionar como um instrumento, como um meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo, e não como um estereótipo (…) que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo”.

XXXI. Esta ratio e este espírito não foi tido em consideração pelo Tribunal recorrido ao indeferir a apresentação de um rol de testemunhas com base na ausência de apresentação de um formulário que tem como desiderato retirar trabalho aos tribunais na tramitação eletrónica dos processos judiciais.

XXXII. O Tribunal a quo, entre outras normas, violou os artigos 572.º nº 2, 411º, 526º, do Código de Processo Civil, o nº 4 do artigo 7º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, a própria Portaria, bem como artigos 20º nº 4 e 18º nº 2 e 3 da CRP.

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Apresentou a Autora contra-alegações pugnando por que o recurso seja julgado totalmente improcedente, apresentando as seguintes
CONCLUSÕES:
“1) Por via do recurso a que se responde, pretende a ora Recorrente reverter o sentido do Despacho proferido pelo Tribunal a quo, datado de 12 de Junho de 2024, com a referência 461046890, o qual decidiu, e bem, julgar “extemporânea a retificação do formulário [efetuada por requerimento da Ré, de 07/06/2024, com a referência 39286906], mantendo-se a cominação consignada o despacho de 21.02.2024, pelo que deverão ser eliminadas da árvore do processo eletrónico as testemunhas apenas nesta data arroladas.”;
2) No entanto, o Tribunal recorrido julgou e decidiu corretamente a questão submetida à sua apreciação, efetuando a devida valoração dos factos e aplicando aos mesmos, de forma correta e adequada, o Direito;
3) O Despacho recorrido é, do ponto de vista do Direito, inatacável e reproduz, fielmente, aquela que é hoje a interpretação da doutrina quanto à legislação em apreço;
4) Note-se que foram proferidos inúmeros despachos, dos quais sete foram notificados à Ré na pessoa do seu ilustre Mandatário Dr. AA (subscritor da Contestação), despachos esses que não deixaram, por esse facto, de merecer resposta por parte da Ré – muito pelo contrário, diga-se – inclusivamente através do Mandatário Dr. BB;
5) Tendo presente que o mandato forense atribui ao mandatário os poderes para representar a parte em todos os atos do processo e seus incidentes (artigo 44.º do Código de Processo Civil) e sendo-lhe aplicável as regras gerais do contrato de mandato (artigo 1157.º e seguintes do Código Civil), atento o preceituado no artigo 1160.º do referido Código, na ausência de declaração do dever de agir conjuntamente, uma vez que a Ré, aqui Recorrente, encarregou o patrocínio dos autos a quinze advogados (e cinco advogados estagiários), não há dúvida de que, cada um deles, assumiu plenos poderes para agir no tribunal em sua representação;
6) Nestas circunstâncias podem, validamente, ser efetuadas em qualquer dos mandatários as notificações que tenham lugar no processo;
7) No caso de pluralidade de mandatários e na ausência de expressa indicação em sentido diverso, a notificação dos atos processuais deve ser efetuada ao mandatário que praticou o ato que diretamente determinou a prática do ato a comunicar;
8) Nestas situações devem ser os próprios mandatários constituídos que, nas relações internas entre eles, devem providenciar para que todos eles tenham conhecimento dos autos praticados no processo e das notificações que sejam feitas pelo tribunal a um deles;
9) Motivo pelo qual, resulta inequívoco que o tribunal a quo não cometeu qualquer irregularidade, quando notificou apenas a Recorrente, na pessoa do seu mandatário Dr. AA do despacho proferido em 21/02/2024;
10) O n.º 4 do mencionado artigo 7.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto constitui, um mecanismo que visa assegurar o respeito pelos artigos 6.º, n.º 1 e 7.º, n.ºs 1 e 2 da mesma Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto e 144.º, n.º 10 do Código de Processo Civil, dando à parte a possibilidade/oportunidade de, na sequência da notificação aí prevista, corrigir a desconformidade existente quando ela se reporta à identificação das testemunhas e outra informação relevante às mesmas;
11) Se, não obstante essa notificação, a omissão ou desconformidade não for corrigida no prazo concedido, apenas se poderá considerar o conteúdo do formulário inicial – o que sucedeu in casu;
12) Nem se perceberia, aliás, qual a utilidade da notificação ali prevista se, em qualquer caso – e ainda, portanto, que a parte nada fizesse na sequência dessa notificação – sempre devesse ser atendida a indicação da prova testemunhal feita no ficheiro anexo;
13) Mesmo que, por hipótese meramente académica, não tivesse sido concedido à Recorrente o prazo legalmente estabelecido para preencher o respetivo formulário, a verdade é que esta não cumpriu nem com o prazo de 5 dias, nem com o prazo de 10 dias, respondendo apenas ao referido despacho 102 dias após a sua notificação;
14) Nesta circunstância, a ora Recorrente não ficou – de modo algum – prejudicada com a concessão do prazo de 5 dias, pois caso tivesse inserido as testemunhas no formulário próprio no prazo de 10 dias e se considerasse que este seria, efetivamente, o prazo indicado para o efeito, as mesmas teriam sido consideradas e admitidas;
15) Protegendo-se, assim, os princípios da economia processual e do aproveitamento dos atos, patentes do artigo 6.º do Código de Processo Civil;
16) Se a ora Recorrente não concorda com o prazo de 5 dias concedido no despacho proferido pela Meritíssima Juiz a 21 de Fevereiro de 2024 seria desse despacho que a mesmo deveria ter recorrido, e não do despacho datado de 12 de Junho de 2024, mostrando-se o presente recurso totalmente extemporâneo;
17)Mesmo que assim não se considere, a verdade é que foi o despacho proferido a 16 de Maio de 2024, com a referência 460166551, que considerou estabilizada a prova e procedeu à marcação da audiência de julgamento para o dia 19 de junho de 2024, pelas 9h30 e 14h00, apenas com a consideração da produção da prova testemunhal da Autora;
18)Assim, se a Ré não concordou com a não admissão das suas testemunhas, por falta de inserção no respetivo formulário, deveria ter recorrido do despacho que considerou a prova estabilizada e agendou a realização da audiência de julgamento, não considerando as mesmas. Pelo que, também por esta via, o presente recurso se mostra intempestivo;
19) Não poderá agora a ora Recorrente vir invocar a desconformidade do despacho proferido, com o único e claro intuito a mitigar um evidente lapso de omissão de leitura ou uma simples falta de atenção da sua parte;
20) A Secretaria notificou o Mandatário da Ré (Dr. AA – subscritor da Contestação) do despacho proferido a 21 de Fevereiro de 2024, na mesma data, em cumprimento do disposto no artigos 247.º, n.º 1 e 248.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, através da notificação com a referência 457285248;
21) Sendo parte integrante deste despacho a ordem de notificação da Ré para, querendo, vir aos autos identificar em formulário próprio as testemunhas meramente identificadas no texto do articulado de Contestação, sob pena de o rol não ser considerado;
22) Se a ora Recorrente não se apercebeu – como alega – do despacho em causa, tal responsabilidade não poderá ser atribuída à Secretaria do Tribunal que, com toda a competência, cumpriu com o ordenado pela Meritíssima Juiz;
23) Não poderá agora vir a Recorrente, puro e simplesmente, alegar que a Secretaria não deu cumprimento à notificação da mesma, com o argumento de que não utilizou o modelo de notificação que a mesma considera adequado - não tendo, sequer, apresentado qualquer fundamento ou normativo legal que o imponha (o que, como bem sabe, não existe);
24) Neste sentido, deverá a notificação em causa ser considerada como regularmente efetuada, produzindo todos os seus efeitos;
25) A invocação por parte da ora Recorrente, por diversas vezes, do artigo 572.º, n.º 2 do Código de Processo Civil trata-se certamente de um lapso, considerando que, na lei vigente, o artigo 572.º do Código de Processo Civil não contém n.º 2;
26) Importa deixar desde já claro que a Portaria 280/2013 de 26 de agosto não se encontra em contradição com os artigos invocados, vindo antes completar e regulamentar a aplicação dos mesmos, mormente no que respeita à tramitação eletrónica de processos judicias;
27) Não existindo, assim, qualquer revogação tácita pela Portaria em causa das indicadas normas do Código de Processo Civil, mas antes um complemento;
28) Por outro lado, a ora Recorrente olvida-se que a consequência constante do artigo 7.º, n.º 2 da Portaria 280/2013 de 26 de agosto (prevalência da informação constante dos formulários face ao conteúdo dos ficheiros anexos) é a mesma que resulta do artigo 144.º, n.º 10, alínea b) do Código de Processo Civil;
29) Este direito de acesso aos tribunais – constitucionalmente garantido – não significa um direito de aceder aos tribunais (designadamente um direito de apresentar provas) em qualquer circunstância e sem submissão a quaisquer regras ou limitações e, portanto, não significa que o legislador ordinário não possa regular os pressupostos de que depende esse acesso, os prazos a observar e as regras/restrições a que está submetido, desde que essa regulação/disciplina e as restrições impostas não sejam arbitrárias, onerosas e excessivas ao ponto de dificultarem, de forma desproporcionada, o exercício dos direitos, criando, na prática, uma situação de impossibilidade de acesso aos tribunais para exercício e defesa dos direitos;
30) Nesta circunstância, entendemos que o facto do douto Tribunal a quo não ter admitido as testemunhas arroladas no texto da Contestação e não inseridas no competente formulário, após ter notificado a Ré devidamente para o efeito, não prejudica o direito de esta aceder aos tribunais;
31) Note-se que as referidas testemunhas apenas não foram admitidas por uma omissão da exclusiva responsabilidade da Ré, seja com a apresentação da Contestação, seja posteriormente após a notificação efetuada a 21/02/2024 (e olimpicamente ignorada);
32) Admitir-se as mesmas corresponderia a fazer “letra morta” do preceito em questão (artigo 7.º, n.º 4, da referida Portaria) e traduzir-se-ia numa verdadeira recusa de aplicação de uma norma instituída pelo legislador;
33) Salvo o devido respeito, não cabe ao julgador fazer juízos acerca da justeza e adequação das normas que é chamado a aplicar e muito menos lhe será permitido sobrepor-se ao legislador e recusar a aplicação de normas pelo facto de as considerar injustas, excessivas ou desproporcionadas (n.º 2 do artigo 8.º do Código Civil);
34) Nessas circunstâncias, a aplicação da norma em questão apenas poderia ser recusada se a mesma fosse inconstitucional, ou seja, se estivesse em desconformidade com a Constituição da República -o que não é o caso;
35) Deste modo, o incumprimento do ónus de preenchimento do formulário em causa cai no âmbito do princípio da autorresponsabilização das partes, uma vez que, querendo arrolar testemunhas, as partes devem fazê-lo pela forma consagrada na lei, não devendo ser subvertido o sistema do referido ónus mediante a aplicação inadequada do princípio da prevalência do mérito sobre meras questões de forma;
36) Finalmente, não se poderá deixar de salientar que o simples facto da ora Recorrente vir alegar que o indeferimento ocorrido in casu que teve como desiderato retirar trabalho aos tribunais demonstra um notório desrespeito por todos aqueles que, sejam Meritíssimos Juízes, sejam Funcionários Judiciais, trabalham todos os dias de forma árdua para servir a Justiça, muitas vezes, em condições obsoletas e pouco dignificantes;
37) Nestes termos, deverá manter-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo em sede de Despacho datado de 12 de Junho de 2024 (referência 461046890), improcedendo em toda a linha a pretensão da ora Recorrente;
38) Devendo, assim, o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, nos termos e com as consequências legais”.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.
Assim, a questão a decidir é a seguinte:
- Da admissibilidade do suprimento da deficiência formal do ato da Ré (de falta de preenchimento de formulário, omisso quanto a testemunhas, arroladas na contestação).
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos provados com relevância para a decisão constam já do relatório que antecede, resultando a sua prova dos autos, e não se reproduzindo por tal se revelar desnecessário, acrescentando-se ser o seguinte o teor do
despacho recorrido:
A omissão de leitura de um despacho que foi regularmente notificado não tem lhe retira eficácia processual, sendo precisamente por se concordar que é excessiva a consequência direta da desconformidade entre articulado e formulário prevista pelo art.º 144º, nº10, al. b) do Código de Processo Civil, que o tribunal convidou a parte a sanar o vício, o que, decorrido o prazo para o efeito concedido, a ré não fez.
Deste modo, tem-se por extemporânea a retificação do formulário, mantendo-se a cominação consignada o despacho de 21.02.2024, pelo que deverão ser eliminadas da árvore do processo eletrónico as testemunhas apenas nesta data arroladas”.

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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

- Da admissibilidade do suprimento da falta de preenchimento de formulário (omisso quanto a testemunhas, arroladas na contestação)
Insurge-se a Ré contra o despacho que julgou “extemporânea a retificação do formulárioomisso quanto a testemunhas, arroladas na contestação, e, em consequência, determinou sejam “eliminadas da árvore do processo eletrónico as testemunhas apenas nesta data arroladas”, formulando a pretensão recursória de revogação do despacho e da sua substituição por outro a admitir o rol.
Sendo a questão a decidir no presente recurso a da admissibilidade da retificação efetuada ao formulário e, consequentemente, se devem ser mantidas na árvore do processo eletrónico as testemunhas inseridas, outra resposta não pode a mesma merecer senão a de a retificação do formulário - realizada por requerimento da Ré de 07/06/2024 para sanar a omissão, decorridos dezenas de dias da notificação que, para o efeito, lhe foi efetuada - sendo, na verdade, extemporânea em face do que foi, oficiosamente, determinado é, contudo, de admitir face ao requerimento da parte, apresentado, por iniciativa da mesma, ao notar a falta, de mera omissão do preenchimento do formulário (certo sendo as testemunhas se encontram arroladas, como determinado na lei de processo, na contestação).
Vejamos.
Na verdade, a notificação à Ré, a ser efetuada na pessoa de qualquer um dos mandatários constituídos bem efetivada se mostra (cfr. art. 247º, do Código de Processo Civil, diploma a que nos reportamos na falta de outra referência) e ultrapassado se encontrando quer o prazo concedido pelo Tribunal - de 5 dias - quer o prazo, mais longo, que da lei, como veremos, confere - de 10 dias - (sempre podendo, contudo, o ato ser praticado neste, por superior ser o atribuído por lei), extemporâneo seria o ato de retificação/de suprimento de deficiência formal em face ao, oficiosamente, determinado e cumprido pela secretaria.
Com efeito, a notificação às partes que constituíram mandatário, em processos pendentes, são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais (nº1, do art. 247º), podendo a secretaria proceder à notificação dos despachos na pessoa de qualquer dos mandatários[3], a menos que seja, expressamente, fornecida informação em sentido contrário.
Incumbe, mesmo, ao mandatário informar o tribunal de qualquer mudança no seu domicílio profissional, tomando as devidas precauções para receber as notificações que hajam de lhe ser dirigidas por via postal (cf. art. 25º, nº2, da Portaria nº 280/13, de 26/8), de modo que produzirão os efeitos normais as que deixar de receber por culpa sua (Ac. do Trib. Const. Nº13/1999)[4].
E admitindo a lei a constituição, pela parte, de multiplicidade de mandatários, sendo a procuração conferida conjuntamente a vários mandatários, sendo vários a subscrever articulados e requerimentos, a notificação à parte pode ser, na falta de indicação em contrário, validamente efetuada na pessoa de qualquer desses mandatários constituídos, todos com poderes para representar a parte em todos os atos e termos do processo (cfr. art. 1160º, do Código Civil e art. 44º, do Código de Processo Civil)[5].
Deste modo, e, na verdade, tendo presente que o mandato forense atribui ao mandatário os poderes para representar a parte em todos os atos do processo e seus incidentes (artigo 44.º do Código de Processo Civil) e sendo-lhe aplicável as regras gerais do contrato de mandato (artigo 1157.º e seguintes do Código Civil), atento o preceituado no artigo 1160.º do referido Código, na ausência de declaração do dever de agir conjuntamente, uma vez que a Ré, aqui Recorrente, encarregou o patrocínio dos autos a vários advogados, cada um deles, assumiu poderes para agir em juízo em sua representação e, nestas circunstâncias podem, validamente, ser efetuadas na pessoa de qualquer dos mandatários as notificações a terem lugar no processo.
No caso, de pluralidade de mandatários constituídos pela parte e na ausência de indicação em sentido diverso, a notificação dos atos processuais à referida parte deve ser efetuada ao mandatário que praticou o ato que, diretamente, determinou o ato a comunicar, sendo que, nas relações internas entre os mandatários constituído, devem eles providenciar por dar conhecimento uns aos outros dos atos que cada um praticou no processo e das notificações recebidas do tribunal.
Deste modo, e como bem refere a apelada, não cometeu o Tribunal qualquer irregularidade, quando notificou a Recorrente, na pessoa do seu mandatário Dr. AA, o subscritor da contestação, do despacho proferido em 21/02/2024.
Ora, efetuada, e validamente, a notificação, a Ré não satisfez o determinado (retificação do formulário quanto ao rol de testemunhas oferecido na contestação), e que o foi, mais do que por mero ato da secretaria, por decisão, oficiosa, do próprio juiz, no prazo que aquele lhe conferiu (5 dias), sequer no prazo que a lei, para o efeito, consagra (de 10 dias), apenas se tendo apresentado, por sua iniciativa, a requerer, ultrapassados aqueles, dezenas de dias após a efetivação da notificação à Ré.
Não poderia, pois, o ato praticado, pelo requerimento de junho, ser tido como tempestivo face ao despacho, regularmente notificado, a suscitar a questão da falta de preenchimento do formulário, antes, quando foi praticado, já há muito havia precludido o direito que, pela referida atuação oficiosa, a lei confere à parte e que, concretamente, foi concedido à Ré pelo Tribunal.
E refere a Autora constituir o n.º 4 do mencionado artigo 7.º, da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, um mecanismo que visa assegurar o respeito pelos artigos 6.º, n.º 1 e 7.º, n.ºs 1 e 2 da mesma Portaria e art. 144.º, n.º 10 do Código de Processo Civil, dando à parte a oportunidade de, observando a notificação aí prevista, corrigir a desconformidade existente quando ela se reporta à identificação das testemunhas e outra informação relevante às mesmas. Efetuada a notificação e decorrido o prazo conferido pela lei sem a omissão ou desconformidade ser corrigida, apenas se considerará o conteúdo do formulário inicial. E mais observa a Autora, nem se perceberia qual a utilidade da notificação ali prevista se, ainda que a parte nada fizesse na sequência dessa notificação, sempre devesse ser atendida a indicação feita no ficheiro anexo.
E assim sucederia, na verdade, como regra. Efetivamente, ordenada a notificação da Ré para, querendo, vir aos autos identificar em formulário próprio as testemunhas meramente identificadas no texto do articulado de Contestação, sob pena de o rol não ser considerado, efetuada tal notificação na pessoa do seu mandatário constituído, que subscreveu o articulado, nos termos do art. 247º e segs, do CPC, se a parte não satisfez o determinado sib imputet, não podendo vir alegar incumprimento pela secretaria daquilo a que, mesmo, por esta, foi dada satisfação, embora a determinação oficiosa do juiz. E a verificar-se alguma nulidade arguida devia sê-lo no prazo legal (cfr. nº1, do art. 199º), sem o que sanada se mostraria, produzindo a notificação plenos efeitos.
Acresce não se verificar contradição entre a Portaria 280/2013, de 26 de agosto, e o Código de Processo Civil, antes aquela vem completar e regulamentar a tramitação eletrónica de processos judicias, sendo quer a Portaria (artigo 7.º, n.º 2) quer o Código de Processo Civil (art. 144.º, n.º 10, alínea b)) a estatuir a prevalência da informação constante dos formulários em relação a, contraditório, conteúdo dos ficheiros anexos.
E bem conclui a Autora que o “direito de acesso aos tribunais – constitucionalmente garantido – não significa um direito de aceder aos tribunais (designadamente um direito de apresentar provas) em qualquer circunstância e sem submissão a quaisquer regras ou limitações e, portanto, não significa que o legislador ordinário não possa regular os pressupostos de que depende esse acesso, os prazos a observar e as regras/restrições a que está submetido, desde que essa regulação/disciplina e as restrições impostas não sejam arbitrárias, onerosas e excessivas ao ponto de dificultarem, de forma desproporcionada, o exercício dos direitos, criando, na prática, uma situação de impossibilidade de acesso aos tribunais para exercício e defesa dos direitos”.
Como vimos, repete o nº10, do art. 144º o consagrado no nº2, do art. 7º da Portaria nº 280/13, de 26/8, ao impor a obrigatoriedade de preenchimento dos campos constantes dos formulários para a inserção de informação específica, não devendo a informação ser apresentada apenas nos ficheiros anexos. Reproduz aquele preceito os n.ºs 1 e 2 do art. 7.º da Portaria n.º 280/2013, devendo continuar a ser tido em conta o disposto nos n.ºs 3 e 4 desta Portaria, nos termos dos quais a desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos não prejudica a possibilidade de a mesma ser corrigida a requerimento da parte, que pode ser suscitada oficiosamente, sendo que, no caso específico de o formulário não se encontrar preenchido na parte relativa à identificação das testemunhas e demais informação referente a estas, mas constando tais elementos dos ficheiros anexos, a secretaria pode procede à notificação da parte para preencher, no prazo de 10 dias, o respetivo formulário[6].
Assim, como regra, em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários, tal como decorre dos n.ºs 1 e 10 do artigo 144.º do CPC e nº 2, do artigo 7.º, da Portaria 280/13 de 26/08[7].
Este regime tem, porém, de ser visto com as necessárias cautelas e articulado com o estatuído no nº2, do art. 146º[8] facultando-se à parte a retificação do lapso, designadamente no específico caso de a mesma ter feito constar o rol de testemunhas do anexo, omitindo-o no formulário, sendo que solução, radical, diversa colocaria em crise o objetivo de proporcionar às partes processo equitativo[9] e revelar-se-ia desadequada e injusta.
Neste conspecto, a aplicação da cominação da parte final do nº4, do art. 7º, da referida Portaria, com a seguinte redação “4 - Nos casos em que o formulário não se encontre preenchido na parte relativa à identificação das testemunhas e demais informação referente a estas, constando tais elementos dos ficheiros anexos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, a secretaria procede à notificação da parte para preencher, no prazo de 10 dias, o respetivo formulário, sob pena de se considerar apenas o conteúdo do formulário inicial”, vem, mesmo, a ser recusada em casos concretos, por inconstitucionalidade.
Na verdade, vem sendo entendido:
“I - A norma do nº 4 do art.º 7º da Portaria nº 280/2013, de 26-08, na redação que lhe foi conferida pela Portaria nº 267/2018, de 20-09 é formal e organicamente inconstitucional, por consagrar uma cominação processual não prevista na Lei processual civil, violando por isso o disposto nos art.ºs 112º, 161º, al. c), e 198º, nº 1, al. a), todos da Constituição da República Portuguesa. II - Consequentemente, devem os Tribunais recusar a aplicação desta norma – art.º 204º da CRP.
III - Nas situações em que o autor ou o réu, na petição inicial, na contestação, ou na réplica arrolam testemunhas, mas não inserem no respetivo formulário eletrónico, a informação respeitante à prova testemunhal, não ocorre contradição entre o articulado e o formulário, mas antes omissão do preenchimento de um dos campos deste último.
IV - Nas circunstâncias descritas em III- não tem aplicação a cominação prevista no art.º 144º, nº 10, al. b) parte final do CPC e no art.º 7º, nº 2 da Portaria nº 280/2013, antes se devendo simplesmente considerar regularmente apresentado o rol de testemunhas, por ser evidente a vontade da parte em indicar prova testemunhal, aliás em conformidade com o disposto nos art.ºs 552º, nº 6 e 572º, al. d) do CPC”[10].
E, efetivamente, nas situações em que as partes nos articulados normais da causa (petição inicial e contestação) arrolando testemunhas não inserem, contudo, no respetivo formulário eletrónico a informação respeitante à prova testemunhal oferecida, não ocorre contradição entre o articulado e o formulário, mas uma omissão de preenchimento de um dos campos deste, bem sendo conhecida a vontade da parte que, simplesmente, é de considerar.
Assim, nas referidas circunstâncias do caso, não tem aplicação a cominação prevista na al. b), do nº10, do art.º 144º, do CPC, e no nº2, do art.º 7º, da Portaria nº 280/2013, antes se devendo considerar apresentado o rol de testemunhas, por ser evidente a vontade da parte em indicar prova testemunhal, em conformidade com o disposto nos art.ºs 552º, nº 6 e 572º, al. d) do CPC, podendo, nesse caso, o tribunal, diretamente ou a iniciativa da parte, suprir a falta de preenchimento do formulário, nos termos do nº2, do art. 146º, do CPC.
Outra interpretação e aplicação dos preceitos legais, da Portaria e do Código de Processo Civil, mostrar-se-ia violadora da lei constitucional e da lei ordinária, por se revelar desadequada e desproporcional e a contender com as exigências de um processo equitativo, levando a injustas decisões de forma em prejuízo das, desejadas, de mérito.
Deste modo, a falta de preenchimento do formulário, tendo em conta o conteúdo do ficheiro anexo, não pode deixar de se considerar validamente suprida, nos termos do nº2, do art. 146º[11], a requerimento da parte que, ao notar a omissão, se apresenta a requerer, o que de outro modo iria contra as regras da interpretação da vontade da parte manifestada no articulado, seria desproporcional, contenderia com as exigências de um processo equitativo e levaria a injustas decisões de prevalência da forma sobre o mérito, que o legislador pretendeu afastar, sendo o processo um mero instrumento para alcançar a justiça do caso concreto.
Assim, configura a lei, mesmo fora da intervenção oficiosa do tribunal, como admissível, o suprimento de deficiências formais de atos das partes a requerimento da própria parte nele interessada. Porém, “para os efeitos do art. 146º, nº2, exige-se que a falta não radique em dolo ou culpa grave da parte, sob pena de o sistema caucionar condutas desconformes com o dever de boa-fé processual, mais se exigindo que o suprimento ou a correção não cause prejuízo relevante para o regular andamento da causa, o que supõe uma análise casuística da situação”[12].
Nas circunstâncias do caso, de mera omissão no formulário das testemunhas arroladas na contestação, não se configura situação de dolo ou culpa grave nem a retificação causa relevante prejuízo para o regular andamento da causa, certo sendo que, apesar da falta de resposta da Ré à notificação que lhe foi efetuada, a mesma se apresentou no ficheiro anexo a arrolar testemunhas. Revelar-se-ia desproporcional e a colocar em crise o objetivo de proporcionar às partes um processo equitativo a solução, radical (como o próprio Tribunal a quo manifestou) de desconsideração do rol apresentado nos autos, bem sendo conhecida a vontade da parte de ser essa a prova testemunhal a apresentar.
Assim, o consagrado, de novo, pelo CPC de 2013, no artigo 146º, como em outros (v. nº2, do art. 6º e nº3, do art. 193º) veio obstar a que aspetos meramente formais possam condicionar a apreciação da substância e a justa composição do litígio, admitindo o nº2, do art. 146º, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões de atos praticados a requerimento da parte interessada, tendo o vício/omissão natureza meramente formal, como é o caso, mesmo em situação de culpa da parte (bastando que esta se não revele grave).
E não sendo as faltas da Ré reveladoras de culpa grave, menos ainda de dolo, é de admitir a correção da omissão, meramente formal, a requerimento da parte, por forma a conformar o formulário com o anexo.
Destarte, apesar de não ter satisfeito o, oficiosamente, determinado, tendo o rol de testemunhas da Ré sido, tempestivamente, apresentado (com a contestação) e apresentando-se a Ré a requerer o suprimento da omissão de um aspeto meramente formal, em mera repetição do já, por si, manifestado no articulado da causa, não pode deixar de ser atendido o suprimento do omitido.

Procedem, por conseguinte, as conclusões da apelação sendo, por isso, de revogar a decisão recorrida e de considerar suprida a omissão de preenchimento do formulário em conformidade com o rol de testemunhas que a Ré havia apresentado no anexo.

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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida, admitindo o suprimento da omissão de preenchimento do formulário em conformidade com o rol de testemunhas que a Ré havia apresentado, o qual tem de ser considerado e atendido nos autos.
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Custas pela apelada, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.



Porto, 7 de outubro de 2024

Assinado eletronicamente pelos Senhores Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
José Nuno Duarte
Fátima Andrade


_______________________________
[1] Inserindo aí, em nota de rodapé o seguinte: “Sem ignorar, de igual modo, que o douto Ac. do TRL de 23-09-2021 consignou que “A norma constante do art. 7/4 da Portaria 280/2013 de 26/8 (indicação das testemunhas no formulário), revela-se excessiva e desproporcional, porquanto prejudica o direito de acção por parte do autor, uma vez que este, na p.i., elencou o rol de testemunhas”.
[2]https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/793a79a683445294802587dd0051c0 a8?OpenDocument
[3] Cfr. na doutrina, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, Almedina, pág. 301 e, na jurisprudência, designadamente, Acórdãos, aí citados, da RC de 28/10/80, CJ t. IV, p. 41 e RL 6/7/95, CJ t. IV, p. 73), acolá citados.
[4] Ibidem, pág. 301.
[5] Ibidem, pág. 301 e v. Ac. RL de 28/3/17, 54020/15, aí citado.
[6] V. Ac. de 24/9/2020, proc. 1167/19.0T8VRL-A.G1, acessível in dgsi.pt.
[7] Cfr. Ac. RL de 17/10/2023, proc. 13584/21.0T8SNT-A.L1-1, acessível in dgsi.pt
[8] Com a epigrafe “Suprimento de deficiências formais de atos das partes”, consagra o atual art. 146º, do CPC:
 “1 - É admissível a retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada.
2 - Deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa”.
[9] António dos Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, idem, pág. 183, e Ac. RL 6-12-17, 16694/16, RL 27-1-16, 390/15 e RP 24-2-15, 1967/14 e RL 27-1-16, 390/15, aí citados.
[10] Ac. RL de 23/4/2024, proc. 21761/22.0T8LSB-A.L1-7, acessível in dgsi.pt
[11] António dos Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, idem, pág. 187.
[12] Ibidem, pág. 187.