BANCO
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVERES DE INFORMAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
CULPA GRAVE
PRESCRIÇÃO
Sumário

(da exclusiva responsabilidade da Relatora)
I. Os deveres pré-contratuais de informação previstos no art.º 312º do CVM (na redação vigente à data dos factos, a anterior à introduzida pelo DL357-A/2007), que se destinam a permitir ao investidor uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, não podem deixar de abranger a informação sobre os riscos especiais das próprias operações que irão ocorrer no âmbito do negócio de intermediação financeira. Só assim a decisão do investidor será esclarecida e fundamentada.
II. O art.º 323º al. a) do CVM (na redação vigente à data dos factos, a anterior à introduzida pelo DL357-A/2007)  vincula o intermediário financeiro a informar o investidor sobre a execução e os resultados das operações que efectue por conta dele, ou sobre dificuldades ou inviabilidade de execução da operação, ou outros factos que possam justificar a modificação ou a revogação das ordens ou instruções dadas pelo cliente, sendo, estes sim, deveres inerentes ao negócio de execução, ou seja, à própria concretização das operações visadas na intermediação financeira. Os deveres de informação relativos às características e riscos especiais da operação situam-se a montante, estando, pois, englobados nos previstos nos arts. 7º e 312º do CVM (na redação vigente à data dos factos, a anterior à introduzida pelo DL357-A/2007).
III. De acordo com o disposto no nº 2 do art.º 312º do CMV na redação então em vigor, a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
IV. É grave a culpa do Banco que não dá as informações devidas a um investidor com 84 anos e com a 4ª classe, e até dá uma informação errónea ao transmitir que o produto seria algo semelhante a um depósito a prazo no que toca à possibilidade de levantamento/resgate e no que concerne à segurança do capital depositado.

Texto Integral

Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO:
A, identificada nos autos, intentou a presente ação declarativa sob a forma comum contra “BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A.”, pedindo que condene a ré ao pagamento à A. do valor de 150.000€, acrescido de juros vencidos desde o dia 8 de Maio de 2015 até á data de 9/05/2016 e desde esta data até à data do efetivo pagamento, à taxa supletiva legal dos juros civis em vigor, condenando ainda a ré a pagar o valor de 7.500€ a título de danos morais.
Em abono das sua pretensão alega, em síntese, que quer a própria quer sua mãe eram cliente do Banco réu, confiando ambas na atuação da gerente do balcão, sendo que a A. adquiriu por força da cedência de sua mãe obrigações de caixa SLN 2006, no valor de 150.000€, desconhecendo quer a própria, quer a sua mãe, que se tratavam de produtos de risco, com prazo de resgaste de dez anos, pois a conta do Banco BPN reportava-se às suas poupanças, e sempre a mãe da A. entendeu que tinha apenas um depósito a prazo, o que sempre lhe foi transmitido pela sua mãe. Só após o falecimento de sua mãe é que teve conhecimento a verdadeira natureza da aplicação, o que nunca foi comunicado pois a sua mãe já tinha 80 anos à data e nunca investiria num produto resgatável no prazo de dez anos. Desde 2010 que a A. tentou obter o pagamento do valor junto da ré, pedindo inclusive a anulação de tal aplicação, sem que tenha obtido qualquer resposta, mas sem que o banco alguma vez tenha facultado à Autora o documento de subscrição. Mais alega que toda a situação criou na Autora enorme ansiedade e angústia, o que lhe rouba o seu direito ao descanso, pedindo a título de danos morais o valor de 7.500€.
A ré contestou arguindo a prescrição, pelo decurso do prazo de dois anos a contar do conhecimento da conclusão da operação. No mais, impugna o alegado, dizendo que bem sabia a subscritora que não estava em causa um contrato de depósito ou um qualquer produto equivalente, mas si divida da sociedade mãe a SLN, tanto que recebia extractos mensais onde tal produto aparecia de forma diferenciada como obrigações, pelo que foi devidamente informada. Além disso, foi informada das características do produto em causa, recebendo o respectivo rendimento e em 2017 é que intentou a presente acção.
Conclui pela improcedência da acção.
A A. respondeu mantendo o alegado em sede de petição inicial, pugnando pela improcedência da prescrição.
Em sede de saneamento foi relegado para conhecimento final a excepção de prescrição, e por fim, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, decido julgar parcialmente procedente a acção e, consequentemente:
a) Decido condenar o banco réu a pagar à A. o valor de 150.000€, acrescido de juros moratórios vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, à taxa legal, absolvendo o réu do demais peticionado;
b) Decido declarar improcedente a excepção de prescrição invocada pelo banco réu.
Custas pela A. e réu, na proporção do decaimento.
Notifique e registe.”
*
Inconformado, o réu deduziu recurso de apelação, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
“1.
Por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode de modo algum concordar, sendo que a presente decisão veio surpreender sobremaneira o aqui recorrente, pois que, considerando o Tribunal Recorrido a presente ação parcialmente procedente, não julgou corretamente.
2.
Com tal decisão, a Mma. Juiz a quo violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM; 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE; 220º, 232º e 236º, 483º e ss., 595º e 615º do C.C; 615.º, n.º 1, al. e) do CPC.
3.
Certo é que o Banco R., tal qual estava obrigado, prestou à decessa informações completas, verdadeiras, atuais, claras, objetivas e lícitas (nos termos e para os efeitos do art.7º do Código de Valores Mobiliários), quanto às obrigações subscritas, dando cumprimento não só à lei, mas também a uma política de transparência e de confiança pela qual sempre se pautou.
4.
O Apelante entende, assim, que o facto dado como provado no número “26” não deveria constar do corpo da Sentença nos termos ali propostos, em face da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Nestes termos, é o Banco Apelante de pugnar pela alteração de tal número, de acordo com a redação adiante proposta. Por outro lado, entende ainda o Apelante que os factos dados como provados nos n.ºs 25 e 27, deveriam, diversamente, ter sido considerados como não provados!
5.
A falta de exactidão de quem terá vendido o produto à mãe da A. e, por maioria de razão, quais foram as informações que esse funcionário, colocador do produto, lhe transmitiu, torna impossível (!) enquadrar a conduta do banco (enquanto comitente) na sua veste de intermediário financeiro. Ou seja, não se nos antolha possível determinar a existência e respetiva extensão da licitude da conduta do banco (através dos seus funcionários) na colocação do produto Obrigações SLN 2006.
6.
Sendo a (i)licitude um dos requisitos da responsabilidade de quem invoca o direito, in casu, a A., a falta de cumprimento desse ónus levaria necessariamente, caso fosse acertada a decisão recorrida, à improcedência da presente ação.
7.
O Banco nem sequer atua como intermediário financeiro nesta cessão de posição, não podendo a sua putativa conduta ser analisada deste prisma, tendo a pretensão da A. de claudicar!
8.
De forma genérica, a testemunha VJ referiu que o produto Obrigações seria colocado nos clientes como sendo um produto idêntico a um depósito a prazo, com capital garantido e com ótima rentabilidade. Informação esta que foi secundada pela própria A. e pela testemunha JE.
9.
Referiu, por fim, a testemunha VJ, que seria possível vender a Obrigação antes de decorridos os 10 anos.
10.
De tudo o que vem dito, cremos não existirem dúvidas que os factos n.º 25 e 27 deveriam ter sido considerados como não provados! Podemos afirmar, ainda, com meridiana clareza que o facto dado como provados: “26” deveria ter a seguinte redação: “26. Foi essa a informação que foi dada pela falecida mãe à Autora, dizendo-lhe que tinha procedido à transferência do dinheiro para a sua conta, nunca lhe falando em Obrigações Subordinadas da SLN ou em prazos de resgaste de 10 anos;”.
11.
Os contratos de intermediação financeira implicam relações jurídicas que se estabelecem em níveis diferentes. O negócio de cobertura é o concreto contrato de intermediação financeira celebrado entre o intermediário e o cliente e que tem por objeto imediato conceder ao intermediário os poderes necessários para celebrar o negócio de execução. O negócio de execução, por seu turno, é o contrato celebrado entre o intermediário e o terceiro, no interesse e por conta do cliente (ou também o negócio celebrado diretamente entre o terceiro e o cliente, com a intermediação do intermediário financeiro), e tem a maioria das vezes por objeto a aquisição, alienação ou qualquer outro negócio sobre valores mobiliários.
12.
Claro está, que o dever de informação relativo ao negócio de cobertura deve ser prestado em momento anterior ao contrato de intermediação e o dever de informação relativo ao negócio de execução será cumprido já na vigência daquele, tal como sucederá, aliás, com os deveres de informação relativos aos instrumentos financeiros escolhidos! Os deveres de informação a prestar pelo intermediário financeiro, previstos no art.º 312º nº 1 do CdVM, são os deveres de informação relativos ao próprio contrato de intermediação financeira, v.g., ao negócio de cobertura!
13.
Já os art.º 323º, 323º-A, 323º-B e 323º-C do CdVM tratam dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução, levados a cabo ao abrigo dos negócios de cobertura, como aliás decorre das epígrafes dos artigos.
14.
Daí que não se possa retirar qualquer consequência jurídica da afirmação do incumprimento dos deveres previstos no art.º 312º do CdVM, tendo antes que se buscar na densificação desses preceitos o conteúdo do dever de informação aí genericamente afirmado.
15.
O RISCO que a sentença associa maioritariamente a um fenómeno de incumprimento da obrigação assumida (neste caso incumprimento do reembolso da obrigação) ou até à insolvência do emitente, NÃO É NEM PODE SER CONSIDERADO UM RISCO ESPECIAL! O risco de incumprimento ou risco de insolvência de um devedor são RISCOS GERAIS de qualquer obrigação, precisamente porque são características nucleares de toda e qualquer obrigação.
16.
Versando como versa aquele art.º 312º do CdVM sobre os deveres de informação a cumprir quanto ao contrato de cobertura, a menção aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar, refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira (no caso a execução de ordens) enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.
17.
Parece-nos assim por demais evidente que a disposição do art.º 312º nº 1 alínea e) relativa aos “riscos especiais nas operações a realizar” em nada se relaciona com a matéria em crise nos presentes autos pois o que é invocado na P.I. é a prestação de uma informação falsa quanto ao instrumento financeiro em si e esta disposição, como vimos, diz respeito à prestação de informação acerca do negócio de intermediação ou de cobertura.
18.
Entendemos que nada ficou por dizer ou explicar quanto à natureza dos instrumentos financeiros. Da remissão feita para o art.º 312º-E nº 1 resulta que o legislador manda também o intermediário financeiro informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!
19.
O investimento efetuado foi feito em obrigações da SLN que é um instrumento do mercado monetário (art.º 1 alínea b) do CdVM). Não é um investimento sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!
20.
A informação acerca do risco da perda do investimento tem de ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ se tais riscos de facto existirem! E não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título! É que a este respeito, impõem-se clarificar, que em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na atividade de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens.
21.
O risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação! A ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra (subjacente naturalmente ao cumprimento da opção potestativa de venda) é um RISCO GERAL de qualquer obrigação!
22.
As Obrigações eram então, como é ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu. Assim, dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro como a subscrição daquela Obrigação. Pelo que o mesmo era então adequado a alguém como os Recorridos. Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN2006, porque pertencendo todas as empresas ao mesmo Grupo, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco. O investimento efetuado era assim um investimento seguro e não um investimento em qualquer “produto de risco”.
23.
O dever de informação neste contrato será um dever secundário, genérico ou acessório da prestação principal, por estar umbilicalmente ligado àquela (não resistindo autonomamente sem ela) e podendo até condicioná-la.
24.
Ou seja, e em conclusão, A VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO NÃO IMPLICA QUALQUER PRESUNÇÃO DE ILICITUDE! E, portanto, tinha de ser a A. a alegar e provar que concretas informações é que o Banco Réu deveria ter dado, que não deu! Não o tendo feito, tem a presente ação necessariamente que claudicar!
25.
Desde logo, como fomos referindo já, a A. não foi a subscritora inicial das Obrigações SLN 2006, mas antes a sua mãe. O banco, neste contexto, apenas agiu no sentido de cumprir com as ordens de transmissão daqueles títulos de um titular, para o outro! Não houve qualquer informação a prestar pelo banco, como também não houve, tanto quanto o Banco R. sabe, e a Recorrida não o alega, qualquer dispêndio de dinheiro no sentido dessa transmissão.
26.
Não está alegado, e muito menos provado, que se tenha tornado impossível receber (total ou parcialmente) o montante investido pela A. nas Obrigações. Daí resulta, portanto, que a condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelos Autores é manifestamente excessiva e não cumpre com o critério teoria da diferença prevista no art.º 566º nº 2 do CC.
27.
Não há qualquer matéria provada que permita a conclusão de que o comportamento R. foi decisivo e causal na produção dos danos, pois que foi com base na informação que foi transmitida à mãe da A., que deu o seu acordo na aquisição da Obrigação SLN2006 – numa primeira e segunda fase, respetivamente. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. Num segundo momento é necessário provar que aquele negócio produziu um dano. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objetiva ao tempo da lesão.
28.
Não podendo, por fim, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa olvidar que a falta de reembolso ocorreu por efeito da insolvência da emitente e não por causa de qualquer deficiente informação ou atuação do intermediário financeiro.
29.
A decessa e a A. foram recebendo, periodicamente, as quantias relativas aos cupões, que sempre lhe foram pagos até à insolvência da emitente e recebia mensalmente os extratos bancários com indicação expressa de carteira de obrigações e nada reclamou durante o referido período. Não se verificando, assim, o nexo de causalidade adequada entre a atuação do Recorrente enquanto intermediário financeiro e, o não reembolso, na maturidade, do capital investido.
30.
Assim, ou a A. alegava e provava que se tivesse sido cumprido o dever de informação, não teria realizado o investimento, ou então, tem que arcar com as normais consequências de um investimento que se tornou ruinoso, pois não há forma de corrigir a titularidade do risco, pela responsabilidade — the risk lies where it falls!
31.
Ainda que se censure a conduta do Banco Réu (o que não se concede), essa censura NUNCA poderá ser reconduzível a um dolo ou a uma culpa grave. De facto, lida e relida a matéria de facto, a sensação que fica é que nenhum dos funcionários envolvidos do Banco Réu sequer concebeu a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que este não quereria se estivesse devidamente informado.
32.
A ideia que perpassa é que os funcionários do Banco Réu estavam absolutamente convencidos da segurança do investimento e da adequação do mesmo ao perfil da mãe da A. Terá havido, portanto (e quando muito) uma indução da mesma em erro, sem que por parte dos funcionários do Banco Réu houvesse intenção ou consciência de o fazer – trata-se, portanto, de uma indução negligente em erro.
33.
Tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência - a negligência inconsciente. Esta graduação da culpa do intermediário financeiro tem particular interesse, sobretudo em sede da prescrição, pois o art.º 324º do CdVM.
34.
Parece-nos evidente e manifesto que a A. conheceu os termos em que o negócio foi concluído, designadamente a inexistência de garantia de capital e juros e a subordinação da obrigação aquando da receção dos extratos bancários no seu domicílio, ou pelo menos em novembro de 2008, data da nacionalização do Recorrente! Não obstante, a ação apenas foi proposta em fevereiro de 2017! E, portanto, já se encontrava prescrita qualquer putativa responsabilidade do Banco Réu!
35.
Não havendo declaração negocial, bem ou mal emitida, não pode haver obrigação jurídica – seja ela qualquer for - de fonte contratual, pelo que não pode, em qualquer circunstância, entender-se que o Banco assumiu uma obrigação de reembolso ou que a afiançou!
36.
Não estaria certamente na mente do Banco Recorrente prescindir do direito de ficar sub-rogado nos direitos do credor, por qualquer pagamento que porventura fizesse em prol do emitente das Obrigações, se tivesse assumido a dívida deste.
37.
Em lado algum invocam a A. a existência de uma garantia e exige o cumprimento da mesma! Logo uma tal condenação sempre seria nula por violação do disposto no art.º 615º nº 1 alínea e) do CPC.
TERMOS EM QUE DEVE DAR-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A SENTENÇA, E CONSEQUENTEMENTE, SUBSTITUIR-SE POR OUTRA QUE JULGUE TOTALMENTE IMPROCEDENTE A AÇÃO PROPOSTA PELA A./RECORRIDA.”
*
A autora apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
“1) A matéria dada como provada no ponto 26 da douta fundamentação de facto deverá ser mantida na íntegra;
2) Para dar como provada esta matéria o Tribunal a quo considerou relevantes os depoimentos das testemunhas JE, VJ, as declarações de parte da Autora, o teor das cartas da A. ao Banco réu, desde 2010, e demais documentos juntos ao processo, bem como as regras da experiência, explicando e fundamentando no seu exame crítico da prova porque é que decidiu como decidiu;
3) O facto de não se ter conseguido alcançar em sede de audiência de julgamento qual foi o/a funcionário/a que vendeu as Obrigações à Mãe da A. não é impeditivo da responsabilização do banco nem o exime do cumprimento do seu dever de informação, nem tão pouco é impeditivo de se poder concluir pelo incumprimento do dever de informação do banco enquanto intermediário financeiro, sendo certo que nos termos do art.º 314º do CdVM a culpa do intermediário financeiro se presume, pelo que sempre o banco réu tinha todo o interesse em ilidir tal presunção;
4) O banco não produziu esforço algum para demonstrar que cumpriu com o seu dever de informar, não dispondo sequer de documento que comprove a subscrição das Obrigações pela mãe da A., sendo do conhecimento comum que é nesse documento/boletim de subscrição que constam as caraterísticas do produto e que consta a ordem de aquisição do mesmo, com a assinatura da cliente bem como a identificação do funcionário/a que procedeu à venda;
5) A inexistência de qualquer documento escrito/Boletim de Subscrição assinado pela Mãe da A. e pelo/a funcionário/a que vendeu o produto financeiro constitui uma falha do banco nos seus procedimentos internos, conforme foi admitido pelas testemunhas VJ, gerente do BPN, e PR, gerente e auditor do banco BPN, estando o banco obrigado por lei a manter arquivos dos documentos, sendo abusivo que o apelante pretenda com base em tal falha sua descartar-se do ónus de demonstrar que cumpriu com o seu dever de informar;
6) O Tribunal a quo mesmo sem se ter apurado qual funcionário/a que terá vendido as Obrigações à Mãe da A. chegou à conclusão da verificação da violação do dever de informação por outras vias probatórias, conforme se alcança da motivação da douta decisão de facto, sem que o apelante demonstre a existência de qualquer vício na formação da convicção do Tribunal que a inquine;
7) O banco apelante sempre assumiu neste processo que era relativamente à Mãe da A. que teria de ser aferido o cumprimento do dever de informação, na sua qualidade de adquirente originária das Obrigações (cfr. nºs 29 a 47 da contestação), em momento algum tendo alegado que estava desobrigado desse dever atenta a “Comunicação de Cliente” na transmissão das Obrigações para a A.;
8) A A. viu ser-lhe transmitida por sua já falecida Mãe três Obrigações Subordinadas SLN 2006 que vieram integrar o seu património apenas porque antes da sobredita “Comunicação de Cliente” o BPN logrou vender este produto financeiro à Mãe da A. sem lhe explicar o que era, convencendo-a até que era “algo semelhante a um depósito a prazo” (cfr. nº 25 dos factos provados), informação esta que a subscritora originária transmitiu à filha (cfr. nº 26 dos factos provados) aqui A. que assim estava igualmente convencida que sua Mãe lhe tinha transmitido “algo semelhante a um depósito a prazo”, pelo que a “Comunicação de Cliente” não teve nem tem a virtualidade de branquear responsabilidade do banco na venda das Obrigações Subordinadas, sendo certo que mesmo que de um “endosso” se tratasse sempre o banco seria responsável pelo cumprimento do dever de informação junto da adquirente;
9) O banco apelante não só não evidencia nenhum erro de raciocínio na formação da convicção do Tribunal como com negligência grosseira menciona em abono da sua tese alegado depoimento testemunhal de MM., pessoa esta que é desconhecida nestes autos, nessa ou em qualquer outra qualidade;
10) Quanto aos restantes depoimentos convocados pelo apelante para tentar fundamentar que os pontos nºs 25 e 27 da douta fundamentação de facto deveriam ter sido considerados “não provados”, a saber os depoimentos das testemunhas VJ, JE, bem como as próprias declarações de parte da A., o apelante não indica nem concretiza nas suas alegações rigorosamente nada que possa levar o Tribunal ad quem a concluir de forma diversa da decidida pelo Tribunal a quo;
11) Na respetiva motivação da decisão de facto, o Tribunal a quo concretizou os meios de prova em que fundamentou os pontos de facto que considerou provados, analisando criticamente as provas e, especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, pelo que a fundamentação assim dada tem um grau de concretização suficiente para que os respetivos destinatários possam conhecer na íntegra o processo lógico da decisão do julgador, bem como os elementos probatórios a que ele se ateve para concretização de cada ponto de facto, não faltando, também, a enunciação das razões pelas quais determinou a conclusão de terem sido demonstrados;
12) Conforme tem vindo a ser decidido pelos nossos Tribunais superiores a censura à decisão dada pelo Tribunal de primeiro grau à matéria de facto terá de fundamentar-se na demonstração da existência de um vício que inquine irremediavelmente o raciocínio do Tribunal na formação da respetiva convicção, e que comprometa de forma inequívoca esse raciocínio assim determinando a necessidade de alteração da decisão de facto, não podendo apenas tratar-se de um mero substituir da convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão, não tendo o apelante demonstrado qualquer vício na formação da convicção do Tribunal;
13) Resulta da matéria de facto provada (cfr. nºs 23 a 28) que à Mãe da A., que tinha como habilitações literárias a 4ª classe, foi vendido pelo BPN um produto financeiro quando esta tinha já 84 anos de idade que lhe absorveu todas as suas economias e do seu falecido marido granjeadas ao longo de uma vida, no valor de 150.000,00€, estando a Mãe da A. convicta que tinha o seu dinheiro aplicado em algo semelhante a um depósito a prazo no que toca à possibilidade de levantamento/resgate e no que concerne à segurança do capital depositado, mas com melhor rentabilidade, desconhecendo que não podia resgatar ou dispor livremente do seu dinheiro por um prazo de 10 anos e desconhecendo que, afinal, o seu dinheiro tinha sido aplicado pelo banco em Obrigações Subordinadas;
14) Por isso, alegar que ao banco não pode era assacada qualquer violação do seu dever de informação com base numa pretensa dissociação entre “negócio de cobertura e negócio de execução” e que “os deveres de informação a prestar pelo intermediário financeiro previstos no art.º 312º nº 1 do CdVM, são os deveres de informação relativos ao negócio de cobertura” constitui um autêntico atentado ao mínimo exigível de pudor jurídico que qualquer entidade deveria ter em juízo;
15) O banco BPN tinha à data dos factos como clientes a Mãe da A. e esta, na sua qualidade de titulares de contas neste banco, sendo-lhe nessa medida aplicáveis logo à cabeça as normas do C.C. respeitantes à responsabilidade pré contratual e contratual, como ainda as normas do RGICSF aprovado pelo DL 298/92 de 31 de dezembro que preveem os deveres especiais do banco na relação com os seus clientes, desde logo previstos nos seus artigos 73º a 77º, pelo que mesmo que por absurdo se defenda que o quadro normativo previsto no CdVM quanto ao dever de informação não é aplicável ao caso sub judice no que respeita ao chamado “negócio de execução” sempre seriam suficientes as regras da responsabilidade pré contratual e contratual previstas no Código Civil, bem como o RGICSF aprovado pelo DL 298/92 de 31 de dezembro para responsabilizar o banco;
16) Nada na lei - nomeadamente no CdVM – prevê qualquer distinção entre negócio de cobertura e negócio de execução para o efeito de limitar o cumprimento do dever de informação dos intermediários financeiros ao negócio de cobertura – o que, na prática, anularia o desiderato que o legislador pretendeu quanto à defesa do investidor, em especial dos não qualificados – e, onde o legislador não distingue não cabe ao intérprete distinguir pelo que o dever de informação se aplica ao negócio de execução;
17) Alegar – como aqui faz o banco apelante – que não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade por incumprimento do dever de informação porque o incumprimento do reembolso das Obrigações não pode ser considerado um risco especial nos termos e para os efeitos do art.º 312º nº 1 alínea e) do CdVM é fazer completa tábua rasa da matéria de facto provada nesta ação;
18) À adquirente das Obrigações, Mãe da aqui A., nem foi sequer explicado o que eram Obrigações Subordinadas, pelo que é surreal argumentar face à factualidade provada nesta ação que “o incumprimento do reembolso das Obrigações não pode ser considerado um risco especial nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 312º nº 1 alínea e) do CdVM”; se a Mãe da A. não sabia sequer que lhe tinham sido vendidas Obrigações é óbvio que não poderia avaliar o risco destas;
19) O apelante refere e defende agora, em sede de recurso, que a expressão “capital garantido” mais não é que uma mera “referência à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade”, algo que nunca alegou em sede e momento processual próprios, e que consequentemente nunca foi objeto de contraditório e de apreciação judicial prévia a este recurso;
20) O banco apelante parte do equivocado princípio que a Mãe da A. teve consciência que adquiriu Obrigações Subordinadas, e dessa falsa premissa alavanca toda uma construção que nada tem que ver com este processo, seja quanto ao risco do produto seja quanto à questão do chamado “capital garantido”, que analisa relativamente a Obrigações Subordinadas;
21) Todavia, parece ser um exercício inútil e desprovido de qualquer sentido aquilatar se à Mãe da A. foi assegurado que as Obrigações Subordinadas tinham “capital garantido” quando a Senhora D. V… não sabia que tinha comprado “Obrigações”, pelo que estando convencida que tinha algo semelhante a um depósito a prazo como é lógico não tinha qualquer preocupação quanto ao “capital garantido” de Obrigações Subordinadas que ignorava ter subscrito;
22) O “capital garantido”, para a Srª D. V… respeitava a algo semelhante a um depósito a prazo e nunca às “Obrigações Subordinadas” e, portanto, sempre da responsabilidade do banco BPN (e não da SLN, entidade cuja existência desconhecia) como se verifica com qualquer depósito a prazo;
23) O banco não alegou nem na sua contestação nem em qualquer articulado superveniente qualquer matéria de facto respeitante à só agora aventada possibilidade de a aqui A. poder eventualmente vir a ser ressarcida em sede de processo de insolvência da Galilei do montante do capital investido nas Obrigações Subordinadas, pelo que esta matéria de facto é nova, jamais tendo sido submetida a qualquer contraditório ou a qualquer prévia análise judicial, sendo certo que os recursos não servem para sindicar matéria de facto que não foi submetida às instâncias, in casu ao Tribunal de primeiro grau, tratando-se, portanto, de matéria subtraída ao objeto de conhecimento deste recurso;
24) O Tribunal considerou provado que “a mãe da A., atenta a sua idade, jamais aplicaria o seu dinheiro se soubesse que não o poderia movimentar, resgatar ou dispor livremente dele por um prazo de 10 anos, nem de tal foi informada, nem sequer que a entidade emissora desta aplicação financeira era a Sociedade Lusa de Negócios, ou sequer que no caso de insolvência da entidade emissora, apenas se pode verificar reembolso do capital após os demais credores por dívida não subordinada, ou seja após a integral satisfação dos direitos dos credores principais” (cfr. ponto 27 dos factos provados), pelo que está provada a existência de nexo causal entre o facto ilícito e o dano;
25) Inexiste matéria de facto provada onde conste a data da alegada receção dos alegados extratos no domicílio e não pode deixar de se contestar que o banco assuma como se provado estivesse que a sua cliente “conheceu os termos em que o negócio foi concluído” através do alegado envio/receção de tais alegados extratos, sendo certo que o ónus da prova da exceção da prescrição cabe ao banco réu;
26) Em caso de dolo ou culpa grave, é aplicável o prazo de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil sendo certo que a matéria dada como provada nos pontos 25, 26 e 27 da douta fundamentação de facto consubstancia a verificação de culpa grave na atuação do banco enquanto intermediário financeiro junto da sua cliente, tendo tal prazo sido interrompido com a citação do banco para a presente ação pelo que está longe de poder ser considerado como decorrido;
27) O banco violou o seu dever de informação não só enquanto depositário do dinheiro da sua cliente como também na qualidade de intermediário financeiro, prestando-lhe informação errada que foi determinante para verificação da perda do capital que representava as economias de uma vida;
28) E não se preocupou minimamente em verificar se a aquisição daquelas Obrigações era um investimento adequado ao perfil da cliente, sendo por demais evidente que não o era desde logo atenta a avançada idade da Srª D. V… e o facto de, pelas caraterísticas do produto, passar a não poder dispor do dinheiro num prazo de 10 anos após a “subscrição”; 29) O banco violou, assim, para além dos supra enunciados deveres constantes do RGICSF, os concretos deveres que sobre si impendem enquanto intermediário financeiro, nomeadamente os constantes dos artigos 7º nº 1, 304º nºs 1, 2 e 3, 309º nº 3, 310º nº 1, 312º, 313º e 323º assim incorrendo em responsabilidade civil do intermediário financeiro, prevista no art.º 314º, todos do CdVM na versão dada pelo DL nº 486/99, de 13/11, à data aplicável.
Termos em que deverá a douta sentença ser mantida na íntegra.
Assim se fará Justiça!”
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O Tribunal a quo proferiu a 14.05.2024 o seguinte despacho:
“Porque tempestivo e interposto por quem tem legitimidade admite-se o recurso que é de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
 Exmos. Srs. Juízes Desembargadores
Tribunal da Relação de Lisboa,
 Na sentença recorrida não se verifica o apontado vício de violação do preceituado na alínea e) do nº 1 do art.º 615º do CPC, pois na decisão respeitou-se o princípio do pedido não se condenando em quantidade superior ou objecto diverso do peticionado pelas partes.
Notifique e, oportunamente, remeta os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.”
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Objeto do recurso:
Atento o conteúdo das alegações de recurso as questões a apreciar são as seguintes:
- Nulidade da sentença nos termos previstos no art.º 615 nº 1 al e) do CPC.
- Impugnação da matéria de facto;
- Aferição dos pressupostos e extensão da obrigação de indemnizar;
 - Prescrição do direito da autora;
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III – Fundamentação de Facto:
O tribunal a quo considerou provada a seguinte factualidade:
“A) Factos Provados:
A.1. Por acordo:
1. A A. foi cliente do extinto Banco BPN – Banco Português de Negócios S.A., com o número de cliente 38761406;
2. A mãe da A., V…, entretanto já falecida, era cliente do mesmo banco com conta na Agência …, com o nº 17047385, constando como tendo, em 08-05-2006, subscrito a aplicação financeira “Obrigações Subordinadas SLN 2006” no montante de 150.000,00€;
3. A mãe da A. em 20/11/2007, assinou um impresso fornecido pelo BPN designado de “comunicação de cliente” no qual pode ler-se o seguinte: “Pela presente solicitamos que: “Cedência das obrigações de caixa SLN 2006 para a conta DO nº 333729341001 em nome de A”;
4. A A. adquiriu por força desta cedência de sua mãe três Obrigações SLN 2006 no valor global de 150.000,00€ (50.000,00€ cada uma);
5. Após a morte da sua mãe a A., em 2010, pretendeu mobilizar o capital que detinha, aplicado nas sobreditas Obrigações, tendo para esse efeito contactado com a agência da …, do banco BPN;
6. Foi então informada de que não o poderia fazer uma vez que as Obrigações SLN 2006 só seriam reembolsáveis na data do seu vencimento, e que estas apenas venceriam em 2016;
7. Em 09 de Junho de 2010, a A. comunicou por carta que entregou pessoalmente no banco ora réu, na qual reitera, além do mais, o seguinte:“ (…) espanta-me que uma pessoa com mais de 80 anos, como era o caso, tenha, em consciência, concordado com a imobilização total de capital de algum vulto, por prazo tão dilatado(…) por não existir na documentação que herdei da minha Mãe qualquer elemento comprovativo da boa ordem da execução desta transacção, venho confirmar os pedidos já formulados a V. Exas em diversas ocasiões, no sentido de me serem facultadas cópias dos documentos que demonstrem inequivocamente o seguinte: - Terem sido dadas instruções ao vosso Banco pela minha falecida Mãe, V…, autorizando a implementação da operação em assunto, ciente de todo o envolvimento da mesma. - Que as entidades envolvidas, nomeadamente o vosso Banco, esclareceram prévia, devida e detalhadamente a minha Mãe, por via documental correctamente subscrita, sobre todas as implicações subjacentes à operação, nomeadamente as que se prendem com eventuais riscos e garantias.….Na eventualidade de não vos ser possível satisfazer este pedido é lícito considerar que a operação não foi devidamente constituída. Assim sendo, solicito a anulação imediata. …”.
8. A A. obteve resposta do Gabinete de Provedoria do Cliente do BPN, por carta datada de 28 de Julho de 2010, na qual no seu ponto 1 se esclarece além do mais que: “Em 08/05/2006, a Exma. Sra. D. V… subscreveu, junto da Agência da … do Banco Português de Negócios, a aplicação financeira Obrigações Subordinadas SLN 2006 no montante de 150.000,00€, conforme Aviso de Débito enviado na mesma data e que junto se anexa cópia;”, alegando ainda as características do produto, bem como a cedência efectuada à A., a 20/11/2007;
9. O mesmo gabinete a 3/09/2010, reiterou as mesmas informações;
10. A A., a 21/12/2010, remete carta ao BPN – Gabinete da provedoria do Cliente, na qual solicita, além do mais, a informação sobre se: “Existe ou não existe autorização do(s) titulare(s) da conta de Depósitos à Ordem para o débito de EUR 150.000,00 efectuado em 8 de maio de 2006? Se existe, queiram, por favor, exibi-la. Se não existe terei de concluir que o referido débito foi efectuado à revelia do(s) titulare(s) da conta e assim sendo, é irregular e tudo o que foi praticado e escriturado, posteriormente, resultante do mesmo, é nulo e de nenhum valor. Tão simples quanto isso. Face ao que precede, agradeço que V. Exas me comprovem a existência da autorização de débito. Isto porá um ponto final nesta matéria. Caso contrário, queiram proceder, urgentemente, ao estorno de todos os lançamentos realizados no âmbito deste assunto (débito e créditos)(…)”
11. Na falta de qualquer resposta à sua carta de 31.12.2010, quer por parte da própria agência do ex-BPN da …, quer do Gabinete de Provedoria do Cliente, às questões colocadas, nomeadamente na apresentação da documentação solicitada ou na apresentação de uma solução para o diferendo, a A. voltou a insistir – por carta – em 05/07/2011, em 01/02/2012 e 14/05/2012;
12. Em resposta recebeu a resposta da Direcção de Auditoria Interna do BPN, do seguinte teor: “Acusamos a recepção da carta remetida por V. Exª a 14/05/2012, a qual mereceu a nossa melhor atenção. Assim que possível, remeteremos resposta à reclamação formulada.”
13. A A. reiterou o seu pedido a 27/08/2012, tendo obtido resposta a 29/08/2012, na qual consta, além do mais, que: “1 – Não foi possível localizar nos nossos arquivos o Boletim de Subscrição das Obrigações SLN 2006, no valor de €150.000,00, adquiridas pela Sra. D. V…, junto da nossa agência de …, a 08/05/2006;” e ainda que:“2. A Cliente era conhecedora da subscrição do produto, e das suas condições de comercialização, tendo recebido o Aviso de Débito referente à subscrição, bem como os Avisos de Crédito relativos aos pagamentos semestrais de juros posteriores àquela operação, tendo a Sra. D. V…, inclusivamente, instruído, em Comunicação de Cliente datada de 20/11/2007, a cedência das obrigações para a conta nº 33372934.10.001, titulada por V.Exa;” 14. A esta carta, veio a A. a responder, a 11 de Dezembro de 2012, na qual afirma: “1. V.Exas reconhecem, finalmente, que não localizaram nos vossos arquivos qualquer autorização de minha Mãe, V…, para a realização do débito de EUR 150.000,00 efectuado em 8 de Maio de 2006. Consequentemente, não houve, por parte de minha Mãe, qualquer ordem de aquisição de obrigações, contrariamente ao que V. Exas afirmam. 2. Pelos mesmos motivos aduzidos no ponto anterior (carência de documento comprovativo) a vossa afirmação de que “A Cliente era conhecedora da subscrição do produto, e das suas condições de comercialização”, não tem fundamento, logo não é válida. Quanto ao facto de V.Exas terem emitido um aviso de débito e de, aparentemente, presumirem que ele chegou ao destinatário, não significa que o referido débito tenha sido autorizado. As regras de movimentação a débito de contas bancárias não contemplam a figura da concordância à posteriori com base no quem cala consente. Quanto aos avisos de crédito e à Comunicação de Cliente que V. Exas mencionam, é evidente que os mesmos não validam, de modo nenhum, o débito que foi efectuado na conta, em data anterior, sem autorização da titular. Aliás, a este respeito, recordo-vos a minha carta de 31 de Dezembro de 2010(…)”.
15. Esta carta veio a ter resposta em 21 de Janeiro de 2013, na qual se afirma apenas que: “Em resposta à reclamação apresentada por V. Exa., por carta datada de 11.dez.2012, a qual mereceu a nossa melhor atenção, informamos que nada temos a acrescentar às nossas cartas anteriores”;
16. A esta carta, veio a A. a responder, em 22 de Novembro de 2013, na qual afirma que: “(…) Efectivamente a vossa correspondência anterior apenas denota que os Senhores não sabem como contestar a evidência dos factos. Logo, por incapacidade, nada podem acrescentar. Aliás, nem eu quero que os Senhores acrescentem seja o que for. Quero é que me devolvam o dinheiro que me devem….”, acrescentando que “Aguardo os vossos avisos de lançamento…”.
17. Até Novembro de 2008, o “BPN - Banco Português de Negócios, SA” era uma instituição bancária autorizada pelo Banco de Portugal a exercer a sua actividade, funcionando como instituição de crédito e como intermediário financeiro em instrumentos financeiros.
18. Até Novembro de 2008, a totalidade do capital social do “BPN – Banco Português de Negócios, SA” era detida pela sociedade “BPN, SGPS, SA”, a qual, por sua vez, era detida, na íntegra, pela sociedade “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA”.
19. Encontram-se depositados na carteira de títulos da A. junto do “Banco BIC, SA”, uma obrigação “SLN 2006”, no valor de 150.000€;
20. As obrigações SLN 2006 foram emitidas pela SNL, SGPS,S.A.;
21. A “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SA”, actualmente denominada “Galilei, SGPS, SA” apresentou no Tribunal da Comarca de Lisboa, um processo especial revitalização, o qual corre termos pela 1ª Secção de Comércio – J4, com o número 22922/15.4T8LSB, tendo sido proferida sentença, declarando o encerrado o processo negocial, sem aprovação do Plano de Recuperação, o que determinou o encerramento do processo;
22. A “Galilei, SGPS, S.A.” foi declarada insolvente por sentença, de 29/06/2016, proferida pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, 1.ª Secção de Comércio-J4, no âmbito do processo número 23449/15.0T8LSB;

2.a) Da discussão da causa resultam provados os seguintes factos:
23. A mãe da Autora nasceu a 15/02/1922 e tinha como habilitações literárias a 4ª classe;
24. O montante que se destinou ás obrigações em causa correspondia ao valor das poupanças da A. e do seu falecido marido;
25. A mãe da Autora desconhecia que o valor que se encontrava em depósito junto do Banco réu tivesse sido aplicado obrigações, tendo sido informada que seria sim algo semelhante a um depósito a prazo no que toca à possibilidade de levantamento/resgate e no que concerne à segurança do capital depositado, mas com melhor rentabilidade;
26. Foi essa a informação que foi dada pela falecida mãe à Autora, dizendo-lhe que tinha procedido à transferência do dinheiro para a sua conta, nunca lhe falando em Obrigações Subordinadas da SLN ou em prazos de resgaste de 10 anos, e muito menos que tinha investido o produto de todas as suas poupanças num produto financeiro correspondente a obrigações subordinadas;
27. A mãe da A., atenta a sua idade, jamais aplicaria o seu dinheiro se soubesse que não o poderia movimentar, resgatar ou dispor livremente dele por um prazo de 10 anos, nem de tal foi informada, nem sequer que a entidade emissora desta aplicação financeira era a Sociedade Lusa de Negócios, ou sequer que no caso de insolvência da entidade emissora, apenas se pode verificar reembolso do capital após os demais credores por dívida não subordinada, ou seja após a integral satisfação dos direitos dos credores principais;
28. O produto financeiro em causa teve o seu vencimento (data de reembolso) em 09/05/2016, e, conforme veio a A. a apurar, não podia nem pode ser resgatado quando a cliente pretendesse, realidade esta que também a A. desconhecia.
*
E considerou não provada a seguinte factualidade:
“a) Que a A. confrontada com a ideia de perder todo o dinheiro passou e passa ainda noites a fio preocupada e sem dormir;
b) E que passou e passa ainda dias angustiados sem conseguir gerir com normalidade a sua vida diária.”
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IV- Fundamentação de Direito:
Da invocada nulidade da sentença nos termos previstos no art.º 615 nº 1 al e) do CPC:
Invoca o Banco Recorrente inexistir declaração negocial, e como tal inexistir obrigação jurídica de fonte contratual, pelo que não pode entender-se que o Banco assumiu uma obrigação de reembolso ou que a afiançou, sendo que em lado algum a A. invoca a existência de uma garantia e exige o cumprimento da mesma. Logo uma tal condenação sempre seria nula por violação do disposto no art.º 615º nº 1 alínea e) do CPC.
A recorrida discorda.
Dispõe o art.º 615 nº 1 al e) do CPC que é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Esta norma está conexa com o disposto no art.º 609 nº 1 do CPC, que prescreve que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
Está em causa o princípio do dispositivo que tem consagração legal expressa no art.º 3º nº 1 do CPC, onde se prevê que o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
Do art.º 581 nº 3 do CPC resulta que o pedido é o efeito jurídico que se pretende obter.
No caso dos autos, a autora requereu a condenação do banco reu a:
“a) Proceder ao reembolso/pagamento à A. do capital de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), acrescidos dos juros vencidos desde 08 Maio de 2015 até à data 09.05.2016, não pagos pelo banco, a liquidar, e, desde esta data até à data do efetivo e integral reembolso daquele capital, à taxa legal supletiva dos juros civis em vigor, condenando-se ainda o R. a pagar à A. a quantia de 7.500,00 € (sete mil e quinhentos euros) por danos morais por este sofridos, igualmente acrescidos de juros moratórios desde a citação até ao efetivo pagamento;
Subsidiariamente, caso assim não se entenda:
b) Deverá ser declarado nulo e de nenhum efeito o contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado os €150.000,00 que a A. entregou ao R., em obrigações subordinadas SLN 2006, por violação do dever de informação, com as legais consequências, a que acresce o pagamento de juros moratórios devidos sobre o capital desde a data da citação até ao efetivo e total pagamento.”
Fê-lo com base numa invocada violação pelo Banco Reu dos seus deveres decorrentes da atividade de intermediação financeira que exerceu junto da mãe da Autora, designadamente do dever de informação relativamente às Obrigações SLN 2006 vendidas à mãe da autora ao Balcão do BANCO PORTUGUÊS DE NEGÓCIOS - BPN - (ACTUAL BANC BIC S.A., R. na presente ação) – cf p.i., designadamente os seus arts 101 e ss.
Ora, na sentença considerou-se verificada a responsabilidade do Banco por violação dos seus deveres de intermediário financeiro e condenou-se a Ré no pagamento à autora “do valor de 150.000€, acrescido de juros moratórios vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, à taxa legal, absolvendo o réu do demais peticionado”.
Assim, o pagamento de €150.000,00 (e respetivos juros de mora desde a citação) que o Banco Reu foi condenado a fazer à Autora foi peticionado por esta na alínea a) do seu petitório.
E, portanto, a sentença respeitou o efeito pratico-jurídico que a Autora pretendia obter na ação - a entrega pelo Banco do valor de €150.000,00 acrescido dos respetivos juros de mora desde a citação-, embora não dando provimento ao demais peticionado.
Tanto basta para afastar qualquer nulidade da sentença por violação do princípio do pedido.
A questão suscitada pelo recorrente - a A. não ter invocado a existência de uma garantia e exigido o cumprimento da mesma - respeita aos fundamentos da ação e não ao pedido.
A nulidade invocada improcede.
Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Dispõe o artigo 640.º do CPC, com a epigrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, o seguinte:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Conforme referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa in CPC Anotado, Vol. I, Almedina, 3ª ed., pág. 858, na anot. 5 ao art.º 662º,  desde que se mostrem cumpridos os requisitos formais que constam do art.º 640º, a Relação não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (art.º 413º) sem exclusão sequer da possibilidade de efetuar a audição de toda a gravação se esta se revelar oportuna para a concreta decisão.
No caso dos autos o recorrente pretende a alteração do decidido sob os pontos 25, 26, e 27 da matéria provada, pretendendo que os pontos 25 e 27 sejam dados como não provados, e que a redação do ponto 26 seja alterada.
Os pontos 25 e 27 (que o recorrente pretende que sejam dados como não provados) têm, respetivamente,  a seguinte redação: 25. A mãe da Autora desconhecia que o valor que se encontrava em depósito junto do Banco réu tivesse sido aplicado obrigações, tendo sido informada que seria sim algo semelhante a um depósito a prazo no que toca à possibilidade de levantamento/resgate e no que concerne à segurança do capital depositado, mas com melhor rentabilidade; 27. A mãe da A., atenta a sua idade, jamais aplicaria o seu dinheiro se soubesse que não o poderia movimentar, resgatar ou dispor livremente dele por um prazo de 10 anos, nem de tal foi informada, nem sequer que a entidade emissora desta aplicação financeira era a Sociedade Lusa de Negócios, ou sequer que no caso de insolvência da entidade emissora, apenas se pode verificar reembolso do capital após os demais credores por dívida não subordinada, ou seja após a integral satisfação dos direitos dos credores principais.
O ponto 26 tem a seguinte redação:26. Foi essa a informação que foi dada pela falecida mãe à Autora, dizendo-lhe que tinha procedido à transferência do dinheiro para a sua conta, nunca lhe falando em Obrigações Subordinadas da SLN ou em prazos de resgaste de 10 anos, e muito menos que tinha investido o produto de todas as suas poupanças num produto financeiro correspondente a obrigações subordinadas;”.  O recorrente pretende que passe a ter a seguinte redação: “26. Foi essa a informação que foi dada pela falecida mãe à Autora, dizendo-lhe que tinha procedido à transferência do dinheiro para a sua conta, nunca lhe falando em Obrigações Subordinadas da SLN ou em prazos de resgaste de 10 anos;”.
O tribunal a quo fundamentou a sua decisão relativamente à matéria de facto contida nos pontos 25, 26, e 27 nos seguintes termos:
“Quanto à prova testemunhal aliada à circunstância de inexistir boletim de subscrição das obrigações em causa e ainda que não esteja em causa a validade formal de tal aquisição, sempre resulta ausente a indicação de quem em concreto, no âmbito do Banco réu, procedeu a tal operação e de que forma foi feita. Senão vejamos.
A testemunha JP, director coordenador de zona à data dos factos, explicou a forma como era vendido e os objectivos propostos pelo então BPN, e a SLN, como dona do banco, dizendo que a subordinação não era explicada porque o risco de insolvência ou falência à data nem sequer se vislumbrava, ou sequer falada no mundo financeiro. Explicou a questão do capital garantido, mas pela SLN como proprietária do banco, pois não existia destrinça, à data, a possibilidade de transmissão por endosso, a muita procura dos produtos até 2008, logo, facilmente transaccionáveis. Porém, tal testemunha não procedeu à venda à mãe da A., apenas sabia o que era transmitido em geral.
Já a testemunha AP, funcionária do Banco à data, na agência em causa, acabou por referir que à data da venda ocorrida em 2007 esteve um período ausente, por licença de maternidade, pelo que apesar de conhecer a mãe da Autora não soube afirmar se foi ou não a interveniente na transacção onde o Banco actuou como intermediário. Pelo que afirmou o que geralmente era feito, com a informação detalhada e entrega de folheto, o que no caso nem sequer resulta, pois, frise-se, inexiste sequer documentação da operação (a inicial e a que releva em absoluto).
Em relação à testemunha JE, amigo da família da Autora, confirmou que em 2007 a mãe da Autora já teria mais de oitenta anos (teria cerca de 85/86), confirmando ainda que era doméstica e teria como habilitações apenas a 4ª classe, confirmando os pontos 23., mas igualmente os demais 24. e ss. pois dado o perfil da mãe da Autora evidenciado pela testemunha tudo nos leva a considerar verosímil a ausência de informação nos termos sobreditos em tais factos. Contudo a testemunha não afirmou o que quer que seja relativamente aos factos contidos em a) e b) dos factos não provados. Aliás, nem a Autora ouvida em declarações confirmou tais factos, resultando os mesmos não provados.
A testemunha VJ, funcionário do Banco réu na agência em causa, acabou por afirmar que a A. e sua mãe eram clientes com aplicações e depósitos, dizendo que esta última teria 70 e tal anos. Afirmou que segundo crê não foi o próprio que vendeu as obrigações, declarando todo o argumentário e informações normalmente prestadas, mas confirmou que foi o próprio que procedeu ao documento de “comunicação do banco” no qual se procedeu ao “endosso” à filha constante da comunicação subscrita pela mãe da Autora. Porém, não conseguiu esclarecer porque motivo não existe boletim de subscrição inicial e em que moldes se processou. Quanto à transmissão à A. pretendeu dizer que nessa altura se descolou quer a A., quer sua mãe, o que não nos parece verosímil, dada as cartas trocadas entre a A. e o Banco, sendo certo que manifestamente não resulta evidente se foi a testemunha a vender inicialmente tal produto financeiro à mãe da A., acabando por dizer que a “senhora pensava que era um depósito a prazo”.
A testemunha PR, funcionário do Banco réu, também nada soube esclarecer, o mesmo ocorrendo com a testemunha AG, cuja intervenção já ocorre nas respostas dadas à Autora e plasmadas nos pontos dados como provados.
Por fim, das declarações de parte da Autora, aliado a todas as circunstâncias pessoais da mãe, idosa de cerca de 86 anos, viúva desde 2007 (ano da transmissão), que acabou por falecer em 2008, doméstica, cujas habilitações literárias seria apenas o ensino básico, bem como a ausência de documentação, quer da existência de outras aplicações ou produtos, bem como da própria subscrição ou documentação conexa, leva-nos a considerar provados os pontos 23. a 28.. Com efeito, das regras de experiência somos levados a considerar que não é verosímil que a mãe da Autora tivesse sido informada das características das obrigações, ou sequer destas em concreto, mas sim que procedeu a um depósito de um determinado valor, e que posteriormente quis transferir tal valor para a sua filha. Pois inclusive resulta evidente que o documento que permitiu a transmissão das obrigações à A., ou seja, da mãe para a filha, apenas foi assinado pela mãe sem que os demais dizeres de tal documento sejam da autoria da mesma, dado o grafismo diferenciado e ainda que indicação do local de assinatura, que não é compatível com a elaboração na íntegra do documento. Do teor das cartas da A. ao Banco réu, desde 2010, resulta desde sempre a ausência de informação de tal produto por parte da A. o que se estenderia à subscritora inicial, dado o perfil supra aludido. Também nada releva a circunstância de a Autora ter sido bancária, pois por um lado, desconhecesse em que circunstâncias a mãe subscreveu tais produtos financeiros, existindo da correspondência trocada desconhecimento dos mesmos por parte da A., por outro lado, a A. afirmou que sempre esteve no departamento de moeda estrangeira, desconhecendo os produtos financeiros em causa e forma de se processarem. Logo, conjugados todos os documentos e o aludido somos em confirmar os pontos 23. A 28. nos termos alegados pela A.”
O Banco recorrente fundamenta a sua posição nos depoimentos que identifica como tendo sido prestados por VJ, JE, MM (a qual não é testemunha no presente processo), AP, e nas declarações de parte da própria Autora.
A recorrida discorda da impugnação feita pelo recorrente.
Avaliemos.
Começa o recorrente por referir que não se conseguiu alcançar quem vendeu o produto à autora e consequentemente quais as informações transmitidas, referindo a existência de contradição entre o depoimento da autora, que indicou ter sido a Dona Paula, e o testemunho da testemunha AP, que alegadamente disse  estar em licença de maternidade na altura da subscrição dos produtos; mais alegou que as outras testemunhas afirmam que não tinham sido elas a colocar o produto na mãe da autora.
Ora, se é certo que indica a passagem da gravação da parte das declarações da autora a que se pretende reportar, já não o faz relativamente ao depoimento da testemunha AP, nem relativamente às outras testemunhas que refere terem afirmado não terem elas a colocar o produto na mãe da autora, testemunhas que nem sequer identifica.
Tanto basta para rejeitar o recurso da matéria de facto, nesta parte (art.º 640 nº 2 al. a) do CPC)
De todo modo, diga-se que o próprio tribunal a quo, na motivação sobre a decisão da matéria de facto, admite que da prova testemunhal, aliada à circunstância de inexistir boletim de subscrição das obrigações em causa, resulta ausente a indicação de quem em concreto, no âmbito do Banco réu, procedeu a tal operação e de que forma foi feita (cf 1º parágrafo do segmento da motivação da decisão da matéria de facto acima reproduzido). Fez no entanto assentar a sua convicção nas declarações de parte da autora aliadas às circunstâncias pessoais da mãe, idosa de cerca de 86 anos, viúva desde 2007 (ano da transmissão), que acabou por falecer em 2008, doméstica, cujas habilitações literárias seria apenas o ensino básico, valorando também o tribunal a quo a ausência de documentação, quer da existência de outras aplicações ou produtos, bem como da própria subscrição ou documentação conexa.
E não vemos razão para discordar do Tribunal a quo. O facto de não se ter apurado em concreto qual o funcionário do Banco que procedeu  junto da mãe da autora à operação de subscrição dos produtos não invalida que as circunstâncias apuradas - designadamente  a ausência de documentação de subscrição e da correspondente informação sobre os produtos, e as próprias circunstancias pessoais da autora- permitam, com base em regras de experiencia comum, e a considerando também as declarações de parte da autora, inferir a factualidade provada sob o ponto 25, 26 e 27, como fez o tribunal recorrido. Não esqueçamos também que o Tribunal a quo refere na sua motivação, que a testemunha VJ acabou por dizer que a “senhora pensava que era um depósito a prazo”, e que a testemunha JP disse que a subordinação não era explicada porque o risco de insolvência ou falência à data nem sequer se vislumbrava, pelo que também estes depoimentos apontam no sentido do provado sob os pontos em questão.
Refere ainda o recorrente estarmos perante uma cedência de posição de obrigacionista, sendo que o Banco apenas cumpriu ordens de um determinado cliente no sentido de a sua posição ser cedida a um outro por si determinada (neste caso, da decessa para a A.), sendo que a autora não conhecimento do motivo ou razão pela qual a sua decessa mãe lhe endossou tal título, conforme declarações de parte da autora cuja passagem da gravação indica, e como tal o Banco nem sequer atua como intermediário financeiro nesta cessão de posição.
Este fundamento da impugnação da decisão do tribunal a quo relativamente aos pontos 25,26, e 27 é manifestamente inadequado para afastar a prova da respetiva factualidade. A transmissão dos títulos por parte da mãe da Autora à Autora é coisa diferente da subscrição dos títulos, tendo aliás, conforme resulta dos pontos 2 e 3 dos factos provados (pontos que não foram impugnados), ocorrido mais de um ano depois da subscrição; ora, os pontos 25, 26, e 27 reportam-se à convicção da mãe da autora sobre as características dos títulos que subscreveu e posteriormente transmitiu para a Autora, sendo pois irrelevante para inquinar a prova de tal factualidade que a autora desconheça porque motivo a mãe lhe terá transmitido os títulos.
Por último, invoca o recorrente, com indicação da correspondente passagem da gravação, que a testemunha VJ referiu que o produto Obrigações seria colocado nos clientes como sendo um produto idêntico a um depósito a prazo, com capital garantido e com ótima rentabilidade; informação esta que foi secundada pela própria A., conforme passagem das declarações de parte que indica, e pela testemunha JE, conforme passagem do depoimento que indica. Mais invoca que “Referiu, por fim, a testemunha VJ, que seria possível vender a Obrigação antes de decorridos os 10 anos – vide, o depoimento da testemunha MM, gravado no sistema CITIUS, no ficheiro com a referência Diligencia_5124-17.2T8LSB_2018-02-06_10-48-23 (1), nomeadamente no minuto [45:00 a 45:30].”
Ora, quanto a este último aspeto (a alegada afirmação de VJ sobre a possibilidade de venda da obrigação antes de decorridos os dez anos), cumpre desde já rejeitar o recurso por falta de cumprimento do disposto no nº2 al. a) do art.º 640 do CPC, porquanto se indica apenas uma passagem de gravação que o próprio recorrente reporta a outra pessoa (MM), a qual nem sequer foi ouvida como testemunha no processo.
Diga-se, ainda, que uma eventual afirmação de uma testemunha no sentido de ser possível vender as obrigações antes de decorridos dez anos não bule com o que se refere nos pontos 25 a 27 relativamente ao resgaste/levantamento/movimentação/reembolso das obrigações.
Quanto ao facto de a testemunha VJ ter dito que o produto Obrigações seria colocado nos clientes como sendo um produto idêntico a um depósito a prazo, com capital garantido e com ótima rentabilidade (no que terá sido secundado pela Autora e por JE no que respeita à cliente mãe da Autora), entendemos que tal afirmação, ao invés de inquinar a prova da factualidade descrita sob os pontos 25 a 27, até a corrobora.
Por todo o exposto, improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Dos pressupostos e extensão da obrigação de indemnizar:
Na sentença recorrida considerou-se que o Banco Réu violou os seus deveres de intermediário financeiro, o que gerou, a cargo do mesmo, uma obrigação de indemnização a favor da Autora.
Considerou o tribunal recorrido estarem verificados os pressupostos de tal obrigação de indemnização nos seguintes termos: uma atuação ilícita do Banco,  por violação do dever de informação e do compromisso de garantia do capital, relativamente às informações que deu à mãe da autora aquando da subscrição por esta das obrigações SLN 2006; a culpa do Banco, presumida nos termos do art.º 314 nº 2 do CVM; o dano ocorrido com a falta de restituição do capital investido; o nexo de causalidade entre a atuação do Banco e o dano, porque a falta de restituição resulta da falta de informação sobre o produto adquirido.
O Banco recorrente insurge-se, considerando inexistir ilicitude decorrente da violação dos deveres de informação associados à intermediação financeira (porque não se apurou quem terá vendido o produto à mãe da autora e quais as informações que esse funcionário lhe transmitiu; porque considera que os deveres de informação previstos no art.º 312 nº 1 al. a) do CVM são deveres de informação relativos ao próprio negócio de intermediação financeira, negocio de cobertura, a e não ao instrumento financeiro em si, negócio de execução; porque as obrigações eram um produto conservador, com um risco reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, que no caso  pertencia ao Grupo do Banco Réu, sendo portanto um produto financeiro seguro. Rejeita ainda o nexo de causalidade com o dano - alegando que a falta de reembolso ocorreu por efeito da insolvência da emitente e não por causa de qualquer deficiente informação ou atuação do intermediário financeiro -, mais repudiando o montante da condenação que considera excessivo por não observar a teoria da diferença, na medida em que considera não ter ficado provada a impossibilidade de recebimento, total ou parcial, do montante investido nas obrigações.
A parte contraria discorda.
Apreciemos.
Conforme decorre da sentença sob recurso - que traça um quadro abrangente sobre os deveres a cargo dos intermediários financeiros relativamente à proteção dos legítimos interesses dos clientes e à informação e publicidade e ainda deveres acessórios de boa fé nas relações com todos os intervenientes no mercado - , estão especificamente em causa os deveres de informação do intermediário financeiro previstos no CVM (DL n.º 486/99, de 13 de Novembro), designadamente nos arts 7º, 312, e 323º , na redação vigente à data dos factos (a redação anterior à introduzida pelo DL357-A/2007).
Relembremos.
O art.º 7 nº 1 do CVM dispunha que deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários. Importa referir que nos termos do art.º 1º al b) do mesmo Código (na mesma redação) estavam elencadas, entre outros, como valores mobiliários, as obrigações.
Por sua vez o artigo 312.º, com a epigrafe “Deveres de informação”, dispunha que:
“1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:
a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;
c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;
d) Custo do serviço a prestar.
2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.”
E o art.º 323º dispunha que:
“Além dos deveres a que se refere o artigo 312.º, o intermediário financeiro deve informar os clientes com quem tenha celebrado contrato sobre:
a) A execução e os resultados das operações que efectue por conta deles;
b) A ocorrência de dificuldades especiais ou a inviabilidade de execução da operação;
c) Quaisquer factos ou circunstâncias de que tome conhecimento, não sujeitos a segredo profissional, que possam justificar a modificação ou a revogação das ordens ou instruções dadas pelo cliente.”
Conforme resulta do provado, estamos perante uma subscrição em 2006, pela mãe da Autora, cliente do Banco BPN então com 84 anos de idade, da aplicação financeira “Obrigações Subordinadas SLN 2006” no montante de €150.000,00. Obrigações SLN 2006 que foram emitidas pela SNL SGPS, SA e que só seriam reembolsáveis na data do seu vencimento, que ocorreria em 09.05.2016. Todavia, conforme resulta do provado sob os pontos 25 a 27, a mãe da Autora desconhecia que o valor depositado junto do Banco tivesse sido aplicado em obrigações, tendo sido informada que seria sim algo semelhante a um deposito a prazo no que toca à possibilidade de levantamento/resgate e no que concerne á segurança do capital depositado, mas com melhor rentabilidade, conforme por sua vez informou a Autora, nunca lhe falando designadamente em Obrigações subordinadas ou prazos de resgaste de 10 anos. Desconhecia, pois, que não poderia movimentar ou resgatar o dinheiro durante 10 anos, que a emitente da aplicação era a SLN, ou que no caso de insolvência desta apenas pode haver reembolso do capital após os demais credores por divida não subordinada, ou seja, após a integral satisfação dos direitos dos credores principais.
Tratou-se, portanto, de uma aquisição de obrigações que não foram emitidas pelo próprio Banco, mas sim por terceiro, a SLN SGPS, SA - uma sociedade do Grupo que integrava o Banco - intervindo o Banco nessa operação como intermediário financeiro.
É, pois, inequívoco que o Banco, na qualidade de intermediário financeiro, estava, aquando da referida subscrição, adstrito ao cumprimento dos deveres de informação previstos nos arts 7º nº1 quanto aos valores mobiliários em causa e ao seu emitente, e no art.º 312 nº 1 al. a) do CVM quanto aos riscos especiais da operação de subscrição dos títulos.
E não cumpriu tais deveres, na medida em que a mãe da autora desconhecia que o valor depositado junto do Banco tivesse sido aplicado em obrigações, as características de tais obrigações, designadamente a impossibilidade de resgate durante 10 anos,  o seu emitente, e os riscos especiais da operação, já que se tratam de obrigações subordinadas, que em caso de insolvência apenas podem ser pagas depois de satisfeitos os credores titulares de obrigações não subordinadas.
Os argumentos apresentados pelo banco nas suas conclusões não alteram esta realidade.
Em primeiro lugar, independentemente de não se ter apurado quem terá vendido o produto à mãe da autora, apurou-se, conforme pontos 25 a 27 da matéria de facto provada,  que não lhe foram então transmitidas as informações que deveriam ter sido transmitidas, por serem objetivamente relevantes para a decisão de subscrição das obrigações. A transmissão dessas informações era uma responsabilidade do Banco, independentemente da identificação do funcionário que terá colocado as obrigações junto da Autora, e está provado que o Banco não a cumpriu.
Por outro lado, também não procede a tese de que os deveres de informação previstos no art.º 312 do CVM, designadamente os relativos aos riscos especiais das operações a realizar, são deveres de informação relativos ao próprio negócio de intermediação financeira, o negócio de cobertura, a e não ao instrumento financeiro em si, negócio de execução.
O preceito refere que, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, o intermediário deve prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar. Estas operações “a realizar” consubstanciam, pois, o objetivo visado pelo contrato de intermediação financeira, o  qual, conforme se refere no Ac. do STJ de 23.03.2021 proferido no processo 1/19.5T8LRA.C1.S1,  é um contrato quadro, um negócio de cobertura ou contrato organizatório que tem a função de previsão das diretrizes gerais do projeto a desenvolver no futuro e das relações negociais.
E, como tal, os deveres pré-contratuais de informação previstos no art.º 312º do CVM, que se destinam a permitir ao investidor uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, não podem deixar de abranger a informação sobre os riscos especiais das próprias operações que irão ocorrer no âmbito do negócio de intermediação financeira. Só assim a decisão do investidor será esclarecida e fundamentada.
Veja-se que o art.º 323º al. a) do CVM vincula o intermediário financeiro a informar o investidor sobre a execução e os resultados das operações que efectue por conta dele, ou sobre dificuldades ou inviabilidade de execução da operação, ou outros factos que possam justificar a modificação ou a revogação das ordens ou instruções dadas pelo cliente, sendo, estes sim, deveres inerentes ao negócio de execução, ou seja, à própria concretização das operações visadas na intermediação financeira. Os deveres de informação relativos às características e riscos especiais da operação situam-se a montante, estando, pois, englobados nos previstos nos arts 7º e 312º do CVM.
Diga-se ainda, ao contrario do defendido pelo recorrente, que existe um risco especial na aquisição das obrigações SLN em causa nos autos, desde logo por comparação com um vulgar deposito a prazo, e que se prende a possibilidade de, no prazo de vencimento, as obrigações poderem não vir a ser pagas, como aliás sucedeu in casu, sendo que, em caso de insolvência da emitente, como também sucedeu, os titulares destas obrigações subordinadas apenas poderem ser pagos depois dos titulares de obrigações não subordinadas. Estamos perante um risco acrescido de perda do capital investido, que objetivamente deve ser comunicado ao investidor de modo a que ele tenha a informação necessária à tomada da decisão de investir ou não neste produto.
Em suma verifica-se que o Banco incumpriu os seus deveres de informação.
O Tribunal a quo, por via desse incumprimento, considerou estar em causa a responsabilidade civil do intermediário financeiro, pelo que condenou o Banco a indemnizar a Autora pelo prejuízo sofrido, recorrendo, para tanto, ao disposto no art.º 314º do CMV.
Dispunha o artigo 314.º do CMV na redação então vigente, com a epígrafe “Responsabilidade civil”, que:
1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”
Quanto a esta matéria, o AUJ 8/2022 proferido pelo STJ a 06.12.2021 veio estabelecer a seguinte jurisprudência:
“1 - No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º, n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.
2 - Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em 'produtos de risco' - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o 'reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco'), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM.
3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.
4 - Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”
 Ora, a Autora provou a violação pelo Banco, enquanto intermediário financeiro, dos deveres de informação que a este são impostos pelo art.º 7º nº1 e 312 nº1 al. a) do CVM na versão então em vigor, o que consubstancia uma atuação ilícita do Banco. Trata-se aliás de situação idêntica àquela que foi descrita no referido AUJ (cf ponto 2 da jurisprudência firmada). Atuação ilícita que, por via do disposto no art.º 314 nº2 do CVM, se presume culposa.
Considerou ainda o tribunal recorrido a existência de um dano, por via da falta de restituição do capital investido, e a verificação do nexo de causalidade entre a atuação do Banco e o dano, porque a falta de restituição resulta da falta de informação sobre o produto adquirido.
O recorrente refuta o nexo de causalidade entre a atuação do Banco e o dano, alegando que a falta de reembolso ocorreu por efeito da insolvência da emitente e não por causa de qualquer deficiente informação ou atuação do intermediário financeiro.
A parte contrária discorda.
Vejamos.
Nos termos do já identificado AUJ, para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.
Ora, tal nexo de causalidade resulta inequivocamente do provado sob o ponto 27.
Efetivamente, provou-se que:A mãe da A., atenta a sua idade, jamais aplicaria o seu dinheiro se soubesse que não o poderia movimentar, resgatar ou dispor livremente dele por um prazo de 10 anos, nem de tal foi informada, nem sequer que a entidade emissora desta aplicação financeira era a Sociedade Lusa de Negócios, ou sequer que no caso de insolvência da entidade emissora, apenas se pode verificar reembolso do capital após os demais credores por dívida não subordinada, ou seja após a integral satisfação dos direitos dos credores principais”.
Assim, a decisão de investir decorreu da falta de prestação da informação que seria devida, e, portanto, a posterior ausência de restituição do capital investido, também decorreu dessa falta de prestação de informação.
Aquando do vencimento das obrigações, 09.05.2016 (cf facto provado 28), a sociedade emitente ainda não tinha sido declarada insolvente, pois tal declaração ocorreu a 29.06.2016 (facto provado 22), pelo que a ausência de restituição do capital investido não decorre causalmente da declaração de insolvência, por ser anterior a esta declaração.
De todo o modo, a condição adequada da falta de restituição do capital investido sempre seria a falta de prestação das informações devidas, motivadora da decisão de investir, conforme referido no AUJ supra indicado.
Há, pois nexo de causalidade adequada entre o dano – falta de restituição, na data do seu vencimento, do capital investido nas obrigações, as quais continuam depositadas na carteira de títulos da Autora, conforme facto provado 19, - e falta de prestação, pelo Banco, das informações devidas sobre as características e riscos das obrigações em causa, designadamente a identificação da emitente, e o carácter subordinado das obrigações.
Estão deste modo preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil prevista no art.º 314º do CVM, geradora de indemnização a favor da autora.
O Tribunal a quo considerou que o valor a indemnizar é o do dano, o equivalente ao capital investido, acrescido de juros moratórios devidos desde a citação até efetivo e integral pagamento.
O recorrente considera não ter ficado provada a impossibilidade de recebimento do montante investido nas obrigações, pelo que a condenação do Banco no pagamento da integralidade do valor desembolsado é excessiva e não cumpre o critério da teoria da diferença prevista no art.º 566 nº2 do CPC.
A recorrida discorda, considerando que o Banco não alegou na sua contestação ou articulado superveniente qualquer factualidade relacionada com a possibilidade de ressarcimento da Autora em sede de processo de insolvência, pelo que esta matéria de facto é nova, não tendo sido submetida a contraditório ou qualquer prévia análise judicial, e como tal, encontra-se subtraída ao objeto de conhecimento deste recurso.
Ora, o recorrente não invocou qualquer facto novo, limitando-se a extrair ilações da concreta matéria dada como provada, designadamente que nela não consta qualquer facto do qual resulte a impossibilidade de qualquer recebimento total ou parcial do valor das obrigações.
Olvida que, não obstante constar da matéria provada a declaração de insolvência da emitente dos títulos, não consta que a Autora tenha reclamado créditos no processo de insolvência, o que constitui condição necessária para a Autora pudesse receber algum valor no âmbito do processo de insolvência.
Assim sendo, a indemnização não pode deixar de acautelar integralmente o montante correspondente ao total do capital investido e não restituído, não se verificando a alegada inobservância/violação da teoria da diferença prevista no art.º 562º do CC.
Da prescrição do direito da Autora:
Por último, pugna o recorrente pela prescrição do direito de indemnização da Autora, considerando que a conduta do Banco se reconduz a uma negligência inconsciente, pelo que o prazo de prescrição aplicável é o previsto no art.º 324 do CVM (2 anos), e a Autora conheceu os termos em que o negócio foi concluído (designadamente a inexistência de garantia de capital e juros e a subordinação da obrigação) pelo menos em 2008, com a receção dos extratos bancários, e só intentou a ação em 2017.
A recorrida discorda, considerando aplicável o prazo de prescrição de vinte anos.
O tribunal a quo julgou improcedente a exceção de prescrição invocada pelo Banco Reu, por não ter sido feita prova sobre o momento em que a Autora teve conhecimento dos exatos termos e condições do produto adquirido pela sua mãe.
Dispunha o art.º 324 do CVM na versão vigente à data da subscrição das obrigações que “Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.”
Concorda-se com o tribunal a quo quando refere não ter sido feita prova sobre o momento em que a Autora teve conhecimento dos exatos termos e condições do produto adquirido pela sua mãe (veja-se que não consta da matéria dada como provada qualquer facto relativo ao envio em 2008 de extractos bancários que contivessem informação sobre a inexistência de garantia de capital e juros e a subordinação da obrigação). O que desde logo leva à improcedência da exceção.
Para além disso, entendemos que o prazo de prescrição aplicável ao caso é o de vinte anos, por existir culpa grave do Banco na violação do dever de prestação das informações em causa. A ausência de informações sobre o facto de não ser possível o resgate das obrigações durante dez anos, e sobre a identificação da emitente e o carater subordinado das obrigações - tendo-lhe até sido transmitido que seria algo semelhante a um depósito a prazo - foram determinantes para a decisão da mãe da Autora de subscrever as obrigações.
E não se pode olvidar que o Banco tinha perante si uma pessoa com 84 anos e com a 4ª classe, pelo que de acordo com o disposto no nº2 do art.º 312º do CMV na redação então em vigor – que, recorde-se, prescreve que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente - impunha-se ao Banco um especial dever de diligência na prestação de informações verdadeiras e completas que permitissem uma esclarecida tomada de decisão de investimento.
O Banco não o observou, não deu as informações devidas, e até deu uma informação errónea ao transmitir que o produto seria algo semelhante a um depósito a prazo no que toca à possibilidade de levantamento/resgate e no que concerne à segurança do capital depositado.
A sua culpa é grave - veja-se relativamente a situação semelhante o Ac. do STJ de 23.03.2021 proferido no Proc. 1209/19.9T8STR.E1.S1 onde se refere que: “Actua com culpa grave o intermediário financeiro que utiliza informação enganosa quanto às características do produto sabendo que o cliente não subscreveria a aplicação se tivesse tido conhecimento da realidade das mesmas.”
Nessa sequência, o prazo de prescrição aplicável é o prazo ordinário de vinte anos, ficando afastado o prazo de dois anos previsto no art.º 324º do CVM (cf Acs TRC de 11.12.2018 proferido no Proc. 1608/17.0T8LRA.C1 e de 15.05.2018 proferido no Proc. 4019/16.1T8VIS.C2 e TRL de 28.05.2019 proferido no proc. 7249/17.5T8LSB.L1-7), pelo que, também por esta razão, não se verifica a invocada prescrição.
O recurso improcede na totalidade.
Atenta a improcedência do recurso, as custas do mesmo são a cargo do apelante, por ter ficado vencido (art.º 527 nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
***
V. Decisão:
Pelo exposto acordam os Juízes desta 8ª seção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo apelante.
Notifique.

Lisboa, 10.10.2024
Carla Matos
Teresa Sandiães
Maria Carlos Calheiros