AQUISIÇÃO POTESTATIVA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
FIXAÇÃO JUDICIAL DO VALOR DA CONTRAPARTIDA
AÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS - 490º
6
CSC
1068º
1069º
CPC
AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM DEPÓSITO - 916º CPC
ARTICULAÇÃO ENTRE ACÇÕES
MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DO VALOR DA EMPRESA
VALOR DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL
MODALIDADES DE PROVA PERICIAL
AVALIAÇÃO
Sumário


I – O valor de uma participação social, adquirida potestativamente (art.º 490º do CSC), depende do valor da sociedade dominada.
II – O valor da sociedade dominada é uma questão de facto, pois não diz directamente respeito à interpretação e aplicação da lei, o mesmo é pressuposto da definição judicial da contrapartida que o titular daquela tem direito pela sua aquisição potestativa pela sociedade que passou a deter mais de 90% do capital da sociedade dominada (art.º 490º, n.º 2 do CSC) e está sujeita a avaliação judicial, modalidade de prova pericial, apesar de hoje não figurar no CPC como tal.
III - A escolha do método mais adequado para avaliar uma empresa em concreto cabe aos peritos, não cabendo ao tribunal, ab initio, intervir nessa matéria, pois, em principio não tem os necessários conhecimentos especiais para tal (nem se vislumbra que tenha de ter, tendo em consideração a patente e manifesta complexidade da matéria da avaliação de uma empresa).
IV - No entanto e uma vez efectuada essa escolha, não está vedado ao tribunal afastar dado método, se resultar da prova produzida, nomeadamente no desenvolvimento da prova pericial, que as finalidades e o contexto em que aquele é normalmente utilizado, não se adequam ao caso concreto ou se a maioria dos senhores peritos considerar que o mesmo não é o mais adequado.
V - Sendo os juízos periciais divergentes, ao tribunal caberá a tarefa, tão complexa, quanto melindrosa, de verificar em que medida os pressupostos utilizados são os “adequados”, tendo em vista formular um juízo sobre o mérito intrínseco e grau de convencimento a atribuir ao laudo pericial, sendo que tal tarefa – de definição do que é “adequado” -, na falta de conhecimentos especiais por parte do tribunal, terá de se fundar nos elementos constantes dos autos e, nomeadamente, de todo o processo de produção da prova pericial – relatório, esclarecimentos escritos, esclarecimentos orais, atendendo de forma particular à fundamentação eventualmente apresentada para dada opção por um pressuposto e não por outro.
VI – A oferta de aquisição da participação social, nos termos do n.º 2 do art.º 490º, é acompanhada de uma contrapartida, que se impõe naturalmente, em obediência à garantia constitucional do direito de propriedade, ou seja, se o legislador admite a aquisição forçada da participação social, impõe que tal ocorra mediante uma contrapartida justa.
VII - No caso de aquisição potestativa de uma participação social, é reconhecido ao sócio minoritário o direito de impugnar judicialmente o valor fixado pelo revisor e de obter do adquirente a diferença que se apurar.
VIII - Se a sociedade dominante tiver procedido à consignação judicial da contrapartida, é nele que deverá ser suscitada e apreciada a questão do valor da contrapartida, por o sócio ou acionista considerar que deve ser maior.
IX – Tendo a sociedade dominante instaurado processo especial de consignação em depósito, onde se discute o valor da contrapartida, mas tendo a sócia minoritária intentado acção nos termos do disposto no n.º 6 do art.º 490º do CSC, acção em que foi invocada a litispendência, julgada improcedente por despacho transitado em julgado e em que não foi invocado nem conhecido o erro no meio processual até á sentença, inviabilizando o seu conhecimento no recurso (200º, n.º 2 do CPC), mantendo-se aquele processo pendente, a presente acção não pode ter como objecto a condenação da sociedade dominante a pagar a contrapartida, mas apenas e tão só a diferença entre a quantia depositada e a quantia que se apurar ser devida como contrapartida.
X - Se a sociedade tiver declarado na proposta que se tornará titular das acções ou quotas pertencentes aos sócios livres da sociedade dependente em caso de não aceitação da oferta no termo do prazo fixado para tal e tiver procedido à consignação em depósito extrajudicial, por analogia, o sócio ou acionista poderá propor uma acção nos termos do n.º 6 do art.º 490º do CPC, a qual segue o processo especial do art.º 1068º, por força do art.º 1069º do CPC.
XI – Tendo a sociedade dominante fixado um prazo para a sócia minoritária aceitar a oferta de aquisição da participação social, acompanhada da declaração de que, caso a proposta não fosse aceite findo o prazo assinado, a sociedade tornar-se-ia, findo o prazo, titular da participação social, não tem razão de ser o pedido referido no n.º 6 do art.º 490º, de que o tribunal que declare as acções ou quotas como adquiridas pela sociedade dominante desde a proposição da acção, porque não faz sentido o tribunal declarar adquirido o que já está adquirido.
XII – Resultando dos factos provados que o valor da sociedade dominada se situa no intervalo de dois valores e não havendo elementos para considerar que um é mais exacto que o outro há lugar á intervenção da equidade, o valor de cada acção há-de fixar-se na média resultante dos dois valores.
XIII – A obrigação de pagamento da diferença entre o montante depositado e o valor da contrapartida que se apurar no processo é ilíquida pois depende de fixação judicial, no fim de um processo de avaliação da sociedade dominada, pelo que sobre ela apenas há lugar a juros de mora a contar do trânsito em julgado da decisão que fixa o valor.

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

1. Relatório

AA intentou contra EMP01..., SA processo especial de liquidação de participações sociais pedindo se:

a) declare adquiridas pela Ré as 32.100 acções nominativas com o valor nominal de € 5,00, desde a data da propositura da acção;
b) fixe o seu valor em dinheiro de acordo com a avaliação feita nos termos do art.º 1069º do CPC;
c) condene a Ré, enquanto sociedade dominante, a pagar à A. o valor que resultar da avaliação, valor esse que nunca poderá ser inferior ao valor nominal das acções de € 160.500,00 e juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Alegou para tanto e em síntese que foi uma das sócias fundadoras da EMP02..., SA, relatando depois um conjunto de sucessivos aumentos do capital social e de transformação da sociedade originalmente por quotas, em sociedade anónima.

Mais alegou que a 03/02/2020 realizou-se uma assembleia geral da EMP02..., SA;  tendo em vista a aquisição potestativa das acções da A., a Ré, acionista maioritária, votou um aumento de capital, totalmente subscrito pela mesma; em resultado desse aumento de capital, este passou a estar representado por 553.690 acções nominativas, cada uma delas com o valor nominal de € 5,00, sendo a Ré titular de 521.590 acções, representativas de 94,20% e a A. de 32.100 acções, representativas de 5,50% do capital social da sociedade.

Alegou também que por carta datada de 27/07/2020, a Ré apresentou à A. proposta de aquisição potestativa das acções detidas na EMP02..., SA pelo preço de € 119.733,00, correspondente ao preço de € 3,73 por acção, alegadamente fixado com base no relatório do ROC, que anexou àquela carta; naquela carta a Ré solicitava uma resposta até ao dia ../../2020 e informava que havia procedido ao depósito daquela quantia através de processo especial de consignação em depósito; a A. respondeu considerando insatisfatória aquela proposta de aquisição, conforme carta de 13/08/2020; a A. já foi citada para os termos do processo especial de consignação em depósito que corre termos no J ... do Juízo Central Cível de Guimarães, sob o n.º 3606/20.8T8GMR.

Alegou ainda que o método utilizado no relatório do ROC que suportou a proposta (óptica dos capitais próprios ajustados) não é o mais adequado a avaliar uma sociedade, como a EMP02..., SA, que tem a perspectiva de continuidade; uma avaliação adequada da participação da A. terá de ser feita na óptica dos fluxos de caixa descontados ou outro método equivalente que tenha por base a continuidade de operacionalidade da sociedade; e tratando-se de uma aquisição potestativa de acções, hostil e contra a vontade da A., haverá sempre que estabelecer um prémio especial a favor da sócia minoritária.

No final requereu, além do mais, prova pericial, para o que indicou 30 questões.

A Ré, citada, deduziu oposição, invocando as excepções de litispendência, ineptidão da petição inicial e ilegitimidade material, invocando, no âmbito da última, que não pode o tribunal declarar adquiridas pela Ré as 32.100 acções desde a data da propositura da acção, porque as mesmas já foram adquiridas pela Ré a ../../2020, pelo que deverá o tribunal proferir decisão que julgue improcedente a acção, uma vez que o primeiro pedido nunca poderá ser admitido e, em consequência, por dele dependerem, os restantes pedidos também não.

Aceitou uma parte da factualidade e impugnou outra, referindo ainda, em síntese, que no dia 03/02/2020 comunicou à EMP02..., SA ser titular de acções representativas de mais de 90% do seu capital social e procedeu já ao averbamento da aquisição das acções no registo comercial; face à situação pandémica que se estava a atravessar aquando da elaboração do Relatório do ROC – 27/07/2020 – e às suas implicações, nomeadamente, a dificuldade em apresentar projecções ou sustentar que a EMP02..., SA, no futuro, irá apresentar níveis de cash flow semelhantes aos dos últimos exercícios, só se podia entender que o método mais prudente e adequado era o “patrimonial”; devido à situação pandémica, a sociedade continua a passar por um período económico-financeiro de grande debilidade e não se prevê quando vão poder ser recuperados os números de facturação dos anos anteriores; devido à pandemia, desde 01/04/2020 que a EMP02..., SA teve e ainda tem de recorrer a apoios e incentivos estatais que refere e de encerrar um dos estabelecimentos; defende que o método que resulta do disposto nos artigos 1021º, n.ºs 1 e 2 e 1018º, n.ºs 1 a 3, ambos do CPC e que servirá de base à avaliação pericial a realizar, é o método do valor patrimonial líquido/método patrimonial; não tem respaldo legal a ideia de que tem de haver um prémio especial a favor da sócia minoritária.
No final também requereu, para além do mais, prova pericial, para o indicou 6 questões.
Foi ordenado se solicitasse informação do estado do processo 3606/20.8T8GMR.
Espontaneamente a A. respondeu às excepções.
Foram os autos informados que o processo 3606/20.8T8GMR se encontrava no J... do Juízo de Comércio de Guimarães.
Foi proferido despacho a ordenar fosse solicitado ao referido processo que informasse se ia ser ordenada avaliação das acções em causa, atento o disposto nos arts. 1068º, nº1 e 1069º, ambos do CPC.
Foram os autos informados que ainda não havia sido apreciada a questão da avaliação das acções.
Foi proferido despacho que julgou improcedente a excepção de litispendência e determinou fosse solicitado ao processo 3606/20.8T8GMR que informasse o resultado da tentativa de conciliação.
Foram os autos informados que no citado processo havia sido ordenada a realização de uma perícia.
           
Foi proferido o seguinte despacho:
“Tendo em atenção a perícia ordenada no processo que corre termos no J..., notifique as partes para informarem se pretendem aproveitar para os presentes autos o resultado da mesma.
Prazo: 10 dias.”

A Ré pronunciou-se dizendo não se opor e suscitando a omissão de pronúncia quanto às excepções de ineptidão da petição inicial e ilegitimidade.
A A. declarou pretender que se aproveite para os presentes autos o resultado da perícia ordenada no Proc. 3606/20.8T8GMR.

Foi proferido despacho que:
- ordenou se oficiasse ao proc. 3606/20.8T8GMR a comunicação do relatório pericial ao presente processo;
- julgou improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial.

Foi remetido a estes autos o Relatório pericial da perícia ordenada no proc. 3606/20.8T8GMR, com indicação de ter sido apresentada reclamação.

Foi então proferido o seguinte despacho:
“Tendo em atenção que a perícia em causa foi objeto de reclamações e as mesmas foram objeto de reclamações e que o despacho que sobre as mesmas venha a recair apenas faz caso julgado formal naquele processo, determina-se:
- a notificação da partes do relatório de perícia em causa para querendo deduzir reclamações ao mesmo nos presentes autos e considerando o concreto objeto do presente litígio.
Prazo: 10 dias.”

A Ré apresentou reclamação, formulando 65 pedidos de esclarecimento, requereu a realização de segunda perícia e pediu a notificação dos senhores peritos para comparecerem em audiência.
A A. pronunciou-se requerendo a comparência dos senhores peritos em audiência, dizendo que devem ser rejeitadas as questões novas colocadas pela Requerida sob a capa de esclarecimentos, uma vez que as mesmas extravasam o objecto da perícia e que inexiste qualquer inexactidão da primeira perícia que motive a realização de uma segunda perícia, pelo que a mesma deverá ser rejeitada.

Foi proferido o seguinte despacho:
Ref. ...19: Antes de mais notifique os peritos para se pronunciarem por escrito sobre o teor da reclamação apresentada.
Prazo: 10 dias.
           
Os Senhores peritos, observando que não haviam sido notificados para ser peritos nos presentes autos, responderam aos esclarecimentos pedidos.
A Ré requereu fosse admitida a realização de segunda perícia e que a mesma fosse realizada por aproveitamento da 2ª perícia já ordenada no processo 3606/20.8T8GMR, que fosse admitida e ordenada a comparência dos Srs. Peritos subscritores do relatório pericial já junto aos autos na audiência final e que fossem reduzidos os honorários reclamados pelos senhores peritos pela prestação de esclarecimentos.
Foi proferido o seguinte despacho:
“Nos termos previstos nos artigos 487º e ss do Código do Processo Civil, admite-se o pedido de realização de segunda perícia, a qual será efectuada por aproveitamento da 2ª perícia já ordenada realizar no âmbito do processo que corre os seus termos pelo processo n.º 3606/20.8T8GMR, do 1º Juiz do Tribunal de Comércio de Guimarães.
Notifique e oportunamente solicite ao aludido processo informação sobre a diligência em causa.”

Foi junto o Relatório da segunda perícia realizada no processo 3606/20.8T8GMR.

Não foram apresentadas reclamações.
Ambas as partes requereram a comparência dos senhores peritos na audiência final.
Após vicissitudes que aqui não cabe relatar, realizou-se audiência final e foi proferida sentença com o seguinte decisório:
“Julga-se a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, condenando-se a Ré no pagamento à A. da quantia que resulta da atribuição do valor de € 5,00 por cada ação anteriormente detida pela A.
Custas por A. e Ré na proporção de metade cada uma.”

A A. interpôs recurso pedindo seja proferido acórdão que condene a Ré a pagar à A. a quantia de, pelo menos, de € 16,32 por cada acção anteriormente detida pela Apelante, quantia essa que deverá ser acrescida dos juros de mora conforme resulta do pedido formulado na petição inicial, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. A decisão, quanto à matéria de facto, apresenta-se incorrectamente apreciada;
II. Enferma de erro de julgamento e, consequentemente, inexacta interpretação e aplicação da lei;
III. Os meios probatórios existentes no processo – designadamente do depoimento da testemunha BB, ROC, ouvido por videoconferência, e depoimento gravado conforme resulta da acta da audiência de julgamento do dia 9 de Junho de 2023, impunham que o tribunal tivesse proferido uma decisão da matéria de facto diversa da recorrida - art.º 607.º CPC;
IV. Deverá ser aditado à matéria de facto provada, o alegado pela Autora, aqui
Apelante no artigo 20º da P.I, segundo o qual “O aumento de capital feito em Fevereiro de 2020 teve como objectivo a aquisição potestativa das acções pertencentes à Autora”, uma vez que outra conclusão não pode ser retirada, atento o depoimento daquela testemunha – cujo depoimento, aliás, foi especialmente valorado pelo Tribunal a quo – designadamente no trecho gravado do minuto 26.14 até ao minuto 27.21;
V. Ao decidir de outra forma, o tribunal fez má apreciação da prova produzida, não levando à matéria provada um facto importante para a boa decisão da causa, na medida em que é da maior relevância considerar que o aumento de capital teve esse propósito por parte da Apelada;
VI. Acresce que deverá aditar-se à matéria provada, os seguintes factos que concretizam o constante da alínea l) dessa matéria:
l) Em 2022, a EMP02... apresentou resultados positivos, assim:
 teve resultados líquidos positivos antes de impostos de € 503.335,79;
 teve um volume de vendas e prestação de serviços de € 17.277.565,50;
 Os capitais próprios da EMP02... atingiram o valor de € 2.697.000,00;
 O EBITDA atingiu o valor de € 1.339.533,00
VII. Esta matéria resulta inequivocamente da declaração de IES de 2022 junta na última sessão da audiência de julgamento e o tribunal deveria ter atendido a estes factos na sentença na medida em que confirmam que o período do Covid relativo aos anos de 2020 e 2021 foi totalmente ultrapassado, sendo aquele período pandémico meramente conjuntural, aliás, em conformidade com o que dispõe o artigo 611º, nº 1 do CPC.
VIII. Resulta ainda da douta decisão recorrida que o Tribunal a quo, não se pronunciou sobre o pedido de condenação da Ré no pagamento dos juros de mora desde a citação e até integral pagamento, o que constitui causa de nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPC que aqui se invoca.
IX. O regime das aquisições potestativas a que se reportam os presentes autos
encontra-se regulado no artigo 490.º do Código das Sociedades Comerciais;
X. Conforme nossa melhor doutrina, destacando-se CC no artigo 490º do CSC após a Reforma de 2006 e procedimento justo” - quaisquer dúvidas de interpretação da lei devem, em princípio, “resolver-se em sentido favorável aos minoritários”;
XI. Nesta linha, quaisquer dúvidas ou incertezas quanto à determinação do valor da contrapartida a receber pela Autora, aqui Apelante, deverão ser resolvidas em favor desta e nunca contra quem viu o seu direito de propriedade afectado; De facto e direito,
XII. A Apelante, enquanto sócia minoritária não pretendia vender a sua participação social, não a negociou, nem teve qualquer influência na determinação do momento determinante para a aquisição potestativa e foi desapossada da mesma; Por outro lado,
XIII. O procedimento de aquisição potestativa teve na sua génese um aumento de capital social em Fevereiro de 2020 de 1,4 milhões de euros, com o inequívoco objectivo de obtenção do domínio total por parte da sociedade EMP01...;
XIV. Não foi a Apelante quem escolheu ou determinou o momento da aquisição potestativa, antes foi a Apelada que o fez, pelos seus próprios critérios de oportunidade e gestão empresarial;
XV. Momento que foi especialmente relevante na medida em que a sócia minoritária acabou por ser afectada por factos ocorridos posteriormente ao aludido aumento de capital (génese da aquisição potestativa), o que permite afirmar convictamente que o valor da contrapartida da Apelante não podia, nem devia ser afectada negativamente por eventos ocorridos após Fevereiro de 2020 e mesmo após Agosto de 2020,
XVI. E também se pode questionar a razão pela qual os resultados positivos referentes ao exercício de 2022 não contribuíram para o Tribunal a quo concluir que, efectivamente, as previsões das avaliações das perícias estavam em linha com aqueles resultados efectivamente verificados e apenas se afastaram pelos anos da crise pandémica,
XVII. O Tribunal a quo decidiu contra a Apelante e a favor de um Fundo de Investimento que detém a Apelada que, obviamente, tem uma posição de parte interessada no desfecho destes autos;
XVIII. Acresce que, constam dos autos dois relatórios de avaliação técnica, sendo que o Tribunal a quo optou, erradamente, por desvalorizar as conclusões do primeiro, isto porque os Srs. Peritos foram claros ao esclarecer que “foi elaborado um estudo económico pelo órgão de gestão da entidade, no qual nos baseamos, pois não existe informação mais credível do que a informação de gestão emanada pela administração”
XIX. Não se vislumbra, por isso, a razão porque deve a accionista minoritária ver a sua contrapartida afectada pelas circunstâncias anómalas e conjunturais ocorridas após Fevereiro de 2020 (ou mesmo Agosto de 2020) e porque o Tribunal a quo usou a realidade dos anos anómalos e negativos para desvalorizar o primeiro relatório pericial e, consequentemente, considerar que o mesmo era demasiado optimista;
XX. O Tribunal a quo, também em desfavor da sócia minoritária, considerou que as projecções da segunda perícia já seriam mais realistas, porque tiveram em conta os dados reais dos exercícios de 2020 e 2021,
XXI. Contudo, desconsiderou que aqueles números absolutamente anómalos do período pandémico, foram totalmente ultrapassados e suplantaram as previsões feitas no segundo relatório pericial, uma vez que o exercício de 2022 veio a revelar que os resultados líquidos foram superiores aos previstos em mais de 500 mil euros, os capitais próprios da sociedade são superiores em mais de um milhão de euros face às projecções do relatório, o volume de negócios foi superior a 17 milhões de euros em 2022, e o próprio EBITDA superou em mais de 500 mil euros as projecções do segundo relatório de avaliação; Sem conceder,
XXII. O Tribunal a quo, dispondo de dois relatórios de avaliação periciais, afastou as conclusões de um e de outro e concedeu crédito a uma avaliação do Fundo detentor do capital da Apelada que não se encontra nos autos e que nem a Apelante, nem o tribunal tiveram acesso à mesma, desconhecendo-se, por isso, os pressupostos desse investimento e garantias associadas ao mesmo,
XXIII. Em consequência, não é possível ao Tribunal a quo entender que tendo
ocorrido um negócio uns meses antes a 5 euros por acção dever ser esse o referencial para a aquisição potestativa das acções da Apelante, quando os contornos desse negócio são absolutamente desconhecidos e essa informação não consta dos autos;
XXIV. Note-se, que Tribunal considerou que o múltiplo de EBITDA de 5,5 que teria sido utilizado pelo Fundo na tal avaliação – que não está junta aos autos e cujo teor se desconhece – é o mais adequado….
XXV. Deveria, assim, o Tribunal considerar o múltiplo de EBITDA que os técnicos peritos indicaram nas peritagens técnicas, quer primeira, quer segunda, documentos estes se encontram nos autos;
XXVI. De resto, Tribunal não podia, nem devia ter desvalorizado ambos os relatórios periciais;
XXVII. Considerando a linha seguida por Ana Perestrelo de Oliveira na anotação ao artigo 490º do CSC e a de Evaristo Mendes, que defende que o valor da
avaliação não deve ser um simples valor técnico, mas um valor legal, terá sempre que se incorporar no valor da avaliação a expectativa de ganhos futuros do sócio minoritário, não podendo este ser desapossado da sua participação social e daquela expectativa legítima;
XXVIII. Seria, aliás, duplamente injusto que o sócio minoritário fosse obrigado a deixar de ser titular de uma participação social e a avaliação da mesma tivesse em conta apenas a situação patrimonial de um determinado momento, sem atender às perspectivas futuras e legítimas expectativas de ganhos futuros, sejam eles determinados por projecções dos discounted cash flows, seja pelo método dos múltiplos de EBITDA;
XXIX. Neste estrito contexto, qualquer um dos valores apontados na avaliação
maioritariamente feita no primeiro relatório pericial deveria merecer a análise do Tribunal a quo e não ater-se às conclusões de uma avaliação alegadamente feita por uma das partes envolvidas neste litígio (EMP03...);
XXX. De notar, por último, que caso a participação da Apelante viesse a ser avaliada pelo Estado, pelo método do Código de Imposto de Selo, a mesma seria avaliada no valor de € 701.932,16 conforme resulta claro do relatório da primeira avaliação que não foi objecto de qualquer contestação, e seria esse o método para tributar uma eventual mais valia;
XXXI. Ao decidir de forma diversa, a douta decisão recorrida violou, entre outras, as seguintes disposições legais: artigo 590º do Código das Sociedades Comerciais, Artigos 611º, 1058º, 1122º a 1130º e 1498 e 1499º do CPC e 1021º do Código Civil.

A Ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso (....)

Foi proferido despacho de admissão do recurso nos seguintes termos:
“Fixa-se o valor da ação no indicado na petição inicial.
Relativamente aos juros entende o Tribunal recorrido que os mesmos só se vencerão após trânsito em julgado da decisão que fixou o valor da participação social em causa.
Admite-se o recurso interposto pela A., a subir nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo - arts.º 644.º, nº1, 645.º, nº1, alínea a) e 647.º, nº1, todos do CPC.”

2. Questões a apreciar

O objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139).

Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, pelo que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida.

São quatro as questões que cumpre apreciar:
- a sentença é nula por omissão de pronúncia quanto ao pedido de condenação da A. no pagamento de juros de mora?
- a decisão de facto não contempla todos os factos relevantes para a boa decisão da causa, nomeadamente - e naturalmente sem prejuízo do disposto na alínea c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC -, os indicados pela recorrente nas suas conclusões IV e VI, devendo, neste último caso, ser alterada a alínea l) dos factos provados?
- a Ré deve ser condenada a pagar à A., por cada uma das acções, pelo menos € 16,32 ?
- são devidos juros de mora desde a citação, como pretende a A. ou apenas são devidos desde o trânsito em julgado da decisão que fixar o valor da participação social?

3. Nulidade da sentença
3.1. Enquadramento jurídico

Dispõe o art.º 615º do CPC:
1. É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)”

Este normativo também é aplicável aos despachos como decorre do disposto no art.º 613º n.º 3 do CPC.

A sentença pode ser vista como trâmite ou como acto: no primeiro caso, atende-se à sentença no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença.

As nulidades da sentença e dos acórdãos referem-se ao conteúdo destes actos, ou seja, estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podiam ter (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in O que é uma nulidade processual? in Blog do IPPC, 18-04-2018, disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=nulidade+processual.

A alínea d) contempla duas situações: a) quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (omissão de pronúncia) ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia).

Para os autos apenas releva a primeira situação, a qual está relacionada com a 1ª parte do n.º 2 do art.º 608º do CPC, onde se dispõe: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras;…”

O normativo tem em vista as questões essenciais, ou seja, o juiz deve conhecer todos os pedidos, todas as causas de pedir e todas as excepções invocadas e as que lhe cabe conhecer oficiosamente (desde que existam elementos de facto que as suportem), sob pena da sentença ser nula por omissão de pronúncia.

As questões essenciais não se confundem com os argumentos invocados pelas partes nos seus articulados.
O que a lei impõe, sob pena de nulidade, é que o juiz conheça as questões essenciais e não os argumentos invocados pelas partes (sendo abundante a jurisprudência em que esta questão é suscitada, a título meramente exemplificativo o Ac. do STJ de 21/01/2014, proc. 9897/99.4TVLSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jst).

Não podem confundir-se “as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 143).

3.2. Em concreto
Um dos pedidos que a recorrente deduziu foi: c) condene a Ré, enquanto sociedade dominante, a pagar à A. o valor que resultar da avaliação, valor esse que nunca poderá ser inferior ao valor nominal das acções de € 160.500,00 e juros de mora desde a citação até integral pagamento.

A sentença recorrida não se pronunciou quanto ao pedido de juros, pelo que é patente a nulidade da mesma nos termos do art.º 615º, n.º 1, alínea d) do CPC.

Mas, nos termos do n.º 1 do art.º 617º do CPC, se a questão da nulidade da sentença …for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento.

E nos termos do n.º 2, se o juiz suprir a nulidade…, considera-se o despacho proferido como complemento e parte integrante desta, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão.

No despacho em que admitiu o recurso o Sr. Juiz a quo consignou:
Relativamente aos juros entende o Tribunal recorrido que os mesmos só se vencerão após trânsito em julgado da decisão que fixou o valor da participação social em causa.

Verifica-se, assim, que o Sr. Juiz supriu a nulidade, pelo que nos termos do n.º 2 do art.º 617º do CPC, o recurso passa a ter como objecto a decisão proferida no despacho de admissão do recurso.

4. Fundamentação de facto
4.1. Consta da decisão recorrida:
“Factos provados:
a) Em 3/02/2020, realizou-se uma assembleia geral da sociedade “EMP02..., Sa”, com o capital social de € 1.368.450,00, representado por 273 690 acções nominativas, cada uma delas com o valor nominal de 5 €.
b) Naquela Assembleia Geral apareceu a Ré EMP01... como accionista maioritária da EMP02..., SA, com 241.590 acções, representativas de 88,27% do capital social.
c) Em resultado da referida deliberação de aumento de capital social, este passou a estar representado por 553.690 acções nominativas, cada uma delas com o valor nominal de 5 €, sendo a Ré titular de 521590 acções, representativas de 94,20 % e a Autora 32 100 acções, representativas de 5,80 % do capital social da EMP02..., Ldª..
d) Por carta datada de 27/07/2020, a Ré apresentou à Autora proposta de aquisição potestativa das acções detidas na EMP02..., SA, pelo preço de € 119.733,00, correspondendo a um preço fixado de € 3,73, valor esse que foi fixado com base em relatório de ROC que anexou àquela carta.
e) A Autora respondeu de imediato a esta missiva, considerando insatisfatória aquela proposta de aquisição, conforme carta enviada à Ré em 13/08/2020.
f) A 01/04/2020, a EMP02... recorreu aos apoios criados através do DL 10-G/2020, de 26 de março, nomeadamente ao mecanismo de apoio à manutenção dos contratos de trabalho, também conhecido como lay-off simplificado.
g) E a 18/08/2020 a um outro apoio: ao incentivo extraordinário à normalização da atividade empresarial, na modalidade de apoio no valor de duas RMMG por trabalhador abrangido pelo lay-off simplificado, pago de forma faseada ao longo de seis meses.
A EMP02..., S.A. ainda se viu na necessidade de recorrer a outras medidas extraordinárias de apoio às empresas, por força dos impactos económicos e financeiros da contração da atividade económica decorrente da pandemia da COVID-19, nomeadamente:
(i) Diferimento de rendas de contratos de arrendamento não habitacionais, previsto na Lei n.º 4-C/2020, de abril, nos quais figura como arrendatária, tendo beneficiado, na maioria deles, da suspensão do valor da renda pelo período de 3 meses, valores, esses, pagos findo esse período em 12 prestações mensais e, num dos casos, onde foi concedida uma redução temporária do valor da renda em 50%, durante 3 meses
(ii) Prorrogação de todos os créditos com pagamento de capital no final do contrato, vigentes à data de entrada em vigor do DL 10-J/2020, de 26 de março, juntamente, nos mesmos termos, com todos os seus elementos associados, incluindo juros, garantias, designadamente prestadas através de seguro ou em títulos de crédito, previsto no DL n.º 10-J/2020, de 26 de março;
(iii) Diferimento do pagamento de contribuições sociais, previsto no DL n.º 10-F/2020, de 26 de março
h) a Ré declarou, juntamente com a oferta de aquisição que remeteu à Autora, que se tornaria titular das ações de que esta era titular se até ao dia ../../2020 a mesma não aceitasse a oferta apresentada.
i) A situação financeira da empresa demonstra que:
- a autonomia financeira em 2020 era de apenas 13%, já considerando o aumento de capital efetuado no valor de 1.400.000 €;
- em 2021 a autonomia financeira agravou-se, ficando apenas em 8%, o que é manifestamente baixa;
- o nível de endividamento bancário que no início de 2020 era de aproximadamente 4 M€, em 2021 passou para 7 M€, sendo o serviço da dívida dos próximos anos bastante pesado, o que indicia um risco de incumprimento muito elevado:
▪ 2022: valor a amortizar 1,6 M€;
▪ 2023: valor a amortizar 1,5 M€;
▪ 2024: valor a amortizar 1,1 M€;
▪ 2025: valor a amortizar 0,8 M€;
▪ O cumprimento do serviço da dívida apenas irá ser possível mediante a renegociação bancária, ou seja, aumentando os prazos de amortização ou efetuando novos financiamentos para liquidar os financiamentos em curso;
- A título de exemplo refira se que, segundo a administração, a empresa tentou candidatar se a um projeto de Portugal 2020 (SI- Inovação) e viu a sua candidatura recusada por falta de apoio da EMP04.... A EMP04... não deu o seu acordo porque considera que a EMP02... vai ter dificuldades em cumprir com o seu serviço da dívida, ou seja, considera que existe risco elevado de incumprimento com as instituições financeiras.
- por fim, é de realçar que a EMP02... à data da avaliação tinha dívidas em mora à Segurança Social, tendo celebrado acordos de pagamento em prestações, para montantes superiores a 350.000 €, acordos esses que se mantêm, o que demonstra sérias dificuldades de tesouraria.
- Ao nível da sua situação económica e da sua rentabilidade é importante realçar o seguinte:
○ Os resultados antes de impostos de 2020 foram negativos em cerca de 1.500.000 €, com um EBITDA ajustado negativo no montante de 433.000 €.
○ Em 2021 o cenário manteve-se, com resultados antes de impostos negativos de 850.000 €, com um EBITDA ajustado negativo de 443.000 €.
○ Consequentemente os capitais próprios atuais já são inferiores a metade do valor do Capital Social, ou seja, em 2021 os capitais próprios são de 1.261.000 €.
○ Para estes maus resultados muito contribuiu o encerramento definitivo de várias lojas, sendo que atualmente apenas têm 10 lojas em funcionamento, contra as 16 existentes em 2019.
○ Ao nível da área de negócio da venda de produtos para as grandes superfícies, que internamente na empresa designam pela área industrial, têm também sentido diversas dificuldades, apesar do ligeiro crescimento do Volume de Negócios registado em 2022, a saber:
- Grande concorrência de preços, na medida em que os concorrentes estão bastante industrializados e a EMP02... ainda utiliza um processo produtivo com uma forte componente de mão de obra, o que prejudica as suas margens.
- Têm enfrentado diversas reivindicações dos trabalhadores, assim como do sindicato, presente na EMP02..., e de reclamações que foram entregues ao ACT. Contudo, a EMP02... não tem condições para efetuar os investimentos necessários para colmatar as carências nas condições de trabalho, nomeadamente na fábrica de ..., onde inclusive ainda não conseguiu obter a licença de utilização para esta unidade fabril.
- Quanto ao futuro na área da indústria, a presença no mercado, e fundamentalmente junto da grande distribuição, entende a administração, que tal irá depender da capacidade de industrialização e de inovação. Trata-se por exemplo de tomar decisões de investimento que visem, garantir menor intervenção humana em determinadas fases do processo, controlar gramagens de produtos (níveis de incorporação de matérias-primas para melhor controlo de receitas), assegurar homogeneidade do produto final, estabilizar a produtividade (cadência produtiva) e assegurar a eficiência energética. Tudo isto obriga a que anualmente seja necessário efetuar investimentos.
- Segundo a administração em 2022 os investimentos planeados ascendem a 700.000 €, contudo tal não está a ser possível concretizar por falta de capacidade de liquidez e capacidade de endividamento.
- Por fim, importa ainda realçar a grande dificuldade em repercutir os sucessivos aumentos dos preços das matérias primas, situação agravada pelo recente conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia, o que origina perda de margem bruta na área industrial.
- Para efeitos do cálculo do valor da empresa apenas devemos considerar como ativo não afeto à atividade o montante de 2.061.321 €.
j) Atualmente a EMP02... tem um endividamento na ordem dos 7 milhões de euros.
l) Em 2022 a EMP02... apresentou resultados positivos.”

4.2. A decisão de facto carece de ser ampliada ?
4.2.1. Enquadramento jurídico

A decisão de facto pode apresentar diversas patologias:
i) - conter asserções conclusivas, genéricas ou matéria de direito;
ii) - revelar-se excessiva;
iii) - ser deficiente, obscura ou contraditória;
iv) - carecer de ampliação;
v) - não estar devidamente fundamentada;
vi) - haver erro de apreciação da prova, isto é, pode o tribunal a quo ter dado como provados factos que face à prova produzida deviam ter sido considerados não provados ou vice-versa.

As patologias referidas nos pontos i) a v) são de conhecimento oficioso, na medida em que constituem aplicação do direito processual; a patologia referida no ponto vi) carece de ser invocada, mediante impugnação da decisão de facto, referida no art.º 640º do CPC.

Dispõe a alínea c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC que a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
(…)
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.

À luz deste normativo, havendo deficiência, desde que os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente (n.º 1 do art.º 662º) o permitam, a Relação deverá ampliar a decisão de facto.

A decisão carece de ser ampliada se houver falta de pronúncia do tribunal a quo sobre factos essenciais à procedência da pretensão deduzida, ou seja, sobre factos que têm a virtualidade de preencher a previsão normativa (facti species) favorável a tal pretensão, na perspetiva do efeito pretendido, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso.

Sendo assim, o que está em causa é saber se a recorrente alegou factualidade essencial à sua pretensão de fixação do valor da sua participação social, que não foi considerada na decisão recorrida.

E neste ponto não podemos olvidar que factos relevantes são os que se inserem na previsão abstracta da norma ou normas jurídicas definidoras do direito cuja tutela jurisdicional se busca através do processo.

Como refere Pedro Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, I, 8ª edição, pág. 355-356: “Os factos não existem como tal. O que existe é a facticidade. É o acontecer constante, sem cortes nem descontinuidades. No fluir constante do acontecer, os factos são simples recortes artificiais no tecido da realidade. São pedaços da realidade que foram dela artificialmente recortados com o molde da previsão da norma. A partir da facticidade bruta, o critério da selecção do que interessa, do que é relevante para o Direito, é a previsão da regra jurídica candidata à aplicação. Do acontecer real só é aproveitado e autonomizado aquilo que possa ser subsumido à previsão de uma norma. Tudo aquilo que exista na realidade, mas que não esteja previsto em qualquer norma, é desconsiderado como irrelevante. O facto jurídico é, pois um pedaço da realidade que é dela recortado e autonomizado, sob o critério da sua correspondência à norma. O facto jurídico é, assim, algo que é construído a partir da norma”.

4.2.2. Em concreto – invocação da recorrente
A recorrente pretende se adite à factualidade provada o facto por si alegado no artigo 20º da P.I, segundo o qual “O aumento de capital feito em Fevereiro de 2020 teve como objectivo a aquisição potestativa das acções pertencentes à Autora”.

Salvo o devido respeito por melhor opinião, mas não se vislumbra em que medida o facto em referência – a intenção subjacente ao aumento de capital - é relevante para a decisão da causa.

É um facto que o aumento de capital foi deliberado na assembleia de 03/02/2020.

A intenção que está subjacente a tal aumento de capital é irrelevante.

O que relevará, em determinada perspectiva, é que aquele aumento de capital é, objectivamente, o facto que está na génese, que faz nascer a possibilidade de aquisição potestativa pela aqui Ré, pois foi com base nele que a mesma passou a dispor de acções correspondentes a mais de 90/prct. do capital social da EMP02..., SA, facto esse que, inclusive, deverá ser comunicado à administração da sociedade dominada (art.º 490º, n.º 1 do CSC), a qual, por sua vez e por dever de lealdade para com os minoritários (art.º 64º, n.º 1 alínea b) do CSC), deve comunicar aos mesmos.

De referir que também seria aquele facto que, objectivamente, conferiria à aqui A. o direito de requerer a alienação potestativa.

Em face do exposto, improcede este aditamento.

Pretende ainda a recorrente que a alínea l) dos factos provados tem um cariz conclusivo e genérico e deverá ser concretizada nos seguintes termos:
l) Em 2022, a EMP02... apresentou resultados positivos, assim:
 teve resultados líquidos positivos antes de impostos de € 503.335,79;
 teve um volume de vendas e prestação de serviços de € 17.277.565,50;
 Os capitais próprios da EMP02... atingiram o valor de € 2.697.000,00;
 O EBITDA atingiu o valor de € 1.339.533,00

A alínea l) dos factos provados tem o seguinte teor:
l) Em 2022 a EMP02... apresentou resultados positivos.”

É manifesto o carácter genérico e conclusivo da citada alínea l).

Como ficou referido, uma das possíveis patologias da decisão de facto, é conter asserções conclusivas, genéricas ou matéria de direito (realidade que vamos verificando, ocorre com inusitada frequência).

Tal patologia é de conhecimento oficioso, na medida em que constitui aplicação do direito processual, pois o n.º 4 do art.º 607º do CPC dispõe:
“Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados….”

Assim, na parte citada, este normativo dirige um comando ao juiz cujo sentido é este: na fundamentação (de facto) da sentença, só devem constar factos e não matéria de direito e/ou conclusões ou matéria genérica.

Resulta claro do citado normativo que na fundamentação de facto apenas cabem asserções de facto e não asserções conclusivas, genéricas, matéria de direito.

Já ensinava Alberto dos Reis in Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 12 que a atividade do juiz se deve circunscrever ao apuramento dos factos materiais, devendo evitar que no questionário entrem noções, fórmulas, categorias ou conceitos jurídicos, inserindo apenas, nos quesitos e na matéria de facto assente, factos materiais e concretos.

E Manuel Tomé Soares Gomes, in Da Sentença Cível, CEJ, 2014, in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202, pág. 19-22, no que diz respeito àlinguagem dos enunciados de facto”, 19-22, refere (sublinhados nossos) que deve ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas e de excessos de adjetivação.
Os enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a retratar com objetividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correção sintática e propriedade terminológica e semântica. A adequação dos enunciados de facto deve pautar-se pela exigência de evitar que esses enunciados se apresentem obscuros (de sentido vago ou equívoco), contraditórios (integrados por termos ou proposições reciprocamente excludentes) e incompletos (de alcance truncado), vícios estes que figuram como fundamento de anulação da decisão de facto, em sede de recurso de apelação, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC.
(…)
(…) as partes tendem a adestrar a factualidade pertinente no sentido estrategicamente favorável à posição que sustentam no seu confronto conflitual, daí resultando enunciados, por vezes, deformados, contorcidos ou de pendor mais subjetivo ou até emotivo.
Cumprirá, por sua vez, ao juiz, na formulação dos juízos de prova, expurgar tais deformações, sendo que, como é entendimento jurisprudencial corrente, não se encontra adstrito à forma vocabular e sintática da narrativa das partes, mas sim ao seu alcance semântico. Deve, pois, adotar enunciados que, refletindo os resultados probatórios, sejam portadores de um sentido semântico, o mais consensual possível, de forma a garantir que a controvérsia se desenvolva em sede da sua substância factual e não no plano meramente epidérmico dos seus modos de expressão linguística.”

Também Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 354-355, refere:
“A decisão de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento. Umas poderão e deverão ser solucionadas de imediato pela Relação; outras poderão determinar a anulação parcial do julgamento.
(…)
Outro vício que pode detetar-se (...), pode traduzir-se na integração na sentença, na parte em que se enuncia a matéria de facto provada (e não provada), de pura matéria de direito (…).
(…)
Por isso, a patologia da sentença neste segmento apenas se verificará, em linhas gerais, quando seja abertamente assumida como “matéria de facto provada” pura e inequívoca matéria de direito.”

Não pode haver dúvidas que afirmar-se que “Em 2022 a EMP02... apresentou resultados positivos.” é patente e manifestamente genérica e conclusivo.

Tal juízo não tem cabimento na decisão de facto, mas, eventualmente, apenas em sede de apreciação de direito.

Contendo a sentença asserções conclusivas, genéricas ou de cariz jurídico, coloca-se a questão de saber como o resolver.

Muito embora hoje não exista nenhum normativo idêntico ao antigo artigo 646º, n.º 4 do CPC revogado, que determinava terem-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e que se aplicava, por analogia, à matéria conclusiva, o princípio que estava subjacente ao preceito não desapareceu, como resulta do disposto no n.º 4 do art.º 607º, já supra referido e, em consequência, devem ser eliminadas da fundamentação de facto as asserções conclusivas ou que contenham matéria de direito,  como, aliás, é jurisprudência constante (cfr. Ac. do STJ de 28/09/2017, proc. 809/10.7TBLMG.C1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj;  Ac. desta RG de 20.09.2018, proc. 778/16.0T8BCL.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg; Ac. desta RG de 11.10.2018, proc. 616/16.3T8VNF-D.G1, consultável no mesmo sitio do anterior; Ac. do STJ de 19/01/2023, processo 15229/18.7T8PRT.P1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj).

Mas cabe agora perguntar se aquela asserção conclusiva poderá ser preenchida pela Relação.

Estamos perante um processo especial de liquidação de participações sociais, o qual integra o Capítulo XIV (Exercício de direitos sociais) do Título XV (Dos processos de jurisdição voluntária) do Livro V (Dos processos especiais) do Código de Processo Civil.

Integrando o mesmo os processos de jurisdição voluntária, aplicam-se as respectivas regras.

Assim, dispõe o n.º 2 do art.º 986º do CPC que o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes.

À luz deste normativo o tribunal pode “considerar outros factos (complementares, concretizadores, instrumentais, notórios, de que tenha conhecimento no exercício das suas funções ou que sejam constitutivos do desvio da função processual) para além daqueles que são alegados pelas partes“ (cfr. António José Fialho, Conteúdo e Limites do Principio do Inquisitório na Jurisdição Voluntária, pág. 96).

Em primeiro lugar impõe-se verificar que a factualidade em causa é patente e manifestamente superveniente – a IES em que a aqui A. se sustenta foi apresentada junto da administração fiscal a 2023-08-03 -, pelo que não é – nem podia ser - concretizadora de qualquer factualidade alegada pela aqui A. na petição inicial.

Em segundo lugar, o apuramento do valor da participação social é efectuado, em primeira linha, através da modalidade de prova pericial que é a avaliação, já que o tribunal não tem os conhecimentos especiais para tal, dada a complexidade (aliás patente nos autos) da matéria.
Assim, a referida factualidade, a ter relevância, seria no âmbito da prova pericial.
Sucede que a mesma é superveniente às perícias realizadas aos autos.

Mesmo admitindo a possibilidade de os senhores peritos serem confrontados com tal matéria a fim de se pronunciarem quanto à sua relevância e em caso positivo, incorporarem aqueles dados na perícia, tal questão devia ter sido suscitada pela a A. em 1ª instância. Não o tendo feito, tal questão seria aqui e agora uma questão nova.

Em face do exposto determina-se a eliminação da alínea l) dos factos provados e julga-se improcedente a sua concretização.

4.2.3. Em concreto - oficiosamente
i) O tribunal recorrido considerou provado – alínea a) – que a 3/02/2020, realizou-se uma assembleia geral da sociedade “EMP02..., Sa”, com o capital social de € 1.368.450,00, representado por 273 690 acções nominativas, cada uma delas com o valor nominal de 5 €.

Muito embora tivesse sido junta a Ata da referida Assembleia e tal documento não tivesse sido impugnado, o tribunal recorrido não faz qualquer referência ao objecto da ordem de trabalhos da referida assembleia geral e que era, nomeadamente e como consta da referida Ata:
“4. Discutir e aprovar uma proposta de aumento de capital, pela qual se propõe que a sociedade aumente o seu capital social em 1.400.000,00€ dos actuais 1.368.450,00€ para 2.768.450,00, aumento de capital que se propor seja integralmente subscrito pela acionista EMP01..., SA, e realizado em numerário na data da aprovação da deliberação de aumento do capital, aumento de capital que será representado pela emissão de 280.000 novas acções nominativas, cada uma delas no valor nominal de 5,00€, as quais serão entregues ao subscritor do aumento de capital social após a sua realização, passando o artigo 3º do pacto social a ter a seguinte (…) redacção: …”

Por outro lado, e pela mesma ordem de razões, o tribunal recorrido não faz qualquer referência ao facto de a referida proposta ter sido aprovada por maioria, com o voto favorável da acionista EMP01..., SA e com o voto desfavorável da accionista AA.

Ora, só com o aditamento destes factos se torna compreensível a factualidade referida na alínea c) dos factos provados: “
c) Em resultado da referida deliberação de aumento de capital social, este passou a estar representado por 553.690 acções nominativas, cada uma delas com o valor nominal de 5 €, sendo a Ré titular de 521590 acções, representativas de 94,20 % e a Autora 32 100 acções, representativas de 5,80 % do capital social da EMP02..., Ldª..

Em face do exposto determina-se o aditamento à factualidade provada, sob as alíneas a 1) e b 1), da seguinte factualidade:
a 1) A referida assembleia tinha como ordem de trabalhos, nomeadamente, o seguinte:
“4. Discutir e aprovar uma proposta de aumento de capital, pela qual se propõe que a sociedade aumente o seu capital social em 1.400.000,00€ dos actuais 1.368.450,00€ para 2.768.450,00, aumento de capital que se propõe seja integralmente subscrito pela acionista EMP01..., SA, e realizado em numerário na data da aprovação da deliberação de aumento do capital, aumento de capital que será representado pela emissão de 280.000 novas acções nominativas, cada uma delas no valor nominal de 5,00€, as quais serão entregues ao subscritor do aumento de capital social após a sua realização, passando o artigo 3º do pacto social a ter a seguinte (…) redacção: …”

b 1) a referida proposta foi aprovada por maioria, com o voto favorável da acionista EMP01..., SA e com o voto desfavorável da accionista AA.

ii) Por outro lado, a recorrida alegou, não foi impugnado e juntou prova documental, que também não foi impugnada, que permite considerar provado, por acordo, que a 03/02/2020, e em cumprimento do disposto no artigo 490.º, n.º 1, do CSC, a Ré comunicou à EMP02..., S.A. ser titular de ações representativas de mais de 90% do seu capital social.

E tendo em consideração o disposto no n.º 1 do art.º 490º do CSC, este facto é relevante para a boa decisão da causa.

Assim adita-se à factualidade provada um facto c 1) com o seguinte teor:
c 1)A 03/02/2020, e em cumprimento do disposto no artigo 490.º, n.º 1, do CSC, comunicou à EMP02..., S.A. ser titular de ações representativas de mais de 90% do seu capital social.

iii) Ficou provado sob a alínea d) dos factos provados: Por carta datada de 27/07/2020, a Ré apresentou à Autora proposta de aquisição potestativa das acções detidas na EMP02..., SA, pelo preço de € 119.733,00, correspondendo a um preço fixado de € 3,73, valor esse que foi fixado com base em relatório de ROC que anexou àquela carta.

Mas na referida carta, que está junta com a petição inicial, a aqui Ré declarou ainda:
“ Finalmente, cumpre declarar, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 490º, n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais, que, caso V.Exª não aceite, até ao dia ../../2020, esta proposta de aquisição das 31.100 acções nominativas de que V.Exa. é actualmente titular, representativas de 5,8% do capital social da EMP02..., SA, pelo preço de € 119.733,00, esta sociedade declara tornar-se, findo aquele prazo, titular das referidas 32.100 acções procedendo, nos termos do disposto no art.º 490º, n.º 3 e 4 do Código das Sociedades Comerciais.”

Esta factualidade é relevante para a boa decisão da causa, tendo em consideração o disposto no n.º 3 do art.º 490º, pelo que nos termos da alínea c) do n.º 2 do art.º 662º adita-se à factualidade provada uma alínea d 1) com o seguinte teor:
d 1) Na referida carta, que está junta com a petição inicial, a aqui Ré declarou ainda:
“ Finalmente, cumpre declarar, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 490º, n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais, que, caso V.Exª não aceite, até ao dia ../../2020, esta proposta de aquisição das 31.100 acções nominativas de que V.Exa. é actualmente titular, representativas de 5,8% do capital social da EMP02..., SA, pelo preço de € 119.733,00, esta sociedade declara tornar-se, findo aquele prazo, titular das referidas 32.100 acções procedendo, nos termos do disposto no art.º 490º, n.º 3 e 4 do Código das Sociedades Comerciais.”

iv) Finalmente verifica-se que a factualidade provada é omissa quanto a um facto essencial: o valor da sociedade EMP02..., SA.

Essencial porque será com base nesse valor que em sede de fundamentação de direito ser determinará o valor da participação social.

De referir que o valor da sociedade que se tem em vista é o valor real e não o valor contabilístico.

Impõe-se justificar por que consideramos tratar-se de um facto.

É objecto de discussão a distinção entre matéria de facto e de direito.

Tal discussão não tem aqui cabimento.

Apenas se impõe notar que: i) só casuisticamente se poderá afirmar o que é facto e o que é Direito; ii) em traços gerais podemos assentar que: a) é matéria de facto tudo o que respeita às ocorrências da vida real, todos os acontecimentos concretos da vida, que sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis, sejam eles realidades do mundo exterior, como realidades psíquicas ou emocionais do indivíduo; b) é matéria de direito tudo o que diz respeito à interpretação e aplicação da lei e dos negócios jurídicos.

O valor da participação é um facto, na medida em que o mesmo é pressuposto da definição judicial da contrapartida que o titular daquela tem direito pela sua aquisição potestativa pela sociedade que passou a deter mais de 90% do capital da sociedade dominada (art.º 490º, n.º 2 do CSC), titular esse que, considerando a contrapartida oferecida insatisfatória, requereu a fixação judicial do valor daquela, que é efectuada mediante avaliação judicial (1068º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi art.º 1069º), modalidade de prova pericial, apesar de hoje não figurar no CPC como tal.

 Destarte, o valor da participação não diz directamente respeito à interpretação e aplicação da lei, ainda que a avaliação tenha, eventualmente, de considerar aspectos jurídicos.

De notar ainda que a recorrente também suscita a questão do valor da participação, ainda que não o faça como ampliação da decisão de facto.

Mas esta Relação não está sujeita a tal qualificação.

De notar que o tribunal atribuiu a cada acção na titularidade da recorrente o valor de € 5,00.

Mas fê-lo por recurso à equidade, por considerar que os relatórios periciais eram contraditórios.

Porém, no caso o recurso à equidade só pode ser uma solução de fim de linha, pois a lei determina que o valor seja apurado mediante avaliação judicial.

 Assim, refere-se no Ac. da RL de 12/11/2009, processo 1423/08.2TYLSB-A.L1-8, consultável in www.dgsi.pt/jtrl (sublinhado nosso):
“Ora, saber e aferir in concreto qual o valor justo e adequado às participações sociais detidas de molde a reembolsá-las, não constitui tarefa fácil para qualquer Tribunal.
Trata-se, com efeito, de uma matéria complexa, a exigir, por isso, pareceres técnicos e avalizados de outros que são peritos e especialistas nessas matérias, e nas quais assentam o seu exercício profissional.
Obter um quantum exacto, ou pelo menos não desfasado da realidade fáctica e económico-financeira da sociedade, impõe que se chame à colação elementos directos e quantificáveis sobre o valor patrimonial da empresa, com tudo o que um juízo desta natureza encerra.
Não dependendo, por conseguinte, da mera vontade egoística de quem quer submeter ou absorver outras acções ou quotas, mas sim de critérios relacionados com o exercício do direito potestativo de aquisição, a análise da actuação da sociedade maioritária ou a aferição da justiça material das contrapartidas oferecidas numa perspectiva económica visando o objectivo primordial e único da lei: atribuir ao sócio minoritário uma compensação económica adequada e justa. Ou pelo menos, satisfatória, para utilizar a expressão vertida pelo legislador no nº 6 do art. 490º do CSC.
E só uma avaliação judicial da respectiva participação social garante essa determinação isenta, proporcional e adequada à compensação a fixar.

Se é certo que o n.º 6 diz que o autor pede que se fixa o valor da contrapartida em dinheiro, não diz que essa fixação seja efectuada por avaliação.

No entanto, não se vislumbra outra forma de fixar (judicialmente) o valor da participação social, como foi referido no já supra citado da Ac. da RL de 12/11/2009, processo 1423/08.2TYLSB-A.L1-8, consultável in www.dgsi.pt/jtrl:
E só uma avaliação judicial da respectiva participação social garante [a] determinação isenta, proporcional e adequada à compensação a fixar.”

Neste ponto importa referir que o CPC de 1961 previa como modalidades da prova pericial o exame, a vistoria e a avaliação.

E definia a avaliação (at.º 568º, n.º 3), dizendo-se que tinha por fim a determinação do valor dos bens ou direitos.

O regime da avaliação constava do art.º 569º - onde se dispunha sobre a fixação definitiva do valor, prevendo-se que quando a avaliação dependesse unicamente de operações aritméticas ou de cotações ou preços oficiais, o valor definitivo seria o que resultasse da aplicação desses meios; nos outros casos pertenceria ao tribunal – e dos artigos 603º a 608º (do art.º 603º previa os critérios de avaliação dos bens ali identificados e o art.º 604º previa quem fazia a avaliação).

Todos os referidos normativos foram eliminados na reforma de 1995.

Mas a avaliação de bens e direitos continua a ser uma necessidade processual e, nessa medida, integra a prova pericial, pois tem por fim a percepção de factos (o valor de um bem é um facto) por meio de peritos, já que são necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem (art.º 388º do CC).

E integrando a prova pericial fica sujeita ao respectivo regime, nomeadamente ao disposto no art.º 389º do CC – a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente -, colocando-se neste âmbito a questão dos critérios da valoração da prova pericial, tendo em vista formular um juízo sobre o mérito intrínseco e grau de convencimento a atribuir ao laudo pericial, nomeadamente quando os relatórios periciais sejam contraditórios (a este respeito cfr. Luís Sousa, Direito Probatório material, 2ª edição, pág. 195).

Nos autos de consignação em depósito foi ordenada a realização de uma perícia, tendo por objecto 6 questões colocadas pela aqui Ré, todas elas relativas aos métodos passíveis de ser utilizados na avaliação de uma empresa e 30 questões colocadas pela aqui A., com objecto diversificado.

O objecto central da perícia era definir o valor da EMP02..., SA para assim definir o valor da participação social que a aqui A. detinha na sociedade, objecto de aquisição potestativa pela A.

Precise-se que tinha em vista a definição do seu valor, ou seja, a mensuração do montante susceptível de ser atribuído a tal participação, como contrapartida da sua aquisição potestativa e não do seu preço, o qual resulta da interação entre a oferta e a procura e, mais concretamente da negociação entre as partes.

Foram juntos a estes autos os Relatórios periciais elaborados no processo judicial de consignação em depósito, tendo o 1º deles sido, aqui, objecto de reclamações e de esclarecimentos por escrito e tendo, aqui, os senhores peritos prestado esclarecimentos em audiência de julgamento.

Antes de entrar na concreta análise das duas perícias, importa saber “o que” determina e “como” se determina o valor de uma empresa.

Perpassa nas duas perícias que existem vários métodos de avaliação de empresas (sobre esta questão e na pesquisa efectuada ressalta uma permanente referência a Aswath Damodaran, Professor de finanças da Stern School of Business, na Universidade de Nova Iorque, que terá sistematizado tais métodos na sua obra “Avaliação de empresas).

E diz-se que “perpassa” porque apenas na segunda perícia e na resposta à questão 30, surge um brevíssimo apontamento sobre os métodos mais comuns de avaliação – (DCF e Múltiplos).

Tratando-se, como se trata, de matéria muito complexa e especialíssima, um enquadramento teórico sobre o problema central que é a avaliação de empresas e as metodologias utilizadas para tal, nomeadamente com referência à literatura especializada, teria sido importante para o tribunal se situar na matéria e, desse modo, melhor poder apreciar o conteúdo das asserções periciais.

Apesar disso e de todas as limitações inerentes ao facto de não sermos especialistas na matéria, impõe-se, previamente, tentar enquadrar os métodos de avaliação.

Os três grandes métodos são:

- o Patrimonial – o valor de uma empresa é encontrado através da avaliação dos seus ativos de forma individual, tanto intangíveis como tangíveis, sendo possíveis quatro sub-modelos: valor contabilístico, valor contabilístico ajustado, valor de liquidação e valor substancial.
O sub-método mais utilizado é o do valor contabilístico ajustado - o valor da empresa é igual ao valor do capital próprio ajustado, isto é, após verificar se os ativos e passivos identificados na contabilidade estão sobreavaliados ou subavaliados, o que implica analisar cada uma das rubricas do Ativo e do passivo, para verificar se estão correctamente mensurados na contabilidade.
Avalia a empresa do ponto de vista estático e, por isso, não tem em atenção a geração futura de cash flow da empresa, ou seja, não tem em consideração a sua continuidade, sendo considerado como o mais adequado a empresas em liquidação.
Considera-se que este método é o adequado quando se pretende liquidar uma empresa e estimar o valor que se vai gerar com a venda dos ativos individual e separadamente, ao invés de uma forma global.
- Discounted cash flows - relaciona o valor de um ativo com o valor presente dos cash flows futuros desse ativo, descontados a uma taxa que reflete o risco desses cash flows.
Daqui decorre que este método assenta em projecções.
Para este método, em geral, uma empresa vale mais ou menos consoante a capacidade em obter rendimentos futuros dos seus elementos, sejam eles patrimoniais ou de outra natureza.
Este método apresenta diversos sub-métodos: 1. Método da avaliação pelo capital próprio (Equity Valuation): onde se avaliam apenas os efeitos da participação do capital próprio na empresa; 2. Método da avaliação da empresa (Firm Valuation): onde se avalia a empresa por completo, para além da avaliação da participação do capital próprio também se tem em consideração a participação de outros detentores de obrigações, como por exemplo os obrigacionistas e acionistas preferenciais; 3. Método da avaliação do valor presente ajustado ou Método dos Fluxos de Caixa Atualizados (Adjusted Present Value Valuation) (e que a literatura sobre a matéria refere como sendo o mais utilizado): a empresa é dividida em partes onde primeiramente se avaliam as transações, adicionando posteriormente os efeitos da dívida de curto e longo prazo e outras obrigações não relativas a capital próprio, mas que façam parte do passivo da empresa.

- Relative Valuation - baseia-se na utilização de múltiplos sobre indicadores financeiros e económicos. O valor da empresa é obtido por comparação com empresas semelhantes e do mesmo sector de actividade, através da análise dos seus desempenhos operacionais, sendo os múltiplos mais utilizados o EV5/SALES - Enterprise Value to Sales (Valor de Mercado do Capital Próprio + Valor de Mercado da Dívida – Caixa e equivalentes + Inter. Minoritários) / Valor das Vendas; o EV/EBITDA - Enterprise Value to EBITDA (Valor de Mercado do Capital Próprio + Valor de Mercado da Dívida – Caixa e equivalentes + Inter. Minoritários) / Resultados antes de Juros, Impostos, Depreciações e Amortizações e o EV/EBIT - Enterprise Value to EBIT.
A determinação do múltiplo adequado para uma empresa pode resultar  subjectiva, uma vez que empresas verdadeiramente comparáveis raramente existem, pois cada empresa é uma empresa.
Além disso este método utiliza menos pressupostos do que a avaliação pelo método DCF, sendo ignoradas variáveis como o crescimento, o risco e os cash flows possíveis e, portanto, a imagem real da empresa e, assim, do seu valor, pode não ser completa.

A questão do método de avaliação foi colocada na perícia, sobretudo nas seis questões colocadas pela aqui Ré e que visaram única e exclusivamente os métodos dos Discounted cash flows (DCF) e do Relative Valuation e nas questões 24, 25, 26 e 28 da aqui A. .

A questão central da avaliação (e dos autos), de saber qual o valor da participação da aqui A. na sociedade EMP02..., SA, é a questão 30, que tem o seguinte teor:
“30. Qual o valor de cada uma das acções da sociedade tendo em conta o melhor método adequado á sua avaliação para os efeitos de aquisição tendente ao domínio total da mesma?”

Vejamos em primeiro lugar as respostas dos senhores peritos às referidas questões – método de avaliação e valor da participação social –, incluindo os pedidos de esclarecimentos escritos da Ré quanto à 1ª perícia (65 no total) para depois proceder à sua apreciação (análise eventualmente longa, mas absolutamente necessária porque, como já referido, a avaliação, enquanto modalidade de prova pericial, é absolutamente essencial nesta matéria e havendo, como há, juízos periciais divergentes, impõe-se coligir o maior número de elementos para proceder, tão aproximadamente quanto possível, a uma correcta fixação do valor probatório dos mesmos).

A - Questões colocadas pela aqui Ré:
- É possível aplicar o método dos Discounted cash flows em qualquer circunstância e quais as circunstâncias em que será menos aconselhável recorrer a tal método.

1ª perícia
Os senhores peritos responderam, por unanimidade, que tal método não pode ser aplicado a empresas em liquidação, por estar em causa o principio da continuidade da empresa.

E quanto à questão de saber em que circunstâncias será menos aconselhável recorrer a este método, os senhores peritos divergiram.

Os senhores peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal responderam que o referido método pode ser aplicado a todas as empresas em continuidade, mas, “em circunstâncias de maior volatilidade as previsões futuras deverão ser efectuadas com um (…) cuidado redobrado e eventualmente com recurso a análise de sensibilidade.”

O senhor perito indicado pela aqui Ré referiu que o método dos (DCF) “corresponde a uma aproximação intrínseca de valor, isto é, tem subjacente projecções de cash flows futuros inerentes à empresa (…) objecto de avaliação (difere, por conseguinte, da abordagem de custo – cost approach – ou de mercado – relative aproach).
Por norma, quando a fiabilidade das estimativas de fluxos de caixa futuros está condicionada a metodologia deve ser afastada (…)”
E depois referiu que “[n]um contexto de incerteza não é aconselhável a utilização desta metodologia, pois qualquer parâmetro que seja mal estimado pode distorcer de forma substancial os resultados da valorização obtida “ e “[s]endo esta metodologia de avaliação uma aproximação de valor intrínseco, é desadequado utilizá-la isoladamente, pois pode diferir bastante das avaliações de mercado. Em suma, se não enquadrada com as avaliações dos players comparáveis de mercado pode estar amplamente desfasada da realidade, podendo a sua análise revelar distorção face ao mercado.”

2ª perícia
Os senhores peritos responderam, também por unanimidade e de forma idêntica à primeira questão, tendo acrescentado que o método (DCF) não pode ser utilizado em conjunturas de grande instabilidade, em que o exercício de projectar está comprometido

- É possível utilizar o método dos (DCF) no cenário de Covid 19.

1ª perícia
Novamente divergiram os senhores peritos

Os peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal responderam que “era possível aplicar o DCF e o método dos múltiplos (de EBITDA), tendo em consideração que as projecções devem sempre basear-se em pressupostos o mais fidedignos possível.
O método dos múltiplos (de EBITDA) deve ser ajustado tendo por base uma due diligence que o corrigirá de fatores não recorrentes.”

O perito indicado pela aqui Ré respondeu que “apesar do nível de incerteza agudizado pela pandemia Covid 19, os múltiplos de mercado considerados irão basear-se em preços de mercado aplicados por entidades comparáveis, o que, pelo menos, garante uma aderência às práticas do mercado reais”, afirmando mais adiante que “[n]um cenário de incerteza quanto à capacidade da empresa em repetir o EBITDA histórico nos exercícios futuros é necessária alguma ponderação adicional corrigindo-se (reduzindo) o múltiplo a aplicar de forma a trazer prudência e razoabilidade ao exercício de avaliação ou alternativamente, mantendo o múltiplo, mas ponderando um EBITDA corrigido que espelhe o pré e o pós Covid.”

Esclarecimentos
Tendo os senhores peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal referido, na resposta à questão e) da aqui Ré, que “O método dos múltiplos (de EBITDA) deve ser ajustada tendo por base uma due diligence que o corrigirá de fatores não recorrentes”, perguntou a aqui Ré se os senhores peitos, para efeitos da avaliação através deste método, realizaram alguma due diligence.

Responderam os senhores peritos nos seguintes termos:
R: O Perito da Requerente – AA e o Perito nomeado pelo Tribunal entendem que não estava no âmbito desta peritagem efetuar qualquer tipo de Due Diligence.

2ª perícia
Os senhores peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal responderam de forma idêntica ao senhor perito da aqui Ré na 1ª perícia.

A senhora perita indicada pela aqui Ré respondeu que “o método DCF é possível ser aplicado ao atual momento“ e que “neste momento em que se efetua a segunda perícia já é possível vislumbrar os efeitos da pandemia.
A aplicação de múltiplos de EBITDA deve ter em consideração o EBITDA da empresa expurgado de ocorrências (ganhos ou perdas) não operacionais de forma a obter um EBITDA gerado apenas pela actividade operacional da empresa. De forma a obter um EBITDA mais estável é frequente utilizar a média do EBITDA apurado nos últimos três exercícios.”

B – Questões colocadas pela aqui A.

- Na perspectiva do interesse dos accionistas, sejam eles maioritários ou minoritários, o valor da EMP02... não deverá ultrapassar o montante que decorre da mera soma algébrica dos seus activos e passivos.

1ª perícia
Os senhores peritos, unanimemente, remeteram para a resposta dada à questão 21, onde se colocava a questão de saber se o aumento do capital social da EMP02..., SA não deveria ser levado em conta na valorização das acções dos sócios minoritários e à qual os senhores peritos responderam por unanimidade dizendo:
R: Os Peritos verificaram que o aumento do capital social no montante de 1 400 000, 00 € foi realizado tendo por base a subscrição de 280 000 novas ações subscritas ao valor nominal de 5,00 € cada. Os Peritos verificaram que em 31 de dezembro de 2019 o valor contabilístico das ações era superior ao seu valor nominal, pelo que para se garantir a paridade entre os anteriores acionistas e os novos acionistas deveria ter existido um prémio de emissão por cada nova ação emitida. O que não tendo existido, prejudica os anteriores acionistas, maioritários e minoritários, em virtude de o valor contabilístico das ações ser superior ao seu valor nominal.

2ª perícia
Os senhores peritos da aqui A. e do tribunal responderam:
“Sim, neste caso a entidade externa efectuou a sua avaliação independente e conclui que a empresa tem um valor inferior aos seus capitais próprios.”

A “entidade externa” a que os senhores peritos se referem foi identificada na resposta dos mesmos senhores peritos às questões 21 e 22, em que disseram:
21: “Apesar do valor contabilístico dos capitais próprios da EMP02... reportado ao período anterior, 2019, ser superior ao valor nominal do capital social, segundo o novo investidor, EMP03..., que entrou no capital da EMP02..., via EMP01..., no âmbito do ..., o justo valor da EMP02... era de 993.000 €, logo inferior ao valor dos capitais próprios.”

22:“ (…) Tendo em consideração que a empresa foi avaliada por uma entidade externa, no intuito de efetuar um investimento, a sua avaliação traduz o justo valor da empresa.
Note se que o EMP03... é uma entidade de renome no mercado, com um elevado valor de capitais sobre gestão e o seu negócio baseia-se na compra/venda de empresas, assim como na revitalização de empresas, que aliás era o espírito deste fundo em concreto, pelo que são especializados em avaliar empresas.”

A senhora perita da aqui Ré respondeu:
“ Sim, na medida em que o valor de uma empresa em continuidade não se limita à soma algébrica dos seus ativos e passivos.”

- O valor da EMP02..., SA não será melhor estimado por via do método dos fluxos de caixa descontados, porventura em conjugação em conjugação com outros métodos que apelem ao desempenho empresarial e não se fiquem por uma visão estática e de fim de vida das empresas.

1ª perícia
Os peritos responderam por unanimidade dizendo:
R: Os pressupostos de base que estiveram na resposta explanada ao quesito 21, pressupõe a avaliação da empresa com base no método patrimonial. No entanto numa perspetiva de empresa em continuidade, de facto existem outros métodos mais adequados à avaliação de uma empresa, nomeadamente o método dos cash flows descontados, o método dos múltiplos do EBITDA, ou até o método fiscal, tendo base o art.º 15 do Código do Imposto do Selo.

2ª perícia
Os senhores peritos da aqui A. e do tribunal responderam:
O valor da empresa determinado pelo EMP03... foi efetuado com recurso a um método muito utilizado pelos fundos de capitais de riscos, que se denomina múltiplos de EBITDA. Logo o valor da empresa não foi determinado com base numa visão estática, mas sim com base na performance da empresa.

A senhora perita da aqui Ré respondeu:
Sim. As empresas em continuidade são, normalmente, avaliadas pelo método dos fluxos de caixa descontados ou múltiplos de EBITDA.

Muito embora não estejam directamente relacionadas com os métodos de avaliação de empresa na persceptiva supra referida, a aqui A. colocou ainda duas outras questões que, em substância implicam com a metodologia de análise:

- É de atribuir um prémio à acionista minoritária correspondente à aquisição potestativa hostil, invocando ser o caso dos autos.

1ª perícia
Os senhores peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal responderam afirmativamente.

O senhor perito indicado pela aqui Ré respondeu que “não deve ser atribuído nenhum prémio à acionista minoritária. De acordo com o Perito nomeado pela Requerente, no momento prévio ao aumento de capital, a participação do sócio maioritário era de aproximadamente 88,30% do capital, ou seja, o sócio já detinha uma participação que lhe conferia o controlo da Sociedade. Num contexto de alienação de partes de capital que não conferem direito a controlo é comum adotar-se um desconto, comummente designado por Discount for Lack of Control (DLOC)1.
A metodologia que se utiliza em termos práticos para apurar o DLOC que consiste em calcular o preço pago por um título adquirido conferindo controlo e o seu valor de mercado em momento anterior, inferindo-se por essa via o adicional que é pago em situações que conferem controlo. Sendo que para efeitos de aquisições sem controlo corresponderá à percentagem de desconto a aplicar. De acordo com análises desenvolvidas sobre esta temática o DLOC ou desconto a aplicar situa-se no intervalo entre 20-30%.”

2ª perícia
Os senhores peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal responderam:
Caso esta aquisição lhe conferisse uma maioria simples ou qualificada eventualmente poderia existir um prémio, contudo a EMP01... já tinha uma maioria qualificada (88,3%) antes do aumento de capital. Neste contexto, esta aquisição na nossa perspetiva não tem que dar lugar a um prémio, se bem que tal decisão depende sempre da negociação entre as partes.

A senhora perita indicada pela aqui Ré respondeu:
Quer o Código das Sociedades Comerciais quer o Código dos Valores Mobiliários abordam o tema das aquisições e alienações potestativas, embora aplicáveis a situações diferentes.
Ambos os diplomas fazem referência à determinação do preço sem mencionar a existência de qualquer prémio adicional, contudo incluem medidas de proteção de minorias – como por exemplo a intervenção de um Roc independente.
Deixando assim que o preço, no caso de sociedades anónimas fechadas seja determinado por acordo entre as partes.
Contudo, saliento que uma participação inferior a 10% vê reduzidos os seus direitos nomeadamente o direito à informação.

- Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, qual o prémio especial a atribuir.

1ª perícia
Responderam os peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal nos seguintes termos:
“(…) o prémio deve ser alvo de negociação entre as partes por forma a que cada parte seja ressarcida pela aquisição potestativa. Não existindo um montante definido como referência do montante do prémio a pagar, deve, em cada situação a mesma ser negociada pelas partes.

O senhor perito da aqui Ré considerou a questão prejudicada

2ª perícia
Todos os senhores peritos consideraram a resposta prejudicada pela resposta à questão anterior.

- Qual o valor de cada uma das acções da sociedade tendo em conta o melhor método adequado à sua avaliação para os efeitos de aquisição tendente ao domínio total da mesma.

1ª perícia
Os Senhores peritos começaram por responder por unanimidade nos seguintes termos:
“R: De acordo com o expressado anteriormente e na opinião dos Peritos o método patrimonial, seria o método adequado numa ótica de liquidação. No entanto como referido anteriormente a empresa continua numa ótica de continuidade. Como também já referido não existe um método único de avaliação melhor do que outro, pelo que os Peritos irão evidenciar o valor de tais ações avaliadas pelos vários métodos.
Em virtude da não existência de unanimidade na resposta a este quesito, será apresentada a posição do Perito da Requerida – AA e do Perito nomeado pelo Tribunal, em consonância.
Também será evidenciada a opinião do Perito da Requerente – EMP01..., S.A.”

Os senhores peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal consideraram os seguintes “Pressupostos base”:
- Os Peritos avaliaram as ações tendo por base a data de 03 de fevereiro de 2020, como data base em que o Acionista maioritária obtém o Domínio;
- Para a avaliação realizada com base nos vários métodos a apresentar os Peritos basearam a sua avaliação tendo por Base o Plano de Negócios elaborado, tendo 2019 como ano “zero” e os anos de 2020 a 2025 como período de projeção, e que justificou e fundamentou o Aumento do Capital Social que permite a obtenção do Domínio;
- A Taxa de atualização, a WACC foi estimada tendo por base os dados do Damodaran à data atual (beta não alavancado e prémio de risco), e comparação com a WACC média do setor na Europa;
- Estimativa para o investimento em fundo de maneio com base nos Balanços previsionais de 2020 a 2025;
- Foram desconsiderados os Outros créditos a receber e Outras dívidas a pagar, pois os valores são significativos e poderão conter não só saldos de terceiros mas também especializações, que distorceriam a análise. Por simplificação e para não distorcer a análise, não foram considerados os saldos destas rubricas – somente Inventários, Clientes, Estado (ativo e passivo) e Fornecedores;
- Estimativa para investimento em capex de cerca de metade das depreciações, pois um valor igual à totalidade das depreciações parece demasiado elevado, face ao histórico de investimentos da empresa;
- Taxa g- crescimento na perpetuidade = 0;
- Cálculos para o Free Cash Flow e com base nisso, estimativa do Enterprise Value e do Equity Value (Dívida líquida de 31/12/2019), com valor residual.

De seguida incluíram vários quadros com as seguintes denominações:
- Demonstração dos Resultados Previsionais;
- Balanço Previsional;
- Avaliação Método dos Discounted Cash Flow (DCF);
- Avaliação Método dos Múltiplos;
- Avaliação Método do Código do Imposto do Selo (CIS);

E concluíram afirmando:
Em síntese e em face das Avaliações Apresentadas, os Peritos da Requerida – AA e o Perito nomeado pelo Tribunal consideram que a avaliação das ações representativas de 5,8% do capital social da sociedade EMP02..., S.A. situam-se entre os seguintes valores:

E juntaram de seguinte um quadro que em essência tem o seguinte teor:

MétodoValor de todas as participaçõesValor de 5,8%
Múltiplos de EBITDA17 894 031,64          1 037 853,84
Código do Imposto de Selo12 102 278,56701 932,16
Discounted Cash Flow38 206 513,14
2 215 977,76


O senhor perito indicado pela aqui Ré começou por considerar que “a avaliação das acções deverá ser efetuada com referência ao final do mês de julho de 2020 (27/07/2020), conforme referido na Ata de Tentativa de Conciliação (referência ...30) de 18/12/2020, “De seguida, ouvidas para o efeito, pelas partes foi dito que é crucial a realização da avaliação para efeitos de aferição do real valor da participação - à data da aquisição potestativa das acções por parte da Requerente, coincidente com a carta registada com Aviso de Recepção que remeteu à Requerida dando-lhe conhecimento que já procedeu ao depósito autónomo da quantia respeitante à referida aquisição - ainda que respeitando as regras do processo especial de consignação em depósito, no sentido de que abaixo do que já está depositado nos autos nunca será fixado tal valor, razão pela qual, se o Tribunal o entender, sempre se poderia determinar desde já a realização de tal avaliação.”
 
De seguida refere-se à “Abordagem patrimonial”, à “Abordagem de múltiplos de mercado”, à “Abordagem de Discounted Cash Flows, tendo concluído nos seguintes termos:
“Atendendo a que se equipara a aquisição potestativa das ações dos sócios minoritários como um sucedâneo da dissolução total da sociedade, a atribuição de um valor patrimonial parece adequado no contexto. Será sempre muito difícil a um acionista minoritário encontrar alguém interessado em adquirir a suas ações por um preço correspondente à respetiva quota parte do valor patrimonial da sociedade (conforme referido no quesito 28).
Importa ainda ter em consideração a diferença entre a atribuição de valor a uma ação e o preço de uma ação. A valorização, ao contrário do preço, não é um facto é uma opinião, um possível valor a pagar para ter os benefícios económicos futuros de um ativo (a empresa).
Entendo assim que o valor da avaliação das ações deveria resultar da valorização patrimonial com referência a julho de 2020 (27.07.2020).”

Porém, o Sr. Perito não concluiu por qualquer valor.

Esclarecimentos
Vejamos alguns dos pedidos de esclarecimento e respostas, selecionados pela relevância para a compreensão do caminho seguido pelos senhores peritos.

1: com que fundamento os senhores peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal decidiram proceder à avaliação da participação da aqui A. reportada à data de 03/02/2020 e não à data de 27/07/2020.

R: O Perito da Requerente – AA e o Perito nomeado pelo Tribunal, consideraram que a data da avaliação da participação era a data de 03/02/2020, porque representa a data do facto gerador da capacidade de utilização do instrumento jurídico da aquisição potestativa, através do aumento de capital social, que conduziu a uma participação detida superior a 90% do capital social.

2: o resultado da avaliação dos Senhores peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal, reportado a 03/02/2020, se tivesse sido efectuado à data de 27/07/2020, apresentaria o mesmo resultado de avaliação.

R: O Perito da Requerente – AA e o Perito nomeado pelo Tribunal, consideraram que se a avaliação em vez de ser realizada a 03/02/2020 se fosse realizada a 27/07/2020, apresentaria os mesmos montantes, em virtude de estarmos a considera[r] dados previsionais validados por plano apresentado pela Administração e que não tivemos evidencia que tenham alterado.

3: se a avaliação efectuada de acordo com o método dos Discounted Cash Flow assentava em dados reais.

R: O Perito da Requerente – AA e o Perito nomeado pelo Tribunal, o método de avaliação dos Discounted Cash Flow tem por base dados reais e dados previsionais.
Na avaliação efetuada e apresentada pelos Peritos a mesma considerou como dados reais a dívida líquida de financiamento existente a 31 de dezembro de 2019.

4: se a avaliação efectuada de acordo com o método dos Discounted Cash Flow assenta em projecções.

R: Na opinião de Todos os Peritos o método de avaliação dos Discounted Cash Flow (DCF) tem por base dados reais (ano base e dívida líquida de financiamento) e dados previsionais (cash flows futuros).
O Perito da Requerente – AA e o Perito nomeado pelo Tribunal na avaliação efetuada e apresentada foram considerados como projeções as evidenciadas no Plano de Negócios elaborada pela Administração e que permitiram obter os cash flow previsionais de 2020 a 2025.
O Perito do Requerido entende que não se deve pronunciar em face de não ter considerado este método como método de avaliação adequado.
 
13: se os senhores peritos fizeram a confrontação do plano de negócios com a performance real.

R: O Perito da Requerente – AA e o Perito nomeado pelo Tribunal, na data da realização da perícia ainda não existe qualquer dado real fidedigno que permita qualquer análise da performance real.

38: se os senhores Peritos, para efeitos da avaliação, através do método de avaliação dos múltiplos, realizaram ajustamentos.

R: O Perito da Requerente – AA e o Perito nomeado pelo Tribunal tiveram em linha de conta os EBITDAS médios dos últimos 5 anos. Não existem elementos no processo que nos indicassem a necessidade de se efetuarem ajustamentos. Foram utilizados os EBITDAS que as contas refletem e que não indicam nem se divulgam nas notas factos não recorrentes a ajustar.

39: não sendo efectuados ajustamentos, é possível afirmar-se que a avaliação de acordo com este método é fidedigna.

R: O Perito da Requerente – AA e o Perito nomeado pelo Tribunal entendem que a utilização de método dos múltiplos é admissível e fiável, se realizada previamente uma due diligence.
No entanto os Peritos entendem que na situação concreto o mais fiável e adequado será o método do DFC.

Foi perguntado aos senhores peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal que esclarecessem se a avaliação de acordo com o método do Código do Imposto do Selo seguia a fórmula prevista no artigo 15.º, n.º 3, do Código do Imposto do Selo, tendo os mesmos respondido afirmativamente.

E de seguida é pedido o seguinte esclarecimento:

54:  se a referida fórmula se destinava a calcular o valor tributável de participações sociais transmitidas de forma gratuita nos termos do Capítulo III, Secção II, do Código do Imposto de Selo.

R: O Perito da Requerente – AA e o Perito nomeado pelo Tribunal entendem que para efeitos de tributação fiscal, é utilizado este método pela Administração Tributária, como a forma de determinar o preço de custo em transmissões gratuitas, para efeitos da determinação das mais valias futuras, aquando de transmissão onerosa.

61: dos diferentes métodos utilizados pelos senhores peritos para realizar a avaliação, quais os que assentam em previsões e quais os que assentam em dados reais e verificáveis.

Os senhores peritos responderam:
Todos os métodos se baseiam em dados reais, sendo que o DFC também utiliza projecções.

65: se o prémio correspondente à aquisição hostil estava incluído no resultado da avaliação ou corresponde a um valor a acrescer àquele resultado de avaliação.

R: O Perito da Requerente – AA e o Perito nomeado pelo Tribunal, conforme evidenciado ao longo do relatório apresentado e aos pedidos de esclarecimentos, entendemos que o método a aplicar na avaliação da EMP02... S.A. é o Discounted Cash Flow (DCF), e no nosso cálculo o prémio já está incluído no valor apresentado.

2ª perícia
A questão 30 foi objecto de extensas respostas divergentes – de um lado os senhores peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal, do outro a senhora perita indicada pela aqui Ré.

Essas respostas constam de 21 páginas do Relatório, não tendo cabimento a sua integral transcrição.

Assim procurar-se-á fazer uma síntese do afirmado.

Os senhores peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal começam por referir que “[p]ara se proceder à avaliação da sociedade, os métodos mais indicados (…) serão os métodos baseados no rendimento da empresa.
Os métodos mais utilizados são os múltiplos de EBITDA e o método do Discounted Cash Flow.
A avaliação por múltiplos pode ser considerada uma metodologia de avaliação baseada no conceito de valor relativo. Isso significa dizer que, ao avaliar uma empresa, são utilizados múltiplos de outras empresas com atividade similar com o intuito de estimar qual deveria ser o valor da empresa analisada. Ou seja, o valor de uma empresa é baseado na forma como seus pares são avaliados no mercado.
Um múltiplo nada mais é do que a relação entre o valor de mercado de uma  empresa e uma outra variável, por exemplo, lucro, volume de negócios, EBITDA, entre outras. Portanto, para aplicar o método dos múltiplos é importante ter informação suficiente sobre transações de empresas semelhantes e comparar o valor dessas transações com um indicador de performance. Normalmente a principal variável/indicador para aplicar os múltiplos é o EBITDA.
Segundo o método de avaliação dos Discounted Free Cash Flow o valor da empresa é dado pelos valores esperados dos seus rendimentos futuros (FCF), atualizados a uma taxa que traduza uma remuneração adequada ao grau de risco da empresa.
Contudo uma sociedade é uma combinação específica de itens tangíveis e intangíveis que, em conjunto, têm como objetivo a obtenção de lucros para o negócio. Deste modo, o valor da sociedade não é só determinado pelo somatório dos rendimentos futuros atualizados, nem só pela soma dos itens individuais dos Ativos e Passivos, mas sim pela combinação de todos os itens envolvidos no negócio.
De facto, sendo uma Sociedade constituída por i) Ativos e Passivos necessários para as operações e ii) Ativos e Passivos não necessários para as operações, então estes itens devem ser avaliados separadamente.
Assim sendo i) os Ativos operacionais devem ser avaliados com base nos rendimentos futuros atualizados da Sociedade e ii) os Ativos e Passivos não operacionais devem ser avaliados numa ótica patrimonial.
O valor do rendimento futuro é por sua vez estimado através da atualização dos rendimentos esperados (cash-flows) resultantes da atividade, a uma taxa de atualização adequada ao risco inerente.
O valor do rendimento futuro é por sua vez estimado com base nas projeções económico-financeiras das empresas para os próximos anos (normalmente entre 5 a 10 anos), a partir das quais se calculam os respetivos rendimentos futuros esperados, dado pelo agregado Free Cash Flow, que traduz os fluxos disponíveis para remunerar acionistas e fornecedores de capitais alheios remunerados.”

E afirmam que a “avaliação é reportada a 2020”, sem qualquer outra indicação, nomeadamente ao mês.

Depois procedem a “uma análise económico-financeira da empresa à data da Avaliação e a sua evolução até á presente data” referindo que “a situação financeira da empresa é bastante deficitária”, reportando-se quer ao nível de autonomia financeira, quer ao nível e endividamento e que à data da avaliação a EMP02..., SA tinha dívidas à Segurança Social e indicando, no âmbito da “sua situação económica e da sua rentabilidade”, que “os capitais próprios atuais já são inferiores a metade do valor do Capital social, ou seja, em 2021 os capitais próprios são de € 1.261.000,00”

Neste ponto importa consignar que parte do que consta do Relatório neste âmbito (páginas 21 a 23), consta da alínea i) dos factos provados.

Depois os senhores peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal referem (sublinhado nosso):
“Para efetuarmos as projeções, para efeitos de determinação dos Free Cash Flow futuros, solicitamos informação sobre a evolução previsível dos principais indicadores da empresa, bem como das contas mais recentes reportadas a Abril de 2022.
Com base nesta informação projetamos os resultados da empresa para os próximos 4 anos, ou seja, até 2025. Note-se que para efeitos de avaliação temos que incluir os anos de 2020 e 2021, contudo os resultados já são conhecidos e como tal foram utilizados os valores declarados nas demonstrações financeiras da empresa, não havendo necessidade de os estimar.”

E referem depois “os pressupostos mais relevantes para efeitos das projeções efetuadas”:
 Volume de negócios:
o A projeção do volume de negócios para 2022 foi efetuada com base na evolução das vendas até Abril, em comparação extrapoladas para o final do ano;
o Neste contexto, em 2022 constata se a seguinte evolução:
 Vendas Mercadorias e Produtos: um crescimento de 10% face ao período homologo de 2019 (período anterior à pandemia);
 Prestação de serviços: uma quebra de 50% face ao período homologo de 2019; esta quebra justifica se pelo encerramento de 6 lojas (em 2019 a empresa tinha 16 lojas em funcionamento e em 2022 existem apenas 10 lojas);
o Para os restantes anos consideramos um crescimento médio anual de 2%;
 Margem Bruta:
o Apesar da pressão inflacionista sentida nos últimos meses de 2022, por prudência, consideramos a margem bruta de 2021;
 FSE:
o Para efeitos de projeção consideramos um crescimento médio anual de 2% face a 2021;
o Corrigimos os FSE em 60.000 € ano, correspondente ao valor das rendas debitadas pela EMP05..., EMP06... e Sr. DD, uma vez que consideramos que estes imóveis apesar de estarem em entidades relacionadas fazem parte da atividade operacional da EMP02... (ver comentários abaixo);
 Gastos com Pessoal:
o Para 2022 consideramos o valor dos gastos a Abril projetados extrapolados para o ano completo;
o Para os anos seguintes consideramos um crescimento médio anual de 2%;
 Outros Gastos e Rendimentos:
o Para efeitos de projeção consideramos os valores de 2021.”

E com base nestes pressupostos apresentam um quadro com a demonstração de resultados previsionais de 2020 até 2025.

De seguida afirmam:
“De seguida calculamos os Free Cash Flow previsionais com base nos seguintes pressupostos:
- O nível de investimento para efeitos de projeções é igual ao montante das amortizações dos ativos fixos tangíveis;
(…)
- Para o cálculo do imposto sobre o rendimento, consideramos apenas valor para o último ano, na medida em que nos anos de 2020 e 2021 foram gerados prejuízos fiscais a descontar nos anos seguintes;
Para efeitos de atualização dos Free Cash Flow utilizamos uma taxa de desconto, calculada segundo o método do WACC, no valor de 7,34 %, tendo sido considerado para o calculo do valor residual uma taxa de crescimento de 1%.”

E, afirmam, “[c]om base nestes pressupostos chegamos aos seguintes valores de Free Cash Flow:”, juntando um quadro em que sob a denominação de “total cash-flow actualizado” consta o valor de (–) 2.260.765 € e sob a denominação de “Valor residual” consta 4.922.646, referindo a seguir:
“Com base no método do Discounted Free Cash Flow o valor da empresa é igual ao valor do negócio, obtido pelo desconto dos Free Cash Flows projetados, descontado do passivo financeiro e acrescido do valor dos ativos não afetos à atividade.”

E consideram que “o valor do passivo financeiro obtido pelas contas da empresa à data da avaliação é igual a 4.386.656 €. Este valor resultado da soma das dívidas a instituições financeiras, das dívidas em mora ao estado e segurança social, descontado das disponibilidades à data.”

No âmbito do valor dos ativos não afetos à atividade, referem que “nas contas da empresa à data da avaliação” há um valor relativo a participações financeiras e um valor na rúbrica créditos a receber no ativo não corrente, referindo depois que as participações são na EMP05... e na EMP06... e os créditos a receber são, também, das referidas entidades.

Referem ainda que parte dos ativos das referidas entidades, “composto essencialmente por imóveis, respeitam a imóveis utilizados na actividade da EMP02...” e mais adiante que “para efeitos de identificar quais os ativos afetos e não afetos à actividade é importante analisar o património destas duas empresas (EMP05... e EMP06...)”, desenvolvendo depois essa análise em que se inclui, por exemplo, no que respeita à EMP07..., “dívida a receber do sr. EE”.

E terminam afirmando que “para efeitos de cálculo do valor da empresa apenas devemos considerar como ativo não afeto à atividade do montante de 2.061,321 €”, juntando para o efeito um quadro explicativo

Concluem afirmando:
“Neste contexto, somos da opinião que o valor da empresa segundo o método do Discounted Free Cash Flow é igual a 336.545 € e tendo em consideração que o capital social está representado por 553.690 ações, então o valor por ação é de 0,608 €, conforme se descreve no quadro abaixo:” quadro que não foi apresentado (ainda que se possa afirmar que o valor de 336.545€ é o resultado do seguinte cálculo: 4.922.646 – 2.260.765 - 4.386.656 + 2.061,321.

De seguida referem:
No que respeita ao método dos múltiplos de EBITDA, para efeitos de determinação do valor da empresa consideramos os seguintes pressupostos:
 EBITDA:
o Consideramos para efeitos de avaliação a média dos últimos 3 anos, antes da pandemia.
o Note se que se utilizarmos o EBITDA de 2020 e 2021 o valor é negativo.
 Múltiplo:
o Para efeitos de calculo do valor da empresa, utilizamos um múltiplo de 5;
(…)
Com base nestes pressupostos, o valor dos capitais próprios da empresa é de 1.702.517 €, conforme se pode constatar pelo quadro abaixo.
(…)
Em conclusão, considerando que quando se avalia uma empresa não existe um “valor exato”, até porque nenhum dos métodos contempla todos os parâmetros que contribuem para o PVT (provável valor de transação), somos de opinião que o PVT (provável valor de transação) a adotar seja melhor sustentado, se for o resultado da média dos valores obtidos nos dois métodos de avaliação adotados.
Tendo em conta o anteriormente referido, o valor da empresa será cerca de 1.020.000 €, ou seja, o valor por ação será de 1,84 €, considerando que que o capital social está representado por 553.690 ações.”

A senhora perita indicada pela aqui Ré, começa por referir que “tratando-se de uma empresa em continuidade os métodos mais indicados, são os métodos baseados no rendimento da empresa, como sejam o método do Discounted Cash Flow e múltiplos de EBITDA.”

A mesma afirma que reporta “a avaliação ao final de 2019, por ser a data mais próxima da data da oferta de aquisição.”, referindo ainda que analisou as demonstrações financeiras históricas de 2017 a 2019 e que para estimar “os cash flows futuros partiu das demonstrações financeiras de 2020 e 2021 (valores reais) bem como do balancete reportado a abril de 2022.”

Afirma depois que “o exercício de 2022 foi projetado com base na atividade real do primeiro quadrimestre de 2022 – pressupondo que o exercício de 2022 irá decorrer de forma semelhante ao primeiro quadrimestre do ano.
Os exercícios de 2023 a 2025 foram projetados tendo por base o exercício de 2022.
Foram considerados os seguintes pressupostos:
Correção da inflação às diversas rúbricas de gastos e rendimentos de 2%. A
EMP02... encontra-se a efetuar diversos investimentos em edifícios e equipamento básico. De 2019 a 2021 investiu cerca de 2 961 milhares de euros.
Estimamos a continuação destes investimentos, de 2022 em diante, na proporção das depreciações de ativos fixos tangíveis referentes a 2022, ou seja, estimamos investimentos anuais na ordem dos 445 milhares de euros. Perfazendo um
investimento global de 2010 a 2025 na ordem dos 4 741 milhares de euros.
Vendas: em 2022 foi considerado a anualização das vendas ocorridas até abril de 2022. Para 2023 em diante foi estimado um crescimento das vendas de 3%.
Considerando que 2% corresponde à correção da inflação e apenas 1% correspondente a ganhos de eficiência com o elevado investimento efetuado e proposto.
Prestação de serviços: em 2022 foi considerado a anualização das prestações de serviços ocorridas até abril de 2022, sem considerar que nesta atividade quer o verão quer o período de Natal representam acréscimo do volume de negócios. Para 2023 em diante foi estimado um crescimento das prestações de serviços de 4%. Considerando que 2% corresponde à correção da inflação e apenas 2% correspondente a ganhos de eficiência com o elevado investimento efetuado e
proposto (salientamos que as lojas foram objeto de remodelação).
Margem Bruta: Manutenção da margem bruta verificada em 2021.
Fornecimentos e Serviços Externos: em 2022 foi considerado a anualização dos
gastos com FSE ocorridos até abril de 2022. Nos exercícios seguintes consideramos um crescimento de 2% generalizado a toda a rúbrica de forma a corrigir apenas os efeitos da inflação.
Gastos com pessoal: em 2022 foi considerado a anualização dos gastos com pessoal ocorridos até abril de 2022. Nos exercícios seguintes consideramos um crescimento de 2% generalizado a toda a rúbrica de forma a corrigir apenas os efeitos da inflação.
Outros gastos e perdas operacionais - em 2022 foi considerado a anualização destas rúbricas ocorridos até abril de 2022. Nos exercícios seguintes consideramos um crescimento de 2% generalizado a todas as rúbricas de forma a corrigir apenas os efeitos da inflação.
Depreciações e amortizações – considerámos o valor das amortizações e depreciações em 2021 e correspondentes depreciações decorrentes do investimento anual a efetuar.
Imposto sobre o rendimento: uma vez que a entidade vem reconhecendo ativos
por impostos diferidos, sinal que acredita na recuperação dos prejuízos fiscais,
consideramos a sua utilização.”

E considerou ainda:
Por considerarmos que os ganhos/perdas obtidas de entidades participadas não são resultados da atividade operacional da empresa, são resultados de investimentos financeiros efetuados noutras entidades, e como tal, ativos não operacionais, não foi efetuada qualquer estimativa para esta rúbrica. Da mesma forma, expurgamos do cálculo do EBITDA todos os ganhos e perdas considerados não recorrentes ou operacionais como sejam as imparidades, provisões e mais e menos valias.
Consideramos ainda a manutenção do prazo médio de recebimentos e pagamentos bem como a manutenção do nível de inventários.

E juntou um quadro de Demonstração com dados históricos - 2017 a 2019 – e projecções financeiras de 2020 a 2025 e um balanço com idênticos referenciais.

E conclui nos seguintes termos:
De acordo com este método, o valor da empresa para os acionistas corresponde ao somatório do valor atual dos cash-flows gerados pela atividade operacional acrescido do valor residual. Salientamos que para o cálculo do valor residual foi apenas considerado um crescimento de 1%, valor inferior à taxa de inflação.
Ao somatório dos cash-flows (operacional e residual) acresce o valor dos ativos não afetos à exploração e por isso não refletidos no valor do EBITDA e deduz-se a divida financeira líquida.
Os ativos não afetos à exploração, tal como expressa o balanço, correspondem a participações financeiras e empréstimos efetuados às sociedades EMP05... e EMP06..., nos montantes de 1 654 757 euros e 4 519 633 euros respetivamente.
A dívida financeira líquida corresponde ao somatório dos financiamentos obtidos e dívida à segurança social, deduzido do excesso de liquidez, perfazendo o total de 4 386 656 euros, reportado ao período de 2019.
Desta forma, de acordo com o método do Discounted Cash Flow e nos pressupostos conservadores atrás enumerados, o valor do capital próprio da EMP02... corresponde a: (…)”

E junta um quadro onde consta que o “valor actual total do capital próprio“ é € 8.738.991,00.
           
De seguida refere:
“Para a avaliação com base no método dos múltiplos do EBITDA, utilizamos o EBITDA ajustado determinado na demonstração de resultados apresentada acima, considerando a média do EBITDA para os exercícios de 2017 a 2019.
Para a determinação do múltiplo do EBITDA a utilizar consideramos a informação disponibilizada pelo site ..., para a europa, considerando todas as empresas quer tenham EBITDA positivos ou negativos. Considerando o negócio da EMP02... consideramos poder incluir-se nos seguintes setores:
Setor                                                Múltiplo
- Food Processing                                         16,38
-Retail (Grocery and food)                              9,41

Pelo que, de acordo com o método dos múltiplos, determinamos o valor dos capitais próprios da EMP02... [utilizando o múltiplo de 9] em (…) 9.037.867,00.
Desta forma o real valor da empresa situa-se entre 8 739 milhares de euros e 9 038 milhares de euros.
Considerando que o capital social da EMP02... é composto por 553 690 ações o valor de cada ação situa-se entre 15,78 euros e 16,32 euros.”

Foram ainda ouvidos os esclarecimentos orais prestados em audiência de julgamento.

O Sr. Perito indicado pelo tribunal na 1ª perícia declarou que utilizaram dados reais da empresa reportados a 31 de Dezembro de 2019 e o plano de negócios previsional da administração da empresa aquando do aumento de capital de 03/02/2020, tendo depois utilizado os métodos DCF, múltiplos e imposto de selo, indicando os vários cenários.

Explicou os referidos métodos, referindo, quanto ao primeiro método que utilizaram o plano de negócios previsional que justificou o aumento de capital, com uma taxa de actualização para o momento actual; quanto ao segundo, foram utilizados dados do site “Damodaran”, que tem a ver com o coeficiente aplicado ao sector de actividade, complementado com o risco do país; o último é o utilizado pela Autoridade Tributária.

Explicou ainda que o site “Damodaran” é do professor norte-americano já supra citado e que o senhor perito considera uma referência na matéria da avaliação de empresas; os índices do referido site relativos à rentabilidade são de referência mundial e também Portugal, podendo ser aplicado á EMP02..., SA.

Declarou também que a fundamentação do plano previsional de negócios cabe à administração da EMP02..., SA, cabe à administração da empresa. No entanto, a evolução do volume de negócios ali considerado, foram considerados “reais previsionais”.

A avaliação foi feita ao momento, sem consideração dos factos positivos ou negativos posteriores. Os dados conhecidos eram de 31 de Dezembro de 2019 e que estavam auditados, a que foram juntos os dados previsionais da empresa.

Os métodos que o Senhor perito costuma utilizar são os referidos supra. Há outro método, o patrimonial, mas este tem em vista empresas em liquidação e não em continuidade.

Tiveram acessos às contas da empresa e ao plano previsional de negócios.

O senhor perito indicado pela aqui Ré na 1ª perícia afirmou que para ele não fazia sentido utilizar o plano previsional de negócios da administração, tendo em consideração a situação da Covid 19; aquele plano estava datado; além disso o referido plano tinha em vista captar um investidor, tendo de passar uma imagem mais bonita que a realidade; referiu ainda que o método dos DCF baseia-se essencialmente em projecções futuras, pelo que se o perito disser que são boas, resulta numa avaliação “boa”, se disser que são más, resulta numa avaliação “má”; incorporar os efeitos do Covid 19 fará toda a diferença, pelo que se for ambicioso quanto ao futuro, a avaliação será boa; se se for conservador, a avaliação resultará abaixo; quanto aos múltiplos utilizados, em Portugal o sector do Food Processing não tem nenhuma empresa e o sector do Retail (Grocery and food) apenas tem duas empresas - a EMP08... e a EMP09... - , pelo que é fora de contexto comparar com a EMP02..., SA; os resultados periciais são diferentes devido ao facto de cada um dos peritos utilizar pressupostos diferentes; perguntado se a avaliação da 1ª perícia era conservadora ou optimista, respondeu que a 1ª perícia considerou um “business plan” optimista (previa uma facturação de 18 milhões e até Novembro de 2020 obteve 12 milhões) porque era para captar um investidor e não teve em consideração a realidade do Covid 19; a empresa continuou após o Covid 19, mas leva uma “mochila de dívida“ aumentada.

A Sra. Perita indicada pela aqui A. na 1ª perícia referiu que os pressupostos da avaliação foram o facto de se estar perante uma aquisição potestativa, a possibilidade dessa aquisição resulta do aumento de capital deliberado a 03/02/2020, as contas mais credíveis são as 31 de Dezembro de 2020 e a administração elaborou um plano de negócios e se tivesse sido passado um cheque à aqui A. naquela data a mesma não iria comungar no activo e passivo, nomeadamente o facto de se estar em Covid, não havia elementos que permitissem levar em linha de conta os efeitos do Covid, que ainda hoje estão em desenvolvimento; as avaliações foram efectuadas com métodos científicos, utilizando os dados do site do “Damodaran”; o método do Imposto de Selo tem sido utilizado pela senhora perita em situações em que se pretende alcançar um acordo em empresas familiares e em avaliações pela Autoridade Tributária; se houvesse uma doação haveria uma avaliação de acordo com o referido método.

O Sr. Perito indicado pelo tribunal na 2ª perícia referiu que utilizaram os métodos do DCF e dos múltiplos, os pressupostos foram os mesmos, mas houve uma diferença no resultado final por o mesmo e o Senhor perito indicado pela A. terem deduzido os investimentos imobiliários porque ao calcularem a exploração e fazer a respectiva actualização, já está incluída a amortização dos investimentos e senhora perita indicada pela aqui Ré entendeu não fazer essa dedução; não teve conhecimento do resultado da 1ª perícia; a EMP02..., SA tem investimentos financeiros que na realidade não o são, porque são investimentos produtivos, são os pavilhões, as lojas; estão registados na contabilidade como investimentos financeiros e qualificaram-nos como activos corpóreos, de que precisa para funcionar e não os consideraram no valor da empresa; a diferença entre as duas posições são de 4 milhões.

O Senhor perito indicado pela aqui A. na 2ª perícia interveio para dizer que os métodos são os mesmos; a grande diferença entre a 1ª perícia e a segunda perícia tem a ver com as projecções; a 1ª perícia utilizou o plano de negócios que era muito optimista, que tinha resultados que a empresa nunca tinha tido, a empresa tinha dívidas em “mora” (tendo o Ilustre mandatário da A. referido que estavam em pagamento prestacional), recorreu ao Fundo Revitalizar (foram suscitadas dúvidas quanto a esta afirmação); o plano de negócios está desfasado da realidade, em virtude do surgimento do Covid 19; quando fizeram a avaliação, reportaram-se a Julho de 2020, em plena situação Covid, com dificuldades em continuar; a 2ª perícia é feita pós Covid, com a vantagem de se saber o que aconteceu e nesse momento a empresa tem um passivo de 7 milhões, porque teve prejuízos em 2020 e 2021; a 1ª perícia parte de projecções muito optimistas; a 2ª perícia parte de projecções que já tinham acontecido – 2020 e 2021; projectaram 2022 e os três peritos da 2ª perícia chegaram ao mesmo valor; a partir daí – 2023 e seguintes - há uma diferença:  a Sr. Perita indicada pela requerida é mais optimista, tendo calculado um crescimento da empresa em 1% - não sabe qual dos dois está certo, tanto podendo ter razão um ou outro, “só o futuro o dirá”; mas a diferença essencial reside no momento seguinte: quando os senhores peritos da aqui A. e do tribunal procederam ao cálculo do valor da empresa pelo DCF, calculam os resultados futuros esperados, actualizam para a data actual, neste caso Julho de 2020, a taxa utilizada é a mesma e a seguir tem de somar os activos que não estão afectos à actividade, ou seja, investimentos que a empresa tenha, excesso de liquidez, investimentos financeiros e tem de os somar; e aqui divergem da senhora perita indicada pela aqui Ré, a qual somou o investimento que a empresa tem em duas empresas - a EMP07... e a EMP06... – o que os senhores peritos não fizeram porque a EMP06... a única coisa que detêm é a fábrica de ..., ou seja, está em investimentos financeiros porque tem um imóvel, mas se fizer a consolidação das contas deixa de estar como investimento financeiro e passa a estar como activo fixo operacional, é utilizado na fabricação; a EMP05... tem 3 ou quatro imóveis, sendo um a fábrica de ... e três lojas, sendo estas usadas pela EMP02..., estando em investimentos financeiros porque são detidas por uma empresa que é detida a 100% pela EMP02..., mas se consolidar as contas deixar de estar em activo financeiro e passa a estar em activo operacional; a EMP07... tem 2 milhões de euros de investimentos imobiliários que não fazem parte do negócio e que o senhor perito entende que têm de ser somados ao valor da empresa, ao valor livre de cash-flow; a senhora perita soma 6 milhões, aqui residindo a principal diferença; é preciso ter cuidado a utilizar o site “Damodaran” porque o mesmo é feito por negócios de grande dimensão e empresas saudáveis; normalmente Portugal não tem empresas nesse site; a EMP02... tinha dificuldades financeiras.

A senhora perita indicada pela aqui Ré na 2ª perícia referiu que o método dos múltiplos não é para ser utilizado sozinho; para se obter o múltiplo, tem de se obter informação de mercado; “Damodaran” é um professor muito conceituado nesta área das finanças, faz avaliações das transacções que são efectuadas anualmente nos diversos mercados e publica informação separada para as Américas, Europa; basta considerar a dimensão da Europa e Portugal é pequeno; é difícil obter informação de empresas de pequena e média dimensão e familiares para completar os efeitos dos múltiplos; os negócios que são conhecidos são de grandes empresas, porque é a informação que está disponibilizada, que é pública; quando esta informação financeira é trabalhada, ele consegue expurgar, por exemplo, a dívida; o indicador é acompanhado de diversas informações que permitem aos avaliadores fazer um trabalho mais refinado nas suas análises; o múltiplo é utilizado como barómetro para outros métodos; na avaliação consideraram os dados reais relativamente aos anos de 2020 e 2021; 2022, usaram dados reais até Abril, onde está incluído o efeito Covid e que foi o que foi disponibilizado e a partir daí foi projectado; divergiu do perito do tribunal e da aqui A. no que respeita à projecção do volume de negócios, que considerou ser de 3% e os restantes peritos consideraram ser de 2%, tendo sido todos conservadores ao nível das projecções; consideraram todos uma correção dos gastos de 2%, valor semelhante à inflação que haveria na altura; se corrigissem o volume de negócios apenas em 2% apenas estavam a corrigir a inflação em dois sítios, o que significava que a empresa não ia crescer, havendo apenas uma actualização da inflação; a empresa fez investimentos e os outros senhores peritos, porque conheciam a empresa, sabiam que a empresa carecia de mais investimentos, informação que não estava disponibilizada nos Relatórios e Contas; mas se a empresa fez investimentos em 2020 e em 2021, aceitou que continuaria a fazer investimentos nos anos seguintes; nos EBITDA’s que obtêm, vai descontar o investimento que a empresa faz, investimento de expansão e em fundo de maneio; foi pacífica a redução no que respeita ao investimento em fundo de maneio; quanto ao investimento de expansão, para o abater tem de haver expansão; tinha de fazer uma escolha: ou fazia o volume de negócios estável a 2% e não reduzia o investimento de expansão; ou considerava alguma expansão; como lhe pareceu lógico que a empresa continuasse a fazer investimentos a este nível, então tinha de aumentar o volume de negócios mais aumentava os gastos, sob pena de não ser coerente; mas por prudência manteve a margem bruta, pelo que em termos finais não tem um aumento de 1%, mas menos; explicou ainda que aos valores dos cash-flows líquidos deduz-se a dívida financeira à data a que é reportada a avaliação – Dezembro de 2019 – e tem de somar todos os outros activos que não fazem parte da actividade operacional; e olhando objectivamente para o balanço, encontra no mesmo participações financeiras e créditos a receber, que não resultam da actividade operacional da empresa pelo que tem de os somar aos cash-flows; considerou objectivamente o que está nas contas da empresa EMP02..., SA;

O Sr. Perito indicado pelo tribunal na 1ª perícia referiu que o múltiplo que utilizaram foi de 16, referido na pág. 21 do Relatório; a senhora perita indicada pela Ré na segunda perícia referiu que o múltiplo que utilizou foi 9; e os senhores peritos do tribunal e da aqui A. na 2ª perícia referiram que o múltiplo que utilizaram foi 5.

A Sra. Perita indicada pela aqui A. na primeira perícia referiu que o múltiplo utilizado (16) era o que estava no site de Damodaran à data da realização da avaliação para o sector de transformação alimentar, com EBITDA’s positivos; utilizaram o múltiplo que foi utilizado em todos os negócios de aquisição de empresas no sector da transformação alimentar.

A Sra. Perita indicada pela Ré na segunda perícia referiu que na página 39 do Relatório da 2ª perícia refere o Múltiplo para dois sectores: o do Food Processing,                                         16,38, utilizado pelos senhores peritos do tribunal e da aqui A. na 1ª perícia e a mesma utilizou o múltiplo relativo ao Retail (Grocery and food) de 9 (no Relatório aparece como sendo de 9,41), porque entendeu que a empresa, além de fazer transformação de produtos, também vendia produtos, parecendo-lhe mais adequado utilizar o múltiplo de 9 para corrigir alguma diferença relativa à dimensão da empresa.

O Sr. Perito indicado pela aqui A. na 2ª perícia referiu que não utilizou nenhum múltiplo de Damodaran porque este mais não é do que recolher informações de transações que aconteceram e em que intervieram investidores que querem ganhar dinheiro; a empresa em causa está em dificuldades, tem um Fundo Revitalizar lá dentro para tentar revitalizar a empresa, não faz sentido aplicar um múltiplo aplicável a uma empresa como a EMP08...; o múltiplo de 5 é o aplicável por Fundos de Investimento.

A Sra. Perita indicada pela aqui Ré na 2ª perícia esclareceu que não tiveram acesso ao plano de negócios utilizado aquando do aumento de capital e que tiveram em consideração os dados reais de 2021 e 2022.

Esclareceu ainda que, mesmo se tivesse informação sobre os imóveis detidos pela EMP06... e pela EMP07... e que são utilizados pela EMP02..., isso não influenciaria a sua avaliação, porque o objecto da avaliação é a EMP02... e não o grupo, a lógica é individual e não o grupo

Apreciando

Em primeiro lugar a escolha do método mais adequado para avaliar uma empresa em concreto.

Tal escolha cabe, como não pode deixar de ser, aos senhores peritos, não cabendo ao tribunal, ab initio, intervir nessa matéria, pois, em principio não tem os necessários conhecimentos especiais para tal (nem se vislumbra que tenha de ter, tendo em consideração a patente e manifesta complexidade da matéria da avaliação de uma empresa).

No entanto e uma vez efectuada essa escolha, não está vedado ao tribunal afastar dado método, se resultar da prova produzida, nomeadamente no desenvolvimento da prova pericial, que as finalidades e o contexto em que aquele é normalmente utilizado, não se adequam ao caso concreto ou se a maioria dos senhores peritos considerar que o mesmo não é o mais adequado.

É esta uma aplicação da regra geral segundo a qual o tribunal só se pode afastar de qualquer um dos juízos periciais afastando as premissas sobre que incidiu e se formou o juízo pericial ou rebatendo-o com fundamentação assente em conhecimentos de equivalente densidade técnica.

No caso dos autos, o senhor perito indicado pela aqui Ré considerou – foi o único que o fez - que o método patrimonial era o mais adequado.
No entanto e na medida em que não calculou o valor da participação social de acordo tal método (ou qualquer outro, diga-se), tal juízo resulta inconsequente e, portanto, não há que o considerar.

Os senhores peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal na 1ª perícia utilizaram, além dos métodos do DCF e dos múltiplos, o método do imposto de selo.

Mas tal método apenas foi utilizado pelos referidos senhores peritos (que também utilizaram os outros dois métodos).
Pode, assim, afirmar-se que não é um método que reúna consenso intra-pericial (sendo certo que na pesquisa que efectuámos, também não encontrámos qualquer referência a tal método, como sendo o adequado para avaliar empresas).
Além disso e de acordo com os esclarecimentos prestados pelos senhores peritos indicados pelo tribunal e pela aqui A. na 1ª perícia, o referido método tem contexto e finalidades próprias: a tributação fiscal e para determinar o preço de custo em transmissões gratuitas e determinação das mais valias futuras, aquando de transmissão onerosa.
Não há, assim, qualquer relação com o contexto dos autos, pelo que o podemos considerar afastado.

Iremos assim centrar a nossa atenção nos juízos periciais que aplicaram os métodos do DCF e múltiplos porque foram aplicados pela maioria dos senhores peritos (5), ou seja, podemos afirmar que há um entendimento pericial de que tais métodos são os mais adequados para proceder à avaliação da empresa num contexto como o dos autos – aquisição potestativa de acções - e, assim, da participação social, tendo em consideração algo que, aliás, resulta das duas perícias: pese embora o esforço de cientificidade que se pretende para cada método, nenhum é perfeito e nenhum dá um valor exacto e preciso, mas meramente estimado ou indicativo, pois depende dos pressupostos que são utilizados na sua concreta operacionalização; e consoante são utilizados uns ou outros, ou consoante lhes é atribuída uma dimensão ou outra, o resultado divergirá.

Sendo os juízos periciais divergentes, ao tribunal caberá a tarefa, tão complexa, quanto melindrosa, de verificar em que medida os pressupostos utilizados são os “adequados”, tendo em vista formular um juízo sobre o mérito intrínseco e grau de convencimento a atribuir ao laudo pericial, sendo que tal tarefa – de definição do que é “adequado” -, na falta de conhecimentos especiais por parte do tribunal, terá de se fundar nos elementos constantes dos autos e, nomeadamente, de todo o processo de produção da prova pericial – relatório, esclarecimentos escritos, esclarecimentos orais, atendendo de forma particular à fundamentação eventualmente apresentada para dada opção por um pressuposto e não por outro.
 
Como já havíamos assinalado os juízos periciais são muito divergentes, tendo chegado a resultados bastantes distantes.

Assim e na 1ª perícia os senhores peritos da aqui A. e do tribunal consideraram que, conforme o método utilizado, a participação social da aqui A. valeria:

MétodoValor de 5,8%Valor de cada acção
Múltiplos de EBITDA          1 037 853,84 € 32.33
Discounted Cash Flow2 215 977,76
€ 69,03


Já os senhores peritos do tribunal e da aqui A. na 2ª perícia consideraram que de acordo com o método do DCF cada acção valeria € 0,608 e de acordo com o método dos múltiplos cada acção valeria € 1,84.

Já a Senhora perita indicada pela Ré na 2ª perícia considerou que, de acordo com o método do DCF cada acção valeria € 15,78 e de acordo com o método dos múltiplos cada acção valeria € 16,32.

Que dizer?

O tribunal recorrido afastou a 1ª perícia tendo considerado:
“(…) o Tribunal valorou preferencialmente o relatório da segunda perícia porquanto o mesmo foi feito já com base em dados reais e não meramente projetados.
Acrescendo que a primeira perícia não reúne unanimidade e baseou-se num plano de negócios cujas premissas não se verificaram, revelando-se demasiado otimista, como aliás o perito minoritário já havia chamado a atenção.
Isso também se extrai dos esclarecimentos por escritos prestado pelos peritos (pontos 3 a 19).”

Como já ficou referido supra, o senhor perito indicado pelo tribunal e pela aqui A. na 1ª perícia declararam que, no âmbito do método do DCF, projectaram os cash-flows operacionais para 2020-2025 com base no Plano de negócios elaborado pela administração da empresa, tendo em vista o aumento de capital decidido a 03/02/2020 e que não era possível confrontar tal plano com dados reais, por na data da realização da perícia ainda não existirem.

Em sede de esclarecimentos orais, o senhor perito indicado pela aqui Ré na 1ª perícia afirmou que para ele não fazia sentido utilizar o plano previsional de negócios da administração, tendo em consideração que, face à situação da Covid 19, aquele plano estava datado. Além disso, o referido plano tinha em vista captar um investidor, tendo de passar uma imagem mais bonita que a realidade. O referido plano tinha uma perspectiva optimista.

O Sr. Perito indicado pela aqui A. na 2ª perícia referiu que a grande diferença entre a 1ª perícia e a segunda perícia tem a ver com as projecções: a 1ª perícia utilizou o plano de negócios que era muito optimista, que tinha resultados que a empresa nunca tinha tido o plano de negócios está desfasado da realidade, em virtude do surgimento do Covid 19; a 2ª perícia é feita pós-Covid tendo a vantagem de saber o que aconteceu até essa fase.

Está aqui em causa única e exclusivamente a utilização do plano de negócios.

Não existem elementos para afirmar que tecnicamente não era possível aos senhores peritos utilizarem, para projectar os cash-flows operacionais para 2020-2025, o Plano de negócios elaborado pela administração da empresa.

No entanto, afigura-se, para tal exigia-se que fosse feito um enquadramento de tal plano de negócios, ou seja, que se apurasse em que contexto é que o mesmo surge e que fosse feito um juízo (autónomo e independente) quanto à razoabilidade das previsões, tendo em consideração, não apenas a fundamentação (da empresa) que acompanha as previsões, mas a apreciação do concreto contexto económico-financeiro da empresa.

E, com todo o respeito, não está demonstrado que aquele exercício tenha sido feito, pois, por um lado o senhor perito indicado pelo tribunal na 1ª perícia referiu que a fundamentação do plano de negócios é da exclusiva responsabilidade da administração - o que, sendo verdade, não dispensava os senhores peritos daquele exercício, não se podendo afirmar, como fez a senhora perita indicada pela A. na 1ª perícia, que é um risco da empresa a avaliar -, e, por outro lado, o senhor perito limitou-se a afirmar, genericamente, que os dados previsionais eram reais, sem qualquer outra explicitação.

Vem aliás a verificar-se, através dos dados coligidos na segunda perícia, que as previsões para 2020 e 2021 não se verificaram: os senhores peritos da 1ª perícia indicaram como resultados líquidos previsionais para os referidos anos, respectivamente, € 236.770,00 e € 932.414,00; em 2020 a EMP02..., SA teve um resultado liquido negativo de - € 1.198.600,00 e em 2021 teve um resultado liquido negativo de – € 849.235,00 de acordo com os senhores peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal na 2ª perícia e de acordo com a senhora perita indicada pela aqui Ré na 2ª perícia, de – € 670.896,00 (em 2021).

Por outro lado, os senhores peritos da aqui A. e do tribunal na 1ª perícia entenderam que era de atribuir um prémio à acionista minoritária correspondente à aquisição potestativa hostil, tendo, posteriormente esclarecido que o referido prémio já está incluído no valor apresentado.

Entendimento contrário tiveram o senhor perito da aqui Ré na 1ª perícia e unanimemente os senhores peritos da 2ª perícia.

Salvo o devido respeito e melhor opinião, não se encontra fundamento legal para tal.
A contrapartida devida pela aquisição da participação é apenas e tão só o valor da participação em si mesma considerada, enquanto correspondente proporcional ao valor da sociedade, sem qualquer prémio e, diga-se, também sem qualquer desconto de minoria ou desconto por se tratar da alienação de uma participação social que não confere o direito a direito a controlo.

Finalmente e no âmbito do cálculo dos múltiplos, os senhores peritos da aqui A. e do tribunal na 1ª perícia utilizaram o múltiplo de 16 que figura no site DAMODARAN para a Europa – Setor “Food Processing” – Empresas com EBITDA positivo.

Em sede de esclarecimentos orais surgiram questões quanto aos múltiplos utilizados.

O Sr. Perito indicado pelo tribunal na 1ª perícia afirmou que o site “Damodaran” é do professor norte-americano já supra citado e que o senhor perito considera uma referência na matéria da avaliação de empresas; os índices do site “Damodaran” relativos à rentabilidade são de referência mundial e também Portugal, podendo ser aplicado á EMP02..., SA.

O senhor perito indicado pela aqui Ré na 1ª perícia afirmou quanto aos múltiplos utilizados, que em Portugal o sector do Food Processing não tem nenhuma empresa e o sector do Retail (Grocery and food) apenas tem duas empresas - a EMP08... e a EMP09... - , pelo que é fora de contexto comparar com a EMP02..., SA.

A senhora perita indicada pela aqui Ré na 2ª perícia referiu que “Damodaran” é um professor muito conceituado nesta área das finanças, faz avaliações das transacções que são efectuadas anualmente nos diversos mercados e publica informação separada para as Américas, Europa; basta considerar a dimensão da Europa e Portugal é pequeno; é difícil obter informação de empresas de pequena e média dimensão e familiares para completar os efeitos dos múltiplos; os negócios que são conhecidos são de grandes empresas, porque é a informação que está disponibilizada e que é pública; quando esta informação financeira é trabalhada, ele consegue expurgar, por exemplo, a dívida; o indicador é acompanhado de diversas informações que permitem aos avaliadores fazer um trabalho mais refinado mas suas análises; o múltiplo é utilizado como barómetro para outros métodos.

De referir que a Senhora perita indicada pela aqui Ré na 2ª perícia, muito embora tivesse referido os múltiplos para ambos os sectores - Food Processing: 16, 38; Retail (Grocery and food): 9,41 – utilizou o múltiplo de 9, porque entendeu que a empresa, além de fazer transformação de produtos, também vendia produtos, parecendo-lhe mais adequado utilizar o múltiplo de 9 para corrigir alguma diferença relativa à dimensão da empresa.

O Sr. Perito indicado pela aqui A. na 2ª perícia referiu que não utilizou nenhum múltiplo de Damodaran porque este mais não é do que recolher informações de transações que aconteceram e em que intervieram investidores que querem ganhar dinheiro; a empresa em causa está em dificuldades, tem um Fundo Revitalizar lá dentro para tentar revitalizar a empresa, não faz sentido aplicar um múltiplo aplicável a uma empresa como a EMP08...; o múltiplo de 5 é o aplicável por Fundos de Investimento.

Conjugando o afirmado pelo Sr. Perito indicado pela aqui Ré na 1ª perícia e o afirmado pela senhora perita indicada pela Ré na segunda perícia e que não foi refutado por nenhum dos intervenientes, pode concluir-se que o site Damodaran tem em vista grandes empresas (foi referido que em Portugal o sector do Food Processing não tem nenhuma empresa e o sector do Retail (Grocery and food) apenas tem duas empresas - a EMP08... e a EMP09...), que não é o caso da EMP02..., SA (foi também afirmado que é difícil obter dados quanto a pequenas e médias empresas e empresas familiares).

Destarte, quando está em causa uma pequena ou média empresa, colhe como razoável a afirmação de que a utilização dos múltiplos referidos naquele site não é adequada, porque se aplica um múltiplo a uma realidade que não é comparável com a que está na base daquele site.

A Sra. Perita indicada pela aqui Ré na 2ª perícia afirmou que o indicador é acompanhado de diversas informações que permitem aos avaliadores fazer um trabalho mais refinado mas suas análises.

Porém, não identificou que informações do referido site considerou para utilizar o múltiplo de 9 ou, de uma forma mais ampla, em que medida ou de que forma o múltiplo de 9 é resultado de um trabalho mais “refinado”.

Tudo isto para concluir o seguinte: o múltiplo utilizado pelos senhores peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal na 1ª perícia não se mostra adequado.

Em face de tudo o exposto, impõe-se concluir que o juízo pericial dos senhores peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal na 1ª perícia fundou-se em pressupostos - plano de negócios da empresa dominada, prémio à accionista minoritária e múltiplo utilizado - que pelas razões expostas não se mostram adequados e, em virtude disso, não é possível considerá-lo.

Resta então apreciar o juízo pericial dos senhores peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal e o juízo pericial da senhora perita indicada pela aqui Ré na 2ª perícia.

Ambos os juízos periciais utilizaram os mesmos métodos – DCF e múltiplos – e ambos os juízos periciais tiveram em consideração os dados reais de 2019 a 2022 (até abril, segundo a senhora perita indicada pela aqui Ré na 2ª perícia), tendo depois projectado os anos de 2022 a 2025.

De acordo com os esclarecimentos prestados em audiência e tendo em consideração o que está no Relatório, a diferença entre ambos reside em três aspectos.

1. A Sra. Perita indicada pela aqui Ré calculou o crescimento da EMP02..., SA em 3%; os senhores peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal calcularam esse crescimento em 2%, ou seja, há uma diferença de 1%.
           
O senhor perito indicado pela aqui A. referiu não saber qual dos dois está certo e que só o futuro o dirá.

A senhora perita indicada pela aqui Ré na 2ª perícia referiu que quer ela, quer os outros senhores peritos, foram conservadores nas taxas de crescimento utilizadas, tendo depois explicitado as razões porque utilizou uma taxa de 3%:  consideraram todos uma correção dos gastos de 2%, valor semelhante à inflação que haveria na altura; se corrigissem o volume de negócios apenas em 2% apenas estavam a corrigir a inflação em dois sítios, o que significava que a empresa não ia crescer, havendo apenas uma actualização da inflação; a empresa fez investimentos e os outros senhores peritos, porque conheciam a empresa, sabiam que a empresa carecia de mais investimentos, informação que não estava disponibilizada nos Relatórios e Contas; mas se a empresa fez investimentos em 2020 e em 2021, aceitou que continuaria a fazer investimentos nos anos seguintes; nos EBITDA’s que obtêm, vai descontar o investimento que a empresa faz, investimento de expansão e em fundo de maneio; foi pacífica a redução no que respeita ao investimento em fundo de maneio; quanto ao investimento de expansão, para o abater tem de haver expansão; tinha de fazer uma escolha: ou fazia o volume de negócios estável a 2% e não reduzia o investimento de expansão; ou considerava alguma expansão; como lhe pareceu lógico que a empresa continuasse a fazer investimentos a este nível, então tinha de aumentar o volume de negócios mais aumentava os gastos, sob pena de não ser coerente; mas por prudência manteve a margem bruta, pelo que em termos finais não tem um aumento de 1%, mas menos.

Neste contexto e apesar da divergência, não existem razões para dar prevalência a um dos juízos periciais.

2. Afirmaram os senhores peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal na 2ª perícia, no Relatório pericial (pág. 27), que no método dos DCF, o valor da empresa é igual ao valor do negócio, obtido pelo desconto dos Free Cash Flow’s projectados, descontado do passivo financeiro e acrescido do valor dos ativos não afetos à atividade.”

De acordo com a senhora perita da aqui Ré (pág. 38), no método do DCF, o valor da empresa para os accionistas corresponde ao somatório do valor atual dos cash-flows gerados pela atividade operacional acrescido do valor residual. (…)
Ao somatório dos cash-flows (operacional e residual) acresce o valor dos ativos não afetos á exploração e por isso não refletidos no valor do EBITDA e deduz-se a dívida financeira liquida.”

Decorre dos esclarecimentos prestados em audiência que uma das grandes diferenças entre os dois juízos periciais reside no valor dos ativos não afetos á exploração.
Os senhores peritos da aqui A. e do tribunal começam por referir (pág. 28) que nas contas da empresa à data da avaliação existe um valor de:
o 1.654.757 € na rubrica de Participações Financeiras;
o 4.519.633 € na rubrica de Créditos a Receber no ativo não corrente;

E tais rubricas integram:
o Participações Financeiras:
 EMP05...: 1.349.248 €
 EMP06...: 305.509 €
o Créditos a Receber:
 EMP05...: 4.208.633 €
 EMP06...: 311.000ão consideraram como consideraram como tal os

E de seguida referem:
“(…) no caso em concreto da EMP05... e da EMP06..., (…) parte dos ativos destas empresas, composto essencialmente por imóveis, respeitam a imóveis utilizados na atividade da EMP02.... (…) De facto, são imóveis fundamentais para o funcionamento da empresa, estes imóveis correspondem às duas fábricas utilizadas pela empresa e três das dez lojas utilizadas pela EMP02.... Como é obvio não podemos considerar estes ativos como não fazendo parte da atividade operacional. Importa ainda realçar que as rendas destes imóveis são claramente abaixo do valor de mercado e as mesmas não foram consideradas como gastos para efeitos do cálculo do Free Cash Flow e do valor do negócio (…)”

E depois afirmam:
 Para efeitos de identificar quais os ativos afetos e não afetos à atividade é importante analisar o património destas duas empresas (EMP05... e EMP06...): (…)”

E no final dessa tarefa afirmam:
“Concluindo, para efeitos do cálculo do valor da empresa apenas devemos
considerar como ativo não afeto à atividade o montante de 2.061.321 €, conforme se explica no quadro abaixo:
Investimentos Financeiros na EMP02...
EMP05...                                                         1 349 247,91
EMP06...                                                                                   305 509,20
                                                1 654 757,11

Créditos a Receber na EMP02...
EMP05...                                                         4 208 633,22
EMP06...                                                                                   311 000,00
                                                 4 519 633,22

Sub Total                                                        6 174 390,33

Ajustamentos
Imovel de Braga (EMP05...)             - 1 300 000,00
Imovel do Porto (EMP05...)                              - 529 200,00
Imovel de Guimarães (EMP05...)                    - 297 360,00
Sede e Fábrica de ... (Divida Sr. DD na EMP05...)     - 1 370 000,00
Fábrica de ... (EMP06...) -                                           - 616 509,20

Sub Total                                                      - 4 113 069,20
 
Valor dos ativos não afetos à atividade                               2 061 321,13


Já a Sra. Perita indicada pela aqui Ré na 2ª perícia considerou que “Os ativos não afetos à exploração, tal como expressa o balanço, correspondem a participações financeiras e empréstimos efetuados às sociedades EMP05... e EMP06..., nos montantes de 1 654 757 euros e 4 519 633 euros respetivamente.”

Ressalvado o devido respeito pelo exercício do senhores peritos indicados pela  aqui A. e pelo tribunal na 2ª perícia, mas o que resulta do afirmado pelos mesmos é que a EMP02... é titular de participações financeiras em duas sociedades - a EMP07... e a EMP06... – e é titular de créditos sobre ambas as sociedades, ou seja, o que é “ativo” da EMP02...  são as participações financeiras e os créditos.

Certamente as sociedades EMP07... e EMP06... têm personalidade jurídica própria.
A atribuição de personalidade jurídica a um ente abstracto – in casu, uma sociedade - determina a separação entre a sociedade e os seus sócios.
Significa isto que os actos e situações jurídicas imputadas e imputáveis à pessoa colectiva não podem ser imputadas ou imputáveis aos seus membros.
Sempre que se encontre uma pessoa colectiva, o Direito positivo passa a regular as situações a ela inerentes reportando-se-lhe como ente autónomo. Digamos que funciona em modo colectivo, atingindo as condutas singulares apenas através das regras complexas da personalidade colectiva e do seu funcionamento interno.

Assim sendo, os imóveis propriedade das referidas sociedades, são ativos dessa sociedade e não da sua sócia, a EMP02....
De tal modo assim é que a EMP02... paga rendas.
E daí a contabilidade da EMP02... ser fidedigna: indica o que é efectivamente sua propriedade.

Por tudo isto, não estão os imóveis inscritos nas contas da EMP02....


E, como esclareceu a Sra. Perita indicada pela aqui Ré, o que está em causa é avaliar a EMP02... em si mesma e não numa lógica de grupo.

Em face do exposto, não é possível considerar tais imóveis como activos corpóreos da EMP02....

E estando em causa um aspecto central na lógica de operacionalização, não apenas do método do DCF, mas também dos múltiplos, pelos senhores peritos indicados pelo tribunal e pela aqui A. na 2ª perícia, como se pode verificar do quadro que consta da pág. 37 do relatório e não se vislumbrando possível ajustar os cálculos efectuados pelos mesmos considerando o valor dos activos não afectos à actividade que foi tido em consideração pela senhora perita indicada pela aqui Ré, sob pena de se desvirtuar toda a operacionalização dos métodos, não é possível considerar o juízo pericial daqueles senhores peritos, ressalvado o que a seguir se dirá.

Resta assim o juízo pericial da senhora perita indicada pela aqui Ré na 2ª perícia.

Não existem elementos para não considerar o juízo pericial de acordo com o método do DCF e de acordo com o qual o valor da empresa é de € 8.738.991,00.

O mesmo não sucede quanto ao o juízo pericial de acordo com o método dos múltiplos.
Na pág. 39 do Relatório a senhora perita referiu os múltiplos que constam do site “Damodaran” para dois sectores de actividade - Food Processing: 16,38; Retail (Grocery and food): 9,41.

Mas a mesma utilizou o múltiplo de 9, tendo esclarecido que o fez porque entendeu que a empresa, além de fazer transformação de produtos, também vendia produtos, parecendo-lhe mais adequado utilizar o múltiplo de 9 para corrigir alguma diferença relativa à dimensão da empresa.

Da mesma forma que se afigurou que o múltiplo de 16 utilizado pelos senhores peritos indicados pelo tribunal e pela aqui A. na 1ª perícia não era adequado, também consideramos que o múltiplo de 9 utilizado pela senhora perita indicada pela aqui Ré na 2ª perícia também não se mostra adequado.

Já deixámos referido que conjugando o afirmado pelo Sr. Perito indicado pela aqui Ré na 1ª perícia e o afirmado pela senhora perita indicada pela Ré na segunda perícia e que não foi refutado por nenhum dos intervenientes, pode concluir-se que o site Damodaran tem em vista grandes empresas (foi referido que em Portugal o sector do Food Processing não tem nenhuma empresa e o sector do Retail (Grocery and food) apenas tem duas empresas - a EMP08... e a EMP09...), que não é o caso da EMP02..., SA (foi também afirmado que é difícil obter dados quanto a pequenas e médias empresas e empresas familiares).

Destarte, quando está em causa uma pequena ou média empresa, colhe como razoável a afirmação de que a utilização dos múltiplos referidos naquele site não é adequada, porque se aplica um múltiplo a uma realidade que não é comparável com a que está na base daquele site.

É certo que a senhora Perita indicada pela aqui Ré na 2ª perícia afirmou que o indicador do site Damodaran é acompanhado de diversas informações que permitem aos avaliadores fazer um trabalho mais refinado mas suas análises.

Porém, não identificou que informações do referido site considerou para utilizar o múltiplo de 9 ou, dito de outra forma, em que medida ou de que forma o múltiplo de 9 é resultado de um trabalho mais “refinado”.

Destarte e ressalvado o devido respeito, o múltiplo utilizado pela senhora perita indicada pela aqui Ré na 2ª perícia não se mostra adequado.

Mas daí não resulta o afastamento do juízo pericial senhora perita indicada pela aqui Ré na 2ª perícia baseado no método dos múltiplos, porquanto se afigura possível aproveitá-lo, ajustando o múltiplo aplicável ao “EBITDA AJUSTADO MÉDIO (2017 a 2019)” (cfr. quadro da pág. 39 do Relatório).

Considerando que os três peritos da 2ª perícia concordam no valor do passivo financeiro: - 4.386.656 € - e que a EMP02..., SA não é uma grande empresa, na falta de outros elementos, consideramos racional o juízo pericial dos senhores peritos indicados pela aqui A. e pelo tribunal na 2ª perícia, de que o múltiplo aplicável será de 5.

Deste modo, aplicando o múltiplo de 5 ao valor do “EBITDA AJUSTADO MÉDIO (2017 a 2019)” de € 805 570, temos um valor de negócio de € 4 027 850.
Deduzindo a este valor o passivo financeiro de - 4.386.656 € e somando o valor dos activos não afectos à actividade € 6 174 390 – temos que o valor actual do capital próprio será de € 5 815 584.

Uma nota final para dizer o seguinte: a sentença recorrida refere que o valor de cada acção inicialmente indicado pela senhora perita indicada pela Ré na 2ª perícia no Relatório é “excessivo quando uns meses antes um Fundo, após avaliação, faz um investimento correspondente a € 5,00 por ação, e em meses apresentaria uma valorização para o triplo ou mais.”

Salvo o devido respeito e melhor opinião, mas esta é uma asserção que não podemos acompanhar, pois a avaliação feita pelo “Fundo” não está nos autos, pelo que o tribunal está impossibilitado de a considerar (desconhecem-se os métodos e pressupostos utilizados) e, além disso e como já se deixou referido (Ac. da RL de 12/11/2009, processo 1423/08.2TYLSB-A.L1-8) “só uma avaliação judicial da respectiva participação social garante essa determinação isenta, proporcional e adequada à compensação a fixar.”

Conclusão

Em face de tudo o exposto, o valor da EMP02... será de € 8 738 991, de acordo com o método DCF – aqui seguindo o juízo pericial da senhora perita indicada pela aqui Ré na 2ª perícia - e será de € 5 815 584, de acordo com o método dos múltiplos – seguindo em parte o mesmo juízo pericial, mas ajustado no que respeita ao múltiplo aplicável: 5, em vez de 9.

Em face do exposto, adita-se aos factos provados uma alínea m) com o seguinte teor:
m) O valor da EMP02... situa-se entre € 8 738 991,00 de acordo com o método DCF e € 5 815 584,00 de acordo com o método dos múltiplos.

5. Fundamentação de direito
5.1 Enquadramento jurídico
A matéria da aquisição potestativa de participações sociais está regulada, essencialmente, no art.º 490º do CSC.

Trata-se de uma matéria que suscita um elevado número de questões (como evidencia Evaristo Mendes in Aquisições potestativas do artigo 490 do CSC após a reforma de 2006 e procedimento justo, V Congresso, Direito das Sociedades em Revista, pág. 343-400), em virtude de o legislador ter sido parco na regulamentação do instrumento em referência.

Analisaremos apenas as questões relevantes tendo em consideração o objecto do recurso.

Dispõe o n.º 1 do art.º 490º do CSC Código das Sociedades Comerciais que, uma sociedade que, por si ou conjuntamente com outras sociedades ou pessoas mencionadas no artigo 483.º, n.º 2, disponha de quotas ou acções correspondentes a, pelo menos, 90/prct. do capital de outra sociedade, deve comunicar o facto a esta nos 30 dias seguintes àquele em que for atingida a referida participação.
           
E dispõe o n.º 2 do mesmo normativo que nos seis meses seguintes à data da comunicação, a sociedade dominante pode fazer uma oferta de aquisição das participações dos restantes sócios, mediante uma contrapartida em dinheiro ou nas suas próprias quotas, acções ou obrigações, justificada por relatório elaborado por revisor oficial de contas independente das sociedades interessadas, que será depositado no registo e patenteado aos interessados nas sedes das duas sociedades.

O art.º 490º, n.º 2 do CSC confere à sociedade que disponha de quotas ou acções correspondentes a, pelo menos, 90/prct. do capital de outra sociedade, um direito (e não a obrigação) de aquisição da participação igual ou inferior a 10% do capital social, tendo em vista o domínio total da sociedade dominada (a sociedade que detenha 90% do capital de outra sociedade, não se encontra numa relação de grupo por domínio total da última, mas de domínio simples, pois não é titular da totalidade do capital social; a relação de grupo por domínio total constituir-se-á na sequência da aquisição da parte remanescente do capital social).

São apresentadas várias justificações para o direito em referência (para uma recensão vd. Coutinho de Abreu e Soveral Martins in anotação ao art.º 490º in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, VII, pág. 147-150), justificações essas que, muitas vezes, se confundem com os interesses susceptíveis de serem prosseguidos com o mesmo, nomeadamente, o de conferir à sociedade dominante total liberdade para decidir do destino e estratégia da sociedade dominada, à semelhança do que sucede com as sociedades unipessoais.

O regime dos n.ºs 1 e 2, como resulta da letra da lei, apenas se aplica a sociedades (por quotas, anónimas ou em comandita por acções) que detenham, pelo menos, 90% do capital de outra sociedade (também ela por quotas, anónimas ou em comandita por acções (cfr Coutinho de Abreu e Soveral Martins in ob. e loc. cit., pág. 155-156).

O direito referido no n.º 2, é qualificado como potestativo, na medida em que se atribui à sociedade que, por si ou conjuntamente com outras sociedades ou pessoas mencionadas no artigo 483.º, n.º 2, disponha de quotas ou acções correspondentes a, pelo menos, 90/prct. do capital de outra sociedade, o poder de, mediante uma simples manifestação de vontade, produzir efeitos na esfera jurídica do/s o/s sócio/s minoritário/s, que fica/m num estado de sujeição (ao ponto de Coutinho de Abreu e Soveral Martins in anotação ao art.º 490º in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, VII, pág. 144, nota 2 se interrogarem com o facto de a lei os apelidar de “sócios livres”, “…tão livres que até podem ser forçados a transmitir as suas participações para a sociedade dominante…”), não podendo, se verificados todos os pressupostos legais para aquela aquisição, impedir a produção de efeitos de direito, efeitos esses que são a transmissão forçada da participação social, com a inerente perda da qualidade de sócio e a constituição do domínio total (cfr. Engrácia Antunes, A aquisição tendente ao domínio total, Coimbra editora, 2001, pág. 26, nota 28 e pág. 27 e Liliana da Silva Sá, A contrapartida patrimonial na aquisição tendente ao domínio total, Julgar n.º 9, pág. 160).

Como referem Coutinho de Abreu e Soveral Martins in ob. cit., pág. 145 “[e]ste direito potestativo é jurídico-societariamente excecional e gravoso para os sócios minoritários. Na verdade, um sócio minoritário – independentemente da sua vontade, sem ou contra a sua vontade – pode ver-se expropriado (compulsivamente privado) da propriedade da sua participação social, apropriada pela sócia dominante, e excluído da sociedade.”

E é precisamente com base em tais efeitos que os mesmos autores (in ob cit. pág. 151-152) distinguem a aquisição potestativa de participações sociais da fusão, cisão e transformação de sociedades. Nestas situações os sócios não deixam de ser sócios, ou não podem ser obrigados a deixar de o ser; e nenhuma participação social é compulsivamente retirada a sócios para ser apropriada por outro sócio.

E de tal forma o n.º 2 contempla um poder, que, nos termos do n.º 5 do art.º 490º, se a sociedade dominante não fizer oportunamente a oferta permitida pelo n.º 2 deste artigo, cada sócio ou accionista livre pode, em qualquer altura, exigir por escrito que a sociedade dominante lhe faça, em prazo não inferior a 30 dias, oferta de aquisição das suas quotas ou acções, mediante contrapartida em dinheiro, quotas ou acções das sociedades dominantes, direito este que tem em vista facultar aos sócios minoritários não perderem o valor das suas participações (cfr. Engrácia Antunes, A aquisição tendente ao domínio total, Coimbra Editora, 2001, pág. 30).

Foi objecto de discussão a constitucionalidade da aquisição forçada da participação social.
Mas tal questão está ultrapassa em virtude do Ac. do TC n.º 491/02, de 26/11/2002, que julgou o n.º 3 do art.º 490º do CSC conforme com a CRP.

Retomando a sequência, nos termos do n.º 2 oferta de aquisição das participações dos restantes sócios é acompanhada de uma contrapartida, a qual  há-de ser justificada por relatório elaborado por revisor oficial de contas independente das sociedades interessadas e nos termos do n.º 4 a mesma há-de ser calculada de acordo com os valores mais altos constantes do relatório do revisor.

A contrapartida impõe-se naturalmente, em obediência à garantia constitucional do direito de propriedade, ou seja, se o legislador admite a aquisição forçada da participação social, impõe que tal ocorra mediante uma contrapartida justa.

E a primeira via para conseguir que a contrapartida seja justa é que a mesma seja justificada por relatório elaborado por revisor oficial de contas independente das sociedades interessadas, impondo ainda que, caso esse relatório apresente um intervalo de valores, a contrapartida há-de corresponder aos valores mais altos.

A segunda é, como veremos a seguir, a de, considerando o accionista minoritário que a contrapartida é insatisfatória, recorrer ao tribunal para que este proceda à avaliação judicial.

Efectuada a oferta de aquisição nos termos do n.º 2, dispõe o n.º 3 do art.º 490º que a sociedade dominante pode tornar-se titular das acções ou quotas pertencentes aos sócios livres da sociedade dependente, se assim o declarar na proposta, estando a aquisição sujeita a registo por depósito e publicação.

Ou seja: para que a aquisição da/s participação/ões social/ais minoritária/s se concretize, a sociedade dominante deve, não apenas declarar na proposta essa intenção, mas também informar que findo o prazo para a duração da oferta, caso a mesma não seja aceite, torna-se titular daquelas participações (cfr. Evaristo Mendes, ob. cit., pág. 395 e Coutinho de Abreu/Soveral Martins, in ob. cit. pág. 160) e proceder à consignação em depósito da contrapartida.

Coloca-se a questão de saber em que momento se dá a aquisição veiculada pelos n.ºs 2 e 3 do art.º 490º, sendo defendidas, essencialmente, três posições: a aquisição dá-se com a apresentação da oferta, contendo a declaração de que findo o prazo dar-se-á a aquisição; a aquisição dá-se quando findar o prazo para o sócio minoritário aceitar a proposta; a aquisição dá-se com o registo da aquisição e a consignação em depósito (para uma recensão destas posições Coutinho de Abreu/Soveral Martins, in ob. cit. pág. 170, nota 112).

Se a sociedade apresentar a oferta, contendo a declaração de que findo o prazo para aceitação da mesma, em caso de recusa dar-se-á a aquisição, então o momento em que tal ocorre é aquele em que termina o prazo para a aceitação da proposta (neste sentido, vislumbra-se, Coutinho de Abreu/Soveral Martins, in ob. cit. pág. 171).

Já referimos que nos termos do n.º 5 do art.º 490º, se a sociedade dominante não fizer a oferta permitida pelo n.º 2, cada sócio ou accionista livre pode, em qualquer altura, exigir por escrito que a sociedade dominante lhe faça, em prazo não inferior a 30 dias, oferta de aquisição das suas quotas ou acções, mediante contrapartida em dinheiro, quotas ou acções das sociedades dominantes.

Estamos no domínio da alienação potestativa.

E em sequência, o n.º 6 do art.º 490º dispõe que na falta da oferta ou sendo esta considerada insatisfatória, o sócio livre pode requerer ao tribunal que declare as acções ou quotas como adquiridas pela sociedade dominante desde a proposição da acção, fixe o seu valor em dinheiro e condene a sociedade dominante a pagar-lho. A acção deve ser proposta nos 30 dias seguintes ao termo do prazo referido no número anterior ou à recepção da oferta, conforme for o caso.

Este n.º 6 tem directamente em vista a situação em que a sociedade dominante, apesar de notificada nos termos do n.º 5, não faz uma oferta de aquisição ou, tendo feita essa oferta, na sequência da notificação a que se refere o n.º 5, o sócio ou acionista considerar a proposta insatisfatória, ou seja, é sequência do n.º 5 e deve ser lido em conjunto com o mesmo.

Desde logo porque o n.º 6 se inicia referindo “…na falta da oferta…”.

Depois, o n.º 6 refere-se ao pedido do autor: requer ao tribunal que declare as acções ou quotas como adquiridas pela sociedade dominante desde a proposição da acção, pedido este que só se compatibiliza com o facto de a sociedade dominante não ter apresentado qualquer oferta na sequência da notificação do n.º 5.

Finalmente estabelece um prazo para a propositura da acção que se conta do termo do prazo referido no n.º 5, ou seja, do termo do prazo para a sociedade apresentar uma oferta, que não foi apresentada ou da recepção da oferta, que o sócio ou acionista minoritário considera insatisfatória.

Mas efectuada uma oferta nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 490º, o sócio ou acionista pode considerar que a contrapartida não corresponde ao valor real da participação (consideraremos agora e apenas a aquisição potestativa, embora muito do que se diga possa ser aplicado à alienação potestativa quanto o sócio minoritário considerar o valor da contrapartida insatisfatório).

E aqui entramos directamente no objecto da acção

A lei não estabelece, expressamente, o meio de reacção do sócio ou acionista que, tendo recebido uma proposta de aquisição, nos termos do n.º 2, considere que a contrapartida não corresponde ao valor real da participação, ou, dito de outra forma (e utilizando a expressão do n.º 6 do art.º 490º) considere a contrapartida insatisfatória.

É fora de dúvida que, se por um lado se admite a privação da participação social, por outro, deve ser garantido ao sócio minoritário que caso entenda que a contrapartida é insatisfatória, possa reagir por forma a defender o direito a uma contrapartida justa (cfr. João Labareda, Das acções das sociedades anónimas, AAFDL, 1998, pág. 276 onde afirma que no caso de uma transmissão forçada de acções, por exclusiva vontade da sociedade dominante, deve ser reconhecido o direito de impugnar judicialmente o valor fixado pelo revisor e de obter do adquirente a diferença que se apurar; e também Engrácia Antunes, in A Aquisição Tendente ao Domínio Total, Coimbra Editora, 2001, pág. 36 refere que “não obstante o silêncio do legislador, a tutela da posição dos sócios minoritários exige o reconhecimento a estes de um direito a oporem-se judicialmente à oferta de aquisição com base na eventual irregularidade da oferta propriamente dita ou do direito a contestar judicialmente a insuficiência ou inequidade das contrapartidas oferecidas”).

E, uma vez que a todo o direito, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele (art.º 2º, n.º 2 do CPC), há-de ser conferido ao sócio minoritário um processo de impugnação da contrapartida oferecida pela sociedade dominante.

Há, então, que distinguir duas situações.

A primeira é aquela em que a sociedade dominante optou por uma consignação judicial da contrapartida (quanto à questão de saber se deve ser judicial ou extrajudicial vd. Coutinho de Abreu/Soveral Martins in CSC em Comentário, pág. 166 e segs e notas 100 e 101, autores que defendem que a consignação deve ser judicial, não cabendo aqui tomar posição na medida em que, resulta dos autos, a requerida procedeu à consignação judicial em depósito – processo 3606/20, agora do J... do Juízo de Comércio de Guimarães).

A consignação em depósito realiza-se através do processo judicial de consignação em depósito regulado nos artigos 916º e segs do CPC, através do qual se avaliará da justificação da consignação em depósito e da sua idoneidade para extinção da obrigação.

No processo judicial, efectuado o depósito, o mesmo pode (só pode) ser impugnado por três fundamentos – art.º 919º do CPC:
a) ser inexacto o motivo invocado;
b) ser maior ou diversa a quantia ou coisa devida;
c) ter o credor qualquer outro fundamento legítimo para recusar o cumprimento.

Procedendo a impugnação [alíneas a) e c) do art.º 919º], é o depósito declarado ineficaz como meio de extinção da obrigação e o requerente condenado nas custas. Sendo o devedor o depositante, é condenado a cumprir como se o depósito não existisse, pagando-se o credor pelas forças do depósito, logo que o requeira – art.º 1028º n.º 2 do CPC.

Quando o credor impugnar o depósito por entender que é maior ou diverso o objecto da prestação devida [alínea b) do art.º 919º], deduzirá em reconvenção a sua pretensão, desde que o depositante seja o devedor seguindo-se os termos subsequentes à contestação, do processo ordinário ou sumário, conforme o valor - art.º 921º n.º 1 do CPC.

Se o pedido do credor proceder, será completado o depósito, no caso de ser maior a quantia ou a coisa devida; no caso de ser diversa fica sem efeito o depósito, condenando-se o devedor no cumprimento da obrigação – art.º 921º n.º 2 do CPC.
           
Se a sociedade dominante tiver procedido à consignação judicial da contrapartida, é nele que deverá ser suscitada e apreciada a questão do valor da contrapartida, por o sócio ou acionista considerar que deve ser maior (neste sentido Coutinho de Abreu/Soveral Martins in CSC em Comentário, pág. 174 e nota 123).

Mas  - e é esta a segunda situação - se a sociedade dominante tiver declarado na proposta que se tornará titular das acções ou quotas pertencentes aos sócios livres da sociedade dependente em caso de não aceitação da oferta no termo do prazo fixado para tal e tiver procedido à consignação em depósito extrajudicial, então vislumbra-se que, por analogia, o sócio ou acionista poderá propor uma acção nos termos do n.º 6 do art.º 490º do CPC, a qual segue o processo especial do art.º 1068º, por força do art.º 1069º do CPC ( Evaristo Mendes in Aquisições potestativas do artigo 490 do CSC após a reforma de 2006 e procedimento justo, V Congresso, Direito das Sociedades em Revista, pág. 371-372, Ana Perestrelo de Oliveira in Manual de Grupos de Sociedades, 2016, pág. 99 e Coutinho de Abreu/Soveral Martins in CSC em Comentário, pág. 174).

Importa, no entanto, ter em consideração o seguinte.

Ficou referido que se a sociedade dominante tiver declarado na proposta que se tornará titular das acções ou quotas pertencentes aos sócios livres da sociedade dependente em caso de não aceitação da oferta no termo do prazo fixado para tal, a aquisição dar-se-á com o termo do prazo.

Nesta situação, não tem razão de ser o pedido referido no n.º 6 do art.º 490º, de que o tribunal que declare as acções ou quotas como adquiridas pela sociedade dominante desde a proposição da acção, porque não faz sentido o tribunal declarar adquirido o que já está adquirido.

Foi o que sucedeu no caso, pois ficou provado sob a alínea d) dos factos provados: Por carta datada de 27/07/2020, a Ré apresentou à Autora proposta de aquisição potestativa das acções detidas na EMP02..., SA, pelo preço de € 119.733,00, correspondendo a um preço fixado de € 3,73, valor esse que foi fixado com base em relatório de ROC que anexou àquela carta.

E ficou ainda provado sob a alínea d 1) dos factos provados que:
 “ Finalmente, cumpre declarar, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 490º, n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais, que, caso V.Exª não aceite, até ao dia ../../2020, esta proposta de aquisição das 31.100 acções nominativas de que V.Exa. é actualmente titular, representativas de 5,8% do capital social da EMP02..., SA, pelo preço de € 119.733,00, esta sociedade declara tornar-se, findo aquele prazo, titular das referidas 32.100 acções procedendo, nos termos do disposto no art.º 490º, n.º 3 e 4 do Código das Sociedades Comerciais.”

Não só ficou provado – alínea e) dos factos provados – que a Autora respondeu de imediato a esta missiva, considerando insatisfatória aquela proposta de aquisição, conforme carta enviada à Ré em 13/08/2020, como é manifesta a não aceitação da contrapartida com a propositura da presente acção.

Em face do exposto, a aqui Ré adquiriu a participação social da aqui A. no termo do prazo fixado: ../../2020.

E assim, impõe-se considerar que o objecto da acção ficará limitado à fixação do valor da contrapartida em dinheiro e à condenação da sociedade dominante a pagá-lo.

Mas importa ter em consideração o que o que sucedeu na situação em apreço, tendo em consideração os elementos coligidos no Relatório supra.

A sociedade dominante, a aqui Ré, procedeu à consignação judicial da contrapartida (processo que foi distribuído sob o n.º 3606/20.8T8GMR ao J ... do Juízo Central Cível de Guimarães e que, entretanto, transitou para o J... do Juízo de Comércio de Guimarães).

No entanto a A. intentou o presente processo especial, à luz do n.º 6 do art.º 490º.

Nestes autos a Ré deduziu a excepção de litispendência, que foi julgada improcedente, decisão da qual não foi interposto recurso, pelo que transitou em julgado.

Ainda que, eventualmente, fosse cogitável o erro no meio processual (art.º 193º do CC) tal está ultrapassado uma vez que só é possível conhecer de tal nulidade até à sentença final (art.º 200º, n.º 2 do CPC).

O processo judicial de consignação em depósito está pendente e, pelos elementos fornecidos aos autos, ali também se discute o valor da contrapartida.

Impõe-se, assim, delimitar o objecto da presente acção, articulando-o no possível com o objecto daquela acção.

Como ficou referido, se, no processo de consignação judicial em depósito, o credor impugnar o depósito por entender que é maior o objecto da prestação devida [alínea b) do art.º 919º], deduzirá em reconvenção a sua pretensão, desde que o depositante seja o devedor seguindo-se os termos subsequentes à contestação, do processo ordinário ou sumário, conforme o valor - art.º 921º n.º 1 do CPC.

Se o pedido do credor proceder, será completado o depósito, no caso de ser maior a quantia devida.

Estando depositada naquele processo a quantia que a aqui Ré considerou como correspondendo ao valor da contrapartida devida pela aquisição potestativa das acções – contrapartida essa no valor de € 119.733,00 - , a presente acção não pode ter como objecto a condenação da sociedade dominante a pagar a contrapartida, mas apenas e tão só e se for caso disso a diferença entre a quantia depositada e a quantia que se apurar ser devida como contrapartida.

Retomando a sequência, coloca-se a questão de saber como se apura a contrapartida justa e adequada.

O n.º 6 não o diz.

Tem-se recorrido ao processo especial de liquidação de participações sociais, previsto no art.º 1068º, para operacionalizar o n.º 6 do art.º 490º, na medida em que o art.º 1069º do CPC, normativo que integra a secção relativa ao citado processo especial e que determina que o art.º 1068º “é aplicável, com as necessárias adaptações, aos demais casos em que, mediante avaliação, haja lugar à fixação judicial do valor de participações sociais.” (Ac. da RL de 12/11/2009, processo 1423/08.2TYLSB-A.L1-8, consultável in www.dgsi.pt/jtrl , Ana Perestrelo, ob. cit., pág. 100 e António Garcia Rolo, Liquidação de Participações Sociais, in Processo Especiais, II, AAFDL Editora, pág.370).

Se é certo que o n.º 6 diz que o autor pede que se fixa o valor da contrapartida em dinheiro, não diz que essa fixação seja efectuada por avaliação.

No entanto, não se vislumbra outra forma de fixar (judicialmente) o valor da participação social, como foi referido no já supra citado da Ac. da RL de 12/11/2009, processo 1423/08.2TYLSB-A.L1-8, consultável in www.dgsi.pt/jtrl:
E só uma avaliação judicial da respectiva participação social garante [a] determinação isenta, proporcional e adequada à compensação a fixar.”

Assim, requerendo o A. a fixação do valor da contrapartida em dinheiro e a condenação da sociedade dominante a pagá-lo, deverá proceder-se “nos termos previstos na lei, à avaliação judicial da respetiva participação social” (n.º 1 do art.º 1068º do CPC, aplicável ex vi art.º 1069º), dispondo o n.º 3 que o juiz designa perito para proceder à avaliação, ….aplicando-se as disposições relativas à prova pericial” e dispondo o n.º 4 que “ouvidas as partes sobre o resultado da perícia realizada, o juiz fixa o valor da participação social, podendo, quando necessário, fazer preceder a decisão da realização de segunda perícia, ou de quaisquer outras diligências.”

O n.º 3 do art.º 1068º dispõe que o perito procede á avaliação em conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 1021.º do Código Civil.

 O art.º 1021º do CC dispõe (sublinhado nosso) que nos casos de morte, exoneração ou exclusão de um sócio, o valor da sua quota é fixado com base no estado da sociedade à data em que ocorreu ou produziu efeitos o facto determinante da liquidação; se houver negócios em curso, o sócio ou os herdeiros participarão nos lucros e perdas deles resultantes.

O art.º 1021º contêm “regras que se utilizariam na partilha do ativo líquido restante, caso a sociedade fosse objeto de liquidação (…). A avaliação passará assim pela dedução do passivo, deve atender aos lucros e às partes que competem ao sócio relevante e ao valor que a entrada tinha no momento da constituição da sociedade. “ (cfr. António Garcia Rolo, ob. cit. pág.376).

Mas no caso estamos perante uma sociedade em actividade, pelo que, sendo essa a realidade e havendo que apurar o valor real da sociedade, não podem ser aplicados aqueles critérios, o que aliás decorre do art.º 1069º do CPC, que manda aplicar o art.º 1068º com as devidas adaptações.

O valor da contrapartida pela participação minoritária há-de corresponder à parte proporcional da participação social no valor real da sociedade (cfr. Evaristo Mendes, ob cit. pág. 378), ou seja, o valor da participação social corresponde à proporção da mesma no valor da sociedade, calculando-se a partir deste; o valor da sociedade é um valor base ou de referência (António Garcia Rolo, ob. cit. pág.376).

Ex: se a sociedade valer € 1.000,000,00 e a participação social corresponder a 8% do capital social, o valor desta será de € 80.000,00.

Finalmente importa considerar que o processo especial de liquidação de participações sociais integra o Capítulo XIV (Exercício de direitos sociais) do Título  XV (Dos processos de jurisdição voluntária) do Livro V (Dos processos especiais) do Código de Processo Civil.

Integrando o mesmo os processos de jurisdição voluntária, aplicam-se as respectivas regras. E, assim, dispõe o n.º 2 do art.º 986º que o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias e dispõe o artigo 987.º que nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.

Mas como vem sendo referido (cfr. de novo o Ac. da RL de 12/11/2009), na  fixação do valor da participação social minoritária, a prova pericial, por avaliação, assume uma posição absolutamente central e determinante.

E, nessa medida, quer a liberdade a que se refere o n.º 2 do art.º 986º, quer a possibilidade de fazer uso da equidade, mostra-se muito limitada.

5.2. Em concreto – o valor de cada acção
Resulta da factualidade provada (alínea m)) (em resultado da tarefa de análise, tão complexa, quanto melindrosa, da prova pericial) que o valor da EMP02... situa-se entre € 8 738 991,00 de acordo com o método DCF e € 5 815 584,00 de acordo com o método dos múltiplos.

Uma vez que o capital social da EMP02... está dividido em 553.690 acções, cada acção valerá € 15,78 à luz do primeiro valor e valerá € 10,50, à luz do segundo valor.

Não temos elementos para considerar que um valor é mais exacto que o outro, sendo certo que ambos foram obtidos mediante a utilização de métodos que a maioria dos peritos considerou serem adequados à avaliação de uma empresa.

Estamos no fim da linha, pelo que resta a equidade.

A este propósito refere Menezes Cordeiro in Da boa fé no Direito Civil, 1997, pág. 1203:
 “A decisão de equidade implica uma margem lata de indeterminação. Intervêm, nela, argumentos mais vastos do que os integrantes de modelos de decisão intra-sistemáticos, acrescidos por certo espaço de subjectivismo de quem julgue. Tais argumentos prendem-se com o caso concreto, mas devem ter um mínimo de objectividade jussocial que permita considerá-los como integrando a regulação da vida em sociedade. Na sua seriação, há-de observar-se o esquema valorativo dominante nas representações comuns, sob pena de arbítrio. “

E ainda na mesma obra, pág. 1204 observa:
“ (…) sendo, como se depreende do art.º 4º, a equidade, um modo de resolver questões estranho ao Direito estrito, ela não se fundamenta, de forma expressa, no estalão argumentativo subjacente à lei e fontes complementares: tem de se legitimar no processo e no mérito dos próprios pontos de vista para que apele”.

Referia Baptista Machado, in Conferências do Palácio da Justiça do Porto, 1980 refere:
“Sem certezas ou verdades absolutas - que ninguém poderá esperar da intervenção judicial – a justiça do caso concreto ou equidade há-de representar sempre uma intuição pelo que concretamente se afigura mais justo e razoável; um meio termo entre o tudo e o nada traçado pela especificidade do caso, que o sentimento de justiça não poderá perder de vista”.

O valor da empresa situa-se entre os dois valores.

Assim não resta outra solução que não seja considerar que o valor de cada acção é o da média dos dois valores, ou seja € 13,14.

Considerando que a A. é titular de 32.100 acções representativas do capital social, o valor da contrapartida devida pela aquisição potestativa dessas acções é de € 421.794,00.

Nenhuma das partes contesta que no processo de consignação judicial em depósito foi depositada a quantia que a aqui Ré considerou como correspondendo ao valor da contrapartida devida pela aquisição potestativa da participação social da aqui A. na EMP02..., SA: € 119.733,00.

Destarte, a aqui A. terá direito a receber aquela quantia (que já terá levantado) e nestes autos a aqui Ré apenas pode ser condenada a pagar a diferença entre a quantia ali depositada e a quantia aqui apurada, ou seja, € 302.061,00

Neste contexto, a decisão recorrida não se pode manter, devendo ser revogada e substituída por outra que condene a Ré a pagar à A. a quantia de € 302.061,00, correspondente à diferença entre a quantia depositada no processo 3606/20.8T8GMR – € 119.733,00 – e o valor da contrapartida devida pela aquisição potestativa da participação social da aqui A. pela Ré apurada neste autos - € 421.794,00.

5.3. Em concreto – a questão dos juros
A A. pediu que a Ré fosse condenada a pagar o valor que resultasse da avaliação e juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Nos termos do n.º 2 do art.º 804º do CC, o credor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada em tempo devido.

O art.º 805º dispõe sobre o momento em que o devedor se constitui em mora.

Nos termos do n.º 1 do art.º 805º do CC o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.

O n.º 2 do art.º 805º prevê um conjunto de situações em que há mora do devedor independentemente de interpelação.

Mas dispõe o n.º 3 do art.º 805º do CC:
3 - Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor (…)

Estando em causa a fixação judicial do valor da contrapartida devida pela aquisição potestativa das acções, a liquidez só ocorre com o trânsito em julgado da decisão que fixa o valor.

A iliquidez não é imputável ao devedor, pois depende de fixação judicial, no fim de um processo de avaliação da sociedade dominada.

Destarte, é manifestamente improcedente o pedido de condenação da aqui Ré a pagar juros de mora desde a citação.

Muito embora haja lugar ao pagamento de juros – está em causa uma obrigação pecuniária e, portanto, à luz do disposto no art.º 806º, n.º 1, a indemnização pela mora relativamente a tais obrigações corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora, sendo que os juros devidos são os legais, nos termos do n.º 2 do mesmo normativo – os mesmos só são devidos desde a data do trânsito em julgado da decisão que fixar definitivamente o valor da contrapartida.

5.4. Custas
Dispõe o art.º 527, n.º 1 do CPC que a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

E o n.º 2 dispõe: ”Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.”

Relativamente à sentença da 1ª instância, a A. obteve vencimento no recurso pois aqui foi decidido que a contrapartida devida pela aquisição potestativa das acções, era de valor superior ao decidido naquela.

Mas com a presente apelação a A. pretendia que o valor da contrapartida fosse superior ao que aqui foi fixado: pretendia que o valor de cada acção fosse fixado em €16,32 e, assim, que o valor da contrapartida fosse de € 523.872,00.
Tendo o valor da contrapartida sido fixado em € 421.794,00, a A. só obteve parcial vencimento no recurso.

Neste contexto, entende-se que as custas da apelação devem ser repartidas entre as partes na proporção do decaimento e que é de 20% para a A. e 80% para a Ré.

6. Decisão
Termos em que acordam os juízes que compõem a 1ª Secção Cível da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida e em sua substituição condenar a Ré a pagar à A. a quantia de € 392.061,00, correspondente à diferença entre a quantia depositada no processo 3606/20.8T8GMR – € 119.733,00 – e o valor da contrapartida devida pela aquisição potestativa da participação social da aqui A. pela Ré apurada neste autos - € 421.794,00 – quantia aquela acrescida de juros a contar do trânsito em julgado da decisão que fixar definitivamente o valor daquela contrapartida.

Custas da apelação por A. e Ré na proporção de, respectivamente, 20% e 80%.

Notifique-se e extrai-se certidão do presente Acórdão e remeta-se ao processo 3606/20.8T8GMR do J... do Juízo de Comércio de Guimarães.
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Guimarães, 03/10/2024
(O presente acórdão é assinado electronicamente)

Relator: José Carlos Pereira Duarte
1º Adjunto: José Alberto Martins Moreira Dias
2º Adjunto: Maria João Marques Pinto de Matos