INJUNÇÃO
FALTA DE OPOSIÇÃO
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
PRECLUSÃO DO MEIO DE DEFESA
EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
EXCLUSÃO DA PRECLUSÃO
FUNDAMENTOS DE EMBARGOS DE EXECUTADO
CONTRACRÉDITO
Sumário


I - O caso julgado tem a vertente negativa de exceção e a vertente positiva de autoridade de caso julgado. Pode valer como autoridade de caso julgado, quando o objeto da ação subsequente é dependente do objeto da ação anterior, ou como exceção do caso julgado, quando o objeto da ação posterior é idêntico ao objeto da ação antecedente.
II - Conexionada com a autoridade do caso julgado surge a figura da preclusão dos meios de defesa.
III - A preclusão - que pode ser definida como a inadmissibilidade da prática de um ato processual pela parte depois do prazo perentório fixado, pela lei ou pelo juiz, para a sua realização - é correlativa de um ónus da parte: é porque a parte tem o ónus de praticar um ato que a omissão do ato é cominada com a preclusão da sua realização.
IV - A preclusão intraprocessual obsta a que, num processo pendente, um ato possa ser praticado depois do momento definido pela lei ou pelo juiz.
A preclusão intraprocessual torna-se uma preclusão extraprocessual quando o que não foi praticado num processo não pode ser realizado num outro processo.
V - Por via da preclusão dos meios de defesa constante do art. 14º-A, nº 1, do regime anexo ao DL 269/98, de 1.9, não é admissível invocar novamente, desta vez por via de ação, a exceção de não cumprimento do contrato, porquanto este meio de defesa encontra-se precludido, pois deveria ter sido apresentado na oposição ao requerimento de injunção.
VI - Por via da exclusão constante do art. 14º-A, nº 2, al. b), do regime anexo ao DL 269/98, de 1.9, conjugado com o art. 729º, al. h), do CPC, não se encontra precludido o direito de, em processo autónomo, o requerido pedir a condenação da requerente do processo de injunção nos danos que a mesma causou em determinadas frações enquanto estava a executar o contrato de empreitada.

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

RELATÓRIO

AA, na qualidade de administrador do CONDOMÍNIO ..., instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP01..., LDA. pedindo que:

a) seja reconhecido ao autor o direito a invocar a exceção de não cumprimento do pagamento da quantia de 2.522,12€ – reclamada pela Ré nas faturas ...77 e ... - conforme estipulado na Cláusula 8.º, n.º 1, do Contrato de Empreitada celebrado com a ré e junto como documento 3, atento o não cumprimento pela ré da obrigação de resolver o problema de infiltração no Edifício ...; e,
b) a ré seja condenada no pagamento da quantia global de 1.510,00€, acrescida de IVA, para ressarcimento das despesas que o autor teve de suportar com a reparação dos danos que aquela causou com o entupimento na coluna de drenagem de água dos terraços e varandas do F4, F5 e F6.

Como fundamento dos seus pedidos alegou, em síntese, que contactou a ré no sentido de solucionar infiltrações existentes em algumas frações do Edifício ..., a qual, após várias deslocações dos seus técnicos para averiguarem as causas das infiltrações, apresentou como solução a impermeabilização do terraço/cobertura do Edifício.
A ré apresentou a Proposta n.º ...1/orçamento para a referida intervenção, a qual foi aceite pelo autor, pois a ré e o seu staff técnico garantiram que a infiltração se situava nesse local devido a deficiências na impermeabilização do piso.
Assim, em 6 de abril de 2021, autor e ré celebraram um contrato de empreitada para realização da reabilitação do terraço exterior que serve de cobertura da fração ... do Edifício ... e reparação dos respetivos danos, tendo a ré procedido à execução dos trabalhos.

Porém, a intervenção da ré não logrou alcançar o resultado a que esta se tinha comprometido - resolver o problema das infiltrações no Edifício ... - pois, ainda hoje, sempre que chove, ocorrem infiltrações na Fração 10.
Os defeitos dos trabalhos executados pela ré foram devidamente comunicados a esta pelo autor, quer telefonicamente, quer por correio eletrónico.
Apesar da ré reconhecer que não tinha resolvido o problema das infiltrações, o certo é que nenhuma outra intervenção realizou para alcançar o objetivo do contrato de empreitada celebrado tendo, antes, avançado com a cobrança judicial do montante referente à conclusão dos trabalhos da Fase 1 do contrato de empreitada, instaurando a Injunção n.º106970/22.... que corre termos no Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim.
Não tendo a ré concluído a fase 1 do contrato de empreitada, não pode obter o pagamento da quantia de 2.522,12€ como fez na Injunção n.º 106970/22...., tendo o autor o direito de invocar a exceção de não cumprimento do contrato.
Por outro lado, ocorreu um entupimento na coluna de drenagem de água dos terraços e varandas do F4, F5 e F6 o qual se deveu ao material utilizado pela ré para tapar as saídas de água (poliuretano). O entupimento das saídas de água causado pela ré danificou o teto das varandas de três apartamentos – F4, F5 e F6 - e uma garagem na cave.
Para a reparação dessas varandas e garagem, o autor terá de suportar a quantia de 1.220,00€, acrescida de IVA.
O autor teve ainda de suportar o pagamento da quantia de 290,00€, acrescida de IVA, para que um técnico pudesse desentupir as saídas de água que provocaram infiltrações nas frações ..., ... e ....
Assim, entende que a ré deve ser condenada no pagamento da quantia global de 1.510,00€ para pagamento das despesas relativas à reparação dos descritos danos que causou.

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Regularmente citada, a ré contestou invocando a ilegitimidade do autor para instaurar a ação. Impugnou parte da factualidade alegada, sustentando que efetuou os trabalhos que lhe foram solicitados pelo autor respeitantes à fase 1 da proposta (impermeabilização do terraço/cobertura da fração ...) e que nunca garantiu que as infiltrações da fração ... ficavam resolvidas apenas com a impermeabilização do terraço cobertura do F11.
Também nunca reconheceu quaisquer defeitos na execução dos trabalhos.
Defende que não existe nenhum motivo para o autor invocar a exceção do não cumprimento do contrato, pois o mesmo foi cumprido na íntegra no que respeita à fase 1, sendo devido o valor que se encontra a ser reclamado no âmbito do Proc. de Injunção n.º 106970/22...., que se encontra já em fase de execução de sentença.
Finalmente, invocou que os danos alegadamente existentes nas frações ..., ... e ... não foram causados por si, pois não procedeu à colocação do poliuretano que supostamente causou o entupimento da coluna de drenagem de água dos terraços e varandas daquelas frações, na medida em que utilizou tela para tapar as saídas de água dos terraços colocados à carga.
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Foi concedido ao autor a possibilidade de se pronunciar quanto à matéria de exceção vertida na contestação (despacho de 4.12.2023, ref. Citius 187908431), não tendo o mesmo exercido tal faculdade.
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A fim de averiguar da existência de caso julgado ou autoridade de caso julgado, foi solicitado ao processo Proc. de Injunção n.º 106970/22...., a correr termos no Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim, Juiz ..., certidão do requerimento de injunção, oposição e sentença, com nota do trânsito em julgado, a qual veio a ser junta em 15.12.2023 (ref. Citius 15482289) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
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Em 9.2.2024, foi proferido despacho com o seguinte teor decisório:

Face ao exposto, por força da autoridade do caso julgado, os pedidos elencados nas alíneas a), b) da petição inicial (pela conexão que encerram) não podem ser discutidos nesta ação, havendo que respeitar a decisão de facto vertida na sentença proferida nos 106970/22.... que correu termos no Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim, onde se formou titulo executivo e que, por estar a coberto da autoridade de caso julgado, não pode ser afrontada nesta ação.”
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O autor não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1 - Como questão fulcral no presente recurso temos a interpretação e aplicação feita pelo tribunal recorrido ao artigo 580.º e 581.º CPC, ao considerar que “por força da autoridade do caso julgado, os pedidos elencados nas alíneas a), b) da petição inicial (pela conexão que encerram) não podem ser discutidos nesta ação, havendo que respeitar a decisão de facto vertida na sentença proferida nos 106970/22.... que correu termos no juízo local cível da Póvoa de Varzim, onde se formou titulo executivo e que, por estar a coberto da autoridade de caso julgado, não pode ser afrontada nesta acção”.
2 – Todavia, entende a ora recorrente que não havendo decisão de mérito sobre a decisão de facto vertida na sentença proferida nos 106970/22.... que correu termos no juízo local cível da Póvoa de Varzim, não pode ocorrer nem se verificar a excepção do caso julgado.
3 – Se os pressupostos da decisão não são os mesmos, e se os seus fundamentos também o não são, inexistindo aliás uma decisão de mérito sobre a questão essencial controvertida, não pode simplesmente afirmar-se que existe uma violação de lei por força do caso julgado.
4 - A decisão recorrida padece, assim, de erro interpretativo e de aplicação do disposto nos artigos 580.º, 581.º, 619.º, 620.º, 621.º e 622.º do cpc.
5 – O despacho proferido pelo tribunal a quo viola assim o disposto nos artigos 580.º, 581.º, 619.º, 620.º, 621.º e 622.º do CPC e artigo 20.º da CRP.
6 -e com a observância das mencionadas normas, concluirá o tribunal ad quem pela nulidade da decisão e pela sua substituição por outra que determine o prosseguimento dos autos.
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Não foram apresentadas contra-alegações
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O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.
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Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, a questão relevante a decidir consiste em saber se a decisão que conferiu força executiva ao requerimento de injunção do processo nº 106970/22.... estende, ou não, os seus efeitos à presente ação, por via de autoridade do caso julgado.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos relevantes a considerar são os que resultam do relatório supra e ainda os que de seguida se enunciam e que resultam da certidão judicial junta em 15.12.2023 (ref. Citius 15482289) relativa ao Proc. de Injunção n.º 106970/22....:

1 - EMP01..., Lda. apresentou requerimento de injunção contra CONDOMÍNIO ... pedindo que este último fosse notificado para lhe pagar a quantia de € 2 672,44, acrescida de juros de mora vencidos até à data de entrada da injunção no valor de € 171,76 e da taxa de justiça paga de € 51,00, o qual deu origem ao Proc. de Injunção n.º 106970/22.....
2 - Invocou os fundamentos constantes do requerimento de injunção, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, designadamente a celebração de um contrato de empreitada, datado de 6.4.2021, no âmbito do qual, após conclusão dos trabalhos contratados, foram emitidas as faturas nº ...77, vencida em 22.12.2021, no valor de 1.786,23 €, e nº 2022/3, vencida em 18.01.2022, no valor de 887,21 €, as quais perfazem o valor total de 2.673,44 €, cujo pagamento o requerido não realizou, não obstante ter sido interpelado diversas vezes para o efeito.
3 - O requerido foi notificado e deduziu oposição, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, tendo, designadamente, invocado que a requerente executou os trabalhos contratados de forma defeituosa, não tendo ficado resolvido o problema das infiltrações, razão pela qual, de acordo com a exceção de não cumprimento do contrato, não tem obrigação de proceder ao pagamento das faturas peticionadas.
4 - No âmbito do referido processo foi proferida decisão, já transitada em julgado, que, com fundamento na prolação de despacho judicial que declarou não verificado o justo impedimento e a nulidade da citação arguida pelo réu e não admitiu a oposição por esgotado o prazo de apresentação, em face da falta de contestação do réu, e de acordo com o estatuído no art. 2º do regime aprovado pelo DL 269/98, de 1.9, conferiu força executiva à petição inicial.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

A decisão recorrida depois de definir o conceito jurídico de caso julgado, nas suas vertentes de exceção e autoridade, analisou o caso concreto e concluiu que os pedidos formulados na presente ação não podem ser discutidos por força da autoridade de caso julgado que se formou com a decisão proferida no Proc. de Injunção n.º 106970/22.... que, na sequência de falta de contestação, conferiu força executiva à petição inicial.

O recorrente discorda da decisão e defende que, “não havendo decisão de mérito sobre a decisão de facto vertida na sentença proferida nos 106970/22.... que correu termos no Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim, não pode ocorrer nem se verificar a excepção do caso julgado”.

Aqui reside um equívoco do recorrente: a decisão recorrida não considerou verificada a exceção de caso julgado, antes considerou que se verifica autoridade de caso julgado, conceitos que são diferentes.

Uma vez que a decisão recorrida não decidiu que se verifica a exceção de caso julgado, na vertente negativa, são despiciendas e supérfluas considerações sobre a não verificação dessa exceção no caso concreto, a qual efetivamente não ocorre, e apenas se aludirá à mesma para efeitos de a distinguir da autoridade do caso julgado.

O caso julgado é uma exceção dilatória (art 577º, al. i), do CPC), que pressupõe a repetição de uma causa depois de a causa anterior ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário e que tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (art. 580º, do CPC).
Repete-se uma ação quando se propõe ação idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, considerando-se que há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, há identidade de pedido quando nas ações se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (art. 581º, do CPC).
Assim, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele (art. 619º, do CPC).
Trata-se do efeito de caso julgado material: a definição dada à relação controvertida não pode ser alterada em qualquer nova ação pois o caso fica julgado e torna-se incontestável.
Esse efeito é ditado por razões de certeza ou segurança jurídica e de prestígio dos tribunais; a instabilidade jurídica seria verdadeiramente intolerável se não pudesse sequer confiar-se nos direitos que uma sentença reconheceu (acórdão do STJ, de 26.2.2019, P 4043/10.8TBVLG.P1.S1 in www.dgsi.pt).
O caso julgado tem a vertente negativa de exceção e a vertente positiva de autoridade de caso julgado. Pode valer como autoridade de caso julgado, quando o objeto da ação subsequente é dependente do objeto da ação anterior, ou como exceção do caso julgado, quando o objeto da ação posterior é idêntico ao objeto da ação antecedente (cf. acórdão da Relação de Guimarães, de 2.2.2017, P 766/14.OTBFAF.G1 in www.dgsi.pt).

Como se escreveu no Acórdão do STJ, de 26.2.2019 (P 4043/10.8TBVLG.P1.S1 in www.dgsi.pt)a exceção implica sempre a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (cfr. art. 581º, nºs 1 a 4, do CPC). A autoridade do caso julgado não: exigir essa tríplice identidade equivaleria, como já se afirmou, a "matar" esta figura; “a autoridade existe onde a exceção não chega, exatamente nos casos em que não há identidade objetiva”.
A exceção de caso julgado tem um efeito negativo de inadmissibilidade da segunda ação, impedindo qualquer decisão futura de mérito; na segunda ação, o juiz deve abster-se de conhecer do mérito da causa, absolvendo o réu da instância (art. 576º nº 2 do CPC).
A autoridade de caso julgado “tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida”. (...)
[N]a autoridade de caso julgado, existe uma diversidade entre os objetos dos dois processos e na exceção uma identidade entre esses objetos. Naquele caso, o objeto processual decidido na primeira ação surge como condição para apreciação do objeto processual da segunda ação; neste caso, o objeto processual da primeira ação é repetido na segunda.
Na exceção, a repetição deve ser impedida, uma vez que só iria reproduzir inutilmente a decisão anterior ou decidir diversamente, contradizendo-a.
Na autoridade, há uma conexão ou dependência entre o objeto da segunda ação e o objeto definido na primeira ação, sem que aquele se esgote neste. Aqui, impõe-se que essas questões comuns não sejam decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda ação acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível”.

Dito de modo mais sintético, “[o] caso julgado impor-se-á por via da sua autoridade quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o objeto da segunda ação mas constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir (neste caso, o Tribunal apreciará e definirá a concreta relação ou situação jurídica que corresponde ao objeto da ação, respeitando, contudo, nessa definição ou regulação, sem nova apreciação ou discussão, os termos em que foi definida a relação ou situação que foi objeto da primeira decisão)” (Acórdão da Relação de Coimbra, de 11.6.2019, P 355/16.5T8PMS.C1 in www.dgsi.pt).

Na doutrina, referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 4.ª edição, pág. 559) que “[a] exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado; pela exceção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida…”.

Como entendido no Acórdão do STJ, de 20.6.2012 (P 241/07.0TTLSB.L1.S1 in www.dgsi.pt)quanto ao âmbito objetivo do caso julgado – seus limites objetivos – e que respeita à determinação do quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal, tem vindo a ser sustentado maioritariamente, na esteira da doutrina defendida por Vaz Serra (R.L.J. 110º/232), que a força do caso julgado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita, antes se estende à decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, tudo isto ‘ (...) em nome da economia processual, do prestígio das instituições judiciárias e da estabilidade e certeza das relações jurídicas’ (Acórdão do S.T.J. de 10/7/97 in C.J. S.T.J., V, II, 165).

No que concerne à extensão do caso julgado aos fundamentos de facto, sublinha ainda Teixeira de Sousa (in Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 578-579) que “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”.

Conexionada com a autoridade do caso julgado surge a figura da preclusão dos meios de defesa.

A preclusão pode ser definida como a inadmissibilidade da prática de um ato processual pela parte depois do prazo perentório fixado, pela lei ou pelo juiz, para a sua realização. Embora seja possível reconduzir a preclusão a outras causas que não a omissão do ato no prazo devido, sendo possível construir outras modalidades da preclusão além da preclusão temporal, o certo é que toda a preclusão, qualquer que seja a respetiva causa, tem a mesma consequência: a inadmissibilidade da realização do ato precludido (cf. Miguel Teixeira de Sousa in Blog do IPPC, Paper 199, 05.2016, pág. 1).

A preclusão é correlativa de um ónus da parte: é porque a parte tem o ónus de praticar um ato que a omissão do ato é cominada com a preclusão da sua realização.
A preclusão só pode referir-se a um ónus que deve ser observado num processo pendente (cf. Miguel Teixeira de Sousa in Blog do IPPC, Paper 199, 05.2016, pág. 2).

A preclusão que obsta a que, num processo pendente, um ato possa ser praticado depois do momento definido pela lei ou pelo juiz é a preclusão intraprocessual.
A preclusão intraprocessual torna-se uma preclusão extraprocessual quando o que não foi praticado num processo não pode ser realizado num outro processo.
A preclusão intraprocessual e a preclusão extraprocessual são duas manifestações sucessivas de uma mesma preclusão: primeiro, verifica-se a preclusão da prática do ato num processo pendente; depois, exatamente porque a prática do ato está precludida nesse processo, torna-se inadmissível a prática do ato num outro processo. Portanto, a preclusão começa por ser intraprocessual e transforma-se em extraprocessual quando se pretende realizar o ato num outro processo (cf. Miguel Teixeira de Sousa in Blog do IPPC, Paper 199, 05.2016, pág. 4).

No que concerne especificamente ao procedimento de injunção, caso que nos ocupa, dispõe o art. 14º-A, do regime anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de setembro, sob a epígrafe “Efeito cominatório da falta de dedução da oposição”:

1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.

Esta norma estabelece um ónus de concentração dos meios de defesa na oposição ao requerimento de injunção, apenas dele se excecionando as situações previstas no nº 2.
Assim, desde que o requerido tenha sido pessoalmente notificado e tenha sido advertido do correspondente efeito cominatório, caso não deduza oposição ao requerimento de injunção, fica precludida a possibilidade de invocar futuramente os meios de defesa que poderia ter invocado nessa oposição, exceção feita às situações elencadas no nº 2.
O efeito preclusivo dos meios de defesa abarca o que constitui matéria de exceção, aqui se integrando os factos impeditivos, modificativos ou extintivos opostos à pretensão do autor, com exclusão das pretensões autónomas.

Ora, no caso em apreço, o aqui autor/recorrente, que era requerido no processo de injunção, foi aí considerado notificado, por não se considerar verificada a nulidade da citação arguida, e não deduziu validamente oposição, visto que a oposição apresentada foi considerada intempestiva por não verificação de justo impedimento.
Tal teve como consequência que, nos termos do art. 2º do regime aprovado pelo DL 269/98, de 1.9, tenha sido conferida força executiva à petição inicial.

Ao não deduzir validamente oposição ficou precludida a possibilidade de o requerido, aqui autor, deduzir os meios de defesa que poderia ter invocado nessa oposição.

Ora, a exceção de não cumprimento de contrato que o autor invoca nos presentes autos e cujo reconhecimento peticiona na al. a) da p.i. podia ter sido invocada na oposição ao requerimento de injunção, pelo que, nos termos do art. 14º-A, nº 1, do diploma citado, e não se verificando nenhuma das exceções referidas no nº 2, resta concluir que se encontra precludida a possibilidade da referida exceção ser invocada numa outra ação.

Na verdade, a exceção de não cumprimento foi invocada na oposição à injunção; simplesmente, como a oposição foi considerada intempestiva, tal equivale, juridicamente, a não ter sido apresentada oposição, pois tanto há falta de oposição quando ela não é pura e simplesmente deduzida, como quando é apresentada fora do prazo legal.

Perante a falta de contestação, foi conferida força executiva à petição inicial.
Tal significa que o requerimento de injunção passou a constituir um título executivo.
Por conseguinte, não é possível, por via da preclusão dos meios de defesa constante do art. 14º-A, nº 1, invocar novamente, desta vez por via de ação, a exceção de não cumprimento do contrato, porquanto este meio de defesa encontra-se precludido, como explanado, e tal admissão importaria a violação da autoridade do caso julgado posto que, tendo sido conferida força executiva ao requerimento de injunção, não é possível discutir numa posterior ação a exceção de não cumprimento do contrato sob pena de se correr o risco de repetir ou contradizer a decisão já proferida de atribuição de natureza executiva ao requerimento de injunção.
Ocorre, assim, quanto ao pedido formulado na al. a), uma situação de preclusão da possibilidade de invocar a exceção de não cumprimento do contrato, preclusão esta que está coberta pela autoridade do caso julgado, sendo, nesta parte, de confirmar a decisão recorrida.

Para além da exceção de não cumprimento do contrato que foi objeto do pedido formulado na al. a), o autor formula na al. b) pedido de condenação da ré no pagamento da quantia global de 1.510,00€, acrescida de IVA, para pagamento das despesas que o autor teve de suportar com a reparação dos danos que a ré causou com o entupimento na coluna de drenagem de água dos terraços e varandas do F4, F5 e F6.

Este pedido, embora tenha conexão com o contrato de empreitada, é autónomo do mesmo e baseia-se em atos que a ré praticou que causaram danos em algumas frações. Não obstante tais atos terem sido praticados durante a execução do contrato de empreitada, distinguem-se deste e geram, em caso de procedência, um crédito indemnizatório do autor sobre a ré.
Ora, a preclusão do art. 14º-A, nº 1, não abrange a alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do CPC, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção, por força da al. b) do nº 2.
De acordo com o art. 729º, al. h), do CPC, fundando-se a execução em sentença, a oposição pode ter como fundamento contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos.
O que significa que a alegação do crédito indemnizatório do autor e o pedido da correspondente condenação da ré que é formulado na al. b) enquadram-se na exclusão de preclusão de meios de defesa que não tenham sido deduzidos na oposição.
Assim, por via da aludida exclusão, não ocorre preclusão intraprocessual de invocação de contracrédito com vista à compensação, o que significa que também não ocorre preclusão extraprocessual.
Por isso, relativamente a este pedido, não havendo preclusão, não ocorre uma situação de autoridade de caso julgado que impeça a sua apreciação, pois a decisão que vier a ser proferida quanto ao mesmo nem poderá contradizer nem reproduzir a decisão proferida anteriormente no processo de injunção, porquanto se trata de um direito autónomo que não decorre do próprio contrato de empreitada, embora se refira a atos praticados durante a sua execução.
Consequentemente, o recurso procede parcialmente, e os autos deverão prosseguir os seus ulteriores termos, com vista à apreciação do pedido formulado na al. b).
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso sido julgado parcialmente procedente, recorrente e recorrida são responsáveis pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada, na proporção do seu vencimento, que se fixa em 65,32% e 34,68%, respetivamente.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência:

1. mantêm a decisão recorrida quanto ao pedido formulado na al. a) da p.i.;
2. revogam a decisão recorrida quanto ao pedido formulado na al. b) da p.i. e consideram que, quanto a este pedido, não se verifica a autoridade de caso julgado da decisão proferida no processo de injunção n.º 106970/22...., determinando que os autos sigam os seus ulteriores termos com vista à apreciação desse pedido.
Custas da apelação por recorrente e recorrida, na proporção do seu vencimento, que se fixa em 65,32% e 34,68%, respetivamente.
Notifique.
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Sumário (da responsabilidade da relatora, conforme art. 663º, nº 7, do CPC):

I - O caso julgado tem a vertente negativa de exceção e a vertente positiva de autoridade de caso julgado. Pode valer como autoridade de caso julgado, quando o objeto da ação subsequente é dependente do objeto da ação anterior, ou como exceção do caso julgado, quando o objeto da ação posterior é idêntico ao objeto da ação antecedente.
II - Conexionada com a autoridade do caso julgado surge a figura da preclusão dos meios de defesa.
III - A preclusão - que pode ser definida como a inadmissibilidade da prática de um ato processual pela parte depois do prazo perentório fixado, pela lei ou pelo juiz, para a sua realização - é correlativa de um ónus da parte: é porque a parte tem o ónus de praticar um ato que a omissão do ato é cominada com a preclusão da sua realização.
IV - A preclusão intraprocessual obsta a que, num processo pendente, um ato possa ser praticado depois do momento definido pela lei ou pelo juiz.
A preclusão intraprocessual torna-se uma preclusão extraprocessual quando o que não foi praticado num processo não pode ser realizado num outro processo.
V - Por via da preclusão dos meios de defesa constante do art. 14º-A, nº 1, do regime anexo ao DL 269/98, de 1.9, não é admissível invocar novamente, desta vez por via de ação, a exceção de não cumprimento do contrato, porquanto este meio de defesa encontra-se precludido, pois deveria ter sido apresentado na oposição ao requerimento de injunção.
VI - Por via da exclusão constante do art. 14º-A, nº 2, al. b), do regime anexo ao DL 269/98, de 1.9, conjugado com o art. 729º, al. h), do CPC, não se encontra precludido o direito de, em processo autónomo, o requerido pedir a condenação da requerente do processo de injunção nos danos que a mesma causou em determinadas frações enquanto estava a executar o contrato de empreitada.
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Guimarães, 3 de outubro de 2024

(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) João Peres Coelho
(2º/ª Adjunto/a) Gonçalo Oliveira Magalhães