DIREITO DE PROPRIEDADE
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
AQUISIÇÃO DERIVADA
REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO DA TITULARIDADE
Sumário


Gozando de presunção resultante do registo, provado que adquiriram, pelo menos, parte dos prédios, por via da aquisição derivada, através de compra e venda e ainda demonstrada a aquisição originária do direito de propriedade sobre os prédios em causa, nada permite concluir pela apropriação indevida dos mesmos.

Texto Integral


Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório:

AA, intentou ação com processo comum, contra BB, pedindo a condenação desta a:
a) entregar à autora a área do prédio da mesma, que ocupou ilegitimamente, livre e desocupado de pessoas e bens, bem como, a destruir a construção que edificou no prédio da autora;
b) pagar à autora indemnização pela ocupação do referido prédio, correspondente a € 150,00 (cento e cinquenta euros) mensais, considerados, pelo menos, desde fevereiro de 2015, no valor já vencido de € 6.150,00 (seis mil cento e cinquenta euros), e todos os meses que se vencerem, até efetiva desocupação e entrega do imóvel, acrescida de juros de mora desde a citação e até efetivo e integral pagamento;
c) pagar à autora todos os danos sofridos por esta como consequência da sua atuação ilícita, que se computam no valor total de € 7.952,67 (sete mil novecentos e cinquenta e dois euros e sessenta e sete cêntimos);
d) a pagar à autora a quantia de € 30,00 diários, enquanto não proceder à efetiva desocupação e entrega do imóvel à mesma.
Mesmo que assim não se entenda, considerando o empobrecimento do património da autora e enriquecimento sem causa do património do réu, deve o réu BB ser condenado a devolver a mencionada parcela de terreno da autora.
Alegou, a autora, em síntese, ser a legítima proprietária do prédio rústico que identifica, com a composição e área que descreve, inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...61º e registado a seu favor e que adquiriu tal prédio em partilhas por óbito de seus pais, os quais já há muito o haviam adquirido, se outro título não tivessem, por usucapião.
Tal prédio foi intercetado por um arruamento público, no ano de 2010, que deu lugar a três parcelas autónomas, sendo que em ../../1985, os pais da autora venderam ao réu uma parcela de terreno do referido prédio rústico, com uma área de 1.500 m2.
O réu murou todo o seu prédio, mas o respetivo logradouro, também murado, passou a estender-se, no sentido nascente, para o interior do prédio da autora, apropriando-se o réu, de uma área de 1740 m2, encontrando-se a autora, desde o ano de 2015, privada da utilização e fruição da referida área do seu imóvel, o que lhe causa danos que quantifica.

Citado, o réu apresentou contestação, arguindo as exceções de ilegitimidade passiva e de ineptidão da petição inicial, impugnando ainda a factualidade alegada pela autora, para além de deduzir reconvenção.
Alegou o mesmo a aquisição de várias parcelas de terreno, sendo duas aos pais da autora, os quais nunca puseram em causa a área dos prédios do réu, e que aí construiu a sua casa de habitação, em 1988, e os muros que limitam os seus prédios, e invocando a posse desses prédios, há mais de 20 anos, para além da litigância de má fé da autora, deduziu reconvenção, formulando os seguintes pedidos:
a)ser o réu reconvinte e sua esposa CC declarados únicos donos e legítimos possuidores dos imóveis identificados no artigo 50.º e 51.º desta peça, com a configuração e áreas mencionadas, bem como muros delimitadores dos mesmos;
b)ser a autora reconvinda condenada a reconhecê-los como proprietários dos prédios identificados nos artºs 50º e 51º da contestação, com a configuração e área mencionadas, bem como muros delimitadores dos mesmos.
c) deve a autora ser condenada como litigante de má fé em multa e indeminização a favor do Réu, não inferior a 5.000,00 €.
 
A autora veio replicar, pugnando pela improcedência das exceções e impugnando os factos alegados na contestação reconvenção, arguindo também a ineptidão do pedido reconvencional.

Foi proferido despacho quanto à ilegitimidade do réu, tendo sido requerida e admitida a intervenção da sua esposa, quer para figurar como ré ao lado de seu marido, quer para figurar como reconvinte.

A autora veio, ainda, requerer a ampliação do pedido.
Em sede de audiência prévia, foi admitida a reconvenção, proferido despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as exceções de ilegitimidade e de ineptidão, quer da petição quer da reconvenção, foi decidido não admitir a ampliação do pedido e foi fixado o objeto do litígio e os temas de prova, tendo o processo prosseguido para julgamento, ao qual se procedeu com observância das formalidades legais.

Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a presente ação totalmente improcedente, absolvendo dos réus dos pedidos formulados e julgou procedente a reconvenção, e consequentemente:
a)declarou o réu reconvinte e sua esposa CC únicos donos e legítimos possuidores dos imóveis identificados nos artigos 50.º e 51.º da Contestação/Reconvenção, com a configuração e áreas mencionadas, bem como os muros delimitadores dos mesmos;
b)condenou a autora reconvinda a reconhecê-los como proprietários dos prédios identificados nos artigos 50.º e 51.º da Contestação/Reconvenção, com a configuração e áreas mencionadas, bem como muros delimitadores dos mesmos.
Julgou improcedente o pedido de condenação da autora como litigante de má fé

Inconformada veio da mesma recorrer a autora formulando as seguintes conclusões:

1. A Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida que julga a presente ação totalmente improcedente e absolve os réus dos pedidos formulados, por entender que a matéria de facto provada foi incorretamente julgada e que não existiu correta aplicação do Direito.

DA MATÉRIA DE FACTO:

2. Os concretos pontos 25, 26, 34), 37) e 39) dos factos provados foram incorretamente julgados, assim como os pontos c), d), e), f), h), i), j), k), l) e m) da matéria de facto não provada.
3. No que respeita aos pontos incorretamente julgados 25, 34), 37) e 39) dos factos provados e pontos c), d), e), f) dos factos não provados, devem os mesmos ser alterados.
4. O ponto 25 refere-se a matéria de facto conclusiva, mas admitindo-se que corresponde aos momentos seguintes à aquisição das parcelas de terreno, tal não corresponde a verdade porquanto apenas anos mais tarde após a aquisição das referidas parcelas de terreno é que o reu mandou delimitar o terreno com muros de blocos.
5. Como tal, apenas se poderá considerar provado que: 25. O Réu adquiriu as parcelas de terreno por compra aos pais da Autora, tendo após o ano de 2000 mandado limitar os seus prédios por muros de bloco.
6. Relativamente ao ponto 34, não se pode considerar demonstrado que há mais de 20 anos, que os possuem, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, de forma ininterrupta, convictos de que exercem um direito próprio e com exclusão de outrem, sem lesarem interesses alheios. Pois não podiam os Réus estar convictos de que exerciam um direito próprio quando bem sabiam que o que haviam adquirido era um
terreno de menores dimensões, conforme escrituras por si outorgadas. Pelo que, este ponto deve-se considerar não provado.
7. Também relativamente ao ponto 37, como se disse, não se encontra demonstrado que os muros tivessem sido construídos no referido ano de 1994. Pelo que, este ponto deve-se considerar não provado.
8. Ainda, no que respeita ao ponto 39 constata-se que o mesmo não corresponde à verdade, tendo ocorrido alteração das delimitações dos prédios nos últimos 20 anos. Pelo que, este ponto deve-se considerar não provado.
9. Igualmente devem-se considerar, por outro lado, provados os seguintes pontos da matéria de facto não provada:
c- O réu apropriou-se de 1740 m2 de terreno do prédio da autora.
d- À revelia e sem autorização da autora ou dos seus anteriores proprietários.
e- O réu, intencionalmente, edificou um muro no prédio da autora, para delimitação do seu prédio.
f- Como consequência da apropriação pelo réu, de cerca de 1740 m2 de terreno, a autora viu a sua propriedade diminuída na mesma proporção, vendo-se impedida de usar e fruir dessa área, desde fevereiro de 2015.
10. Resultando a supra pretendida alteração da matéria de facto do depoimento da Perita DD, devidamente identificada em ata de Discussão e Julgamento de 11/05/2022, onde a mesma indica que, no ano de 1993 evidencia um alinhamento reto – e não um muro – e, por outro lado, que não consegue datar a antiguidade do referido muro pelo seu aspeto, referindo expressamente que não é a sua área.
11. Assim como do depoimento da testemunha EE, devidamente identificada em ata de Discussão e Julgamento de 11/05/2022, que explica que a existência do referido muro foi constatada recentemente e que o pai da Autora, a partir de certo momento, deixou de estar na possa das suas plenas faculdades, pelo que, deixou de visitar as suas terras e não pôde percecionar quaisquer mudanças nas delimitações dos terremos.
12. Sem como das declarações da Autora AA, devidamente identificada em ata de Discussão e Julgamento de 11/05/2022.
13. A acrescer, temos também toda a prova documental dos presentes autos, concretamente, as fotografias aéreas de 1978, 1986 e 1990 demonstram concludentemente a inexistência de qualquer muro a limitar a periferia da propriedade ocupada por BB e a ocupação ilegal dos 1.740 m2 em causa nos presentes autos.
14. Para além disto, resulta dos documentos juntos com a réplica, documento 16 da Petição Inicial, documento 6, 16, 17, 19 juntos com o requerimento de 21/10/2019 e documento junto com o requerimento de 31/10/2019.
15. Resultando de toda a supra referida prova a intenção de BB, era a de ocultar a verdade, em não indicar o confinamento com o artigo 1373, no “Lugar ...”, ..., pois que se tivesse dito a verdade quando da passagem da “carta de confinante”, ter-se-ia nessa altura descoberto a verdade da sua ocupação ilegal dos 1.740,0 m2 aqui em questão.
16. Pois logo após a aquisição por escritura de compra e venda de 1.500 m2 de terreno adquiridos a FF, o Réu apresentou na Câmara Municipal ... um pedido de construção de uma casa sobre um terreno, cuja planta documental
e que faz parte do processo camarário, em que nessa mesma planta é indicada a área de 2.800 m2.
17. Em 6 de Junho de 1991 foi inscrito nos Serviços de Finanças ... uma propriedade em nome do casal BB com a área de 2997 m2, o que não foi considerado pelo Tribunal a quo.
18. E obteve uma “certidão negativa desse terreno”, passada pela Conservatória do Registo Predial em .... Ou seja, colocando este terreno em parte incerta e de muito, ou mesmo quase impossível, a sua verdadeira localização.
19. Quanto aos pontos incorretamente julgados (pontos h), i), j), k), l) e m) dos factos não provados, devem os mesmos considerar- se provados.
20. Tal resulta das declarações da Autora AA, devidamente identificada em ata de Discussão e Julgamento de 11/05/2022, assim como da testemunha EE, devidamente identificada em ata de Discussão e Julgamento de 11/05/2022.
21. E resulta ainda dos autos diversos documentos, certidões e pedidos de documentos efetuados pela Autora, o que é demonstrativo de que a mesma teve de se deslocar a diversas entidades (Conservatória, Finanças, Cartório Notarial, escritórios da Geojustiça, entre outros), com os inerentes custos e horas de reunião, preenchimento de documentação e deslocações.

DO DIREITO:

22. Não obstante a alteração da matéria de factos supra pugnada, resulta dos factos provados nos pontos 11, 17 e 21 que os Réus adquiriam uma parcela de terreno muito menor do que aquela da qual fazem uso, locupletando-se, assim, de 1740 m2 de terreno à
custa do prédio da Autora.
23. Deve, por isso, a presente ação ser julgada procedente.
24. Em todo o caso, não poderá, ainda, proceder a reconvenção formulada pois os Réus sabiam que a parcela de terreno em causa nos presentes autos não era sua, pelo que, não podem adquirir por usucapião uma coisa que sabiam que não era sua, pois não foi adquirida pelos Réus a totalidade do terreno que muraram.
25. A parcela de terreno aqui em causa não foi ocupada, pacificamente e de boa-fé.
26. Apenas após ../../2005, se pode considerar que o uso do prédio pelos Réus foi público.
27. Conforme entendimento da Doutrina, para se constituir, a posse terá de ser cognoscível pelos interessados; pode, porém, subsistir clandestinamente. Simplesmente, enquanto se mantiver neste último estado, ela não é boa para usucapião: será uma mera
posse interdital. Nesse sentido parece apontar efetivamente o artigo 1297.º do CC. Em todo o caso, não haveria usucapião. O tempo de publicidade não o permite, atendendo ao disposto no artigo 1297.º.
28. E conforme decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Processo 577/04.1TVLSB, de 29 Outubro 2009 “A posse não pública ou oculta, não pode constituir fundamento para a usucapião, como resulta claramente do disposto no artº 1297º do CC, pelo que “os prazos da usucapião só começam a contar-se desde que cesse a violência ou a posse se torne pública” – e assim, no caso dos autos, dado que a posse só se tornou pública com a celebração da escritura de justificação, em 2015, só então se iniciou o prazo para a usucapião, que obviamente, ainda se não completou”.
29. A escritura de justificação de usucapião aqui em causa só teve lugar em ../../2005, sendo que os presentes autos tiveram início dia 2 de Julho de 2018.
30. Pois que foi só a partir dessa data que essa ocupação se tornou pública.
31. Mesmo se considerarmos ter havido “boa fé”, o que não é este o caso, mesmo assim para se exercer o direito de usucapião, teria de ter passado um período de 15 anos, em qualquer dos modos, quer tenha havido “má fé “, ou não, o prazo de 2005 a 2018, também não cumpre com a condição de 15 anos requeridos, uma vez que que está comprovado que houve ocultamento, para justificação do direito de usucapião.
32. Posto isto, concluiu-se que a Autora demonstrou que os Réus subtraíram 1740 m2 de terreno à custa do prédio da Autora.
33. E também que não se mostra demonstrado o uso público e de boa-fé da referida parcela de terreno, pelo período de 20 anos, por parte dos Réus e, como tal, não poderá a Reconvenção proceder e ser a Autora reconvinda a reconhecê-los como proprietários dos
prédios identificados nos artigos 50.º e 51.º da Contestação/Reconvenção, com a configuração e áreas mencionadas, bem como muros delimitadores dos mesmos.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, SE FARÁ INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!!!

Em sede de contra alegações veio o recorrido pugnar pela improcedência do recurso mas tais alegações, porque apresentadas fora do prazo não foram admitidas.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

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II.Objeto do recurso:

Antes de mais se diga que, apesar de na conclusão nº 2 se fazer referência à impugnação do facto dado como provado sob o nº 26, nas demais conclusões nada é referido quanto ao mesmo, motivo porque se entende não conhecer do mesmo.

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo certo que o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
Assim sendo, atentas as conclusões apresentadas importa aos autos aferir da impugnação da matéria de facto, tendo-se porém em atenção que, apesar de na conclusão nº 2 se fazer referência à impugnação do facto dado como provado sob o nº 26, nas demais conclusões nada é referido quanto ao mesmo, motivo porque se entende não conhecer do mesmo.
Assim sendo, cumpre apurar se, face à prova produzida não podia o Tribunal dar como provados os factos dados como provados sob as al. 25, 34, 37 e 39, devendo dar como provados os factos elencados nas alíneas c), d), e), f), h), i), j), k), l) e m) da matéria de facto não provada, daí se extraindo as consequências para a decisão de direito.
*
III. Fundamentação de facto:

Produzida a prova, deram-se como provados os seguintes factos:

1. A autora adquiriu o prédio rústico designado de “...”, composto por vinha, mato e pinhal, sito na ..., freguesia ..., concelho de Chaves, registado a seu favor e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...6 da freguesia ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho de Chaves, com o artigo ...61º, com área total de 30.746 m2 e valor patrimonial de € 101,56.

2. Tal prédio foi adquirido pela autora em partilhas da herança de GG e marido FF, pais da autora, por sentença de homologação de partilha, transitada em julgado, datada de 13 de janeiro de 2015, no processo de inventário que correu termos na Comarca de ..., ..., Instância Local, Secção Cível, J..., sob o nº 787/10.....

3. Pelo menos, no ano de 2010, tal prédio foi intercetado por um arruamento público.

4. O falecido FF e, posteriormente, em virtude da sua morte, a cabeça-de-casal da herança de GG, sempre detiveram o prédio como direito seu, em nome próprio, durante mais de quarenta anos.

5. Aquele FF durante mais de vinte anos, de trinta anos e de quarenta anos ininterruptos, por si ou por si e legítimos antecessores, sempre possuiu, deteve e fruiu o respetivo prédio, pessoalmente ou incumbindo terceiros para o efeito, sempre desbravou o terreno e cortou e tratou os pinheiros e sebes, entre outras árvores, sempre o arou e cultivou, plantou árvores e tratou das mesmas, sempre dele cuidou e tratou, mantendo-o demarcado com tapumes e bardos, sempre dele extraindo e fazendo seus, com exclusão de outrem, todos os frutos, proveitos, utilidades e interesses, quer materiais quer civis, sempre suportou todos os encargos do prédio, e beneficiou da isenção de impostos e demais contribuições a ele atinentes.

6. O que sempre fez à vista e com conhecimento de toda a agente e sem oposição de ninguém, pública e pacificamente e sem qualquer interrupção até à sua morte, dia após dia, mês após mês, ano após ano, com ânimo de quem é dono e exerce direitos próprios correspondentes, sempre convencido, como quando dele tomou posse, de que não lesava nem nunca lesou direitos de outrem.

7. Para além daquele FF, por sua morte, também a cabeça-de-casal da herança de GG e marido FF, na qualidade de administradora legal de bens, praticou os mesmos atos enquanto não foi feita a partilha de bens.

8. À vista de todos, sem oposição de ninguém, ininterruptamente, possuiu, deteve e fruiu o prédio, arando-o e cultivando-o, dele extraindo e fazendo seus, com exclusão de outrem, todos os frutos, proveitos, utilidades e interesses, quer materiais quer civis, suportando-lhe os encargos, dele tratando, mantendo-o demarcado e cuidado, até à partilha, agindo como quem é dono e exerce direitos próprios correspondentes, sempre convencida de não estar a lesar direitos de outrem.

9. O referido prédio foi intercetado por um arruamento público, executado em regime de contrato de obras públicas, datado de 1 de fevereiro de 2010, referente ao “Projeto de pavimentação da Rua ... e Rua ...”, o qual ocupou a área de 1.831 m2 que foi integrada no domínio público municipal.

10. A execução de tal arruamento deu origem a três parcelas de terreno autónomas, as quais apenas agora foram registadas e atualizadas na matriz, com a seguinte composição:
1- Prédio rústico, composto por vinha, mato e pinhal, sito na ..., freguesia ..., concelho de Chaves, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...6 da freguesia ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho de Chaves, com o artigo ...21º, com área total de 760 m2.
2- Prédio rústico, composto por vinha, mato e pinhal, sito na ..., freguesia ..., concelho de Chaves, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...28 da freguesia ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho de Chaves, com o artigo ...20º, com área total de 24.595 m2.
3- Prédio rústico, composto por vinha, mato e pinhal, sito na ..., freguesia ..., concelho de Chaves, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...27 da freguesia ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho de Chaves, com o artigo ...19º, com área total de 3560 m2.

11. No dia ../../1985, os falecidos pais da autora, FF e GG, venderam ao réu BB, uma parcela de terreno do referido prédio rústico, com uma área de 1500 m2.

12. A escritura de compra e venda foi celebrada no Cartório Notarial ..., no mesmo dia.

13. Ficou a constar da escritura que a parcela de terreno vendida tinha as seguintes confrontações:
Norte: Estrada;
Nascente: Vendedores;
Sul: BB;
Poente: ....

14. Ficou também a constar da mesma escritura, conforme declarações dos outorgantes, que a parcela de terreno vendida se destinava a logradouro e servidão de passagem para o prédio urbano pertencente ao réu BB, composto de casa de rés-do-chão e andar, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...01 e inscrito na matriz urbana sob o nº ...44, com a área de 90 m2 e as seguintes confrontações:
Norte: HH;
Nascente: primeiros outorgantes;
Sul: rodeira;
Poente: ....

15. Mais, consta, ainda, na referida escritura, conforme declaração dos outorgantes, que a dita faixa de terreno era a desanexar do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...61, designado de “...”. 

16. Já após a aquisição em partilhas, do prédio em causa, constatou a autora que o réu murou todo o prédio.

17. Atualmente, o prédio do réu, delimitado por muro, ocupa uma área superior à adquirida através da escritura de compra e venda referida, existindo no mesmo, duas construções, numa área aproximada de 3240 m2.

18. A autora encomendou e pagou o Relatório da Geojustiça – Soluções Geográficas de apoio à justiça, no valor de € 2 337,00 (dois mil trezentos e trinta e sete euros).

19. Requisitou e pagou, com vista à instrução de tal Relatório, diversas fotografias aéreas, quer aos Serviços da Direção Geral do Território, quer aos Serviços da logística Militar, no valor de € 334,31 (trezentos e trinta e quatro euros e trinta e um cêntimos).

20. Solicitou, ainda, junta da AFACC – Associação Florestal e Ambiental do Concelho de Chaves, o levantamento perimetral que teve um custo de € 281,36 (duzentos e oitenta e um euros e trinta e seis cêntimos).

21. Por diversas vezes interpelou o réu a entregar a parcela, mas sem sucesso.

22. O prédio rústico inscrito na matriz sob o artº ...61º constava como tendo uma área de 19.900 m2 quando foi relacionado no processo de inventário no âmbito do qual veio a ser adjudicado à autora.

23. A área de 30.736,00 m2, referida pela autora, apenas foi atualizada no ano de 2015, quando o prédio foi adjudicado à autora, no uso da “faculdade de atualização de área prevista no n.º 2 do artigo 28.º-C do Código do Registo Predial.”

24. A área mencionada na descrição do registo predial do prédio foi baseada nas declarações prestadas pelo proprietário.

25. O Réu adquiriu as parcelas de terreno por compra aos pais da Autora, tendo seguidamente mandado limitar os seus prédios por muros de bloco.

26. Ainda no decorrer do ano 2014, correu termos o processo crime n.º 230/14.... junto do Tribunal Judicial de Chaves, no qual se colocavam em causa as medições das áreas do prédio da Herança dos pais da Autora.

27. Durante a vida dos pais da Autora, e desde a realização das escrituras públicas nos anos de 1983 e 1985, nunca os pais da Autora colocaram em causa a área dos prédios do Réu, apesar de constantemente visitarem e frequentarem o local da ....

28. O Réu, em qualquer momento, edificou qualquer tipo de muro, edificação ou qualquer espécie de limitação dos seus prédios, desde o ano de 2015 até à presente data.

29. Em momento algum, a cabeça de casal da Herança dos falecidos pais da Autora reclamou ou questionou a existência do muro.

30. Mostra-se registado a favor do Réu reconvinte e da sua esposa, II, um prédio urbano sito no Lugar ..., na freguesia ..., no concelho de Chaves, que confronta a Norte com HH, a Nascente com JJ, do Sul com a Rodeira e a Poente com ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...61 da freguesia ... e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ...44.º.

31. Mostra-se registado a favor do Réu reconvinte e da sua esposa II, um prédio urbano sito na Rua ..., na freguesia ..., no concelho de Chaves, que confronta a Norte com a Estrada, a Nascente com Eng. AA, do Sul com Eng. FF e a Poente com KK, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...61 da freguesia ... e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ...73.º.

32. Os referidos prédios encontram-se na posse do Réu reconvinte, desde 1977, o prédio identificado em 30., adquirido a LL e esposa MM.

33. E o prédio identificado em 31., por compra de parcelas de terreno a FF e GG, nos anos de 1983 e 1985.

34. Os réus, em 1988 construíram a sua casa e os muros que limitam os seus prédios, e por via disso, há mais de 20 anos, que os possuem, por si e anteriormente pelos seus antepossuidores, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, de forma ininterrupta, convictos de que exercem um direito próprio e com exclusão de outrem, pagando os respetivos impostos, e sempre gozaram, fruíram e exerceram os mais variados atos de direito de posse sobre os ditos prédios, de forma pacífica, sem lesarem interesses alheios.

35. O prédio identificado em 30. tem a área de 90 m2.

36. O prédio identificado em 31. tem a área de 2.977,00 m2.

37. Ambos os prédios sempre tiverem as mesmas características e limites, desde que foram murados, pelo menos, no ano de 1994, mantendo, desde então, sempre a sua constituição física e área.

38. Encontrando-se vedados em todas as confrontações pelo muro de bloco que lá existe.

39. Em momento algum, há pelo menos 20 anos a esta parte, ambos os prédios do Réu foram objeto de ampliação de áreas, muito menos nos últimos 5 anos.

Com interesse para a decisão não se provou que:

a- O prédio da autora, em causa, era composto por 3,0746 hectares e delimitado pelas linhas indicadas no levantamento perimetral realizado pela AFACC – Associação Florestal e Ambiental do Concelho de Chaves
b- O respetivo logradouro (do prédio dos réus) passou a estender-se, no sentido nascente, para o interior do prédio da autora.
c- O réu apropriou-se de 1740 m2 de terreno do prédio da autora.
d- À revelia e sem autorização da autora ou dos seus anteriores proprietários.
e- O réu, intencionalmente, edificou um muro no prédio da autora, para delimitação do seu prédio.
f- Como consequência da apropriação pelo réu, de cerca de 1740 m2 de terreno, a autora viu a sua propriedade diminuída na mesma proporção, vendo-se impedida de usar e fruir dessa área, desde fevereiro de 2015.
g- Como consequência da ocupação pelo réu, da referida área de terreno, a autora deixou de arrendar essa área, pelo valor de € 150,00 por mês.
h- Com vista a reunir a documentação necessária para demonstração da ocupação do seu prédio, a autora teve de despender cerca de 50 horas em reuniões, deslocações e consultas com entidades públicas e privadas, nomeadamente, Serviço de Finanças, Conservatória do Registo Predial, Geojustiça e AFACC.
i- A autora, desde a aquisição do prédio e constatação da apropriação indevida pelos réus, nunca mais teve sossego.
j- Vivendo com a ânsia de recuperar a parcela de terreno que é sua. k- Por diversas vezes, não consegue adormecer, pensando na propriedade que lhe foi tirada.
l- Procurou, incessantemente, perceber como e porquê tal parcela de terreno não lhe tinha sido entregue, desabafando com familiares e amigos.
m- A autora vive num estado de ansiedade, nervosismo, tristeza e preocupação, o que manifesta cada vez que fala no assunto, estando desiludida, revoltada e entristecida com a situação.
n- O prédio rústico, do qual a Autora se arroga proprietária, possui uma área diferente daquela que foi declarada no processo de inventário, na ata outorgada a 13 de janeiro de 2015.
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IV. Da impugnação da matéria de facto:

Como resulta da questão atrás identificada, no recurso impugna-se a decisão da matéria de facto, sendo que nas suas alegações a recorrente questiona a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido no que respeita aos factos provados sob os números 25, 34, 37 e 39, entendendo que deveriam os mesmos ter sido dados como não provados ou com redação distinta, e ainda que, face à prova produzida deveriam os factos elencados nas alíneas c), d), e), f), h), i), j), k), l) e m) da matéria de facto não provada, serem dados como provados.

Antes de mais importa aferir, em termos gerais, os contornos em que deve ser a (re)apreciada em 2ª instância.
Estabelece o nº 1 do artº 662º, do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto” que, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Daqui decorre que, os recursos da decisão da matéria de facto podem visar objetivos distintos, a saber:
a)a alteração da decisão da matéria de facto, considerando provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, e vice-versa, com base na reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa (no caso de ter sido apresentado documento autêntico, com força probatória plena, para prova de determinado facto ou confissão relevante) ou em resultado da apreciação de documento novo superveniente (nº 1 do artº 662º do Código de Processo Civil);
b)a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova, matéria de facto alegada pelas partes e que se mostre essencial para a boa resolução do litígio (art. al. c) do nº 2 do artº 662º, do Código de Processo Civil);
c)a apreciação de patologias que a decisão da matéria de facto enferma, que, não correspondendo verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, se traduzam em segmentos total ou parcialmente deficientes, obscuros ou contraditórios (também nos termos da al. c) do nº 2 do artº 662º, do Código de Processo Civil).
Ora, no caso sub judice, invoca a recorrente, o erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, pretendendo a alteração da decisão da matéria de facto, a saber, devendo ser considerados como não provados, os factos dados como provados sob os nºs 25, 34, 37 e 39, e como provados os factos vertidos nas alíneas c), d), e), f), h), i), j), k), l) e m) da matéria de facto não provada, com base na reapreciação dos meios de prova.
Conforme refere o D. Acordão desta Relação de Guimarães, de 7 de abril de 2016, in www.dgsi.pt, “Incumbe à Relação, enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”.
Ora, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova, não pode em tal operação esquecer a Relação os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
Como refere o Dr Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed ,pág. 245, “(…) ao nível da reapreciação dos meios de prova produzidos em 1ª instância e formação da sua própria e autónoma convicção, a alteração da decisão de facto deve ser efectuada com segurança e rodeada da imprescindível prudência e cautela, centrando-se nas desconformidades encontradas entre a prova produzida em audiência, após a efectiva audição dos respectivos depoimentos, e os fundamentos indicados pelo julgador da 1ª instância e nos quais baseou as suas respostas, e que habilitem a Relação, em conjunto com outros elementos probatórios disponíveis, a concluir em sentido diverso, quanto aos concretos pontos de facto impugnados especificadamente pelo recorrente; Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida - que há de ser reanalisada pela Relação mediante a audição dos respetivos registos fonográficos -, deverá prevalecer a decisão proferida em 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso, nessa parte.”
Ou seja, a reapreciação da prova pela 2ª instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto.
De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do artº 640º, do Código de Processo Civil.
Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Em suma, a este Tribunal da Relação caberá apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de primeira instância, face aos elementos de prova considerados, sem prejuízo de, como supra referido, com base neles, formar a sua própria convicção.

Aqui chegados e em cumprimento do D. Acordão do Supremo Tribunal de Justiça que entende estarem cumpridos por parte da recorrente o ónus da impugnação importa aferir da procedência ou não da impugnação.

Da leitura da motivação e das conclusões resulta pretender a recorrente que os factos provados sob os nºs 25, 34, 37 e 39 se deem como não provados e os factos dados como não provados, vertidos nas alíneas c), d), e), f), h), i), j), k), l) e m), se deem como provados.

Diga-se, antes de mais, que foram ouvidos todos os depoimentos prestados em sede de audiência, os esclarecimentos prestados pela senhora perita e revistos os demais meios de prova produzidos, a saber, o relatório pericial e demais documentos, sendo que findo tal exercício, este Tribunal da Relação criou uma convicção que coincide com a do Tribunal a quo.
Por outro lado se diga que a motivação constante da sentença em crise que infra se reproduzia, se mostra clara, sem contradições ou obscuridades e da mesma resulta esclarecido o processo de formação da convicção por parte do Tribunal a quo, a valoração da prova, a sua articulação, e a sua análise crítica.
Como se refere no Acordão deste mesmo dia 3 de outubro de 2024, relatado pela Srª Desembargadora Anizabel Sousa Pereira, “Importa salientar, como já tivemos oportunidade de analisar supra, que também na reapreciação da prova que é feita em sede de recurso, é formulado um juízo global que abarca todos os elementos em presença, sendo a prova produzida analisada, de forma direta e indireta, no seu conjunto.
Por outro lado, tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas), também o recorrente ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia, não bastando nomeadamente para o efeito reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos.
Como se afirma no Ac. desta Relação de Guimarães de 17/12/2018, disponível in www.dgsi.pt: “Para demonstrar a existência de erro na apreciação da matéria de facto, o recorrente tem de contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo (v.g. a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário), apresentando as razões objectivas pelas quais se pode verificar que a mesma foi incorrectamente realizada, não bastando para o sucesso da sua pretensão a mera indicação, ou reprodução, dos meios de prova antes produzidos e ponderados na decisão recorrida”.
E concluímos aqui como se conclui no referido Aresto, os trechos dos depoimentos cuja gravação é indicada nas alegações do recurso ou o resumo dos mesmos, não podendo ser valorados de per si, mas concatenados com o conjunto da prova produzida, nomeadamente a pericial e documental, não nos permitem a demonstração dos factos pretendida pela autora, ora recorrente.

Apreciemos pois, em bloco, as impugnações apresentadas pela recorrente (atento o facto de a mesma ter optado por esta forma de impugnação):

a) quanto ao ponto 25,  dos factos provados, a saber “O Réu adquiriu as parcelas de terreno por compra aos pais da Autora, tendo seguidamente mandado limitar os seus prédios por muros de bloco” refere a recorrente tratar-se de matéria de facto conclusiva, mas admitindo-se que corresponde aos momentos seguintes à aquisição das parcelas de terreno, tal não corresponde a verdade porquanto apenas anos mais tarde após a aquisição das referidas parcelas de terreno é que o reu mandou delimitar o terreno com muros de blocos.
Pretende pois que se deve considerar provado que: “25. O Réu adquiriu as parcelas de terreno por compra aos pais da Autora, tendo após o ano de 2000 mandado limitar os seus prédios por muros de bloco”.

b) relativamente ao ponto 34, não se pode considerar demonstrado que há mais de 20 anos, que os possuem, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, de forma ininterrupta, convictos de que exercem um direito próprio e com exclusão de outrem, sem lesarem interesses alheios. Pois não podiam os Réus estar convictos de que exerciam um direito próprio quando bem sabiam que o que haviam adquirido era um terreno de menores dimensões, conforme escrituras por si outorgadas. Pelo que, este ponto deve-se considerar não provado.

c) relativamente ao ponto 37, como se disse, não se encontra demonstrado que os muros tivessem sido construídos no referido ano de 1994. Pelo que, este ponto deve-se considerar não provado.
d) relativamente ao ponto 39 constata-se que o mesmo não corresponde à verdade, tendo ocorrido alteração das delimitações dos prédios nos últimos 20 anos. Pelo que, este ponto deve-se considerar não provado.

e) igualmente devem-se considerar, por outro lado, provados os seguintes pontos da matéria de facto não provada:
c- O réu apropriou-se de 1740 m2 de terreno do prédio da autora.
d- À revelia e sem autorização da autora ou dos seus anteriores proprietários.
e- O réu, intencionalmente, edificou um muro no prédio da autora, para delimitação do seu prédio.
f- Como consequência da apropriação pelo réu, de cerca de 1740 m2 de terreno, a autora viu a sua propriedade diminuída na mesma proporção, vendo-se impedida de usar e fruir dessa área, desde fevereiro de 2015.

E, ali, na motivação, indica as passagens relativas aos esclarecimentos prestados pela Perita DD, em audiência de discussão e julgamento, do depoimento da testemunha EE, das declarações da autora AA e os documentos juntos aos autos relativos àquela matéria, em conjunto, impugnada.

Em sede de conclusões refere a mesma:
“(…)
10. Resultando a supra pretendida alteração da matéria de facto do depoimento da Perita DD, devidamente identificada em ata de Discussão e Julgamento de 11/05/2022, onde a mesma indica que, no ano de 1993 evidencia um alinhamento reto – e não um muro – e, por outro lado, que não consegue datar a antiguidade do referido muro pelo seu aspeto, referindo expressamente que não é a sua área.
11. Assim como do depoimento da testemunha EE, devidamente identificada em ata de Discussão e Julgamento de 11/05/2022, que explica que a existência do referido muro foi constatada recentemente e que o pai da Autora, a partir de certo momento, deixou de estar na possa das suas plenas faculdades, pelo que, deixou de visitar as suas terras e não pôde percecionar quaisquer mudanças nas delimitações dos terremos.
12. Sem como das declarações da Autora AA, devidamente identificada em ata de Discussão e Julgamento de 11/05/2022.
13. A acrescer, temos também toda a prova documental dos presentes autos, concretamente, as fotografias aéreas de 1978, 1986 e 1990 demonstram concludentemente a inexistência de qualquer muro a limitar a periferia da propriedade ocupada por BB e a ocupação ilegal dos 1.740 m2 em causa nos presentes autos.
14. Para além disto, resulta dos documentos juntos com a réplica, documento 16 da Petição Inicial, documento 6, 16, 17, 19 juntos com o requerimento de 21/10/2019 e documento junto com o requerimento de 31/10/2019.
15. Resultando de toda a supra referida prova a intenção de BB, era a de ocultar a verdade, em não indicar o confinamento com o artigo 1373, no “Lugar ...”, ..., pois que se tivesse dito a verdade quando da passagem da “carta de confinante”, ter-se-ia nessa altura descoberto a verdade da sua ocupação ilegal dos 1.740,0 m2 aqui em questão.
16. Pois logo após a aquisição por escritura de compra e venda de 1.500 m2 de terreno adquiridos a FF, o Réu apresentou na Câmara Municipal ... um pedido de construção de uma casa sobre um terreno, cuja planta documental
e que faz parte do processo camarário, em que nessa mesma planta é indicada a área de 2.800 m2.
17. Em 6 de Junho de 1991 foi inscrito nos Serviços de Finanças ... uma propriedade em nome do casal BB com a área de 2997 m2, o que não foi considerado pelo Tribunal a quo.
18. E obteve uma “certidão negativa desse terreno”, passada pela Conservatória do Registo Predial em .... Ou seja, colocando este terreno em parte incerta e de muito, ou mesmo quase impossível, a sua verdadeira localização”.

Antes de mais se diga que o uso do vocábulo “adquiriu”, não configura, no caso sub judice, uma qualquer conclusão, aliás como do alegado pela recorrente parece decorrer, mas tão só o resultado do dado como assente nos factos provados nºs 11, 12, 13, 14, 15 e 27, relativos a vendas aos réus e que não foram postos em causa por aquela.
Relativamente à limitação dos prédios por muros de bloco, veio a sentença a motivar tal matéria nos seguintes termos:
A convicção do Tribunal no que diz respeito à decisão da matéria de facto baseou-se na análise e confronto de todos os depoimentos prestados em audiência de julgamento e de todos os documentos constantes dos autos.
Desde logo, a autora AA prestou declarações de parte, começando por dizer que juntamente com os seus dois irmãos, iniciaram processo de partilhas por óbito de seus pais, que só terminaram em 2015, e no âmbito das quais lhe foi adjudicado o prédio em causa. Admitiu que quando fizeram as partilhas dos bens deixados pelos seus avós, o prédio em questão constava como tendo a área de dezanove mil e tal metros quadrados, mas a sua irmã mandou fazer um levantamento e constatou que a área era de perto de quatro hectares. Confirmou também que em 2009, a Câmara fez uma rua alcatroada dentro do seu terreno. Referiu que foi a própria quem solicitou à AFACC o levantamento que se mostra junto aos autos, afirmando que aquele terreno foi sempre tratado pela sua família como sendo deles e que estava demarcado com postes de granito e ciprestes a toda a volta, no tempo da sua avó.
Disse, ainda, que o réu não foi o único que ocupou parte do seu terreno, existindo outra pessoa que o fez. Explicou que com o arruamento feito pela Câmara, o prédio ficou dividido em três partes com três artigos matriciais (1919º, 1920º e 1921º). Confirmou que o seu pai vendeu ao réu uma parte do prédio em causa, um terreno com uma área de 1500 m2, em junho de 1985, e que em dezembro de 1983, lhe havia já vendido uma outra parcela de terreno com 200 m2, para logradouro da casa do mesmo. Disse também que veio a saber pelo trabalho da Geojustiça, que o réu tem uma área de 3400 m2, pelo que, como só lhe venderam 1500 m2, conclui que o réu ocupou 1740 m2 do seu prédio.
Referiu, ainda, que desde que o prédio lhe foi adjudicado, em 2015, tenta rentabiliza-lo, manda-o limpar, vendeu pinheiros e chegou a ter uma parte do prédio arrendada, e referiu também que teve despesas com os relatórios e todo o tempo que despendeu, para além dos incómodos e ansiedade que sofreu. Confirmou todos os documentos que constam dos autos, e admitiu que é da sua autoria o que está escrito nos documentos 17 e 18 juntos com a petição inicial. Confirmou também que foi a própria, ou o seu marido, quem obteve os documentos de fls. 221 e seguintes dos autos, referindo, nomeadamente, que o documento nº 6 (fls 228) foi anotado pelo seu marido, e que os documentos 26, 27 e 28 (fls 244 a 245) foram feitos por si. Afirmou que reuniu todos os documentos porque, para si, os documentos é que valem, mas confrontada com o facto de nos documentos constar que o prédio em causa tinha a área de 19.900 m2, disse que as Finanças mediam mal. Disse, ainda, que o seu pai era rigoroso, pelo que vendia a área que constava das escrituras. Finalmente confirmou que vivia fora de Portugal e que apenas vinha cá esporadicamente. Tendo em conta o óbvio interesse da autora, as suas declarações foram valoradas em função das demais produzidas, na parte em que a confirmem.
Assim, as testemunhas disseram o seguinte:
EE, marido da autora, esclareceu como o prédio em causa veio à propriedade da autora, e referiu que foi só a partir de 2015, quando lhe foi adjudicado, que o mesmo e a autora se preocuparam com a área desse terreno, até porque, quando o sogro faleceu, uma das filhas, cabeça de casal, mandou fazer o levantamento de todas os terrenos, tendo sido aí que souberam as áreas reais, sendo que a autora mandou, depois, fazer um trabalho à Geojustiça, para saber as áreas e limiets do prédio em causa. Explicou como obteve toda a documentação que consta dos autos, da qual disse resultar que a propriedade não tinha mudado a área. Confirmou as escrituras de 1983 e 1985, através das quais o seu sogro vendeu ao réu, 200 m2 e 1500 m2 de terreno, mas afirmou que constataram que o réu ocupou 3240 m2. Admitiu que o réu nunca aceitou que tivesse ocupado indevidamente o terreno da autora. Explicou as diligências que levou a cabo, nomeadamente para apurar a rentabilidade do prédio, e confirmou as despesas que a autora invoca. Afirmou, ainda, que a autora se sentiu ansiosa, preocupada e incomodada com a situação e que estão em Portugal, só por causa desta questão. Confirmou os documentos que constam dos autos, explicando cada um deles, e nomeadamente em relação aos documentos 4 a 6 juntos com o requerimento de 21-10, disse que as anotações que constam do doc. 6 foram feitas por si para mostrar a diferença em relação ao doc 4, tratando-se de documentos do processo camarário de 1986. Confirmou que o seu sogro faleceu no ano de 2005 e tentou explicar como o mesmo não se apercebeu da alegada ocupação do terreno, referindo que ficou muito abalado após a morte da esposa. Referiu, ainda, que o prédio do réu está murado com muro de várias alturas.
No essencial, a testemunha confirmou o que a autora, sua esposa, havia dito.
Já a testemunha NN disse que a autora e o marido puseram dois processos contra si, criminal e cível, admitindo que no processo civil fizeram um acordo através do qual regularizaram as áreas e pagou pela área que ocupou. Negou ter dito que outros confinantes, ocuparam áreas do prédio da autora, e confirmou que o prédio do réu está todo murado e que os muros não são recentes.
OO disse ser arquiteta e trabalhar na Câmara Municipal ..., referindo que falou com o marido da autora, no atendimento ao público da Câmara Municipal, em 23 de março de 2022. Disse que viu o processo, que é de 1986, onde já existe um processo no Tribunal Administrativo contra o Município, por causa de um licenciamento pedido pelo réu. Afirmou que o marido da autora queria saber os limites do terreno. Explicou que a planta que consta de fls. 227 dos autos, é uma planta que foi apresentada no âmbito de um licenciamento de obras particulares, para edificação de uma casa de habitação, tratando-se de uma planta de localização, pelo que não pode dizer as medidas concretas, já que não tem cotas e não foram confirmadas as áreas pela Câmara. Admitiu que do processo consta uma escritura para prova da titularidade, mas não verificaram as medidas, esclarecendo, ainda, que só entrou para a Câmara no ano de 2000. Confirmou também que em 1990 houve um aditamento ao projeto de 1986, concluindo que a obra inicial já devia estar feita, porque a validade da licença era até ../../1988. Disse, ainda, não ter qualquer pedido de construção de muros, mas esclareceu que tal não era obrigatório, na altura, nem atualmente, a não ser que o muro confronte com a via pública ou tenha mais de 1,80 metros de altura. Referiu também que o processo do Tribunal Administrativo foi instaurado pela autora contra o Município e os réus, e que foram absolvidos da instância.
A testemunha PP disse que fez a obra do réu, o esqueleto, o que terá acontecido por volta de 1985, admitindo que é sua a assinatura que consta do documento de fls. 260 dos autos, e que configura um documento para inscrição de artigo novo nas Finanças, porque o réu estava na .... Disse saber que o réu fez um muro, mas que foi depois de lhe ter fornecido os materiais para a casa, referindo que o réu lhe disse que tinha comprado o terreno, e disse que não forneceu o material para o muro, mas que o muro da frente da casa já deve ter uns trinta anos ou mais.
Por sua vez, QQ disse conhecer a casa dos réus, porque morou naquela rua desde os nove anos de idade e a casa dos réus ser a seguir à dos seus sogros, que têm ali uma oficina desde 1986. Referiu que ouviu dizer que o réu comprou ao pai da autora, ao qual se referiu como Engenheiro JJ, o qual andava muitas vezes pelo pinhal e falava com os vizinhos, nunca tendo referido que o réu ocupava mais área do que a que lhe vendeu, afirmando que a questão da área apenas surgiu há dois anos, pela filha do sr engenheiro. Afirmou também que o prédio dos réus está totalmente vedado e que sempre esteve, referindo que, qualquer pessoa percebe que o muro tem mais de trinta anos, lembrando-se dele desde miúdo, e dizendo, ainda, que o muro que divide o prédio dos réus do prédio da autora, sempre foi assim. Afirmou, ainda, que a autora ou alguém a seu mando andou a acusar outras pessoas de terem ocupado terreno seu, tendo até abordado a testemunha dizendo que o seu sogro também teria ocupado terreno, concluindo que lhe pareceu que andavam a investigar. Insistiu que os muros foram feitos na mesma altura, embora um ou dois anos após a construção da casa.      
RR disse ser amiga dos réus, conhecendo a casa dos mesmos há perto de quarenta anos. Disse saber que os réus compraram ao engenheiro JJ, há cerca de quarenta anos, e referiu que viu a casa ser construída. Afirmou que os muros foram construídos depois da casa, mas já há cerca de trinta anos, e que sempre se mantiveram iguais. Disse também que conheceu o engenheiro FF que às vezes ia ao pinhal, e que faleceu já muito depois da construção dos muros, sem que alguma vez ouvisse falar que o senhor engenheiro se queixasse de qualquer ocupação de terreno.
A testemunha SS disse ser engenheiro florestal e que trabalhou para a AFACC durante cerca de doze anos. Confirmou que fizeram um trabalho para a Herança, tendo realizado diversos levantamentos, identificando também o prédio em causa. Explicou que fizeram o levantamento das diversas parcelas, por GPS, acompanhados de uma pessoa mandatada pelos herdeiros, que indicava os limites das parcelas, pelo que os limites que constam do levantamento são conforme a indicação que lhes era dada. Confirmou que existe a casa dos réus e que está toda murada, afirmando que se lembra pelo aspeto, que são muros com idade, referindo mais de vinte anos.
TT disse conhecer a casa dos réus, por ser dessa localidade e a casa de seus pais ser a 50 metros do local. Afirmou que a casa dos réus deve ter 34 a 36 anos, porque se lembra de ser construída, referindo que os terrenos eram do engenheiro FF, a quem os réus devem ter comprado. Disse lembrar-se de os réus construírem a casa e depois os muros, cerca de um a dois anos a seguir. Descreveu o muro que divide o prédio dos réus do terreno da autora e disse que existe assim, há mais de trinta anos. Referiu também que o engenheiro FF frequentava o local, e que o conheceu, porque antes de existir o arruamento, passavam por ali para a estrada. Disse que não se lembra de o senhor Engenheiro alguma vez ter falado em qualquer apropriação. Aliás, referiu que o réu, quando mandou fazer a casa, nem estava em Portugal, e também não estava quando mandou fazer os muros, e o senhor Engenheiro FF andava por ali e nunca disse nada, já com os muros feitos durante anos. Disse, ainda, ter conhecido o senhor UU que era caseiro do JJ, que cultivava uma vinha que lá existia e que também nunca disse nada.
Finalmente, a testemunha VV disse conhecer o réu e ter andado a trabalhar na casa do mesmo, já que na altura era empreiteiro, afirmando que a casa está da maneira como ficou, em 1985/1986, que demorou um a dois anos a construir e que os muros foram feitos logo a seguir à casa. Afirmou também que andou um senhor com o réu a marcar o terreno para fazer o muro, ouvindo falar que era um senhor engenheiro, dono do terreno, mas não sabe. No entanto, insistiu que o muro tem mais de 30 anos, referindo que os réus ainda estiveram em ... muito tempo, depois de acabar a casa.
Analisada a prova testemunhal referida, constata-se que nenhuma das testemunhas referiu que ocorreu qualquer ocupação de área de terreno da autora, por parte dos réus, com exceção do marido da autora, que confirmou a versão desta, resultando, contudo, que o mesmo tentou basear-se na prova documental que iremos referir a seguir, sendo certo que a interpretação que a testemunha faz dos documentos é a que convém à autora, sendo de destacar que a autora e seu marido se baseiam no levantamento da AFACC, quando quem fez tal levantamento, referiu que os limites das parcelas, incluindo a que está em causa, foram indicados por uma pessoa mandatada pela autora ou pelos herdeiros, pelo que o relatório respetivo não faz a prova que a autora pretende, como veremos.
Pelo que se disse, percebe-se que a prova essencial para a decisão da matéria de facto, foi a prova documental e pericial.
Começando pela prova pericial que consiste num levantamento topográfico ao prédio dos réus, junto a fls. 424 verso dos autos, resulta que o prédio dos réus tem uma área total de 3232 m2 e que se encontra todo murado, mencionado a senhora perita que prevê que os muros tenham sido construídos por volta do ano de 1993, pelo menos.
Nos esclarecimentos de fls. 446 a 448, 457, 471 a 472 e 520, a mesma perita explica como fez o levantamento topográfico, designadamente com utilização das fotografias aéreas entregues pela própria autora, concluindo que o muro foi construído entre 1986 e 1993.
Aliás, a senhora perita DD prestou esclarecimentos na audiência de julgamento, confirmando o levantamento feito e a área de 3232 m2 do prédio dos réus. Quanto à existência dos muros, explicou que não tem imagens entre 1986 e 1993, mas que nas imagens de 1993 se vê um alinhamento reto que supõe ser um muro, e embora não possa garantir que é um muro, disse que um alinhamento assim, pode ser um muro. Afirmou que desde que existe o Google Earth, já se vê claramente que está lá um muro, sendo que apesar de na foto de 1993 só se ver uma linha, o certo é que essa linha coincide com o muro que se vê agora. Mais referiu que, apesar de não saber precisar a idade do muro, pela oxidação dos blocos, parece ter já alguns anos.
Perante o relatório pericial e os esclarecimentos prestados pela senhora perita, o Tribunal não teve dúvidas em considerar como provado que os muros que vedam a propriedade dos réus existem, pelo menos, desde 1994.
A prova documental, aliás, a mais relevante, a par da prova pericial, foi considerada, nos termos seguintes:
A caderneta predial rústica de fls. 10, refere uma área total do prédio inscrito a favor da autora, como sendo de 3,0746 hectares, tal como a certidão permanente de fls. 10 verso a 11.
Contudo, na relação de bens (fls. 14 a 19) que foi apresentada no inventário por óbito dos pais da autora, o mesmo prédio rústico está descrito como tendo 19 900 m2 (verba nº 48), resultando nomeadamente do depoimento da testemunha SS, que a área que consta do levantamento feito pela AFACC resultou de indicação dos limites do prédio, indicados por pessoa mandatada pelos herdeiros ou pela autora, pelo que a caderneta predial e a certidão permanente não fazem prova de ser real a área que das mesmas consta, como também não se afigura ser prova suficiente o dito relatório da AFACC.
Da certidão do processo de inventário resulta também que a referida verba foi adjudicada à autora.
O documento de fls. 25 verso a 26 que constitui o “levantamento perimetral” levado a cabo pela AFACC, a solicitação da autora, refere precisamente que, o prédio da autora tem a área que a mesma refere, mas, como referido, a testemunha SS que trabalhou na AFACC e levou a cabo o levantamento, esclareceu no seu depoimento que as medições foram feitas com base nos limites que lhes foram indicados por pessoa mandatada pela autora, pelo que nãos e pode dar ao documento em causa, o valor que a autora pretende de definir a área real do seu prédio, e muito menos, de que tal prédio foi parcialmente ocupado pelos réus.          
As certidões e cadernetas prediais de fls. 27 a 31, comprovam que o prédio da autora foi dividido em três parcelas, após a execução do arruamento público que se refere nos autos.
A escritura de compra e venda de fls. 32 a 33 comprova a aquisição pelo réu, no ano de 1985, aos pais da autora, de uma parcela de terreno com 1 500 m2.
A certidão e a caderneta predial de fls. 34 e 35, fazem provada aquisição pelos réus de um prédio urbano, no mesmo local onde se situa o rústico.
O documento de fls. 35 verso a 68 dos autos, constituído por um relatório da Geojustiça, solicitado pela autora e seu marido, do qual consta que teve a finalidade de ”verificação e reconhecimento das estremas” do prédio em causa, bem como o “estudo da sua evolução para aferição de eventuais alterações”, acaba por ir ao encontro da versão da autora. No entanto, é de salientar que o relatório se baseou, entre outros, no levantamento da AFACC e em fotografias aéreas de 1958, 1967, 1982 e 1995 e nos ortofotomapas de 2005 e 2012, pelo que do referido relatório nãos e pode concluir por qualquer ocupação indevida de terreno da autora.    
As faturas de fls. 70 a 73 comprovam as despesas suportadas pela autora com a documentação que juntou aos autos.
As fotografias de fls. 86 verso a 88, mostram o local dos prédios em causa, sendo possível verificar que o prédio dos réus se mostra murado, o que resulta tanto da fotografia do ano de 2018, como da fotografia de 2009, não sendo de esquecer os esclarecimentos prestados pela senhora perita, referidos supra, dos quais resulta que já na fotografia do ano de 1993 constava uma linha que coincide com os muros do prédio dos réus, pelo que se pode concluir, de acordo com as regras da experiência comum, que o muro já existia nessa data.
As cadernetas prediais e certidões permanentes de fls. 88 verso a 90, que dizem respeito aos prédios dos réus, confirmam o que os mesmos alegam, muito embora, como se disse em relação ao prédio da autora, as áreas que constam desses documentos, podem não ser as áreas reais.
As duas escrituras de compra e venda juntas a fls. 90 verso a 92, comprovam a aquisição pelo réu, aos pais da autora, de duas parcelas do prédio em causa, nos anos de 1983 e 1985.
Foram consideradas todas as fotografias juntas e que mostram como o prédio dos réus se encontra murado, o que já resultava de outras provas referidas. 
A documentação de fls. 130 verso a 136 e 221 a 246, junta pela autora, contém plantas e fotografias do Google Earth, as quais, contudo, se mostram anotadas pela autora ou pelo seu marido, como os próprios referiram, pelo que não fazem prova para além de outras fotografias que já foram referidas, nomeadamente as que foram explicadas pela senhora perita, de forma objetiva e imparcial.
A autora juntou a documentação em causa, insistindo no facto de existirem apenas duas escrituras que comprovam a venda de duas parcelas com 200 m2 e 1500 m2 e o prédio dos réus apresentar área superior na documentação referida, mas não podemos deixar de considerar, como já se referiu supra, que a autora também atribui ao prédio que reivindica, uma área superior à que consta de documentação que a própria junta, nomeadamente na relação de bens apresentada no inventário onde tal prédio lhe foi adjudicado, bem como na respetiva inscrição matricial.
Da documentação mencionada, que inclui documentação do processo de licenciamento do prédio dos réus junto do Município ..., resulta também que a licença de obras (fls. 227 verso) é do ano de 1986, embora tenha tido três prorrogações e tenha havido um aditamento no ano de 1990, em qualquer caso, sempre há bem mais de vinte anos.
Resulta também da certidão de fls. 231, que o prédio dos réus foi inscrito na matriz no ano de 1993, com a indicação de que foi concluído em 20/05/1991.
Desta documentação, o Tribunal concluiu que, pelo menos, em 1993, os réus já inscreveram o seu prédio com uma área bem superior à que a autora pretende, sendo também certo que, pelo menos, desde 1994, tal prédio se encontrava já totalmente murado, como se disse supra e foi referido pela senhora perita nos esclarecimentos que prestou, não sendo também despiciendo referir que estando o prédio murado desde 1994, certo é também que o vendedor, pai da autora, Senhor Engenheiro FF, viveu até ao ano de 2005 (assento de óbito de fls. 233), sem que alguma vez tivesse levantado qualquer questão quanto à área do prédio dos réus, apesar de frequentar o local, como foi referido pelas testemunhas.
Certo é também que o prédio dos réus se mostra registado a seu favor, com as características, nomeadamente a área que referem, para o que realizaram a escritura de justificação que consta de fls. 235 a 236 dos autos, escritura que não se mostra impugnada.
A certidão de fls. 318 a 403, extraída do processo de inventário por óbito dos pais da autora, vem confirmar, mais uma vez, que a verba correspondente ao prédio reivindicado pela autora e que a esta foi adjudicado, consta como tendo a área de 19.900 m2, o que consta também da respetiva inscrição matricial, como já referido.
Cabe, ainda, referir que em relação à perícia à letra do réu constante de vários documentos juntos aos autos, que, aliás, pouco interesse tem para a decisão, apesar da insistência da autora, o relatório pericial de fls. 531 a 538, conclui no sentido de não ter sido possível obter resultados conclusivos.   
Finalmente, foi, ainda, considerada a documentação junta a fls. 545 a 555 dos autos, que constitui o despacho de arquivamento do inquérito instaurado na sequência de participações feitas pela autora e seu marido contra os réus, no Serviço de Finanças, imputando a estes a prática de factos como furto de terreno, utilização de certidão falsa, falsas declarações na escritura de justificação notarial, para além de imputarem vários atos ilícitos a funcionários da Câmara Municipal ..., da Conservatória do Registo Predial e do Cartório Notarial.
Perante as provas referidas, o Tribunal não teve qualquer dúvida relativamente à decisão da matéria de facto.
No que diz respeito aos factos não provados e não expressamente referidos, nem as testemunhas prestaram depoimentos sobre os mesmos que convencessem o tribunal da sua veracidade, nem existem documentos com força probatória suficiente que os comprovem”.

Diga-se, pois que ouvidos todos os depoimentos prestados em sede de audiência e, em especial os depoimentos da autora AA, da testemunha e marido da autora, EE e ainda os esclarecimentos prestados pela Perita DD, não somos, capazes, como pretende a autora, ora recorrente chegar ao resultado pela mesma pretendido para os factos provados e não provados acima impugnados.
Efetivamente, a autora, não só é parte e como tal interessada no resultado atrás referido como referiu que, que vivia fora de Portugal e que apenas vinha cá esporadicamente, o que nos leva a concluir que não tem um conhecimento apurado dos factos sobre que depôs.
E o mesmo se diga relativamente ao seu marido, a testemunha EE que, de forma clara e espontânea explicou como o prédio em causa veio à propriedade da autora e referiu que apenas a partir da sua adjudicação, em 2015, o mesmo e a autora se preocuparam com a área desse terreno, o que nos leva a inferir desconhecer a realidade do mesmo, antes daquela adjudicação, designadamente os seus limites, sendo que referiu que a autora mandou, depois, fazer um trabalho à Geojustiça, para saber as áreas e limites do prédio em causa.
Ora, no seu depoimento, a testemunha SS engenheiro florestal e que referiu ter trabalhado para a AFACC durante cerca de doze anos, referiu ter feito um trabalho para a Herança, tendo realizado diversos levantamentos, identificando também o prédio em causa, explicando que fizeram o levantamento das diversas parcelas, por GPS, acompanhados de uma pessoa mandatada pelos herdeiros, que indicava os limites das parcelas, motivo porque os limites que constam do levantamento são conforme a indicação que lhes era dada.
Este mesmo confirmou que existe a casa dos réus e que está toda murada, afirmando que se lembra pelo aspeto, que são muros com idade, referindo mais de vinte anos.
Diga-se ainda que, tendo sido ouvidos todos os depoimentos prestados, no sentido atrás referido, foram os depoimentos da testemunha NN que confirmou que o prédio do réu está todo murado sendo certo que tais muros não são recentes; OO disse arquiteta que trabalha na Câmara Municipal ..., desde 2000 e que falou com o marido da autora, no atendimento ao público da Câmara Municipal, em 23 de março de 2022, referindo não conhecer qualquer pedido de construção de muros, mas que tal não era obrigatório, na altura, nem atualmente, exceto nos casos em que o muro confronte com a via pública ou tenha mais de 1,80 metros de altura; PP que fez a obra do réu, o esqueleto, o que terá acontecido por volta de 1985, e que disse saber que o réu fez um muro, mas que foi depois de lhe ter fornecido os materiais para a casa, referindo que o réu lhe disse que tinha comprado o terreno, e disse que não forneceu o material para o muro, mas que o muro da frente da casa já deve ter uns trinta anos ou mais; QQ que disse conhecer a casa dos réus, porque morou naquela rua desde os nove anos de idade e a casa dos réus ser a seguir à dos seus sogros, que têm ali uma oficina desde 1986. No seu depoimento o mesmo referiu que ouviu dizer que o réu comprou ao pai da autora, o qual nunca referiu que o réu ocupava mais área do que a que lhe vendeu, Referiu ainda que o prédio dos réus está totalmente vedado e que sempre esteve, referindo que, qualquer pessoa percebe que o muro tem mais de trinta anos, lembrando-se dele desde miúdo, e dizendo, ainda, que o muro que divide o prédio dos réus do prédio da autora, sempre foi assim; RR disse ser amiga dos réus, conhecendo a casa dos mesmos há perto de quarenta anos. Disse saber que os réus compraram ao engenheiro JJ, há cerca de quarenta anos, e referiu que viu a casa ser construída. Afirmou que os muros foram construídos depois da casa, mas já há cerca de trinta anos, e que sempre se mantiveram iguais, afirmando que nunca ouviu o pai da autora queixar-se de qualquer ocupação de terreno.
Relevante também para este Tribunal foi a prova pericial realizada.
Estabelece o artº 388º do Código Civil, que “A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.”, decorrendo do artº 389º do mesmo diploma legal que “A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal.
Ou seja, pode o julgado, confrontando este com outros meios de prova, atribuir-lhe uma maior credibilidade, face à preparação técnica ou científica do perito, sendo certo que, havendo razões para desvalorizar a prova pericial, o tribunal é livre de o fazer, justificando isso mesmo (veja-se, a título exemplificativo, o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de junho de 2021, www.dgsi.pt).
No caso em crise, a prova pericial é consistente num levantamento topográfico ao prédio dos réus e que se encontra junto aos autos a fls. 424 vº., elaborado a 3 de março de 2020 e do qual resulta que, com base nos documentos juntos aos autos e pelas cópias de fotografias aéreas entregues no dia da inspeção no local pela autora, respetivamente fotos dos anos de 1958, 1965, 1978, 1986, 1993 e 1994 e porque não existem fotos entre 1986 e 1993, prevê-se que o muro tenha sido construído por volta de 1993.
Pedidos esclarecimentos, veio aquela senhora perita, a 31 de julho de 2020, prestar os mesmos referindo que
“a)No primeiro relatório foi afirmado que se estimava que a construção do muro tivesse sido efetuada por volta do ano 1993, no segundo relatório e para que não suscita-se dúvidas, foi por mim pedido uma correção da primeira afirmação, que o muro teria sido construído entre o ano 1986 e o ano 1993, já que no ano 1986 não existia qualquer construção e no ano de 1993 já era possível ver um alinhamento reto.
Referido também que entre o ano 1986 e o ano 1993 não tenho qualquer fotografia aérea e devido a esse facto não posso afirmar um ano.
r) Como dito anteriormente, foi errado da minha parte ter estimado por volta do ano 1993 a construção do muro, deveria desde o inicio ter apontado entre o ano 1986 e o ano 1993, pelo facto de não existirem fotografias entre esses anos”.
Refira-se ainda que a perita DD veio a prestar esclarecimentos na audiência de julgamento, confirmando o levantamento feito e a área de 3232 m2 do prédio dos réus.
No que aos muros diz respeito a mesma explicou não ter imagens entre 1986 e 1993, esclarecendo o Tribunal à quo, e convencendo este Tribunal da Relação que nas imagens de 1993 se vê um alinhamento reto que supõe ser um muro, e embora não possa garantir que é um muro, disse que um alinhamento assim, pode ser um muro.
A mesma afirmou que desde que existe o Google Earth, já se vê claramente que está lá um muro, que se mostra coincidente com a foto de 1993.
A senhora perita, em sede de esclarecimentos prestados ao Tribunal a quo e que foram ouvidos por este Tribunal, esclareceu que, apesar de não saber precisar a idade do muro, pela oxidação dos blocos, o mesmo terá já alguns anos.
Perante o relatório pericial e os esclarecimentos prestados pela senhora perita, este Tribunal, conforme o Tribunal á quo, não tem dúvidas em considerar como provado que os muros que vedam a propriedade dos réus existem, pelo menos, desde 1994, que os réus procederam à sua construção, vedando o terreno que, há mais de 20 anos, possuem, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, de forma ininterrupta, convictos de que exercem um direito próprio e com exclusão de outrem, sem lesarem interesses alheios, convictos de que exerciam um direito próprio.
Diga-se que no que aos demais elementos de prova, designadamente, documental, se remete para a exaustiva apreciação crítica dos mesmos, com a qual se concorda, na integra.
Em consequência também dos meios de prova atrás referidos e criticamente apreciados, teremos de manter como não provadas as al. c), d), e) e f).
Assim sendo, julga-se, nesta parte, improcedente a impugnação.

f) vem a recorrente impugnar os pontos h), i), j), k), l) e m) dos factos não provados, requerendo que devem os mesmos considerar- se provados.

São eles os seguintes:
“h- Com vista a reunir a documentação necessária para demonstração da ocupação do seu prédio, a autora teve de despender cerca de 50 horas em reuniões, deslocações e consultas com entidades públicas e privadas, nomeadamente, Serviço de Finanças, Conservatória do Registo Predial, Geojustiça e AFACC.
i- A autora, desde a aquisição do prédio e constatação da apropriação indevida pelos réus, nunca mais teve sossego.
j- Vivendo com a ânsia de recuperar a parcela de terreno que é sua.
k- Por diversas vezes, não consegue adormecer, pensando na propriedade que lhe foi tirada.
l- Procurou, incessantemente, perceber como e porquê tal parcela de terreno não lhe tinha sido entregue, desabafando com familiares e amigos.
m- A autora vive num estado de ansiedade, nervosismo, tristeza e preocupação, o que manifesta cada vez que fala no assunto, estando desiludida, revoltada e entristecida com a situação”.
Para o efeito entende a mesma que tal resulta das declarações da Autora AA assim como da testemunha EE, e resulta ainda dos autos diversos documentos, certidões e pedidos de documentos efetuados pela Autora, o que é demonstrativo de que a mesma teve de se deslocar a diversas entidades (Conservatória, Finanças, Cartório Notarial, escritórios da Geojustiça, entre outros), com os inerentes custos e horas de reunião, preenchimento de documentação e deslocações.
Salvo o devido respeito por contrária opinião, embora dos depoimentos referidos resulte que autora e seu marido levaram a efeito diligências junto de autoridades públicas, no sentido de obter documentos, requerendo ainda um levantamento realizado pela AFACC nada nos permite concluir, como pretende a recorrente o tempo despendido nas mesmas, bem como o desassossego, a ansia, nervosismo, tristeza, preocupação, desilusão e revolta, bem como a falta de sono pela mesma sentido.
Efetivamente, apenas do depoimento do seu marido resultou que a autora se sentiu ansiosa, preocupada e incomodada com a situação e que estão em Portugal, só por causa desta questão, não tendo o mesmo sido secundado por qualquer outro meio de prova que nos permitisse criar firme convicção. 
Nestes termos, julga-se também, nesta parte, improcedente a impugnação.
 
Nestes termos, julgada totalmente improcedente a impugnação da matéria de facto, a factualidade, provada e não provada, a atender para efeito da decisão a proferir, é a que consta já do ponto III.
*
V. Reapreciação de direito.

Aqui chegados e uma vez que se julgou improcedente a impugnação da matéria de facto, importa aferir se, com entende a autora/recorrente, face aos factos provados nos pontos 11, 17 e 21, segundo os quais resulta terem os réus, ora recorridos adquirido uma parcela de terreno muito menor do que aquela da qual fazem uso, locupletando-se, assim, de 1740 m2 de terreno à custa do prédio da autora/recorrente, deve a presente ação ser julgada procedente.
Ora, atendendo aos pedidos formulados pela autora, ora recorrente na presente ação, encontramo-nos perante uma ação de reivindicação da parcela de terreno que a mesma descreve nos autos e que diz fazer parte de prédio da sua propriedade e ter sido ocupada pelos réus.
Ora, conforme refere a sentença em crise “No que respeita ao modo de aquisição do direito de propriedade, dispõe o art. 1316º do Código Civil que o direito de propriedade se adquire por contrato, sucessão por morte, usucapião, acessão e demais modos previstos na lei.
Desses modos legítimos de adquirir o direito de propriedade, há uns que são meros atos translativos do direito, também designados de “modos de aquisição derivada”, como são os casos do contrato e da sucessão mortis causa; outros são constitutivos do próprio direito, por isso designados de “modos de aquisição originária”, como são os casos da usucapião (art. 1287º Código Civil), da ocupação (arts. 1318º e ss. do Código Civil) e da acessão (arts. 1325º e ss. do Código Civil).
Tem-se entendido que se alguém invoca como fonte do seu direito uma das formas de aquisição derivada, porque não constitutivas, mas meramente translativas do direito (e, por isso, subordinadas ao princípio "nemo plus juris ad alium transferre potest, quam ipse habet", ou seja, ninguém pode transferir para outrem mais direitos do que aqueles que o próprio tem), não lhe basta provar este modo aquisitivo para que possa ser considerado o titular do direito. Terá ainda que demonstrar que esse direito já existia na titularidade do seu transmitente e bem assim as sucessivas aquisições dos seus antecessores até atingir a aquisição originária em algum deles.
São, no entanto, ressalvados os casos em que existe presunção legal da propriedade, como a resultante do registo (art. 7º do Cód. Reg. Predial) ou a resultante da posse (art. 1268º do Código Civil), porque em tais casos, por força do disposto nos arts. 344º, nº 1, 350º do Código Civil, cabe à parte contra quem tais presunções são invocadas fazer a prova do seu direito, de modo a ilidir essas presunções.
No presente caso, a autora não pede em concreto o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a parcela de terreno em causa, embora esse direito esteja subjacente ao pedido que formula no sentido de os réus lhe entregarem a parcela que diz terem ocupado ilegitimamente.
Ora, se é certo que a autora é proprietária dos três prédios que resultaram do prédio originário com o artigo matricial rústico ...61, agora artigos ..., ... e ...19, o que os réus não põem em causa, certo é também que lhe cabia fazer a prova, como facto constitutivo do direito que invoca, da alegada ocupação pelos réus, de uma parcela desse prédio, com a área de 1740 m2, nos termos do disposto no art. 342º, nº 1 do Código Civil.
Sucede que, como resulta da matéria de facto provada e não provada descrita supra, a autora não logrou fazer a prova da factualidade respetiva, uma vez que não fez prova de ter ocorrido uma ocupação de terreno, à revelia e sem autorização dos anteriores proprietários do prédio que agora é sua propriedade”.
Efetivamente, conforme ficou demonstrado nos autos, mostra-se registado a favor do Réu reconvinte e da sua esposa, II, um prédio urbano sito no Lugar ..., na freguesia ..., no concelho de Chaves, que confronta a Norte com HH, a Nascente com JJ, do Sul com a Rodeira e a Poente com ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...61 da freguesia ... e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ...44.º, sendo que o mesmo se encontra na posse do Réu reconvinte, desde 1977, adquirido a LL e esposa MM e com a área de 90 m2.
Demonstrado se encontra também que se encontra registado a favor do Réu reconvinte e da sua esposa II, um prédio urbano sito na Rua ..., na freguesia ..., no concelho de Chaves, que confronta a Norte com a Estrada, a Nascente com Eng. AA, do Sul com Eng. FF e a Poente com KK, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...61 da freguesia ... e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ...73.º, prédio que se encontra na posse do Réu reconvinte, desde 1977, por compra de parcelas de terreno a FF e GG, nos anos de 1983 e 1985 e com a área de 2.977 m2.
Gozam pois os mesmos da presunção resultante do registo.
Resulta ainda provado que aqueles réus adquiriram, pelo menos, parte de tais prédios por via da aquisição derivada, através de compra e venda, a saber, demonstrado ficou que no dia ../../1985, os falecidos pais da autora, FF e GG, venderam ao réu BB, uma parcela de terreno do referido prédio rústico, com uma área de 1500 m2.
Ora, como refere a recorrente, apurado ficou que atualmente, o prédio do réu, delimitado por muro, ocupa uma área superior à adquirida através da escritura de compra e venda referida, existindo no mesmo, duas construções, numa área aproximada de 3240 m2, sendo que interpelou o réu a entregar a parcela, mas sem sucesso.            
Será que, destes factos, como pretende a recorrente terá de concluir-se que os réus se locupletaram de 1740 m2 de terreno à custa do prédio daquela.
Como refere a sentença em crise, porque as áreas não correspondem totalmente, impõe-se analisar se existe uma forma de aquisição originária do direito de propriedade sobre os prédios em causa, a favor dos réus, designadamente sobre a parcela de tal imóvel, com a área de 1740 m2.
Estabelece o artº 1251º do Código Civil que “posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”.
Por seu lado e como resulta do artº 1287º do Código Civil, “a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião”. posse mantida por certo lapso de tempo faculta ao possuidor a aquisição do direito a que corresponda a sua atuação, por usucapião”.
Ou seja, a posse consiste no poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (pressupondo quer o corpus, elemento objetivo da posse e que consiste na prática reiterada e pública de atos materiais correspondentes ao exercício do direito, quer o animus, elemento subjetivo que se traduz na intenção do detentor de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa e não um mero poder de facto sobre a mesma).
A posse pode ser titulada ou não, exercida de boa ou má fé, pacifica ou violenta e pública ou oculta, conforme refere o nº 1 do artº 1258º do Código Civil.
No caso concreto, conforme refere a sentença, perante a realidade factual provada e não provada e descrita supra, pode concluir-se que os réus têm a posse dos prédios em causa, com a configuração ou realidade física que descrevem e que se mostra inscrita e registada a seu favor, e que essa posse se verifica, com as características referidas, há tempo suficiente e de forma contínua, por forma a poder concluir-se que são os titulares do direito de propriedade sobre esses prédios.
Efetivamente, resulta da matéria de facto provada que os réus adquiriram de forma derivada, por compra e venda, os imóveis em questão e, apesar de a área que se mostra registada não coincidir com a que resulta das escrituras de compra e venda, quanto ao prédio referidos em 51º da Contestação, o certo é que tal prédio se mostra totalmente delimitado por muros, há mais de vinte anos, sendo que, pelo menos desde a data em que o prédio se mostra murado, os réus praticaram sobre o mesmo atos de posse correspondentes ao direito de propriedade que dizem ter sobre o mesmo, de forma contínua e ininterrupta, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, incluindo o pai da autora, com a convicção de serem legítimos proprietários e sem lesarem direitos de outrem, nomeadamente da autora, sendo certo que quando a autora/recorrente adquiriu o imóvel ao qual reporta a faixa que reivindica (em inventário em 2015), já os réus haviam adquirido, por usucapião, o mesmo, atendendo a que os muros que o delimitam existirem, pelo menos desde 1994 (artº 1296º do Código Civil).
Vem ainda a recorrente arguir que apenas após ../../2005, se pode considerar que o uso do prédio pelos réus foi público, pois só nesta data foi celebrada a escritura de justificação de usucapião aqui em causa, sendo que os presentes autos tiveram início dia 2 de julho de 2018.
Vejamos.
Por escritura de justificação entende-se o instrumento destinado a suprir a falta de documento bastante para a prova do direito do interessado na primeira inscrição no registo.
A justificação, para os efeitos do nº 1, do artº 116º, do Código de Registo Predial, consiste na declaração, feita pelo interessado, em que este se afirme, com exclusão de outrem, titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e referindo as razões que o impossibilitam de a comprovar pelos meios normais, conforme o nº 1 do artº 89º, do Código do Notariado.
As declarações feitas na escritura apenas relevam para efeitos de descrição registral, se não impugnadas no prazo de 30 dias.
Constitui esta escritura um meio destinado a possibilitar o registo de um direito e, por outro lado, um acto de natureza probatória que permite harmonizar a situação jurídica com a registral e, assim, a publicitação dos direitos inerentes às coisas imóveis e a concretização dos interesses dos particulares no que respeita a possibilidade de formalização de certos negócios jurídicos na falta de consonância entre o registo e a realidade jurídica.
O nº 1 do artº 101º, do Código do Notariado, prevê que qualquer interessado pode impugnar em juízo uma justificação notarial, sendo esta acção de justificação uma acção de simples apreciação negativa, na qual compete aos réus justificantes, nos termos do nº 1 do artº 343º do Código Civil, o ónus da prova dos factos em que baseavam a invocação do seu direito real sobre o prédio em causa, sendo que esta acção de impugnação de justificação notarial não está sujeita a qualquer prazo de caducidade/prescrição.
O prazo de 30 dias acima referido é necessário apenas para que, uma vez decorrido, após a publicação do extracto do conteúdo da escritura de justificação, poderem ser passadas certidões desta a fim de, com base nelas, se levar ao registo predial o reatamento do trato sucessivo ou um novo trato sucessivo (artº 116º, nºs 2 e 3, do C.R.Predial).
Para evitar a prática de actos inúteis, entendeu o legislador ser conveniente retardar a feitura do registo predial, com base na respectiva escritura, por um período de tempo tido por adequado e suficiente para o surgimento de uma eventual impugnação.
Se, decorridos 30 dias após a publicação do extracto, o notário não tiver recebido comunicação da pendência da impugnação, poderá então ser passada certidão da escritura e deixará de haver obstáculo à realização do registo, sendo certo que isto não significa que o facto justificado deixe de ser impugnável em juízo.
Ora, para além de tal matéria, relativa à escritura de justificação não constar dos factos provados ou não provados, a verdade é que, mesmo que assim se verificasse, não se poderia extrair da mesma e atendendo aos fins a que a mesma se destina e atrás se referiram, que só aquando da celebração da mesma, se poderia considerar pública a posse.
Diga-se que resultou dos autos que os réus fizeram a prova da factualidade constitutiva do direito que invocam, já que não restaram dúvidas de que, pelo menos desde 1994, têm vindo a praticar atos de posse sobre o prédio em causa, com a configuração que alegam e que consta da descrição matricial e predial, o mesmo se passando quanto ao prédio referido em 50º da Contestação, cuja posse começou em 1977, data da sua aquisição por escritura púbica de compra e venda.
Falecem pois os argumentos da recorrente de que os réus se locupletaram à custa do terreno da autora, da faixa de 1.740 m2 e de que a sua posse é pública, pacífica e de boa fé apenas a partir da escritura de justificação e, consequentemente, se julga improcedente o recurso.
*
VI. Decisão:

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

Custas pela autora/recorrente.
Guimarães, 3 de outubro de 2024

Relatora: Margarida Gomes
Adjuntas: Maria Amália Santos
José Manuel Flores.