EMBARGO DE OBRA NOVA
RATIFICAÇÃO JUDICIAL DO EMBARGO
REQUISITOS
Sumário


I - A possibilidade de renovação da produção da prova está prevista para as situações em que subsistam dúvidas sérias sobre a credibilidade de um depoente ou sobre o sentido do seu depoimento, assim como a possibilidade de ordenar a produção de novos meios de prova só pode ocorrer em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada.
II - O embargo de obra nova, como providência cautelar que é, visa apenas acautelar o efeito útil da ação que tenha por fundamento o direito, ofendido ou ameaçado, do embargante.
III - O requerente não tem de qualificar e quantificar os prejuízos, ao invés do que sucede nos procedimentos comuns, bastando a ofensa do direito de propriedade, da posse ou da fruição (trata-se de um dano jurídico: o prejuízo consiste exatamente na ofensa do direito).

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO
           
AA instaurou o presente procedimento cautelar de ratificação judicial de embargo de obra nova contra BB e CC pedindo a ratificação judicial do embargo realizado extrajudicialmente relativo a uma obra que está implantada no seu prédio e a notificação dos requeridos para se absterem de a continuar.

*
Citados os requeridos vieram apresentar oposição, defendendo serem os proprietários da totalidade do prédio.
*
Realizada a audiência final, foi proferida decisão que julgou procedente o procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova e, consequentemente, ratificou o embargo extrajudicial realizado.
*
Inconformados vieram os requeridos interpor recurso da decisão, terminando com as seguintes conclusões (transcrição):

I. Vêm os ora Embargados recorrerem da Sentença que decidiu “julgar procedente o presente procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova ratificar o embargo extrajudicial realizado pelo requerente em 23 de Abril de 2024, incidente sobre a obra de reabilitação que incluía a área do prédio descrito na alínea a) e mencionada na alínea u), do ponto II.1.”.
II. Com o devido respeito, a questão que constitui objecto do presente recurso não carecerá de demoradas explicações para se justificar, como se crê muito respeitosamente, uma decisão diferente, no sentido de provimento do presente Recurso.
III. Neste concernente, entendem os ora Recorrentes, com o devido respeito por posição diferente, que o Tribunal a quo não terá feito a interpretação cabal da oposição aos presentes embargos, porquanto os ora Recorrentes são os legítimos proprietários da totalidade do prédio em causa, sendo também certo que fora invocada a seu favor a figura jurídica da usucapião, nos termos da acção principal.
IV. Na verdade, na esteira da oposição apresentada, sempre com o devido respeito, não estarão cumpridos os alegados requisitos do embargo extrajudicial nem da sua ratificação, tanto mais que os presentes Recorrentes sempre cumpriram com as suas obrigações legais, tendo comprado, com a maior boa-fé e legalmente, a totalidade do prédio em questão em sede da alegada escritura pública junta aos presentes autos.
V. Mesmo que assim não fosse, também os ora Recorrentes invocaram, e continuam a invocar, a seu favor a usucapião nos termos alegados, sendo certo que as declarações prestadas pelos outorgantes vendedores DD e EE, bem como pelo mediador imobiliário FF, permitem concluir pela cabal propriedade dos ora Recorrentes “do prédio urbano, sito em ... (...), na Rua ..., ..., na freguesia União das Freguesias ... (... e ...) e ..., concelho ..., composto de edifício de rés do chão, primeiro e segundo andares e logradouro, destinado a serviços e habitação, com superfície coberta de duzentos e vinte e um metros quadrados e logradouro com dezassete vírgula cinquenta metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...04, da freguesia ... (...), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...45.”
VI. Na verdade, não existem quaisquer razões para colocar em causa a cabal e legítima propriedade dos ora Recorrentes, tendo procedido ao pagamento integral do preço e tendo recebido dos alegados legítimos vendedores a integral propriedade do mesmo, pelo que se encontram a exercer os seus legítimos direitos junto das entidades competentes para valer os seus mesmos direitos.
VII. No mesmo sentido se reitera e alega as várias diligências, interpelações e notificações recebidas pelos ora Recorrentes, por razões de perigosidade das ruínas da totalidade do prédio em causa, o que também se atesta pelos documentos juntos aos presentes autos, onde fora avaliado o mesmo prédio, assim como através de interpelações dos prédios vizinhos, conforme documentos juntos aos presentes autos a provar estes factos.
VIII. Sem prejuízo do alegado e por mera cautela de patrocínio ainda, requer-se, subsidiariamente e considerando a continuação da audiência de julgamento para o dia 13 de Setembro de 2024, a autorização para continuação da obra, uma vez que o alegado prejuízo resultante da paralisação da mesma obra é também consideravelmente superior ao que poderá advir da sua continuação, nos termos alegados e dos documentos juntos aos presentes autos e nos termos do alegado supra, nomeadamente o Relatório Pericial junto aos presentes autos, onde se podia também atestar o seu estado de abandono e de ruína.
IX. No mesmo sentido e com o devido respeito, não se poderá dar como provado o alegado pelo Recorrido, nomeadamente no que concerne à área, tanto mais que nos alegados documentos poder-se-á aferir da contradição da área em causa, referindo-se a área de 20 m2 e não de 52 m2, o que não se concede, que ter-se-ia de demolir, dadas as ruínas em causa e a ordem de demolição para o efeito, e que só por mera cautela de patrocínio aqui se alega, uma vez que os ora Recorrentes se consideram, com os legítimos animus e corpus, os donos/possuidores/ proprietários da totalidade do prédio supra referido em V.
X. Na verdade, o alegado espaço/área (embargado) peticionado e decidido sub judice se refere a um alegada construção em ruínas, completamente abandonada há vários anos, que fora demolida, entretanto, nos termos alegados, nomeadamente pela sua perigosidade para os prédios vizinhos e demais transeuntes e que se encontra na parte posterior da entrada e saída da mesma obra, pelo que esta entrada/saída não se encontrará sob o embargo em causa, pelo que dever-se-á permitir a entrada/saída na obra dos ora Recorrentes nos termos alegados.
XI. Na verdade, conforme alegado em sede da petição inicial do processo principal, as “demandas” do ora Recorrido já provocou graves danos patrimoniais e não patrimoniais na esfera jurídica dos ora Recorrentes, sendo que a paralisação da mesma obra provocará um prejuízo evidente de muitos milhares de euros, nomeadamente pelo atraso no contrato de empreitada celebrado com o respectivo empreiteiro, bem como pela mora e ausência dos devidos e legítimos rendimentos resultantes da construção dos apartamentos em causa, a calcular em sede de execução de sentença, que foram confirmados pelos depoimentos prestados pelas testemunhas dos Recorrentes e do Recorrido, bem como pelos próprios Recorrentes.
XII. Pelo que dever-se-ão dar como provados os artigos 12.º, 15.º a 16.º e 20.º, todos da Oposição aos presentes Embargos, apresentada pelos ora Recorrentes.
XIII. Assim, carecerá de fundamento a decisão de deferir os presentes embargos.
XIV. Assim, face ao expendido e sempre com o devido respeito, não se encontrarão preenchidos os requisitos do alegado embargo de obra nova, de que se recorre, tanto mais que, hodiernamente e após a alegada demolição, nada mais se construiu nesse alegado espaço.
XV. Pelo que os ora Recorrentes entendem que a decisão do Tribunal a quo poderá estar afectada na sua validade jurídica, do que se recorre, muito respeitosamente, nos termos e para os efeitos das alíneas c) e d), do artigo 615.º, do CPC.

Terminam os Recorrentes pugnando pela procedência do recurso e, em consequência (sic):

a) deverá julgar-se procedente e provada a excepção articulada supra, absolvendo-se os ora requeridos/embargados;
b) em qualquer caso, e se se entender que não operam as aludidas excepções, deve o presente procedimento cautelar ser julgado improcedente, por não provado, e os ora embargados absolvidos, com todas as consequências legais.
c) sem prescindir, no  caso da obra em causa ser embargada, o que se não concede, requer-se, muito respeitosamente, a autorização da continuação da obra ao abrigo do art.º 401.º, do cpc.
Mais requerem que caso assim seja entendido e ao abrigo do disposto no artigo 662°, do C.P.C., se determine a renovação e constituição de novos elementos probatórios, designadamente inspeção ao local, porquanto a via em causa e as inquirições e depoimentos poderão ser indispensáveis ao apuramento da verdade quanto à matéria de facto impugnada.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

No caso vertente, as questões a decidir que ressaltam das conclusões do recurso interposto são as seguintes:

- Se a sentença é nula;
- Se deve ser modificada a decisão sobre a matéria de facto;
- Se deve ser ordenada a renovação e constituição de novos elementos probatórios;
- Se deve ser alterada a subsunção jurídica de molde a considerar não verificados os requisitos da providência de embargo de obra nova;
- Se é admissível a repetição do pedido de autorização para a continuação da obra.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
3.2.1. Factos Provados

Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
a) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...10 (descrição em Livro: nº ...53; Livro nº ...21), um prédio urbano, sito na Rua ..., em ..., composto por rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, conforme se retira da cópia da certidão da referida Conservatória junta aos autos a fl. 45 dos autos principais e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
b) A aquisição do direito de propriedade incidente sobre o supra referido prédio encontra-se inscrita, na referida Conservatória, a favor de GG, AA, HH, II e JJ, mediante a Ap. ...9 de 1992/03/10, por partilha de herança, conforme se retira da cópia da certidão da referida Conservatória junta aos autos a fl. 45 dos autos principais e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
c) O prédio supra referido foi adjudicado aos mencionados GG, AA, HH, II e JJ, no âmbito do processo de inventário nº ...82, em que foi inventariado KK, por sentença homologatória do mapa de partilha proferida em 24.04.1985, conforme resulta do teor da cópia da certidão do referido processo junta aos autos de fls. 9v a 14 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
d) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...04 (descrição em Livro: nº ...46; Livro nº ...12), um prédio urbano, sito na Rua ..., ..., composto de edifício de rés-do-chão, 1º e 2º andares, destinado a serviços e habitação, conforme se retira da cópia da certidão da referida Conservatória junta a fl. 18 dos autos principais e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
e) A aquisição do direito de propriedade incidente sobre o supra referido prédio encontra-se inscrita, na referida Conservatória, a favor de BB, casado com CC, mediante a Ap. ...70 de 2017/08/02, por compra, conforme se retira da cópia da certidão da referida Conservatória junta a fl. 18 dos autos principais e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
f) No dia 27 de Julho de 2017, no Cartório Notarial da notária LL, em escritura pública aí outorgada, MM, NN e DD, declararam vender, e BB, e mulher, CC, declararam comprar, o prédio urbano sito na Rua ..., ..., em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...04, omisso na matriz predial, tendo sido apresentada a participação para a sua actualização no serviço de finanças de ..., em 26.07.2017, tendo-lhe sido atribuído o artigo provisório ...45, o qual teve origem no artigo ...57, da União das Freguesias ... (... e ...) e ..., anteriormente artigo urbano ...86º, que proveio do artigo urbano ...83º, ambos da extinta freguesia ... (...), conforme se retira da cópia da escritura pública junta aos autos de fls. 128v a 131v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
g) No dia 7 de Janeiro de 1964, na Secretaria Notarial ..., perante o notário OO, em escritura pública aí outorgada, PP e mulher, QQ, declararam vender a KK, casado com RR, que declarou comprar “um – casa de rés do chão, primeiro andar e quintal, na Rua ..., com os números de polícia ... a ..., a confrontar do norte com a Rua ..., do sul com os vendedores, do nascente com SS e irmão e do poente com quem de direito, inscrita na matriz urbana sob o artigo ... (…); dois – casa de rés do chão e primeiro andar, na Rua ..., a confrontar do norte e poente com os vendedores, do sul com TT e do nascente com SS e irmão, inscrita na matriz urbana sob o artigo ...”, conforme se retira da certidão do livro para Escrituras Diversas, nº ...9, do notário OO, do extinto ... Cartório da Secretaria Notarial ..., de fls. 68v a 70, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
h) E, de seguida, nessa escritura pública se consignou que “estes dois prédios constituem o descrito na Conservatória do Registo Predial, deste concelho, sob o número ...”, conforme se retira da certidão do livro para Escrituras Diversas, nº ...9, do notário OO, do extinto ... Cartório da Secretaria Notarial ..., de fls. 68v a 70, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
i) E ainda: “preveni os outorgantes de que este acto não pode ser admitido a registo definitivo sem que os prédios vendidos se encontrem definitivamente inscritos a favor dos vendedores”, conforme se retira da certidão do livro para Escrituras Diversas, nº ...9, do notário OO, do extinto ... Cartório da Secretaria Notarial ..., de fls. 68v a 70, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
j) O prédio descrito na alínea a) teve origem no prédio descrito na descrição predial nº ...53, conforme consta da certidão da Conservatória do Registo Predial ... junta aos autos de fls. 166 a 186 (fls. 168 e 169) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
k) O prédio descrito na alínea d) teve origem no prédio descrito na descrição predial nº ...46, conforme consta da certidão da Conservatória do Registo Predial ... junta aos autos de fls. 166 a 186 (fl. 180) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
l) Na ficha da descrição nº ...53, por averbamento de Janeiro de 1964, pode ler-se: “declara-se que em parte do prédio supra, nº ...53, se acha construído mais um prédio urbano composto de casa de rés do chão e primeiro andar, com a área de 20 m2, o qual tem a sua entrada pela Rua ... e está inscrito na matriz predial sob o artigo ...59º”;
m) Na ficha da descrição nº ...53, mediante Ap. nº 5, de 10 de Março, de 1978, pode ler-se: nº 4 – Desanexado do prédio supra, nº ...53, o descrito sob o nº ...46 a fls. 164, v, do livro ...12”;
n) Na ficha da descrição nº ...53, mediante a Ap. ...92, pode ler-se: “em virtude da desanexação, o prédio passou a ser: urbano – sito na Rua ..., casa de rés do chão, ... andar e logradouro – s.c. 20 m2, s.l. 32,10 m2 – norte e poente, KK; sul, TT; nascente, SS”;
o) E pela An. 1 ...92, lavrada na mesma ficha, pode ler-se: “extractada para a ficha nº ...92”;
p) Na ficha da descrição predial nº ...46 pode ler-se: “natureza – urbana. Composição – casa de habitação de rés do chão e primeiro andar. Situação – Rua ..., nºs. de polícia ...43 a ...47, freguesia .... (…) Artigo 683º. Desanexado do descrito sob o nº ...53”;
q) No âmbito da execução ordinária nº 128/80, que correu termos na extinta 2ª Secção, do extinto ... Juízo, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, foi penhorado (penhora ordenada em 10.02.81, realizada em 11.02.81 e registada em 22.01.1982), o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...46 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...83º, conforme se retira de fls. 30, 31 e 47 dos referidos autos de execução ordinária apensos aos presentes por linha;
r) No âmbito da referida execução ordinária nº 128/80, que correu termos na extinta 2ª Secção, do extinto ... Juízo, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, foi arrematado em praça o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...46 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...83º, e posteriormente adjudicado a UU, conforme se retira de fls. 85, 92-92v e 94 dos referidos autos de execução ordinária apensos aos presentes por linha;
s) O prédio descrito em a) tem entrada pela Rua ..., desta cidade ...;
t) O prédio descrito em d) tem entrada pela Rua ..., desta cidade ...;
u) O prédio descrito em a) tem a configuração que surge retratada na planta cuja cópia consta dos autos a fl. 46 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
v) Os requeridos requereram à Câmara Municipal ..., no âmbito do processo camarário nº ...7, a emissão de alvará de licenciamento das obras de urbanização, apresentando um projecto de reabilitação do prédio referido em d) onde inclui a área do prédio referido em a);
w) No dia 21 de Abril do corrente ano, os requeridos mandaram demolir a casa de habitação implantada no prédio descrito em a);
x) No dia 23 de Abril do corrente ano, o requerente deslocou-se ao local do prédio descrito em a), acompanhado de VV e de WW, e disse ao encarregado da obra, empreiteiro XX, da sociedade EMP01..., que devia suspender de imediato todos os trabalhos, atendendo ao facto de terem demolido a casa e estarem a ocupar a área de um prédio que é propriedade do requerente e seus irmãos, ofendendo o direito de propriedade destes;
y) O requerente vive no concelho ... e desloca-se esporadicamente ao prédio;
z) O requerente é o que está encarregado, por decisão dos titulares registados, seus irmãos, de proceder ao pagamento das obrigações fiscais relativas ao prédio descrito em a) e de proceder à sua vigilância.
*
3.1.2. Factos Não Provados

Inversamente, foi dada como indiciariamente não demonstrada a seguinte factualidade:
Do requerimento inicial: artigos 12º a 14º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas w) e x), e 19º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea v).
Da oposição dos requeridos: artigos 12º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea v), 15º a 16º e 20º.
*
3.2. O Direito
3.2.1. Nulidade da sentença

Sustentam os recorrentes que a decisão do Tribunal a quo poderá estar afetada na sua validade jurídica, o que expressam nos termos e para os efeitos das alíneas c) e d), do artigo 615.º, do CPC.
Os preceitos normativos citados respeitam às causas de nulidade da sentença.
As causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enunciadas no art. 615.º nº 1 do Código de Processo Civil, onde se estabelece, além do mais, que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c)), ou quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d)).
O Prof. Castro Mendes, após a análise dos vícios da sentença, conclui que uma sentença é nula quando “não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia” - Direito Processual Civil, Vol. III, pag. 308.
Na senda da delimitação do conceito, adverte o Prof. Antunes Varela, que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” - Manual de Processo Civil, pag. 686.
Quanto à contradição, decorre do art. 615.º, nº 1, al. c) do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
A nulidade da sentença contemplada nesse preceito pressupõe, como se afirmou no acórdão do STJ de 03.03.2021 “um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”- disponível em www.dgsi.pt.
Assim, tal nulidade só ocorre quando há um vício real de raciocínio do julgador em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direção diferente - Acórdão do STJ de 26.1.2017, disponível em www.dgsi.pt.
Consequentemente, saber se o enquadramento jurídico feito no acórdão e a conclusão a que nele se chegou são, ou não, acertados ou injustos, constitui matéria de que não cabe curar em sede de nulidade de acórdão. Trata-se de questão a envolver eventual erro de julgamento e nunca fundamento de nulidade do acórdão, que se prende tão só com a estrutura formal da decisão.
A sentença é clara e objetiva, tanto na explicitação dos seus fundamentos como na decisão, sem existir incoerência ou oposição entre estes dois elementos. A conclusão alcançada, a decisão, é a conclusão lógica que decorre dos fundamentos, não se surpreendendo entre tal decisão e os respetivos fundamentos qualquer vício de raciocínio.
Assim, não padece a decisão da invocada contradição.
Finalmente, quanto aos limites da pronúncia, prescreve o art. 615.º, nº1, al. d) do Código de Processo Civil, que «é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
O vício em causa prende-se com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos quer no art. 608.º, nº2 do Código de Processo Civil: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras», quer, com referência à instância recursiva, pelas conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objeto do recurso, conforme resulta dos arts. 635.º, nº4 e 639.º, nº1 e 2, do mesmo diploma legal.
Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão; ao invés, se conhece de questão que nenhuma das partes submeteu à sua apreciação nem constitui questão que deva conhecer ex officio, o vício reconduz-se ao excesso de pronúncia.
Todavia, importa definir o exato alcance do termo «questões» por constituir, in se, o punctum saliens da nulidade.
É pacífico o entendimento de que a nulidade consistente na omissão de pronúncia só se verifica quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada.
A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do Tribunal e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.
Recorrendo aos ensinamentos de Alberto dos Reis, “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (art.º 511º nº 1), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art.º 664º) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas” - CPC Anotado, Vol. V, pag. 143.
Ora, ressalvado o devido respeito, no caso, a sentença conheceu a questão que lhe foi colocada para decisão, qual seja a da verificação dos requisitos para a ratificação do embargo de obra nova.
Logo, não houve omissão (nem excesso) de pronúncia.
Nestes termos, a sentença não padece da nulidade que é invocada.
*
3.2.2. Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto
Consideram os recorrentes que se mostra incorretamente julgada a matéria de facto não indiciariamente provada relativa aos factos 12.º, 15.º, 16.º e 20.º da Oposição a qual, em seu entender, deveria ser considerada demonstrada.
Como fundamento da alteração invocam o depoimento prestado pelos vendedores DD e EE e pelo mediador imobiliário FF, bem como a documentação relativa ao licenciamento, os quais permitem concluir pela propriedade dos recorrentes sobre o prédio em causa.
Ressalvado o devido respeito, não lhes assiste razão.
 Em causa não está o processo de licenciamento da construção, sendo aliás indiferente que a obra tenha sido autorizada por entidade pública, considerando que o cumprimento de exigências administrativas é insuficiente para garantir a defesa dos direitos de terceiros que o embargo visa acautelar (cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª Edição, pag. 491). Discute-se, sim, os limites do prédio e os atos de posse exercidos sobre a parcela em questão, matéria em relação à qual as aludidas testemunhas não demonstraram razão de ciência. Ademais, a factualidade constante do alegado em 15) e 16) da oposição, mostra-se afastada, por contrária, pelos factos provados u) e v) (não impugnados).
O facto 20 é manifestamente conclusivo, sendo que para a procedência da providência basta a violação do direito não sendo necessário um concreto prejuízo.
Nos termos expostos, improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
*
3.2.3. Renovação e constituição de novos elementos probatórios
A possibilidade de renovação da produção da prova está prevista para as situações em que subsistam dúvidas sérias sobre a credibilidade de um depoente ou sobre o sentido do seu depoimento. Por sua vez, a possibilidade de ordenar a produção de novos meios de prova ocorre em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada.
No caso em apreciação, nem uma situação nem outra se verifica.
Feita a apreciação da impugnação da matéria de facto com a consequente análise da prova produzida em 1ª instância, não subsistem dúvidas sobre a credibilidade dos depoentes ou o sentido do seu depoimento, do mesmo modo que não ocorre dúvida fundada sobre a prova realizada.
Inexiste, pois, fundamento para a renovação ou constituição de novos meios de prova.
*
3.2.4. Requisitos do embrago de obra nova
 Em causa está a apreciação dos requisitos do procedimento cautelar de embargo extrajudicial de obra nova.
Este procedimento tem a sua previsão legal no artigo 397.º, do Código Processual Civil, preceito que estatui que:

«Fundamento do embargo - Embargo extrajudicial
1 - Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente.
2 - O interessado pode também fazer diretamente o embargo por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar.
3 - O embargo previsto no número anterior fica, porém, sem efeito se, dentro de cinco dias, não for requerida a ratificação judicial.»

Decorre deste preceito que são três os requisitos essenciais do embargo de obra nova, quer este seja judicial ou extrajudicialmente efetuado: (i) que o embargante seja titular de um direito; (ii) que se considere ofendido nesse direito em consequência de obra, trabalho ou serviço novo; (iii) que tal obra, trabalho ou serviço lhe cause, ou ameace causar, prejuízo.
No que concerne à titularidade do direito, em sede de providência cautelar não é necessário que a prova produzida fundamente um juízo de certeza, bastando que permita formular um juízo de verosimilhança ou de forte probabilidade acerca dessa titularidade.
O embargo, como providência cautelar que é, visa apenas acautelar o efeito útil da ação que tenha por fundamento o direito, ofendido ou ameaçado do embargante.
No procedimento cautelar de embargo de obra nova, o requerente não tem de qualificar e quantificar os prejuízos, ao invés do que sucede nos procedimentos comuns.
Basta a ilicitude do facto, basta que este ofenda o direito de propriedade, a posse ou a fruição; o prejuízo consiste exatamente nessa ofensa. Trata-se de dano jurídico, isto é, de dano derivado, pura e simplesmente, da violação do direito de propriedade, da posse ou da fruição.
Já Cunha Gonçalves (citado por Alberto dos Reis, que recorre ao Tratado 12º, pág. 154) afirmava que a palavra prejuízo foi empregada em sentido genérico: abrange toda e qualquer violação do direito de propriedade embora desta violação não resulte um prejuízo propriamente dito.
Por sua vez, Alberto dos Reis reafirma a ideia vincando que ao requerente basta alegar e provar a lesão do seu direito de propriedade ou posse (ilicitude) pela realização de uma obra material, o que implica necessariamente o prejuízo, pois este consiste exatamente nessa ofensa – CPC Anotado, Vol. II, 3ª ed., pag.  64.
De forma clara explica Lebre de Freitas que “à primeira vista, o nº 1 exige, por um lado, que a obra nova ofenda o direito ou a posse e, por outro, que dessa ofensa resulte ou possa vir a resultar prejuízo. … Uma análise mais atenta do preceito leva, porém, a concluir que se trata do mesmo requisito e que a violação do direito ou da posse através da obra iniciada constitui, em si, o prejuízo a que o preceito se refere. … A obra é, pois, a causa do juízo do requerente sobre o prejuízo que ela lhe causará, constituindo, em si, prejuízo a ofensa do seu direito ou posse. É esta a interpretação racional: … A referência ao prejuízo explica-se por se ter querido vincar a ideia de que o embargo é admissível, quer como meio de reacção contra prejuízo (= ofensa) já produzido, quer como meio de prevenção contra prejuízo (= ofensa) eminente (…), isto é, fortemente provável (nos termos geralmente exigidos em sede de procedimento cautelar: art. 387º) em face da direcção que a obra está a tomar ou de outras circunstâncias do caso” – Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pág. 141/142.
Por tal razão, entende-se que no embargo de obra nova, o "prejuízo" confunde-se com a própria violação do direito, ou nos dizeres de Moitinho de Almeida “o prejuízo, como requisito de embargo de obra nova, não carece de valoração autónoma, pois deriva sempre pura e simplesmente da própria violação do direito” - in Embargo ou Nunciação de Obra Nova, 3ª edição, pág. 28.
Nisto se consubstancia o dano jurídico. Desde que o facto tenha a feição de ilícito, porque é contrário à ordem jurídica concretizada num direito de propriedade, numa posse ou fruição legal, tanto basta para que haja de considerar-se prejudicial para os efeitos do embargo de obra nova; o embargante não precisa de filiar o seu prejuízo noutra razão que não seja a ofensa da sua situação jurídica subjetiva, não precisa de alegar que, na realidade das coisas a obra lhe acarreta perdas e danos – cfr. Acórdão da Relação do Porto de 23-02-2012, processo 1543/11.6TBMCN.P1.
Em síntese, como se decidiu no Acórdão desta Relação de Guimarães de 18-12-2017, processo n.º 161/17.0T8MDL.G1, “para efeitos de embargo de obra nova, o “prejuízo” é a ofensa do direito, bastando-se a lei com a verificação de um dano jurídico, isto é, que a obra ofenda o direito de propriedade, a posse ou a fruição do embargante, não se exigindo a ocorrência de danos efetivos, sequer o receio de “lesão grave e dificilmente reparável” enunciado para o procedimento cautelar comum. Consequentemente, no embargo de obra nova o “prejuízo” não carece de valoração autónoma, na medida em que está ínsito na ofensa do direito” – disponível em www.dgsi.pt.
No caso, o requerente beneficia da presunção emergente do registo, que não foi ilidida, pelo que, num juízo de verosimilhança, mas com alta probabilidade, se pode concluir ser proprietário do prédio -cfr. artigo 7º do Código do Registo Predial.
Para lá do âmbito de aplicação da presunção, os factos apurados são de molde a afirmar que o direito existe na titularidade do requerente (e demais comproprietários) assente na própria realidade empírica que surge retratada na descrição predial.
Os requeridos, com a obra que mandaram fazer ocuparam a área de um prédio que pertence ao requerente (e demais comproprietários), pelo que ofenderam o seu direito de propriedade.
Donde, a atuação dos requeridos ofende o direito do requerente, tanto bastando para ser ratificado o embargo extrajudicialmente realizado.
*
3.2.5. Autorização para a continuação da obra.
Pedem os recorrentes a autorização para continuação da obra, alegando que o prejuízo resultante da paralisação é consideravelmente superior ao que poderá advir da sua continuação.
Trata-se de repetição de pedido formulado, sobre o qual recaiu despacho de indeferimento, contra o qual os requeridos não reagiram e, por essa razão, se sedimentou na ordem jurídica com o seu trânsito em julgado.
Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa, o caso julgado consubstancia-se “na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário” – in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2ª edição, 1997, p. 567.
Seguindo o ensinamento de Rui Pinto, o caso julgado tanto designa a qualidade de imutabilidade da decisão judicial que transitou em julgado, como o conjunto dos efeitos jurídicos que têm o transito em julgado da decisão judicial por condição. A decisão transitou em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (cf. artigo 628.º, nº1, do CPC). Trata-se, por conseguinte, de uma qualidade formal ou externa ao próprio teor da decisão. Por outro lado, a imutabilidade da decisão permite que esta alcance uma estabilidade, ou seja, uma continuidade, na emissão dos respetivos efeitos jurídicos. O trânsito em julgado constitui uma técnica de estabilização dos resultados do processo, mas que não é única, integrando-se numa linha gradual de estabilização. Efetivamente, decorre, desde logo, do artigo 613.º, n.º 1, que, prolatada a sentença ou despacho, o tribunal não os pode revogar, por perda de poder jurisdicional. Trata-se, pois, de uma regra de proibição do livre arbítrio e discricionariedade na estabilidade das decisões judiciais- In Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, revista Julgar Online, Novembro de 2018, p. 2/3.
*
Por todo o exposto, improcede in tottum o recurso interposto.
*
SUMÁRIO (artigo 663º, n º7 do Código do Processo Civil)
I - A possibilidade de renovação da produção da prova está prevista para as situações em que subsistam dúvidas sérias sobre a credibilidade de um depoente ou sobre o sentido do seu depoimento, assim como a possibilidade de ordenar a produção de novos meios de prova só pode ocorrer em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada.
II - O embargo de obra nova, como providência cautelar que é, visa apenas acautelar o efeito útil da ação que tenha por fundamento o direito, ofendido ou ameaçado, do embargante.
III - O requerente não tem de qualificar e quantificar os prejuízos, ao invés do que sucede nos procedimentos comuns, bastando a ofensa do direito de propriedade, da posse ou da fruição (trata-se de um dano jurídico: o prejuízo consiste exatamente na ofensa do direito).
*
IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes (artigo 527.º, do CPC).
Notifique e registe.
Guimarães, 3 de Outubro de 2024

Assinado digitalmente por:                                                   
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Paula Ribas
2º Adj. - Des. Anizabel Sousa Pereira