REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALTERAÇÃO
AUDIÇÃO DA CRIANÇA
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Sumário


I- Não deve ser atendida a impugnação da matéria de facto, se a natureza da matéria impugnada, assim como a que o recorrente pretende incluir na matéria de facto, tenha por objeto matéria (de facto) conclusiva, porquanto tal matéria, a ser ali incluída, ter-se-ia por “não escrita”, sem qualquer relevância jurídica.
II- Não é também de apreciar a matéria de facto impugnada, se ela se mostrar inútil para a solução jurídica do pleito, considerando as várias soluções plausíveis da questão de direito.
III- Face à nova redação do art.º 1907.º do CC (redação que lhe foi dada pela Lei n.º 61/08), a intervenção do Estado na família, a fim de decidir pela confiança do menor a uma terceira pessoa, já não está condicionada aos requisitos do artigo 1918.º do CC, não sendo necessário provar a incapacidade dos pais para educar o filho, ou uma situação de perigo para este. Para ser decretada essa medida, basta que a mesma esteja de acordo com o superior interesse da criança.
IV - A criança tem o direito de ser ouvida no processo, como sujeito de direitos e não como objeto, direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe digam respeito, e o direito a que as suas opiniões sejam tomadas em consideração na decisão proferida.
V- Tal como já constava da redação do nº 2 do art.º 1905º do CC, o atual nº 7 do art.º 1906º do CC veio consagrar o princípio de que o tribunal decidirá sempre de harmonia com o superior interesse do menor.
VI- A lei não define o que deva entender-se por “superior interesse da criança”, estando-se na presença de um conceito aberto, que só em concreto é suscetível de ser concretizado, com a consciência que qualquer decisão tomada com base nesse critério, reside na valoração que o julgador faça da realidade provada.
VII- A pretensa “inconstitucionalidade”, tem de ser dirigida a determinada norma, reputada como violadora de algum preceito constitucional, e não à decisão judicial que a aplicou, não podendo a arguição da inconstitucionalidade destinar-se a sindicar o ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria do caso concreto.
VIII- O direito a uma decisão em prazo razoável, com consagração constitucional, não pode impedir o tribunal de se fazer rodear de toda a informação necessária e adequada para proferir uma decisão conscienciosa e fundamentada, o que pode implicar a busca dessa informação, quer em Portugal, quer nos países de residência dos requerentes (Reino Unido e Suíça).

Texto Integral


Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Maria da Conceição Sampaio
2ª Adjunta: Elisabete Moura Alves

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Em 5 de maio de 2020, AA, atualmente residente no Reino Unido, instaurou contra BB, residente atualmente na Suíça, ação de Alteração do regime de Regulação das Responsabilidades Parentais da filha de ambos, CC, nascida Em ../../2011, pedindo que se alterasse a residência da criança – entretanto a viver com a avó paterna -, fixando-a com a requerente, no Reino Unido.
Para tanto, e em síntese, alegou que educou e criou a filha desde que esta nasceu até aos sete anos e cinco meses de idade, fazendo-o sozinha, desde 2012, data em que o pai emigrou para a Suíça, país onde passou a residir e onde refez a sua vida, visitando a filha apenas cerca de quinze dias por ano.
Em 2018, depois do divórcio, deixou de conseguir sozinha fazer face às despesas com o sustento do agregado familiar, pelo que optou também por emigrar, deixando a filha CC aos cuidados da avó paterna até à sua estabilização profissional e financeira no país de acolhimento, e até ao 4.º ano de escolaridade da menina.
Todavia, reunindo antecipadamente as condições laborais e financeiras para assumir todos os cuidados a prestar à filha no país de acolhimento, pede a alteração da residência da CC, que deverá juntar-se à mãe no Reino Unido, sua figura primária de referência, cumprindo-se aquela que é a vontade da criança.
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O requerido BB contestou a ação, excecionando com a ineptidão da petição inicial, por falta de indicação do pedido e da causa de pedir, e impugnando os factos alegados, designadamente a integração laboral e estabilização financeira da requerente.
Além disso, sustentou que a alteração da residência da filha põe em causa a estabilidade da criança, a frequentar o 3.º ano de escolaridade, numa escola com boas referências e perfeitamente integrada, com bom aproveitamento, sendo certo, ademais, que a mudança peticionada contraria o acordo celebrado pela mãe com a avó da criança, que prevê, como principal ponto, a fixação de um regime que permite à criança frequentar o primeiro ciclo da escolaridade obrigatória num único país, região e escola, de modo a permitir-lhe um crescimento harmonioso em termos de escolaridade, o que jamais sucederia com uma mudança para um país de língua desconhecida para a criança, e no qual, além da mãe, não tem qualquer retaguarda familiar.
Sustentou ainda que mantém contacto regular com a filha, falando com ela ao telefone diariamente, contrariando a alegada vontade da CC de viver com a mãe, pois é junto da avó paterna que a criança tem as condições necessárias ao crescimento harmonioso e normal desenvolvimento da sua personalidade, fruto do amor e dedicação, diários, com que é tratada.
Pediu, face ao exposto, a declaração de nulidade do processado, por ineptidão da petição, ou, assim se não entendendo, a declaração de improcedência do pedido de alteração da residência da CC.
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Realizou-se uma Conferência de pais, para a qual foram eles convocados, assim como a avó paterna e a criança.
Nessa Conferência (de 12 de agosto de 2020) fixou-se um regime provisório, estabelecendo-se a residência da menor junto da avó paterna, com regime de convívios/contactos aos pais, e fixação de pensão de alimentos a cargo daqueles.
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Em 10 de Novembro de 2020, o requerido BB instaurou também contra a requerente, AA, ação de Alteração do Regime de Regulação das responsabilidades parentais da filha de ambos, CC (que corre pelo apenso C), pedindo que lhe seja atribuída, em exclusivo, a guarda e cuidados da criança, fixando-se uma prestação de alimentos a cargo da mãe.
Alegou para tanto, e em síntese, que nos autos principais de divórcio, em ../../2017, por sentença, foi homologado acordo quanto às responsabilidades parentais da CC, do qual resultou que a criança ficou à guarda e cuidados da mãe, com ela residindo, ficando o pai vinculado ao pagamento da quantia de € 315,00, a título de pensão de alimentos, sem prejuízo de suportar, na proporção de metade, as despesas médicas, escolares, extracurriculares e outras.
O acordo só foi logrado sob condição imprescindível da mãe/requerida residir em Portugal, na cidade ..., onde vive a avô paterna, que podia verificar, diariamente, a presença da menor na escola, as suas condições de higiene, a sua boa alimentação, e em geral, que a menor estava a ser acompanhada e a ter os corretos cuidados em todos os domínios do seu desenvolvimento.
A 30 de Julho de 2018, atendendo ao processo migratório da requerida em curso, foi escrito acordo provisório quanto à regulação de responsabilidades parentais, que previa que a criança ficaria a cargo da avó pelo período máximo de 3 anos, interregno temporal esse correspondente ao período do primeiro ciclo da escolaridade obrigatória, acordo que não foi subscrito pelo requerente, mas que, contudo, correspondeu à situação real que a CC viveu entre a data do dito acordo, 30 de julho de 2018, e até dia 12 de agosto 2020, dia em que foram reguladas judicialmente as responsabilidades parentais de modo provisório, ficando a criança à guarda da avó e a residir em Portugal.
Não obstante, a relação entre pai e filha manteve-se afetuosa e saudável. Os contactos são diários, através de chamadas telefónicas e através de contacto Facebook, Messenger/ Whatsapp. Os convívios ocorrem em todos os períodos de férias da CC, em todos os tempos que o requerente tem disponíveis, e em todos os meses de março, por ocasião do aniversário da filha.
Acompanha o desenvolvimento e aproveitamento escolar da filha, suportando todas as suas despesas, mesmo as relacionadas com o conforto, o que revela a sua preocupação, responsabilidade e sentido de paternidade.
O requerente tem capacidade para conseguir proporcionar à filha um bem-estar saudável que vai ao encontro do superior interesse da criança, tendo reunido toda a logística para albergar a pequena CC no país de emigração, na ....
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A requerida AA respondeu ao peticionado pelo requerido, pedindo que o pedido de alteração apresentado pelo pai seja julgado improcedente.
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Tramitados regularmente os autos foi então proferida a seguinte decisão:
“Nestes termos, julgam-se improcedentes os pedidos (apenso B e C) de alteração do regime de responsabilidades parentais instauradas pelos pais, na vertente da residência da criança, mantendo-se, por ora, o regime provisório fixado nos autos.
Custas pelos requerentes (cfr. artigo 527.º do CPC, apenso B e C).”
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Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a requerente AA interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1. O presente recurso tem por objeto a totalidade da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Família e Menores de Braga – Juiz ... – que decidiu julgar improcedente o pedido de alteração do regime de responsabilidades parentais instaurado pela progenitora, na vertente da residência da criança, mantendo o regime provisório fixado nos autos, com fixação da residência da menor junto da avó paterna.
2. A Recorrente impugnará a decisão da matéria de facto, com recurso a prova gravada (declarações de parte e prova testemunhal) e a prova documental, pelo que se especificará os concretos pontos de facto que se consideram incorretamente julgados, a resposta que, no seu entender, lhes deveria ser dada e as concretas passagens em que se funda o seu entendimento. O recurso versará, ainda, sobre matéria de direito.
Da matéria de facto. Impugnação da matéria de facto: concretos pontos incorretamente dados como provados e não provados.
A.1. – Os concretos pontos de facto incorretamente julgados – artigo 640.º, n.º 1, al. a) do CPC
3. Para efeitos de reapreciação da prova produzida, a Recorrente considera incorretamente julgados (por erro, incompletude ou imprecisão) o facto constante do artigo 94.º dos FACTOS PROVADOS e o facto constante da alínea p) dos FACTOS NÃO PROVADOS, cuja reapreciação se requer a este Venerando Tribunal, à luz dos concretos meios probatórios que serão elencados.
4. Deveria, ainda, ser aditado aos factos provados o seguinte ponto: «A CC tem acesso irrestrito e incontrolado às redes sociais, tendo contactado com sujeitos e conteúdos em contexto/envolvência de cariz sexual e/ou pornográfico».
A.2. – Da decisão que deve ser proferida sobre as questões impugnadas – artigo 640.º, n.º 1, alínea c) do CPC – e dos concretos meios probatórios que impõem diversa decisão da recorrida e dos fundamentos da impugnação da matéria de facto:
5. A sentença recorrida deu como provado, no ponto 94.º dos factos provados que: «Não se identificaram comportamentos de alienação face à progenitora, antes, foi percetível abertura para que a menor possa conviver com ambos os pais», quando, na verdade, deveria ter sido dado como provado o seguinte: «Identificaram-se comportamentos de alienação face à progenitora e falta de abertura para que a menor possa conviver com a progenitora».
6. Os concretos meios probatórios que impõem diversa são: (i) o depoimento da testemunha DD (depoimento prestado no dia 19-09-2023 com início às 16:26 e fim às 16:42, com duração de 00:16:12), sendo as concretas passagens de 9min45seg a 10min10seg e 10min13seg a 10min45seg; (ii) a mensagem e o email juntos com as alegações da progenitora como documento n.º 1 e 3 (junta por email em 20.10.2022); (iii) as declarações de parte do progenitor BB (depoimento prestado no dia 19-09-2023 com início às 15:40 e fim às 16:26, com duração de 00:43:00), sendo as concretas passagens de 14min50 a 19min20 da primeira parte do depoimento e de 06min20seg a 07min17seg, 09min55 a 10min54seg e 13min30seg a 15min25seg da segunda parte do depoimento.
7. Deveria, ainda, ser aditado aos factos provados o seguinte ponto: «A CC tem acesso irrestrito e incontrolado às redes sociais, tendo contactado com sujeitos e conteúdos em contexto/envolvência de cariz sexual e/ou pornográfico».
8. Os concretos meios probatórios que impõem diversa são: (i) as declarações de parte da progenitora AA (depoimento prestado no dia 19-09-2023 com início às 14:31 e fim às 15:40, com duração de 01:08:46), sendo as concretas passagens de 06min00seg a 9min25seg, bem como de 10min15seg a 10min54seg, (ii) o depoimento da testemunha EE (depoimento prestado no dia 21-11-2023 com início às 14:52 e fim às 15:51, com duração de 00:59:02), sendo a concreta passagem de 21min32 a 26min30 e, ainda, (iii) os documentos juntos no decurso da audiência de julgamento (ref.ª ...10, de 18 de dezembro de 2023) que apresentam força probatória bastante, quer quanto ao acesso aos sites, quer quanto ao conteúdo das conversações efetuadas pela CC.
9. Quanto aos factos não provados, no ponto p) dos factos não provados da sentença recorrida, julgou-se não provado que: «p) Com a emigração da mãe, o pai não quis assumir a residência da CC», quando, na verdade, tal facto deveria ter sido dado como provado.
10. Para além das evidências que resultam do facto de a menor ter ficado à guarda da avó, através do acordo firmado também entre avó e progenitores, os concretos meios probatórios são (i) as declarações de parte do progenitor BB, em sede de declarações de parte (segunda parte do depoimento prestado no dia 19-09-2023 com início às 16:02 e fim às 16:26, com duração de 00:23:21), expressamente assumiu que a sua pretensão não era levar a filha para a Suíça, mas sim que a menor permanecesse aos cuidados da avó em Portugal, sendo a concreta passagem é de 06min20seg a 07min17seg.
Da matéria de direito
Da atribuição da residência da menor CC a um terceiro não requerente de qualquer providência tutelar cível
11. Poderão intentar quaisquer providências tutelares cíveis os seus guardiões de facto, quer sejam os avós, quer sejam outras pessoas como, por exemplo, madrastas e padrastos sendo que, o que é relevante é a existência de uma guarda de facto por parte de quem requer a regulação das responsabilidades parentais em relação aos menores existindo, por isso, uma relação afetiva relevante.
12. A avó da CC, exercendo de facto e efetivamente as responsabilidades parentais, teria legitimidade para intentar uma ação de regulação das responsabilidades parentais, optando, contudo, por não o fazer.
13. No presente caso, existe uma ação de alteração das responsabilidades parentais proposta pela progenitora e outra ação proposta pelo progenitor, sendo que nunca a avó da CC (nem sequer o Ministério Público) propôs qualquer ação para fixação da residência junto de si.
14. A avó não é parte nesta ação, foi ouvida na qualidade de testemunha, não apresentou alegações nem produziu prova e, contrariamente aos progenitores, nunca foi feita qualquer avaliação das suas condições económicas e de habitabilidade.
15. Salvo devido respeito, que é muito, existindo dois progenitores requerentes da atribuição da residência da criança, a ponderação deve ser feita entre os dois progenitores, sendo certo que o progenitor já deixou bem claro que não pretende a guarda da menor.
16. Portanto, o Tribunal nunca poderia decidir como decidiu, já que a titularidade das responsabilidades parentais radica sempre nos progenitores, no pai e na mãe, desde logo por imposição da garantia constitucional da não privação dos filhos plasmada no n.º 6 do artigo 36.º da CRP, que só cede quando os pais não cumpram os seus deveres fundamentais, o que acontece nos casos de inibição (artigo 1915.º do CC) ou de perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação dos filhos (artigo 1918.º do CC), caso em que os filhos podem ser confiados a terceira pessoa, mormente aos avós, ou a estabelecimento de educação ou assistência, assistindo-lhes o direito de intentarem as respetivas ações tutelares cíveis, caso exerçam efetivamente e no quotidiano o exercício das responsabilidades parentais.
17. Se é certo que é louvável e desejável que as crianças desenvolvam laços de afeto com os avós, já não é recomendável que os avós assumam, desnecessariamente, o papel e a função dos progenitores.
18. É INCONSTITUCIONAL a decisão de confiança de menor a terceira pessoa, mormente a avó, fora dos casos em que os pais não cumpram os seus deveres fundamentais, o que acontece nos casos de inibição (artigo 1915.º do CC) ou de perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação dos filhos (artigo 1918.º do CC), por violação da garantia constitucional da não privação dos filhos plasmada no n.º 6 do artigo 36.º da CRP – o que se argui para os devidos efeitos.
19. Assim, ao decidir como decidiu, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 17.º do RGPTC, artigos 1877.º, 1878.º, 1885.º, 1906.º e 1907.º do Código Civil e artigos 36.º, n.º 6 e artigo 69.º, n.º 1 da CRP.
b.2) Da vontade da menor e a concretização do seu superior interesse
20. Apesar de ter 13 anos, a CC é ainda uma criança, não sendo seguro que possua o discernimento para ajuizar o valor do que expressa, bem como a maturidade suficiente para saber o que é melhor para si.
21. Levar em consideração a opinião expressa pela criança na decisão de questões que lhe dizem respeito, não significa que seja a criança a decidir, ficando o tribunal vinculado a seguir aquilo que a mesma manifesta querer.
22. Por outro lado: os autos evidenciam que a CC está a viver conflitos de lealdade em relação aos seus progenitores e apresenta um discurso confabulatório como mecanismo de resposta ao conflito parental, decifrando o ambiente emocional que o rodeia.
23. Integra o superior interesse da criança o seu desenvolvimento na presença assídua da mãe, com quem mantém com esta uma relação gratificante, demonstrado que está que a mãe tem capacidade para assumir tal papel e função.
24. A CC entrou na fase da adolescência em que se busca identidade e independência, num caminho que, muitas das vezes, se faz através de comportamentos exploratórios e de experimentação, o que denuncia a necessidade de, nesse período, ainda ser alvo de supervisão parental e vigilância ativa.
25. Especialmente uma criança que já experienciou situações perigosas com o uso da tecnologia (telemóvel e computador) através da visualização de filmes pornográficos, participação em sites de encontros e fóruns de sexo, conforme decorre do requerimento da progenitora de 18 de dezembro de 2023.
26. A progenitora afigura-se como alguém capaz de velar pela saúde, educação, segurança e bem-estar da menor, como resulta claro da prova produzida, pelo que a decisão passaria por lhe reconhecer o direito de ter a sua filha e de reconhecer o direito à CC de viver com a sua mãe.
27. A decisão recorrida não acautelou, portanto, o superior interesse da criança, violando o disposto no artigo 1906.º do CC, bem como o artigo 6.º da Declaração dos Direitos da Criança, artigos 5.º, 8.º e 9.º, n.º 1, e 18.º, n.º 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança e artigo 6.º, alínea a), da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos da Criança, artigo 8.º da CEDH, bem o núcleo dos direitos fundamentais consagrado nos artigos 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, da Constituição da República.
b.3) Da demora injustificada da presente ação e o seu reflexo no desfecho dos presentes autos: a omissão de desenvolver esforços adequados e suficientes para fazer respeitar o direito ao respeito da sua vida familiar garantido pelo artigo 8.º da CEDH
28. O facto de a CC ter “agarrado” as suas raízes à avó, ao ponto de a perspetiva de desenraizamento lhe causar sofrimento, apenas à demora injustificada do Tribunal se deve, uma vez que não foi minimamente respeitado o direito desta criança e desta mãe a uma decisão em prazo razoável, previsto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6°, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
29. As crianças têm o direito a serem felizes e a conviverem prazerosamente com ambos os progenitores, bem como a serem poupadas à judicialização das suas vidas.
30. Perante a recusa de entregar a menor à mãe, por parte da avó, a intervenção do Tribunal impunha uma atuação e reposição rápida, a não ser que outros elementos probatórios apontassem para a existência de perigo que sustentasse este afastamento.
31. O direito a uma decisão em prazo razoável tem consagração constitucional no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
32. A demora na tramitação destes autos, por ilícita, que justificou que a menor se estabilizasse e criasse “raízes” junto da avó, nunca poderia servir de fundamento para a improcedência da ação, sob pena de comportar resultados chocantes, perversos e totalmente estranhos ao que é admissível pelo sistema, quer por contrariar a confiança ou aquilo que se podia razoavelmente esperar.
33. De acordo com a jurisprudência do TEDH, o Tribunal tinha o dever de desenvolver esforços adequados e suficientes para fazer respeitar o direito ao respeito da sua vida familiar garantido pelo artigo 8.º da CEDH.
34. Ao decidir como decidiu, a decisão recorrida violou o disposto no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição e no artigo 6.º e 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o que se invoca.
35. Impõe-se, assim, a revogação da decisão recorrida, devendo ser julgada totalmente procedente a ação de alteração das responsabilidades parentais intentada pela progenitora, fixando-se a residência da menor com a mãe, em Inglaterra, nos termos peticionados no requerimento inicial…”.
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O MºPº veio Responder ao recurso interposto pela recorrente, pugnando pela sua improcedência.
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Também o recorrido veio Responder ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir no presente recurso de Apelação são as seguintes:

- A de saber se deve ser alterada a decisão da matéria de facto; 
- Se a decisão proferida, com a manutenção da menor à guarda da avó paterna, não acautelou o Superior Interesse da criança; e
- Se deveria ser a mãe/recorrente a assumir, na íntegra, as responsabilidades parentais relativamente à sua filha menor.
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Foram dados como provados na primeira instância os seguintes factos:
“1. Em ../../2011, nasceu, em ..., CC, filha de BB e de AA.
2. Em ../../2012, em ..., BB e AA contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial.
3. AA e BB viveram em união de facto cerca de cinco anos, em ..., integrando o agregado familiar FF, filho de AA.
4. Depois do nascimento de CC, BB emigrou para a Suíça, com o propósito de melhorar a situação económico-financeira do agregado familiar.
5. Contactava a família regularmente e vinha passar as férias e o aniversário da filha a Portugal.
6. Em ../../2017, no âmbito da acção de divórcio sem consentimento instaurada por BB contra AA, convertido em mútuo consentimento, por sentença homologatória, transitada em julgado, foram reguladas as responsabilidades parentais relativamente à criança, CC, estipulando-se, além do mais, o exercício conjunto das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância, e fixando-se a residência de CC junto da mãe, titular das responsabilidades quanto às questões da vida corrente da filha.
7. Na vertente do direito de visita, estipulou-se que a criança visitaria o pai, livremente, passando com este um mês nas férias em datas a combinar entre os pais.
8. Na vertente dos alimentos fixou-se uma prestação mensal de € 315,00 (trezentos e quinze euros), bem como, a divisão entre os pais, em partes iguais, das despesas de saúde (na parte não comparticipada) e das despesas de educação.
9. Após o divórcio, a requerente, AA, sustentou o agregado familiar apenas com o salário auferido em trabalhos, ocasionais, num Hotel, numa fábrica, num hipermercado, e ainda com o montante da pensão de alimentos da CC.
10. Chegou a dormir, com a filha, dentro de um carro.
11. Em Julho de 2018, estando desempregada e sem perspectivas de trabalho no país, a requerente decidiu emigrar, com o propósito de melhorar a sua situação económico-financeira.
12. Nesse contexto, após conversar com o requerido, decidiu entregar a CC, temporariamente, aos cuidados da avó paterna, que aceitou.
13. Em 30 de Julho de 2018, a requerente, AA, e DD, na qualidade de avó paterna, subscreveram um escrito, devidamente autenticado, intitulado “acordo quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais”, declarando, além do mais, que, a partir do dia 16 de ../../2018 e até final do primeiro ciclo da escolaridade obrigatória, que se previa em Junho de 2021, a CC residiria com a avó paterna, incumbida de zelar pelo seu bem-estar e exercer as responsabilidades parentais quanto aos actos da vida corrente da neta, retomando, após esse período, o regime de regulação das responsabilidades parentais descrito nos pontos 6. a 8.
14. Neste escrito, estipulou-se, ainda, um regime de visita, livre, à mãe, sem prejuízo das actividades escolares, lúdicas e demais rotinas da criança, bem como, convívios nos dias de descanso laborais e nas férias da mãe, em período não superior a um mês, e comunicados com antecedência.
15. Ainda no mesmo âmbito, estipulou-se uma prestação de alimentos, a cargo da mãe, no montante de € 100,00 (cem euros), a satisfazer por depósito/transferência bancária, até ao dia 8 de cada mês.
16. O sobredito acordo visou fixar um regime que permitisse à criança frequentar o primeiro ciclo da escolaridade obrigatória num único país, região e escola, de modo a permitir-lhe alguma estabilidade no seu desenvolvimento e aprendizagem.
17. O requerido não subscreveu o escrito identificado em 13., mas aceitou o acordo ali previsto entre a requerente e a avó paterna.
18. Depois de emigrar, a requerente e o requerido mantiveram contacto e convívio regular com a filha.
19. Existe uma relação afectiva sólida entre mãe-filha e pai-filha.
20. Todos os anos, requerente e requerido passam férias com a CC.
21. Todos os anos, BB festeja o aniversário da filha, em Portugal.
22. A presença do pai na sua festa de aniversário é vivida com alegria por CC.
23. Desde ../../2018 e até ao presente, DD vem cuidando da neta, como se de uma filha se tratasse, nutrindo por ela um amor como o amor de mãe.
24. Desde ../../2018 e até ao presente, foi a avó quem prestou os cuidados básicos à neta, de alimentação, vestuário, higiene, quem a ajudou nas tarefas diárias escolares, a mimou, acarinhou e deu atenção, quem a entregou ou encaminhou para a escola, quem recebeu os amigos e respetivos familiares na sua casa, no sentido de conceder a CC a vida afetiva que merece.
25. Em 2020, a requerente, AA, pretendeu levar a CC para residir consigo em Inglaterra.
26. O requerido, BB, não acordou, nem acorda, que a filha CC resida no estrangeiro com a mãe.
27. Em 9 de Março de 2020, a requerente apresentou queixa contra GG, tia-avó, paterna, da CC, imputando-lhe o facto de, no dia 7 de Março anterior, a ter ofendido física e verbalmente, o que deu origem ao nuipc n.º 216/20.....
28. Em 2020, face à situação pandémica, por COVID-19, a requerente viu-se obrigada a regressar ao país de emigração.
29. No ano lectivo de 2019/2020, a CC frequentou o 3.º ano de escolaridade na ..., em ..., com bom aproveitamento escolar global.
30. Registou, nesse ano, uma melhoria a todas as disciplinas, com relevância para a disciplina de português.
31. Beneficiou de um plano de monitorização da aprendizagem, com apoio individualizado.
32. Foi assídua e pontual.
33. No relatório de avaliação anual desse ano lectivo não se fez menção ao estado do vestuário e/ou higiene.
34. Avó e neta residem no r/c de uma moradia pertencente ao sogro de DD, onde existem dois quartos, cozinha, sala e casa-de-banho.
35. No piso superior da moradia, reside o agregado familiar do tio paterno e padrinho de CC, HH, composto, além do próprio, pela esposa, II.
36. CC apresenta-se com um aspeto cuidado, idêntico ao das crianças da sua idade, e revela uma aparência congruente com a idade biológica.
37. Apresenta uma atitude colaborante e simpática.
38. Tenta agradar e esforça-se, com visível ansiedade, por dar respostas neutras que não evidenciem qualquer inclinação pela posição defendida por cada um dos pais.
39. É evidente o receio ou medo de desiludir os pais.
40. Apresenta normal capacidade para compreender as questões que lhe são colocadas, revelando um desenvolvimento global normativo compatível com a sua faixa etária.
41. O seu pensamento é coerente e lógico.
42. Em Abril e Maio de 2021, em sede de avaliação pericial, revelou-se colaborante, mais aberta no primeiro momento do que no segundo.
43. Nesse contexto, declarou querer ir para a Suíça viver com o pai, que lá “tem uma mulher e um bébé”, representando-os, em interacção positiva, no seu desenho da família.
44. Na mesma sede, descreveu a mãe como uma figura exigente que exerce pressão “está sempre a meter-me coisas na cabeça… quer que eu compreenda tudo… pensa que eu já sou adulta… não dá espaço…, depois põe-se a falar mal do pai e eu não gosto… (sic).”
45. Revelou, ainda, gostar de viver em casa da avó.
46. Sobre a disponibilidade que cada um dos progenitores tem para si, a CC identificou uma maior disponibilidade da parte do pai (“o pai leva-me a conhecer coisas novas e a sair, com a mãe ela fica sempre a tratar de coisas no computador…” (sic).
47. O pai e a avó são percebidos como figuras mais próximas.
48. O pai é percebido como uma figura mais segura, compreensiva e tolerante.
49. A mãe é percebida como figura mais insegura, distante e controladora, esperando que a filha se comporte de acordo com o seu desejo.
50. A CC reconhece à mãe, ao pai e à avó manifestações físicas e verbais de amor, não duvidando do seu afecto.
51. Não apresentava, à data, sintomas de depressão clinicamente significativa, mas evidenciou sentimentos de ineficácia, aparentemente relacionados com a vertente escolar e de desempenho e a capacidade de interação e resolução de conflitos entre o grupo de pares.
52. Não identificou desejos para futuro, que foram avaliados como comportamento de defesa para não se expor, evitando não ir de encontro àquilo que os outros significativos esperam de si.
53. À data, segundo os dados observados, o Sr. perito concluiu não ser benéfico para a CC a mudança para Inglaterra, uma vez que a criança manifestou alguma pressão por parte da figura materna, que poderá por em causa o seu bem-estar.
54. Concluiu-se que o impacto da mudança para o agregado familiar do pai não traria tantos riscos, uma vez que a menor demonstrava motivação para viver junto do pai e do irmão. Salientou-se que, estando junto do pai, a CC teria o acesso à avó mais facilitado e que, sendo esta uma figura de segurança e de suporte importante, deve ser tido em conta.
55. Também se concluiu que a CC se revelou bem integrada no agregado familiar da avó paterna, descrevendo o relacionamento entre ambas de modo positivo, reconhecendo em DD segurança e suporte emocional.
56. Frequenta, actualmente, o 7º ano, na EB 2+3 de ....
57. Quando não está em aulas frequenta o centro de estudos.
58. A sua disciplina preferida são as artes, com destaque para o desenho.
59. Estuda línguas, espanhol e inglês, que gosta.
60. Não gosta de matemática.
61. Gosta muito da escola, onde tem muitos amigos, que considera que são a sua segunda família, porque “…sabe que pode contar com eles”.
62. Declarou que não gostaria de mudar nada na sua vida.
63. Sente-se muito apegada à avó e não quer separar-se dela, nem dos seus amigos.
64. Revela visível desconforto com a pendência dos presentes autos e com a discussão da questão da sua residência.
65. Gosta de se vestir de acordo com o seu gosto pessoal e sente-se desconfortável com as críticas da mãe sobre o seu vestuário (“isso é muito justo, isso é muito curto”).
66. Gosta, visivelmente, dos convívios com os pais e de ir à Suíça e à Inglaterra, mas não “para viver”.
67. A CC não fala alemão.
68. É em Portugal que considera ter a sua família, a sua casa e os seus amigos, de quem não se que separar.
69. JJ apresenta-se com aspeto cuidado e aparência congruente com a idade real.
70. A sua atitude é colaborante.
71. Em Abril e Maio de 2021, em sede de avaliação pericial, demonstrou ansiedade face ao seu objecto.
72. Revela-se capaz de compreender as questões sem dificuldades.
73. Descreve a neta como uma criança “fácil” de lidar, “obediente, que “não dá problemas…” (sic).
74. Não revelou sintomatologia que possa evidenciar alterações psicopatológicas ou perturbação de personalidade.
75. Ao nível das práticas educativas, evidenciou ser capaz de usar práticas positivas e adequadas ao bom desenvolvimento da CC, descrevendo um conjunto de práticas parentais que envolvem atenção e acompanhamento das atividades e do dia a dia da criança, evidenciando demonstrações de afeto e carinho em momentos de maior necessidade da criança.
76. Demonstrou ser competente para transmitir valores, como honestidade, generosidade e senso de justiça aos filhos, auxiliando a menor na discriminação do certo e do errado por meio de modelos positivos, dentro de uma relação de afeto.
77. Não se detetaram práticas educativas negativas, como a negligência ou a punição inconsciente, nem se identificaram indícios de significativo stress parental, na relação com a neta.
78. BB revela ter conhecimento do percurso escolar da filha, dos seus interesses, gostos e dificuldades (“a CC tem boas notas, mas desleixa-se um bocado… é preciso andar em cima dela e, às vezes, a minha mãe também não me conta tudo…, mas eu estou sempre a perguntar” (sic).
79. Descreve o gosto que a filha tem pelas artes plásticas, cantar e dançar (“agora está naquela fase da roupa...é normal” (sic).
80. Identifica como principal necessidade da menor, o afeto e a segurança que os pais lhe podem transmitir (“quando está com os pais ela tem que sentir segurança, como quando está com a avó… é isso que ela precisa” (sic).
81. O pai tem uma perceção realista e compreensiva face aos interesses da filha (“quando a CC está comigo, a seguir diz que quer ir viver comigo… foi o que aconteceu depois de estar lá de férias…é normal, e quando está com a mãe é igual, ela é muito influenciável e quer agradar ao pai e à mãe…, mas depois já disse que quer viver cá… e quer que os pais venham para cá…” (sic).
82. BB nasceu e cresceu no agregado familiar natural, composto pelos pais e por um irmão mais novo.
83. O seu pai emigrou para ..., sendo a mãe a principal figura de suporte dos filhos.
84. Após concluir o 9.º ano, fez um curso profissional de medidor orçamentista, com o propósito de seguir uma licenciatura em engenharia, o que não se veio a concretizar.
85. Começou a trabalhar com 18 anos de idade.
86. Revela estabilidade emocional, capacidade de adaptação, com abertura à mudança, e maturidade.
87. Demonstra capacidade de autocontrolo, em situações de maior tensão.
88. Não há evidência de perturbação emocional, nem factores de stress na relação com a filha.
89. Revelou à vontade no papel de pai e capacidade de lidar com as exigências colocadas na educação da criança.
90. Identifica práticas positivas na educação da filha, valorizando uma parentalidade positiva, com atenção ao dia-a-dia da filha e capacidade de impor regras sempre que necessário.
91. Não são percetíveis sinais do recurso a quaisquer práticas educativas negativas, como a negligência, a punição ou abuso físico.
92. Não evidencia sinais de um comportamento ajustado ao socialmente desejável, tendo em vista a aprovação social.
93. Tem uma percepção positiva do suporte social, relativamente à família (percebida como base orientadora e garante de estabilidade), mas também relativamente às relações de amizade, intimidade e actividades sociais.
94. Não se identificaram comportamentos de alienação face à progenitora, antes, foi percetível abertura para que a menor possa conviver com ambos os pais.
95. Manifestou vontade de que a filha se mantenha com a avó materna, até que seja possível o seu regresso a Portugal, num futuro próximo, revelando insegurança face à possibilidade da menor não se adaptar a um novo país e a todas as mudanças inerentes, demonstrando compreender o impacto do litígio no bem-estar psicológico e emocional da CC e de forma este poderá comprometer o equilíbrio emocional da filha.
96. BB vive na Suíça desde 2012.
97. Actualmente, reside em ... com a sua esposa, KK, de nacionalidade ..., e o filho de ambos, LL.
98. Em Março de 2012, BB iniciou trabalho, a tempo inteiro, como ajudante de padeiro, na ..., em ....
99. Hoje, trabalha, no mesmo local, como padeiro.
100. Em regra, inicia o trabalho entre a uma e as duas horas e termina pelo meio-dia.
101. Aufere, mensalmente, a título de retribuição, a quantia de FR. 3.800,00, ilíquida.
102. KK trabalha na ..., como confeiteira, a tempo parcial, no período da tarde.
103. Aufere, mensalmente, a título de retribuição, a quantia de FR. 2.400,00, ilíquida.
104. O casal contraiu matrimónio na Primavera de 2020.
105. Em ../../2020, nasceu LL, o filho de ambos.
106. A língua falada em casa é o inglês.
107. BB e KK falam, respectivamente, português e alemão com LL.
108. O casal divide os cuidados a prestar ao filho.
109. Suportam uma renda, para habitação, no montante de Fr 1.360,00 e a quantia de FR. 129,80, para suportar imposto de circulação e seguros.
110. O casal mantém contacto com conhecidos e amigos de diferentes nacionalidades.
111. Revelam-se unidos na sua postura enquanto pais, impondo o respeito pelos compromissos e regras, dando prioridade ao diálogo e ao tempo dedicado à vida familiar.
112. Vivem num apartamento arrendado num bloco de apartamentos, dos anos 80.
113. O apartamento tem 2 quartos, uma cozinha com uma mesa de jantar dobrada com espaço para 3 pessoas, uma sala de estar e uma casa de banho.
114. O apartamento possui uma varanda em 2 lados da casa de frente para a rua.
115. A sala de estar e o quarto principal dão acesso à varanda.
116. Está mobilado e decorado com objectos pessoais como fotografias, lembranças, DVDs e brinquedos para crianças, bem como, foram colocadas plantas verdes que criam um ambiente acolhedor e agradável.
117. É um espaço luminoso, arrumado e limpo.
118. O apartamento fica a cerca de 200 m de distância da ....
119. Para além do jardim de infância, a aldeia tem uma escola primária e uma escola secundária.
120. A escola fica a cerca de 400 m da casa da família.
121. O Consulado Português, em ..., que dista cerca de 11 kms de ..., ministra um curso de alemão.
122. Existem, em ..., outras actividades desportivas e/ou de lazer, como o esqui ou os escuteiros.
123. BB declara ter a pretensão regressar com a sua família a Portugal, e, eventualmente, a ..., e restabelecer-se no seu país de origem, no prazo máximo de dois/três anos.
124. AA cresceu integrada numa instituição de acolhimento.
125. Apresenta estabilidade emocional, atenção às normas, segurança, empreendedorismo e despreocupação.
126. Revela ausência de perturbação emocional com gravidade clinicamente significativa.
127. Revela à vontade enquanto mãe e capacidade de lidar com as exigências colocadas na educação da criança, reconhecendo em si própria elevada competência para o papel de mãe.
128. Revelou conhecer práticas educativas positivas, assentes sobretudo na monitorização positiva dos comportamentos da criança.
129. Não se identificou o recurso a práticas educativas negativas, como a negligência ou a punição ou abuso físico.
130. Revela alguma tendência a responder e comportar-se de modo considerado socialmente desejável, tendo em vista a aprovação social.
131. Tem uma perceção de maior suporte social nas dimensões de amizade, intimidade e actividades sociais, demonstrando fraca satisfação com o suporte familiar.
132. Não se identificaram sinais de perturbação psicológica grave, ou características de personalidade que possam condicionar a relação com a filha.
133. AA habita, com o companheiro, num apartamento grande de um quarto, mobilado e decorado.
134. O alojamento está localizado no centro da cidade ..., rodeado de infra-estruturas e equipamentos necessários às rotinas do dia-a-dia, como rede de transportes e centros de lazer.
135. O companheiro da requerente habita no sobredito espaço há mais de oito anos, sem registo de incumprimento ou incidentes.
136. Actualmente, a requerente trabalha, a tempo parcial, na hotelaria, e estuda criminologia na Universidade.
137. O companheiro trabalha a partir de casa, por conta própria.
138. Revelou-se disponível para cuidar a CC, inclusive, transportá-la para a escola, quando a mãe esteja a trabalhar ou a estudar.
139. Existem, em ..., três escolas secundárias a cerca de um quilómetro e meio da morada da AA, classificadas como boas ou excelentes.
140. O casal apresenta-se como unido e comprometido em cuidar de CC sempre que estiver no Reino Unido e sob seus cuidados, revelando à vontade com os custos da sua educação e cuidados.
141. São empenhados nas suas carreiras, modelo que pretendem transmitir à CC.

Com relevo para a decisão da causa, não se provou que:

A) Em Julho de 2018, a requerente recebeu uma proposta de trabalho, a qual lhe concedia excelentes condições económicas e profissionais no país de emigração, pelo que, decidiu emigrar.
B) É vontade da CC passar a residir com a mãe, em Inglaterra.
C) O contacto do pai com a CC é nulo.
D) O pai demonstra total desinteresse pelo crescimento e acompanhamento da menor.
E) O pai não contacta nem conversa com a requerente, recusando-se a falar sobre a filha ou sobre qualquer outro assunto.
F) Quando o requerente emigrou para a Suíça em março de 2012, foi com a promessa de passados seis meses levar a sua família.
G) O projeto de levar a família para morar na Suíça acabou com a descoberta de traição e violência física exercida sobre a requerida.
H) Tais factos deixavam a requerida muito angustiada pois estava sozinha em Portugal com seus filhos e sem contar com a ajuda financeira e emocional do Requerente.
I) Em consequência, a requerida chegou a passar fome em meados de 2016.
J) O requerente recusou-se a emprestar € 200,00 mensais para a requerida continuar do lado da sua filha.
K) O montante da pensão de alimentos pagava apenas o ATL da CC para a Requerida conseguir trabalhar.
L) O requerente não deixava a requerida trabalhar.
M) A requerida descobriu que sua filha era vítima de bullying na escola.
N) A docente berrava, batia nos discentes, ofendia, castigava e arremessava objetos.
O) Por isso, a CC chegava atrasada à escola.
P) Com a emigração da mãe, o pai não quis assumir a residência da CC.
Q) A CC tem um quarto pronto em casa da mãe em Inglaterra.
R) O requerente e a esposa trabalham, ambos, no mesmo horário nocturno.
S) Mesmo antes da requerente emigrar, era a avó que ia todos os dias buscar a CC à escola, tratando de a ajudar a terminar os trabalhos escolares, e era na sua casa que jantava e tomava banho.
T) O acordo de regulação das responsabilidades parentais id. em 6. só foi aceite pelo requerente com a condição da requerida viver em Portugal, onde a menor poderia ser apoiada pela avó paterna.
U) Segundo o plano do casal, o requerente ficaria a residir durante três anos no máximo na Suíça, arrecadando as quantias necessárias para si e para a sua família e depois regressar a Portugal.
V) A requerida jamais permitiu que a CC se deslocasse a ... para conhecer a cidade e adaptar-se ao seu ritmo.
W) Num período em que se encontrava a viver com a prima, na cidade ..., e em que a menor estava a seu cuidado, a requerida protagonizou episódios de violência com essa mesma prima, na presença da menor e do seu filho mais velho, também ele menor, que terminou com a intervenção das autoridades policiais e com a expulsão de casa da progenitora requerida, da menor e do seu filho mais velho.
X) A requerida, por meio de mensagens escritas e de áudio, destabiliza a filha, dizendo-lhe que está muito triste com a mesma, enviando-lhe mensagens de áudio a chorar de modo a que a menor se sinta culpada por esta não ter atendido as chamadas da requerida.
Y) Nesse sentido, a requerida já manifestou a sua vontade de acabar com a própria vida.
Z) A requerida apresenta problemas de saúde que limitam o seu quotidiano, tendo de permanecer deitada numa cama durante logos períodos de tempo.
AA) A situação supra descrita foi invocada pela própria requerida para justificar faltas da menor à escola, no período em que se encontrava a viver com a mãe.”
*
I- Da Impugnação da Matéria de facto:

Insurge-se a recorrente contra a decisão da matéria de facto, desde logo contra o facto provado constante do artigo 94.º, aduzindo que a prova produzida, que indica, deveria levar à prova do mesmo, com a redação que propõe.
Efetivamente, deu-se como provado, no ponto 94.º, que «Não se identificaram comportamentos de alienação face à progenitora, antes foi percetível abertura para que a menor possa conviver com ambos os pais», pretendendo a recorrente que seja dado como provado o oposto, ou seja, que «Identificaram-se comportamentos de alienação face à progenitora, e falta de abertura para que a menor possa conviver com a progenitora», convocando para o efeito o depoimento da testemunha DD; a mensagem e o email juntos com as alegações da progenitora como documento n.º 1 e 3 (junta por email em 20.10.2022); e as declarações de parte do progenitor BB.
Mas sem razão, como é bom de ver, dada a natureza da matéria pretendida inserir pela recorrente naquele ponto 94º – matéria conclusiva, insuscetível de ser levada à matéria de facto.
Efetivamente, analisada a pretensão da recorrente (a redação proposta para o artigo impugnado), não vemos ali mencionados os concretos comportamentos (do pai e da avó paterna) que pudessem ser tidos como de “alienação” ou de afastamento da figura materna, assim como de “falta de abertura” para que a menor possa conviver com a progenitora, sendo certo que só a identificação precisa desses comportamentos poderia levar a concluir-se (a final, em sede de integração dos factos aos institutos jurídicos aplicáveis), se tais comportamentos eram ou não de molde a concluir-se pela intenção (malévola) do pai e da avó paterna de afastar a mãe da criança.
Como tem sido defendido na doutrina mais avalizada na matéria, o fenómeno de “alienação parental” não é um fenómeno cientificamente comprovado, sendo apenas caraterizado como um padrão de comportamento adotado por um dos progenitores com intenção de destruir a relação da criança com o outro progenitor (Clara Sottomayor “Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio”, 7.ª ed., pág. 233).
Num sentido mais técnico, a alienação parental tem sido definida como “…um distúrbio caracterizado pelo conjunto de sintomas resultantes do processo pelo qual um progenitor transforma a consciência dos seus filhos, mediante diferentes estratégias, com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir os seus vínculos com o outro progenitor, até a tornar contraditória em relação ao que devia esperar-se da sua condição”.
Subjacente ao fenómeno de “alienação parental”, estão assim comportamentos concretos, padronizados, que podem constituir mesmo distúrbios de comportamento, que devem ser analisados e contextualizados, para se poder deles retirar que se está perante um caso de “alienação parental”.
Significa isso que haveria de ser alegado e provado pela requerente - como um facto essencial, constitutivo do direito por si invocado (art.º 5º nº1 do CPC, e 342º nº1 do CC) -, que quer o pai, quer a avó paterna, adotaram determinados comportamentos perante a menor, descrevendo-os, suscetíveis de levar à situação da referida alienação parental de que se fala no art.º 94º - cuja redação não deveria sequer constar da matéria de facto.
Como se extrai do nº 3 art.º 607º do CPC, quanto aos fundamentos da sentença, “deve o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”, acrescentando o nº 4, que “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (…); o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida, e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. Acrescenta depois o nº 5 que “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Ou seja, na elaboração da sentença, na parte relacionada com a descrição da matéria de facto, o juiz deve cingir-se a factos – realidades concretas da vida –, e não a matéria de direito, nem a conclusões, quer de facto, quer de direito, que devem apenas ser atendidos na parte adequada da elaboração da sentença, que é a da subsunção jurídica dos factos às normas legais e aos institutos jurídicos aplicáveis.
Ora, mesmo sabendo que a destrinça entre facto e direito (ou entre facto e conclusão, quer de facto, quer de direito) não é fácil, ela torna-se necessária em termos de alegação e ónus da prova, uma vez que às partes apenas cabe alegar e provar os factos (art.º 5º nº1 do CPC e 342º do CC), cabendo ao juiz indagar, interpretar e aplicar as regras de direito a partir desses factos (art.º 5º nº 3 e 607º nºs 3 e 4 do CPC), com a particularidade que não pode o juiz substituir-se às partes na alegação de factos essenciais, mas já não está vinculado à interpretação e integração desses factos ao direito que considera ser o aplicável.
Por isso se justifica, antes de se entrar na impugnação da matéria de facto, apurar a natureza da matéria impugnada, e a que o recorrente pretende incluir na matéria de facto, pois caso a pretensão do recorrente tenha por objeto matéria conclusiva ou com significação jurídica, tal matéria, a ser ali incluída, ter-se-ia por “não escrita”, sem qualquer relevância jurídica.
Isto no entendimento, cremos que pacífico, de que embora o atual CPC não contenha norma correspondente à inserida no art.º 646º, n.º 4, 1.ª parte, do anterior CPC (de considerar não escrita essa matéria), chega-se à mesma conclusão interpretando a contrario sensu o atual art.º 607.º, n.º 3 e 4, já acima referido, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o juiz declara apenas quais os “factos” que julga provados e quais (“os factos”) que julga não provados (ver, entre outros, os Acs. do STJ de 9/9/2014, de 14/1/2015, e de 29/4/2015, todos disponíveis em www.dgsi.pt.) – sendo “desconsiderado” ou “ignorado” tudo o que extravase os meros factos.
Donde a conclusão de que, a eventual inclusão na matéria de facto provada da matéria sugerida pela recorrente - que «Identificaram-se comportamentos de alienação face à progenitora e falta de abertura para que a menor possa conviver com a progenitora», - ainda que fosse procedente a sua pretensão, sempre se revelaria irrelevante, dado que tal matéria nunca poderia ser valorada pelo tribunal, em termos de subsunção da mesma às normas jurídicas convocadas para a solução do pleito.
Cairíamos por outro lado, caso levássemos a cabo a apreciação de tal matéria, na prática de atos inúteis que a lei proíbe expressamente (art.º 130º do CPC).
*
Ainda assim, não podemos deixar de referir que resulta sobejamente da matéria de facto provada – que a recorrente não põe em causa, de resto -, que não existe qualquer problema de “alienação parental” na relação entre mãe e filha, com quem esta passa férias, com quem contacta com frequência, e na presença de quem se sente bem quando estão juntas.
Por isso, adicionalmente, a alienação parental invocada pela apelante não tem qualquer respaldo na factualidade provada (cf. factos provados 19.º, 20.º, 50.º e 66.º): “19. Existe uma relação afectiva sólida entre mãe-filha…; 20. Todos os anos, requerente e requerido passam férias com a CC; 50. A CC reconhece à mãe, ao pai e à avó manifestações físicas e verbais de amor, não duvidando do seu afecto; 66. Gosta, visivelmente, dos convívios com os pais e de ir à Suíça e à Inglaterra…”
Por outro lado, não consideramos que das declarações prestadas em audiência pelo progenitor, resulte qualquer relutância em promover relações pessoais da filha com a mãe. Antes pelo contrário, quando questionado, em sede de audiência, se a recorrente era uma boa mãe, afirmou que sim (declarações de parte do progenitor ao minuto 15:30h até 15:40h). Resulta também da perícia psicológica realizada em 24-07-2022, que “BB (…) considera que AA gosta da filha e é “uma boa mãe…”, constando ainda das conclusões da mesma perícia, que “Não se identificaram comportamentos de alienação face à progenitora, antes, foi percetível abertura para que a menor possa conviver com ambos os pais”.
Improcede, assim, nesta parte, a pretensão da recorrente.
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Discorda também a recorrente da decisão da matéria de facto quanto à alínea p) dos Factos não provados, pugnando pela sua inclusão na matéria de facto provada, convocando para o efeito as declarações do progenitor BB, em sede de declarações de parte.
Analisada, no entanto, a redação daquele facto – “Com a emigração da mãe, o pai não quis assumir a residência da CC” -, o mesmo afigura-se-nos irrelevante em termos de solução jurídica da questão colocada.
Efetivamente, o comportamento do pai da menor é irrelevante face à decisão proferida, de confiar a guarda da menor à avó paterna (ainda que provisoriamente), com a improcedência do pedido também por ele formulado, de que a filha lhe fosse confiada. Ou seja, tal factualidade poderia assumir alguma relevância, caso a criança fosse entregue ao pai, cujo comportamento no passado não terá sido o mais adequado, segundo a recorrente.
Decidida a situação da menor em desfavor de ambos os progenitores, com a continuação da sua guarda a cargo da avó paterna, não vemos qualquer utilidade em dar como provado o facto impugnado. 
Ademais, trata-se de um facto que terá ocorrido em 2018, num período temporal muito distante, e num contexto familiar muito diferente do atual, o que, mesmo a ser procedente tal facto, sempre se apresentaria o mesmo desatualizado.
Consabidamente, os processos tutelares cíveis regem-se, entre outros, pelo princípio da atualidade (cf. art.º 4, al. e) da LPCJP por remissão do art.º 4.º, n.º 1, do RGPTC), pelo que uma decisão em matéria tutelar cível deve acautelar o superior interesse da criança no momento em que é preferida.
Daí que, a apreciação daquela matéria de facto por este tribunal, redundaria numa atividade judicial despicienda e de todo irrelevante.
Efetivamente, tem sido pacífico o entendimento jurisprudencial, de que em obediência ao princípio da limitação dos atos (porque não é lícito realizarem-se no processo atos inúteis - art.º 130º do CPC), também em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, os concretos pontos de facto impugnados hão-de poder contribuir para a boa decisão da causa - segundo as diversas soluções plausíveis das várias questões de direito suscitadas. Ou seja, a solicitada modificação da matéria de facto há-de minimamente relevar para a pretendida alteração do julgado.
Não se antevendo tal alteração, não haverá necessidade de proceder a uma atividade desnecessária, e, consequentemente, apreciar a matéria de facto impugnada - mesmo que ao tribunal de recurso incumba também apreciar todas as questões que lhe sejam colocadas pelos recorrentes (art.º 608º, nº2 e 663º, nº2, ambos do CPC).
Dito de outro modo, as questões fáticas suscitadas devem estar numa relação direta com aquilo que se pretende obter com o provimento do recurso; tudo o que seja espúrio e desnecessário ao efeito pretendido não pode, nem deve, ser apreciado (cf., entre outros, o Ac. RL, de 14/3/2013; e os Acs. da RP de 17/3/2014 e de 19/5/2014, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
À luz da posição defendida, e sendo, portanto, exigível que subjacente a uma qualquer impugnação da decisão de facto esteja sempre a viabilidade e a pertinência de a pretendida modificação da decisão de facto poder contribuir com relevância para a alteração do julgado, a verdade é que, como acima se deixou dito, no tocante ao ponto de facto ora em sindicância – relacionado com o comportamento do pai da criança no ano de 2018 -, não se descortina que a alteração preconizada pela recorrente tenha qualquer relevância para o desfecho da ação, sendo a mesma de todo irrelevante para a modificação do julgado.
Assim sendo, por se revelar manifestamente inútil, não se toma conhecimento do ponto da matéria de facto ora impugnada pela recorrente.
*
E o mesmo se passa com a pretensão da recorrente, de que deveria ainda ser aditado aos factos provados o seguinte ponto: «A CC tem acesso irrestrito e incontrolado às redes sociais, tendo contactado com sujeitos e conteúdos em contexto/envolvência de cariz sexual e/ou pornográfico».
A pretensão da apelante tem por base documentos por ela juntos os autos já em fase de julgamento, que traduzem conteúdos de cariz sexual e pornográfico, extraídos do telemóvel da menor, quando esta se encontrava no gozo de férias consigo em Inglaterra, documentos esses corroborados pelo depoimento da progenitora, que referiu ao tribunal, que ao fiscalizar o telemóvel da filha no final das férias de Verão do ano de 2023, terá encontrado as referidas mensagens com conteúdos sexualizados.
Assim sendo, a ser aditado tal facto à matéria de facto provada, deveria o mesmo ser contextualizado temporalmente, dele constando que tal realidade ocorreu quando a menor se encontrava de férias com a mãe – única realidade apurada.
Ainda assim, consideramos que tal factualidade, mesmo aditada à matéria de facto, não tem a virtualidade de alterar a decisão proferida, perante toda a matéria de facto dada como provada – e que a recorrente não questiona –, relacionada com as competências da avó paterna em termos de educação e supervisão da menor.
Atente-se no que ficou provado, além do mais, nos seguintes pontos:“75.Ao nível das práticas educativas (DD) evidenciou ser capaz de usar práticas positivas e adequadas ao bom desenvolvimento da CC, descrevendo um conjunto de práticas parentais que envolvem atenção e acompanhamento das atividades e do dia a dia da criança, evidenciando demonstrações de afeto e carinho em momentos de maior necessidade da criança”; “76. Demonstrou ser competente para transmitir valores, como honestidade, generosidade e senso de justiça aos filhos, auxiliando a menor na discriminação do certo e do errado por meio de modelos positivos, dentro de uma relação de afeto”; “77. Não se detetaram práticas educativas negativas, como a negligência ou a punição inconsciente, nem se identificaram indícios de significativo stress parental, na relação com a neta”.
Diremos, adicionalmente, que esta problemática, omitida embora na descrição da matéria de facto, não passou despercebida à Sra. Juíza titular do processo, que se referiu a ela, magistralmente, diga-se, do seguinte modo:
“No que respeita à falta de acompanhamento/supervisão e à falta de controle do acesso da criança às redes sociais, além das declarações de AA e dos depoimentos das testemunhas, EE e MM, donde resulta que CC terá acesso irrestrito e incontrolado às redes sociais (…), tendo, inclusive, contactado com sujeitos e conteúdos em contexto/envolvência de cariz sexual e/ou pornográfico, o Tribunal teve conhecimento, por ter sido junto aos autos no decurso da audiência de julgamento (…), do extracto de conversações e do histórico extraído do telefone da criança, entre o início de Agosto de 2023 até ../../2023 (…). Conforme do documento objectivamente resulta, trata-se, por um lado, de conversações num chat (de uma rede social, eventualmente, a denominada “...”, disponível na app store), ao qual a CC acedeu em Agosto de 2023, identificando-se como “NN”. Por outro lado, revela o acesso a alguns sites pornográficos, a diversas horas do dia.
No que às mensagens diz respeito, verifica-se do extracto junto, de 30 de Agosto de 2023 a 2 de Setembro de 2023, que, só nesses três dias, a CC trocou sucessivas mensagens ao longo de todo o dia e da noite (…). O teor das mensagens é, em parte, de cariz sexualizado/sexual.
Por conseguinte, dúvidas não subsistem de que CC teve, efectivamente, acesso irrestrito às redes sociais. Nos dias 01/09 e 02/09, esteve horas a fio em troca de mensagens, algumas de teor sexual, revelando-se num contexto impróprio para a sua idade e/ou maturidade.
Donde, assiste razão à requerente para estar profundamente preocupada com a filha; sobretudo, porquanto o acesso em questão ocorreu quando revelam os autos que CC estava em período de férias, entregue aos cuidados e vigilância da mãe, que não logrou evitar o sucedido. Do extracto junto até resulta que CC esteve sem qualquer vigilância ou supervisão, horas a fio, durante o dia.
Nessa medida, a conclusão a extrair não será, como, eventualmente, pretende a requerente, suportada nos depoimentos do filho, de EE e de MM, no sentido de que só entregue aos seus cuidados, graças ao seu insight e comportamento proactivo, a filha estará protegida destas realidades, contrariamente ao que se passa com a avó que não tem capacidade de conter a CC e protegê-la de alguns perigos no acesso às redes.
Claramente, a CC acedeu, e acedeu maciçamente, às redes aos cuidados da mãe. Até se admite, por ser bem plausível, que aquelas não fossem as primeiras vezes e que CC já o tivesse feito sob os cuidados e supervisão da avó.
O que se pretende dizer é que, por se tratar de uma pré-adolescente que, como todos os outros, desafia, diariamente, os limites, testando/infringindo as regras como parte do seu desenvolvimento, nenhum cuidador está acima deste desafio por mais limites que implemente.
Todos aqueles que são responsáveis pela CC devem colaborar e unir-se em sua protecção, ao invés de passarem à criança uma mensagem de desunião em torno daquilo que lhe é essencial. Devem mostrar-lhe que estão unidos por ela, que não está sozinha e que, por mais tentadores que sejam os perigos que a rodeiam, existe uma família sólida, amorosa, que a ampara para não cair. Não uma família que aproveita os momentos de falha de cada um para se apontar o dedo acusatório em prol dos seus interesses egoístas e não dos interesses da CC…”.
Só podemos concluir daqui que, se a realidade abordada (tão abundantemente) não foi levada à matéria de facto, é porque a mesma se revelou desnecessária ou irrelevante, incapaz de suplantar toda a restante matéria de facto dada como provada.
Aliás, como se disse, a ser levada tal matéria de facto ao elenco dos factos provados, ela deveria ser temporalmente contextualizada – num período temporal em que a supervisão cabia à mãe -, o que não traria qualquer benefício, em termos de decisão final, à recorrente, já que seria sempre de questionar a sua atuação em termos de vigilância e supervisão da menor quando a mesma se encontrava ao seu cuidado.
Improcede assim, também neste ponto, a pretensão da recorrente, com o que se conclui que a matéria de facto fixada na primeira instância não merce censura, sendo à luz da mesma que se apreciarão as demais questões colocadas.
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III- Da atribuição da residência da menor à avó paterna:

Insurge-se também a recorrente contra a decisão proferida, alegando que a avó da menor, exercendo de facto e efetivamente as responsabilidades parentais, não é parte na ação; que existindo dois progenitores requerentes da atribuição da residência da criança, a ponderação deve ser feita entre os dois progenitores, sendo certo que o progenitor já deixou bem claro que não pretende a guarda da menor.
Mas também aqui sem razão.

Analisada a tramitação dos autos, o que verificamos efetivamente é o seguinte:
- Em ../../2017, no âmbito da ação de divórcio dos progenitores, por sentença homologatória, transitada em julgado, foram reguladas as responsabilidades parentais relativamente à criança, estipulando-se, além do mais, o exercício conjunto das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância, e fixando-se a residência de CC junto da mãe, titular das responsabilidades quanto às questões da vida corrente da filha.
- Em 30 de Julho de 2018, a requerente e DD, na qualidade de avó paterna, subscreveram um escrito, devidamente autenticado, intitulado “acordo quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais”, declarando, além do mais, que, a partir do dia 16 de ../../2018, e até final do primeiro ciclo da escolaridade obrigatória, que se previa em Junho de 2021, a CC residiria com a avó paterna, incumbida de zelar pelo seu bem-estar e exercer as responsabilidades parentais quanto aos atos da vida corrente da neta, retomando a mãe, após esse período, o regime de regulação das responsabilidades parentais.
- O sobredito acordo visou fixar um regime que permitisse à criança frequentar o primeiro ciclo da escolaridade obrigatória num único país, região e escola, de modo a permitir-lhe alguma estabilidade no seu desenvolvimento e aprendizagem.
- O requerido não subscreveu o escrito identificado em 13., mas aceitou o acordo ali previsto entre a requerente e a avó paterna.
- Em 2020, a requerente pretendeu levar a CC para residir consigo em Inglaterra.
- Em 5 de maio de 2020, a requerente instaurou contra o pai da criança a presente ação de Alteração das Responsabilidades Parentais da filha de ambos, pedindo que se alterasse a residência da criança – entretanto a viver com a avó paterna -, fixando-se a mesma com a requerente, no Reino Unido.
- O requerido contestou a ação.
- Realizou-se uma Conferência de pais, para a qual foram convocados os pais, a avó paterna e a criança.
- Nessa Conferência de pais (de 12 de agosto de 2020) fixou-se um regime provisório, estabelecendo-se a residência da menor junto da avó paterna, com regime de convívios/contactos aos pais, e fixação de pensão de alimentos a cargo daqueles.
- E na decisão final destes autos, consta do seu “Dispositivo” o seguinte: “Nestes termos, julgam-se improcedentes os pedidos (apenso B e C) de alteração do regime de responsabilidades parentais instauradas pelos pais, na vertente da residência da criança, mantendo-se, por ora, o regime provisório fixado nos autos”.
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Ora, o que vemos da análise dos autos é que a avó paterna da menor sempre foi uma protagonista de relevo na presente ação, não só por ter sido interveniente no acordo de regulação das responsabilidades parentais celebrado com a requerente em 30.7.2028, e com a concordância do pai da criança – acordo legítimo, face ao disposto no art.º 1907º do CC -, como viria depois, por decisão judicial, a ser a legítima titular das responsabilidades parentais, no que toca à residência da menor e à gestão da sua vida diária – ainda que a título provisório -, nos termos previstos no citado art.º 1907º do CC.
Efetivamente, prevê-se naquele art.º (alterado pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro), intitulado “Exercício das responsabilidades parentais quando o filho é confiado a terceira pessoa”, que “1 - Por acordo ou decisão judicial, ou quando se verifique alguma das circunstâncias previstas no artigo 1918.º, o filho pode ser confiado à guarda de terceira pessoa. 2 - Quando o filho seja confiado a terceira pessoa, cabem a esta os poderes e deveres dos pais que forem exigidos pelo adequado desempenho das suas funções. 3 - O tribunal decide em que termos são exercidas as responsabilidades parentais na parte não prejudicada pelo disposto no número anterior”.
Consabidamente, é aos pais ou no caso de separação, a um deles, que primacialmente compete a guarda dos filhos, já que é neles que radica a titularidade das responsabilidades parentais, não podendo os avós ser equiparados aos pais para efeito de atribuição da guarda dos filhos (Ac. RC de 06-10-2009, disponível em www.dgsi.pt).
Os pais são de facto, salvo em casos excecionais, o grande referencial dos filhos em termos afetivos. É a eles que compete, em primeira linha, o exercício das responsabilidades parentais na constância da vida em comum (art.º 1901.º do CC) e é a eles que continua a competir também esse exercício, quando separados. A titularidade das responsabilidades parentais radica sempre nos progenitores, no pai e na mãe, desde logo por imposição da garantia constitucional da não privação dos filhos, plasmada no n.º 6 do art.º 36.º da CRP.
Mas esta regra comporta exceções, como decorre da redação do preceito legal transcrito, em que, por via judicial, o exercício das responsabilidades parentais pode ser limitado.
Efetivamente, a nova redação conferida ao art.º 1907.º do CC pela Lei n.º 61/08, de 31 de outubro, veio consentir no seu n.º 1, que haja atribuição a terceira pessoa do exercício das responsabilidades parentais, sem que se comprove o perigo da criança junto dos pais (H. Bolieiro/Paulo Guerra, “A Criança e a Família”, C.ª E.º, 2009, pág. 166-167).
Ou seja, a intervenção do Estado na família, a fim de decidir pela confiança do menor a uma terceira pessoa, já não está condicionada aos requisitos do artigo 1918.º do CC, não sendo necessário provar a incapacidade dos pais para educar o filho ou uma situação de perigo para este. Para ser decretada essa medida, basta que tal medida esteja de acordo com o superior interesse da criança, ou seja, produza efeitos favoráveis para aquela.
Trata-se, sem dúvida, de um limite ao exercício das Responsabilidades Parentais, desde logo um limite ao direito dos pais a terem a guarda e a companhia dos filhos, e a educa-los (artigo 36.º da CRP), que pode ser imposto por via judicial, sendo certo que o critério norteador de toda e qualquer decisão judicial há-de ser o superior interesse da criança, critério este que deve estar acima dos direitos e interesses dos pais, quando estes sejam conflituantes com os do filho.
Como bem se ponderou no Ac. do STJ de 04/02/2010 (disponível em www.dgsi.pt), “por mais que aceitemos a existência de um “direito subjetivo” dos pais a terem os filhos consigo, é no entanto o denominado “interesse superior da criança” - conceito abstrato a preencher face a cada caso concreto – que deve estar acima de tudo. Se esse “interesse subjetivo” dos pais não coincide com o “interesse superior do menor” não há outro remédio senão seguir este último interesse”.
Ora, foi precisamente o caso dos autos, em que o tribunal, ainda que a título provisório, e enquanto se averiguavam as condições de vida da progenitora, confiou a guarda da menor à avó paterna, considerando que era ela quem estava em melhores condições para garantir o superior interesse da criança.
Decorre assim de todo o exposto que a presença da avó na ação – assumindo o papel de terceira pessoa a quem a menor foi confiada judicialmente –, é justificada legalmente, sendo ainda certo que, contrariamente ao alegado pela recorrente, foi a mesma submetida aos competentes exames periciais, devidamente valorados pelo tribunal recorrido, como resulta da motivação da matéria de facto, e dos documentos juntos as autos (ref.ªs ...40 e ...32, de 15 de Junho de 2021 – exames periciais realizados a CC e a DD), tendo sido também elaborados os competentes relatórios sociais, pelo ISS, para demonstração das suas condições familiares, laborais e habitacionais (relatório do ISS, junto ao apenso C, sob a ref.ª ...83, de 2 de Maio de 2023).
Improcede assim nesta parte, a alegação da recorrente.
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E o mesmo se passa quanto à invocada inconstitucionalidade da decisão proferida, que a recorrente fundamenta no facto alegado, de a titularidade das responsabilidades parentais radicar sempre nos progenitores, por imposição da garantia constitucional da não privação dos filhos, plasmada no n.º 6 do artigo 36.º da CRP, que só cede, na sua ótica, quando os pais não cumpram os seus deveres fundamentais, o que acontece nos casos de inibição (artigo 1915.º do CC) ou de perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação dos filhos (artigo 1918.º do CC), caso em que os filhos podem ser confiados a terceira pessoa, mormente aos avós, ou a estabelecimento de educação ou assistência, assistindo-lhes o direito de intentarem as respetivas ações tutelares cíveis, caso exerçam efetivamente e no quotidiano o exercício das responsabilidades parentais.
Ora, cremos ter já demonstrado suficientemente, que face à nova redação do art.º 1907.º do CC, redação que lhe foi dada pela Lei n.º 61/08, de 31 de outubro, o legislador veio consentir que haja atribuição a terceira pessoa do exercício das responsabilidades parentais, sem que se comprove o perigo da criança junto dos pais, sendo atualmente mais alargadas as situações de limitação ao exercício das responsabilidades parentais, do que as indicadas pela recorrente.
Ainda assim, nunca se poderia considerar inconstitucional a decisão proferida, porquanto, como tem sido jurisprudência pacífica, nomeadamente do Tribunal Constitucional (de que é exemplo o Ac. nº 46/2014), no sistema português os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade comportam necessariamente objeto normativo, devendo incidir sobre a apreciação da constitucionalidade de normas ou interpretações normativas, e não sobre a apreciação de alegadas inconstitucionalidades imputadas às decisões judiciais em si mesmas consideradas, atenta a inexistência no nosso ordenamento jurídico-constitucional da figura do “recurso de amparo”, ou da “queixa constitucional”, dirigidas contra atos concretos de aplicação do Direito.
Ou seja, a pretensa “inconstitucionalidade”, tem de ser dirigida a determinada norma, reputada como violadora de algum preceito constitucional, e não à decisão judicial que a aplicou, não podendo a arguição da inconstitucionalidade destinar-se a sindicar o ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria do caso concreto (cf. Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, 2010, p. 34-35).
A essa luz, improcede também nesta parte a pretensão da recorrente.
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Da vontade da menor e a concretização do seu superior interesse:
Considera também a recorrente que a menor, apesar de ter 13 anos, é ainda uma criança, não sendo seguro que possua o discernimento para ajuizar o valor do que expressa, bem como a maturidade suficiente para saber o que é melhor para si, pelo que integra o superior interesse da criança que o seu desenvolvimento se faça na presença assídua da mãe, com quem mantém uma relação gratificante, demonstrado que está que a mãe tem capacidade para assumir tal papel e função.
Refere-se a recorrente à relevância que foi dada na decisão recorrida, à vontade manifestada pela menor, de continuar a residir com a avó paterna, e não pretender ir viver, nem com a mãe, no Reino Unido, nem com o pai, na Suíça.
E bem se decidiu, em nosso entender, no tribunal recorrido, em se auscultar a vontade da criança, e levando-se a mesma em consideração. 
A criança tem, de facto, o direito a ser ouvida no processo, como sujeito de direitos e não como objeto; ela tem o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe digam respeito, e o direito a que as suas opiniões sejam tomadas em consideração.
Esse direito é-lhe conferido, desde logo, a nível internacional, pela Convenção sobre os Direitos da Criança - acolhida na ordem jurídica nacional pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 08.06.990, e pelo Decreto do Sr. Presidente da República n.º 49/90, de 12.09 -, que estabelece, no seu art.º 12.º, que “1 - Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade. 2 - Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja directamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional”.
Tal direito mostra-se também consagrado na legislação interna, nos artºs 4.º (princípios orientadores), 5.º (audição da Criança) e 35º nº 3 (conferência de Pais) do RGPTC, ali se sublinhado o princípio da audição e participação da Criança nos assuntos que lhe digam diretamente respeito, e para os quais revele maturidade suficiente.
E tem sido também essa a orientação seguida nos nossos tribunais superiores.
Como se decidiu no Ac. RL de 4.10.2007 (disponível em www.dgsi.pt), “essa vontade deve prevalecer sempre que se reconheça à criança o discernimento suficiente para a manifestar, e desde que não existam obstáculos de monta a que ela seja respeitada…”. No mesmo sentido se decidiu no Ac. RE de 11.5.2000 (citado no aludido acórdão), onde se acentua que “o interesse do menor é o primeiro e o mais importante factor a levar em consideração na definição do seu estatuto, devendo o Tribunal decidir por forma a satisfazer as preferências do menor, desde que a isso se não oponham dificuldades inultrapassáveis”.
Cremos dever ser este o princípio orientador, de que é em prol da criança que a decisão deve ser proferida, porquanto é no futuro da criança que a decisão se vai refletir. Ela é o sujeito no centro de todo o processo conducente à decisão de regulação do exercício das responsabilidades parentais, pelo que a sua vontade, desde que não esteja sujeita a distorções externas, nem seja reveladora da falta de perceção adequada de riscos visíveis para o julgador, isto é, depois de devidamente valorada no contexto em que foi assumida, e em função do seu superior interesse, deve ser acolhida na decisão a proferir.
Na verdade, como bem acentua Rui Alves Pereira (“Por uma cultura da criança enquanto sujeito de direitos - O princípio da audição de criança”, Julgar.pt.), a audição da Criança nos processos que lhe dizem respeito, é uma concretização do princípio do superior interesse da Criança, traduzindo-se tal princípio, na concretização do direito à palavra e à expressão da sua vontade; no direito à participação ativa nos processos que lhe digam respeito e de ver essa opinião tomada em consideração. No fundo, numa cultura da Criança enquanto sujeito de direitos (no mesmo sentido se manifestou Alcina Costa Ribeiro, “Direito de Participação e Audição da Criança no Processo de Promoção e Proteção e nos Processos Tutelares Cíveis”, Revista do CEJ nº 2, 2015).
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No caso dos autos, tendo a menor, à data em que foi ouvida mais recentemente, 13 anos de idade, e tudo indiciando ter a mesma um normal grau de desenvolvimento e inteligência, e não se antevendo fatores de persuasão externa que influenciem a sua vontade – como resulta da matéria de facto provada –, era de considerar na decisão final, como foi, que a manifestação de vontade da menor CC era a de continuar a viver com a avó paterna e não com nenhum dos pais.
E contra essa vontade não se vislumbram quaisquer obstáculos, não se revelando a mesma desadequada, nem suscetível de a colocar numa situação de risco, uma vez que da avaliação psicológica efetuada à avó, resultou que a mesma demonstra competências parentais sólidas, sendo capaz de prestar todos os cuidados necessários ao bom desenvolvimento da neta, demonstrando por ela amor e carinho, e estando também emocionalmente reativa às necessidades afetivas dela, correspondendo ademais o seu acolhimento à implementação, na situação em apreço, do “princípio da continuidade de relações psicológicas profundas” e do direito da criança à preservação das suas ligações, nomeadamente à continuidade das relações afetivas estruturantes e de seu interesse.
A isto acresce que a decisão recorrida salvaguarda o convívio da menor com ambos os progenitores, permitindo e promovendo que os pais possam dar, de forma complementar e eficaz, o seu apoio à filha em todas as áreas em que estejam habilitados para o fazer, sendo certo que não obstante a menor continuar a residir com a avó paterna, os pais continuam responsáveis pelo seu desenvolvimento físico, intelectual e moral.
Por tudo isto, bem andou o tribunal recorrido em considerar e acolher, em função do superior interesse da criança, a vontade da menor CC.
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Sempre se dirá adicionalmente que parece resultar das alegações da recorrente que o tribunal decidiu a situação da menor apenas com base na sua audição.
Mas tal não aconteceu, como resulta à evidência dos autos.
Efetivamente, o que se colhe da fundamentação da matéria de facto é que não foi apenas a vontade da menor que determinou a convicção da sra. Juíza. Como da mesma consta, foi todo o conjunto da prova produzida que levou o tribunal a concluir que a menor está perfeitamente integrada no agregado da avó paterna, que é, atualmente, a sua figura de referência, a qual apresenta competências para cuidar da neta. “Isso atestam, com força probatória qualificada, as conclusões dos Srs. peritos, contextualizadas, de modo idóneo, pelos técnicos da EMAT, no referido relatório social junto aos autos, e ainda contextualizadas pelas declarações dos próprios, BB e DD, suportadas nos depoimentos, idóneos, das testemunhas OO, PP, QQ e GG”.
Pelo que, considerar, face à exaustiva fundamentação da matéria de facto, que o tribunal deu apenas atenção às declarações da menor, é demasiado redutor.
Ademais, não é a capacidade da mãe para cuidar da filha que está em causa, mas o que é melhor para a criança; qual o melhor lugar para ela residir e com quem o vai fazer. É de referir que o lugar da residência da menor é fundamental. A estabilidade de uma pessoa passa muito pelo seu local de residência e pelo seu local de convivência, pois é ali que se constrói um círculo de amizades e se criam raízes. Sobretudo a escola, onde se constroem laços de amizade profunda, portos de abrigo, que são fundamentais para o desenvolvimento da personalidade.
Ora, todos estes fatores foram ponderados na determinação das medidas aplicáveis, sem reparo e sem contestação.
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III- Do superior interesse da criança:

Afirma finalmente a recorrente que a progenitora afigura-se como alguém capaz de velar pela saúde, educação, segurança e bem-estar da menor, como resulta claro da prova produzida, pelo que a decisão passaria por lhe reconhecer o direito de ter a sua filha consigo, e de reconhecer o direito à filha de viver com a mãe, pelo que a decisão recorrida não acautelou o superior interesse da criança (violando o disposto no artigo 1906.º do CC, o artigo 6.º da Declaração dos Direitos da Criança, os artºs. 5.º, 8.º e 9.º, n.º 1, e 18.º, n.º 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança, o artigo 6.º, alínea a), da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos da Criança, o artigo 8.º da CEDH, bem o núcleo dos direitos fundamentais consagrado nos artigos 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).
Mas também aqui sem razão.
Tal como já constava da redação do nº 2 do art.º 1905º do CC, o atual nº 7 do art.º 1906º do CC, veio consagrar a regra que o tribunal decidirá sempre de harmonia com o superior interesse do menor.
Refira-se que a lei não define o que deva entender-se por “superior interesse da criança”, estando-se na presença de um conceito aberto, que só em concreto é suscetível de ser concretizado, com a consciência e a responsabilidade que qualquer decisão tomada com base nesse critério, reside na valoração – que tem sempre um resquício de subjetividade –, que o julgador faça da realidade provada.
Daí a necessidade de serem indicados na decisão proferida os critérios objetivos e funcionais que presidiram à mesma, englobando-se nos primeiros as necessidades físicas, intelectuais e materiais da criança - tendo em conta a sua idade, sexo e grau de desenvolvimento físico e psíquico -, a continuidade das suas relações, a sua adaptação ao ambiente escolar e familiar, bem como as relações que vai estabelecendo com a comunidade em que se integra e, englobando-se nos segundos, a capacidade dos pais, ou da pessoa a cargo de quem ficar a criança, para satisfazer as suas necessidades, o tempo disponível para cuidar dela, os afetos, os estilos de vida, a estabilidade, etc. (Maria Clara Sottomayor, “Exercício do Poder Paternal”, Publicações Universidade Católica, Porto, 2003, págs. 100 a 103).
Tem sido entendido que “o interesse da criança” é, no fundo, o direito que lhe assiste de crescer em liberdade, de ir deixando de forma gradual de ser criança, num ambiente equilibrado, sem choques nem traumatismos de qualquer espécie, paulatinamente, em paz, sendo que a prossecução ou procura do seu interesse passa pela garantia de que lhe são conferidas condições materiais, sociais, morais e psicológicas que tornem possível o são desenvolvimento da sua personalidade, à margem das tensões e dos conflitos que eventualmente ocorram entre os progenitores, e que viabilizem o estabelecimento de um relacionamento afetivo contínuo entre ambos.
Por isso se defende (de que são exemplos autores consagrados, como Tomé d’Almeida Ramião e Maria Clara Sottomayor) que “o interesse do menor” constitui um conceito vago e genérico utilizado pelo legislador, por forma a permitir ao juiz alguma discricionariedade, bom senso e alguma criatividade, e cujo conteúdo deve ser apurado em cada caso concreto, acrescentando que aquele interesse superior só será respeitado quando esteja salvaguardado o exercício efetivo dos seus direitos.
Daí que se relacione ainda o conceito de “superior interesse do menor” com o exercício dos seus direitos, o que significa que no confronto dos vários interesses em presença, porventura legítimos – dos pais ou de outros familiares -, deve prevalecer “o superior interesse do menor”, em preterição do daqueles, dando-se preferência e prevalência à solução que melhor garanta o exercício dos direitos da criança.
É neste sentido que caminha, de resto, a nossa jurisprudência, dando como critério exclusivo para a decisão a tomar, o do “superior interesse da criança”, e não as conveniências ou interesses (mesmo que legítimos) dos progenitores (cfr. neste sentido, e a título de exemplo, o recente Ac. RL, de 21-03-2024, disponível em www.dgsi.pt).
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Ora, consideramos que a decisão recorrida fez uma aplicação correta de todos os enunciados jurídicos ao caso concreto, subsumindo, de forma que consideramos muito assertiva, a matéria de facto provada aos institutos jurídico aplicáveis:
“…Situação diversa é quando a mudança de residência acontece para uma área geográfica distante da anterior, que implique um afastamento, conducente a uma alteração significativa da vida da criança, nas suas rotinas, nos convívios com família alargada e amigos, na frequência do estabelecimento de ensino e, ainda mais significativo, nos convívios com o progenitor com quem não reside ou que, em caso de residência alternada, terá que deixar de habitar, como consequência do facto de a alteração da residência impossibilitar tal regime.
É precisamente o caso dos autos.
A peticionada alteração da residência para o estrangeiro, para junto do pai ou para junto da mãe, a ser determinada, acarretará uma alteração significativa da vida da CC. A menina viverá num país diferente (Reino Unido ou Suíça), falará e aprenderá numa outra língua, noutros estabelecimentos de ensino, com outras regras, alterará as suas rotinas, eventualmente, mesmo as mais pequenas, e perderá os convívios regulares com família alargada e amigos.
Além disso, verá alterado o espaço físico em que habita, que é o contínuo do seu corpo e da sua afectividade. A nossa habitação é o nosso contínuo social. Uma modificação desse espaço tem um impacto na nossa existência que não pode, pois, ser subvalorizado.
Não serão essas, no entanto, as alterações mais significativas.
A mudança de residência para o estrangeiro, além de determinar o afastamento da CC da casa que conhece desde 2018, determinará o afastamento da avó, DD que é quem, desde aquele ano, vem cuidando, em exclusivo, da neta (…).
Desde o nascimento da filha, durante o casamento e depois do divórcio, foi AA quem cuidou de CC e lhe prestou todos os cuidados que a sua idade exigia e quem assumiu a responsabilidade pela gestão da vida diária da filha.
Porém, no ano seguinte ao divórcio, a mãe também emigrou, passando a residir no Reino Unido. A sua motivação foi idêntica à do pai. Vendo-se numa situação económico-financeira precária (chegou a dormir num carro com a CC), AA decidiu, legitimamente, emigrar em busca de melhores ganhos para se sustentar e aos filhos.
Nesse contexto, com a anuência do pai, a CC ficou entregue aos cuidados da avó paterna, DD. De facto, em 30 de Julho de 2018, a mãe e a avó paterna, subscreveram um acordo, particular, quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais da CC, acordando que, a partir do dia 16 de ../../2018 e até final do primeiro ciclo da escolaridade obrigatória, que se previa em Junho de 2021, a CC residiria com a avó paterna, incumbida de zelar pelo seu bem-estar e exercer as responsabilidades parentais quanto aos actos da vida corrente da neta, retomando-se, após esse período, o regime de regulação das responsabilidades parentais judicialmente fixado.
Quiseram com isso que a criança que, à data já iniciara a escolaridade obrigatória, terminasse o primeiro ciclo em Portugal.
E com a emigração dos pais, a CC passou a conviver com eles em regime livre, nas férias, folgas, datas de aniversário e demais períodos de tempo que os pais pudessem passar em Portugal. Estes contactos e convívios foram sempre regulares, de modo que, pese embora a distância geográfica, existe uma sólida relação afectiva entre pais e filha.
Não obstante, desde ../../2018 e até ao presente, é DD que vem cuidando da neta, como se de uma filha se tratasse, nutrindo por ela um amor como o amor de mãe.
Desde ../../2018 e até ao presente, foi a avó quem prestou os cuidados essenciais à neta, alimentando-a, vestindo-a, tratando da sua higiene, ajudando-a nas tarefas diárias escolares. Foi ainda a avó que a amparou, mimou, acarinhou e deu atenção, quem a entregou ou encaminhou para a escola, quem recebeu os amigos e respetivos familiares na sua casa, no sentido de conceder a CC a vida afectiva que merece.
Conforme resulta dos autos, em 2020, antes do fim do período estipulado no acordo celebrado entre a mãe e a avó (frequentava a CC o 3.º ano de escolaridade na ..., em ...), AA quis levar a filha para residir consigo no Reino Unido, pretensão à qual se opôs o pai.
Nesse ano lectivo de 2019/2020, a CC registou bom aproveitamento escolar global (…). A CC gosta muito da sua escola, onde tem muitos amigos, que considera que são a sua segunda família, porque “…sabe que pode contar com eles”. E não gostaria de mudar nada na sua vida (…). Também se concluiu que a CC se revelou bem integrada no agregado familiar da avó paterna, descrevendo o relacionamento entre ambas de modo positivo, reconhecendo em DD segurança e suporte emocional (…).
Claramente, a menina gosta dos convívios com os pais e de ir à Suíça e à Inglaterra, mas não já nem sequer equaciona viver com algum deles; pois é em Portugal que considera ter a sua família, a sua casa e os seus amigos, de quem não se quer separar.
Percorridos os factos, a conclusão a extrair será, com o devido respeito por entendimento diverso, a de que o centro de vida da CC é na casa onde vem vivendo com estabilidade, desde 2018, onde fundou as suas raízes emocionais, onde se sente amparada e segura e onde está a sua figura de referência que é a avó. Sendo inegável que existem vínculos afectivos com os pais, é na avó que a CC encontrou a sua segurança e suporte (…).
Hoje, os sinais dos autos também não apontam no sentido de favorecer qualquer mudança de residência, por contrariar o superior interesse da criança.
A mudança implicaria romper com o centro de segurança da CC, afastá-la da sua figura de suporte e expô-la ao esforço de uma alteração, drástica, de vida que, intimamente, CC não acolhe. Como tal, tratar-se-ia de um esforço desproporcional de reconstrução de toda uma estrutura familiar para esta menina.
A conclusão a extrair será, por conseguinte, a de que o impacto negativo do afastamento da sua figura de referência é muito superior ao impacto negativo que teria uma mudança para o Reino Unido ou para a Suíça (…).
Conforme se apurou, DD é pessoa estável e dotada de capacidades parentais positivas, que implementou junto da CC, proporcionando-lhe um ambiente familiar tranquilo e securizante (de outro modo, a requerente não lhe teria confiado a filha) (…).
Nenhum facto se apurou que permitisse concluir que a avó não esteve à altura da missão que lhe foi confiada, pelo contrário. DD foi e vem sendo, de facto, mãe de CC (…).
Nessa medida, ao argumento que sobrepõe a família tradicional, composta por pai, mãe e filho, à família monoparental, apenas se responderá que família é, independentemente, da sua configuração, o núcleo onde se fundam as nossas raízes, o nosso equilíbrio, o nosso amparo; em suma, a nossa segurança. E para a CC a casa que partilha com a avó é tudo isso (…).
A mudança, radical, que se pede, trará, inevitavelmente, ruptura com todo esse património emocional. Nessa medida, afigura-se desproporcional. Daí que é algo redundante afirmar que os pais têm, ambos, competências parentais para cuidar da filha e que têm, objectivamente, suficientes condições materiais para tanto (…).
Todavia, na balança dos interesses presentes, o superior interesse da CC dita que se tenha prioritariamente em conta os seus interesses e direitos; desde logo, o seu direito à continuidade das suas relações estruturantes de afecto, das suas relações significativas, que lhe garantem a continuidade da sua vinculação segura (cfr. art.º 4.º, n.º 1, al. a), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aplicável ex vi art.º 4.º do RGPTC).
O que é o mesmo que dizer, ressalvado sempre o devido respeito por diverso entendimento, que, ponderado o interesse do primado da família (natural ou recomposta), o superior interesse da CC, prioritariamente, dita que se lhe preservem as relações afectivas estruturantes; ou seja a ligação à avó. Tudo ponderado, não é senão natural que assim seja.
A CC não vive, habitualmente, com o pai desde que era uma bébé. Com o devido respeito, o pai que conhece é o pai das férias, das pausas lectivas, dos aniversários.
Foi a mãe que sempre dela cuidou, mas até aos sete anos, altura em que, para sua realização pessoal e profissional, também emigrou.
Desde então, foi a avó que fez o papel de mãe, e numa idade em que a vida da menina sofreu os seus primeiros desafios. Foi para a escola, teve novos educadores e professores, novos amigos, novas alegrias, tristezas. Cresceu, amadureceu, separada dos pais mas sempre amparada na avó.
Hoje, é DD o amparo da CC, o que não é nenhum desdoiro para os pais. Reflecte apenas o tempo de qualidade que puderam passar juntas, para que os pais pudessem, legitimamente, tratar de outros aspectos da vida.
Dito de outro modo, esta perspectiva não impacta, nem, de modo algum, diminui as qualidades dos pais, a sua capacidade de cuidar, amparar e amar a filha, nem o enorme sacrifício que, seguramente, fizeram ao emigrar para prover à sua primeira necessidade; o sustento.
Significa, apenas, que a avó que, por decisão legítima dos pais de emigrar, ficou no papel de principal cuidadora se tornou a figura de referência desta menina. Uma criança faz-se do cuidado e amparou de quem, com amor, adormeceu, acordou, lavou, vestiu, alimentou, ouviu, aconselhou, ralhou, castigou; em suma, a amparou. E esta avó amparou a CC; é-lhe dedicada com devoção de mãe desde os sete anos da criança. Não se duvida, por um momento, que a requerente, na mesma posição de cuidadora, foi a principal figura de referência da filha. Sucede, porém, que por força da sua opção que, sublinhe-se, é absolutamente legítima, a CC agarrou as suas raízes à avó. Teve de ser, por força das circunstâncias, e agora tornou-se um facto incontornável. E quando a criança perspectiva o corte dessas raízes, com o afastamento da sua casa, da sua avó, para ir viver com o pai ou com a mãe, sofre.
Não se poderá, no entender deste Tribunal, ignorar egoisticamente os efeitos do tempo na vida da CC, desenraizando-a, não quando ela está pronta, mas quando estão prontos os pais.
Nos seus articulados e ao longo das suas sucessivas exposições, os pais foram sempre peremptórios em priorizar a vontade da filha, o que se louva por estar em total alinhamento com a lei. Dita, efectivamente, o n.º 2 do artigo 1878.º do Código Civil que, de acordo com a maturidade dos filhos, os pais deverão ter em conta a sua opinião nos assuntos familiares importantes e reconhecer-lhe autonomia na organização da própria vida.
Pois bem, os pais deverão saber que a CC quer viver com a avó, na sua casa e quarto, quer ir para a sua escola, privar com os seus amigos e, evidentemente, conviver com os pais como vem fazendo; o que constitui um seu direito e um imperativo constitucionalmente consagrado no art.º 36.º, n.º 6, da Lei Fundamental e no direito supra-nacional, nos termos do n.º 3 do art.º 9.º da Convenção Sobre os Direitos da Criança. E que, com a residência junto da avó, ficará intocado, já que, inexiste qualquer sinal, concreto, apurado que permita concluir em contrário (…).
A vontade da criança, como se sabe, não dita a decisão do Tribunal. Todavia, quando a vontade da criança está alinhada com os demais factores presentes que ditam a decisão do Tribunal, designadamente, o seu superior interesse, então as duas coincidem.
Adere-se, por se concordar, inteiramente, aos fundamentos do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 31/01/2012 (disponível nos arquivos), no sentido de que: “A atendibilidade da preferência manifestada pelos menores quanto ao progenitor com o qual pretendem residir radica na ponderação de que, geralmente, tal preferência coincidirá com o critério norteador da decisão. Não se verificando tal coincidência entre o interesse do menor e a sua declarada preferência, esta não se apresentará como decisiva.
Na decisão ou escolha do progenitor com quem o menor deve residir não podem ser valorizados exclusivamente aspectos ou vertentes puramente emocionais, afectivas ou sentimentais, devendo ponderar-se conjugadamente todas as vertentes do desenvolvimento do menor”.
No caso, ressalvado o devido respeito por entendimento em contrário, tendo presente o superior interesse da criança, sobretudo, o seu direito a preservar o seu património afectivo estruturante construído junto da avó, e que a menina, acima de tudo, privilegia, consideradas as competências da avó e a inalterabilidade dos convívios com os pais, considerada a vontade da CC por estar alinhada com os demais factores, conclui-se que as mudanças de residência peticionadas não são necessárias, nem proporcionais e, por isso, se entende que não devem ser determinadas…”.
E nada mais temos a acrescentar ao que foi decidido, pois fez-se uma adequação perfeita da materialidade provada ao que vem determinado na lei e nos princípios jurídicos que lhe estão subjacentes.
Tal decisão está em harmonia com os interesses da menor, incluindo os de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, o que tudo contribuirá para o seu desenvolvimento mais completo e equilibrado.
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Da demora injustificada da ação e o seu reflexo no desfecho dos autos:
Esgrime a recorrente um último argumento em defesa da sua pretensão, dizendo que houve da parte do tribunal a omissão do dever de desenvolver esforços adequados e suficientes para fazer respeitar o direito à sua vida familiar, garantido pelo artigo 8.º da CEDH.
Diz que o facto da CC ter “agarrado” as suas raízes à avó, ao ponto de a perspetiva de desenraizamento lhe causar sofrimento, apenas à demora injustificada do tribunal se deve, uma vez que não foi minimamente respeitado o direito desta criança e desta mãe a uma decisão em prazo razoável, previsto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6°, § 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Perante a recusa da avó de entregar a menor à mãe, a intervenção do tribunal impunha uma atuação e reposição rápida da realidade, a não ser que outros elementos probatórios apontassem para a existência de perigo que sustentasse este afastamento.

Mas também sem razão, como é bom de ver.
Apelando à matéria de facto provada, o que vemos nos autos é que foi a própria recorrente quem estabeleceu com a avó paterna um “acordo de regulação das responsabilidades parentais” relativamente à sua filha, acordo esse que previa a guarda da menor pela avó por três anos – de 2018 a 2021 –, o que significa que foi a própria recorrente a fomentar a criação desses laços afetivos, e a estar disposta a que esses laços se consolidassem durante três anos, como veio a acontecer, para bem de todos, diga-se.
Daí que, em maio de 2020, quando a recorrente instaurou esta ação, logo no primeiro relatório pericial se anotou, que tais laços afetivos estavam já muito consolidados, com a afirmação da menor a dizer que não queria ir viver com a mãe, admitindo a hipótese de ir viver antes com o pai na Suíça.
Da audição da menor, em 12 de agosto de 2020 – apenas com 9 anos -, apenas na presença da Sra. Juiz e da Sr.ª Procuradora, também resultou que a mesma gosta muito de viver com a avó, apesar de gostar de ambos os pais.
Donde, não foi a delonga processual – causada, em grande parte, pelas residências de ambos os progenitores no estrangeiro, que levou à demorada obtenção de documentos e informações às entidades respetivas, com a correspondente tradução dos documentos obtidos -, que causou o apego da menor à avó, mas sim o facto, inevitável, da emigração de ambos os pais, e o afastamento afetivo que isso implicou.
E esse afastamento, como se disse, foi aceite pela mãe, que entregou voluntariamente a menor à avó paterna, como sendo uma pessoa da sua confiança, e um familiar muito próximo, sendo por isso natural e normal que haja estreitamento de laços entre ambos os familiares.
Foi um risco que a requerente correu, pela necessidade que teve de emigrar, mas foi um risco bom e saudável para a menor, já que existe prova abundante nos autos da existência de laços afetivos profundos entre si e avó, sem descurar a afetividade, o amor e o carinho que a menor nutre pelos pais, com quem passa férias e tempos de lazer.
É certo que o direito a uma decisão em prazo razoável tem consagração constitucional no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Mas não se aceita que tenha sido a demora na tramitação dos autos que promoveu ou justificou que a menor se estabilizasse e criasse “raízes” junto da avó.
E se concordamos que essas raízes afetivas serviram de fundamento para a improcedência da ação, já não concordamos que tal situação tenha “trazido resultados chocantes, perversos e totalmente estranhos ao que é admissível pelo sistema”, como defende a recorrente, já que, como se demonstrou à saciedade, foi o superior interesse da criança que norteou a decisão proferida e nenhum outro.
Acrescentamos ainda que o tribunal tinha o dever de se fazer rodear de toda a informação possível e adequada – designadamente de relatórios sociais e periciais, capazes e avalizados –, para proferir uma decisão conscienciosa e fundamentada, o que implicou a busca dessa informação, quer em Portugal, quer nos países de residência dos requerentes (Reino Unido e Suíça), tudo a dificultar a celeridade dos autos.
Improcede, assim, também nesta parte, a Apelação.
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IV- DECISÃO:

Por todo o exposto, Julga-se Improcedente a Apelação, e em consequência confirma-se, na integra, a decisão recorrida.
Custas da Apelação pela recorrente (art.º 527º nº 1 e 2 do CPC).
Notifique e DN
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Sumário do Acórdão:

I- Não deve ser atendida a impugnação da matéria de facto, se a natureza da matéria impugnada, assim como a que o recorrente pretende incluir na matéria de facto, tenha por objeto matéria (de facto) conclusiva, porquanto tal matéria, a ser ali incluída, ter-se-ia por “não escrita”, sem qualquer relevância jurídica.
II- Não é também de apreciar a matéria de facto impugnada, se ela se mostrar inútil para a solução jurídica do pleito, considerando as várias soluções plausíveis da questão de direito.
III- Face à nova redação do art.º 1907.º do CC (redação que lhe foi dada pela Lei n.º 61/08), a intervenção do Estado na família, a fim de decidir pela confiança do menor a uma terceira pessoa, já não está condicionada aos requisitos do artigo 1918.º do CC, não sendo necessário provar a incapacidade dos pais para educar o filho, ou uma situação de perigo para este. Para ser decretada essa medida, basta que a mesma esteja de acordo com o superior interesse da criança.
IV - A criança tem o direito de ser ouvida no processo, como sujeito de direitos e não como objeto, direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe digam respeito, e o direito a que as suas opiniões sejam tomadas em consideração na decisão proferida.
V- Tal como já constava da redação do nº 2 do art.º 1905º do CC, o atual nº 7 do art.º 1906º do CC veio consagrar o princípio de que o tribunal decidirá sempre de harmonia com o superior interesse do menor.
VI- A lei não define o que deva entender-se por “superior interesse da criança”, estando-se na presença de um conceito aberto, que só em concreto é suscetível de ser concretizado, com a consciência que qualquer decisão tomada com base nesse critério, reside na valoração que o julgador faça da realidade provada.
VII- A pretensa “inconstitucionalidade”, tem de ser dirigida a determinada norma, reputada como violadora de algum preceito constitucional, e não à decisão judicial que a aplicou, não podendo a arguição da inconstitucionalidade destinar-se a sindicar o ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria do caso concreto
VIII- O direito a uma decisão em prazo razoável, com consagração constitucional, não pode impedir o tribunal de se fazer rodear de toda a informação necessária e adequada para proferir uma decisão conscienciosa e fundamentada, o que pode implicar a busca dessa informação, quer em Portugal, quer nos países de residência dos requerentes (Reino Unido e Suíça).
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Guimarães, 3.10.2024