DEPENDÊNCIA DO PROCEDIMENTO CAUTELAR RELATIVAMENTE À ACÇÃO PRINCIPAL
IDENTIDADE ENTRE O DIREITO ACAUTELADO E O QUE SE PRETENDE FAZER VALER NO PROCESSO DEFINITIVO
EMBARGO DE OBRA NOVA
PREJUÍZO
Sumário

i) A dependência do procedimento cautelar, expressa através da identidade entre o direito ou interesse acautelado e aquele que se faz valer na acção, implica que a causa de pedir do procedimento e da acção coincidam, ao menos em parte, embora possa não coincidir, normalmente, o pedido de uma e outra;
ii) Embora não se pressuponha na acção e no procedimento uma total identidade de direitos que se pretendem tutelar, nem tão pouco se exija a alegação do mesmo circunstancialismo fáctico integrador da causa de pedir na acção definitiva e nos fundamentos da providência solicitada, a função instrumental que a lei atribui aos procedimentos não é compatível com um total divórcio entre os respectivos objectos, pelo que a identidade entre o direito acautelado e o que se pretende fazer valer no processo definitivo impõe, pelo menos, que o facto que serve de fundamento à providência integre a causa de pedir da acção principal;
iii) Se em ambos os processos os recorrentes alegam os mesmos factos atinentes à sua qualidade de comproprietárias, em conjunto com a requerida mulher, de determinado prédio urbano cuja propriedade se encontra registada na CRP a favor da requerida, que esse registo assenta num contrato promessa de cessão de direito a herança e a doação e procuração e partilha que radicam em simulação, pedindo a respectiva nulidade, bem como o cancelamento do registo da propriedade a favor da requerida na acção principal, que foi previamente instaurada, e agora, no procedimento cautelar, acrescentam que os requeridos iniciaram obra na referida casa de habitação, obras essas que causam prejuízo às requerentes, carecem de utilidade e não foram autorizadas pelas mesmas, pelo que peticionam a ratificação de embargo extrajudicial levado a cabo, para defesa do invocado direito de propriedade das AA, que está subjacente na acção principal, verifica-se o pressuposto legal da instrumentalidade e dependência entre o procedimento cautelar e a acção principal (art. 364º, nº 1, do NCPC);
iv) O embargo de obra nova, é consentido, ao abrigo do art. 397º, nº 1, do NCPC, aos contitulares de direito de propriedade comum, designadamente aos de herança indivisa, na qual se integra um imóvel urbano;
v) Obra nova tanto significa a que é feita pela primeira vez como toda a obra que é feita em obra antiga, modificando-a ou alterando a sua situação de modo que uma ou outra seja capaz de alterar o estado da coisa. A novidade é a modificação que da obra deriva de maneira a que revista o carácter de uma inovação relativamente ao estado anterior;
vi) É algo que não existia anteriormente ou que não existia antes com as características que agora tem ou pode vir a ter;
vii) O prejuízo a que a lei se refere no embargo de obra nova é a ofensa do direito de propriedade, que importa, por si só, um dano jurídico justificativo do embargo.

Texto Integral

I - Relatório

1. AA, residente na ..., BB, e CC, ambas residentes em ..., instauraram providência cautelar, contra DD e marido, EE, residentes em ..., requerendo a ratificação de embargo extrajudicial de obra nova, por eles efectuado ou, quando assim não se entenda, ser decretado o embargo de obra nova, nos termos gerais e os requeridos serem, em todo o caso, impedidos de prosseguir com a construção e com as inovações no prédio identificado no parágrafo 25.º do requerimento inicial.

Alegaram, em síntese, a qualidade de comproprietárias, em conjunto com a requerida mulher, do prédio urbano sito em ..., composto de casa de habitação, descrito na ... CRP ... e inscrito na matriz urbana sob o art. ...84 da freguesia ..., cuja propriedade se encontra todavia registada na CRP a favor da requerida; que esse registo assenta num contrato promessa de cessão de direito a herança e a doação e procuração e partilha que radicam em simulação, nulas de nenhum efeito, cuja declaração foi já pedida na acção principal, previamente instaurada, bem como o cancelamento do registo da propriedade a favor da requerida; que os requeridos iniciaram obra na referida casa de habitação que os requerentes embargaram extrajudicialmente, obras essas que causam prejuízo às requerentes, carecem de utilidade e não foram autorizadas pelas mesmas.

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Foi proferido despacho de indeferimento liminar.

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2. Os requerentes interpuseram recurso, concluindo que:

A- O tribunal a quo fez uma errada interpretação dos factos e do direito aplicável ao caso dos autos, fazendo, inclusive, uma verdadeira interpretação contra legem do artigo 397.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

B- Em primeiro lugar, quanto ao direito de compropriedade das recorrentes sobre o imóvel dos autos, ao contrário do entendido pelo Mmo. Juiz a quo, o mesmo encontra-se devidamente alegado e documentado nos autos, integrando o mesmo o quinhão hereditário do falecido pai e ex-marido das recorrentes, FF, falecido em 24.11.2023, o qual, por sua vez, o havia herdado, conjuntamente com a sua irmã, ora recorrida mulher, pelo falecimento da mãe de ambos, GG, ocorrido em 16.02.1971.

C- A presente providência destina-se, precisamente, a acautelar o direito de compropriedade das recorrentes sobre o imóvel dos autos, cujas obras que estão a ser levadas a cabo pelos recorridos pretendem embargar, encontrando-se, assim, preenchido o requisito processual previsto na primeira parte do n.º 1 do artigo 397.º do CPC, onde se exige a ofensa no direito de propriedade, singular ou comum.

D- Em segundo lugar, e relativamente aos pedidos deduzidos pelas recorrentes, é por demais evidente a respetiva conexão material com os pedidos deduzidos na ação principal.

E- Basta ler com atenção, tanto a p.i. da ação principal como o requerimento inicial da presente providência cautelar, para se verificar que o que as recorrentes pretendem, em ambas, é acautelar o direito de compropriedade sobre o imóvel dos autos, impedindo que os recorridos dele se apoderem inteiramente, como o têm feito, e dele disponham como bem lhes apetecer, sem cuidar de ouvir ou consultar as recorrentes, muito menos de obter qualquer tipo de consentimento ou autorização junto das mesmas, para proceder a obras de alteração/ modificação num imóvel que bem sabem não lhes pertencer na totalidade, do qual “vão pondo e dispondo” a seu bel prazer, e nele fazendo despesas desnecessárias, cujo montante as recorrentes nem sequer conhecem, com o único intuito de as prejudicar, passando por cima do seu direito de compropriedade sobre o imóvel e do poder decisório que tal direito lhes confere sobre o destino do mesmo.

F- Em terceiro lugar, e ao contrário do tribunal recorrido, entendemos que a substituição do telhado no imóvel dos autos é relevante, por se tratar de uma obra realizada num imóvel do qual as recorrentes são comproprietárias, e que altera toda a estética do imóvel, modificando substancialmente a sua aparência.

G- Acresce que a referida obra implica gastos que se preveem avultados, para os quais as recorrentes não foram ouvidas, nem estavam financeiramente preparadas.

H- Em quarto e último lugar, em relação aos prejuízos que a obra acarreta para as recorrentes, cumpre referir que o embargo extrajudicial de obra nova, como providência cautelar que é, visa apenas acautelar o efeito útil da ação que tenha por fundamento o direito, ofendido ou ameaçado do embargante.

I- No que concerne à titularidade do direito, em sede de providência cautelar não é necessário que a prova produzida fundamente um juízo de certeza, bastando que permita formular um juízo de verosimilhança ou de forte probabilidade acerca dessa titularidade.

J- No embargo de obra nova, o requerente não tem de qualificar e quantificar os prejuízos, ao invés do que sucede nos procedimentos comuns não especificados em que recai sobre o requerente o ónus de provar a gravidade e a dificuldade de reparação da lesão do seu direito.

K- Basta-lhe alegar e provar a ilicitude do facto e a ofensa ao seu direito.

L- Como se refere no artigo 397.º, n.º 1 do C.P.C., “Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente”.

M- Ora as recorrentes, alegaram suficientemente, com especial ênfase nos parágrafos 1.º a 33.º do seu requerimento inicial, factos que indiciam claramente o seu direito de compropriedade no imóvel dos autos e a intenção dos requeridos em prejudicar esse direito.

N- Verificados que estão, conforme supra demonstrado, todos os requisitos legais da presente providência, impõe-se que de acordo com os princípios fumus bónus iuris, periculum in mora e summaria cognitio se ratifique o embargo extrajudicial feito pela requerente AA e pelo seu mandatário signatário, no passado dia 24.05.2024, na pessoa da Sra. Eng.ª HH, encarregada da

obra, ou, quando assim não se entenda, ser em todo o caso decretado o embargo de obra nova, nos termos gerais e os requeridos serem, em todo o caso, impedidos de prosseguir com a construção e com as inovações no prédio dos autos, melhor identificado no requerimento inicial, o que salvaguardará o direito de compropriedade das requerentes.

O- Deverá, pois, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que decrete o procedimento cautelar de ratificação de embargo extrajudicial de obra nova pedido e ainda não decretado.

P- Foram violadas as disposições dos artigos 1305.º, 1315.º, 1316.º e 1403.º do Código Civil e 397.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Nestes termos, nos melhores de direito e nos demais que V. Exas suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que ratifique o embargo extrajudicial de obra nova pedido ou, quando assim não se entenda, ser em todo o caso decretado o embargo de obra nova, nos termos gerais e os requeridos serem, em todo o caso, impedidos de prosseguir com a substituição do telhado e com as inovações no prédio dos autos, melhor identificado no requerimento inicial, o que salvaguardará o direito de compropriedade das requerentes, com o que farão, como é timbre deste Venerando Tribunal, a já costumada JUSTIÇA!

3. Inexistem contra-alegações.

II – Factos Provados

A requerente alegou no seu req.º inicial, no essencial, o seguinte:

1. As duas primeiras requerentes são filhas e universais herdeiras de FF, falecido em 24.11.2023.

2. A terceira requerente é mãe das 1ª e 2ª requerentes, tendo casado com FF, de quem se divorciou em ../../1998.

3. FF era irmão germano da requerida mulher, sendo ambos filhos de GG e de II.

4. GG faleceu em 16.02.1971, deixando como únicos e universais herdeiros os dois filhos referidos em 3.

5. No dia 19.12.1980, por escritura pública outorgada no ... Cartório Notarial ..., II, que, entretanto, havia contraído segundas núpcias com JJ, fez doação aos seus dois filhos FF e DD, em comum e em partes iguais, do seguinte: “A) O direito e ação que o outorgante-marido tem na meação da herança ainda indivisa aberta por óbito de GG, que foi casada em primeiras núpcias de ambos, sob o regime da comunhão geral de bens com o identificado II (…) onde faleceu a ../../1970 (…), em cuja herança apenas se compreende o prédio inscrito na matriz urbana da mesma freguesia ... sob o artigo ...84 (…). E, B) Parcela de terreno com a área de 778 m2 (…) que se acha descrito na CRP ... sob o número ... e cinco (…) e inscrito na matriz predial urbana da aludida freguesia ... sob o artigo ...56, de cujas descrição e inscrição a mesma parcela faz parte. Esta parcela (…) é situada no lugar da ..., referida freguesia ..., e destina-se a retificação de extremas (ampliação de logradouro) do prédio a que se faz referência em A), descrito na aludida Conservatória sob o número ... e nove (…) e inscrito, na matriz predial urbana da indicada freguesia ... sob o artigo ...84”.

6. Por altura do ano de 1990, FF, pai da 1ª e 2ª requerentes, juntamente com a 3ª requerente, sua mulher, resolveram iniciar um negócio de serigrafia.

7. Para o efeito, montaram um pequeno armazém anexo à sua habitação.

8. Em virtude de o negócio ter começado a correr mal a partir do ano de 1994, FF e a sua esposa, 3ª requerente, começaram a atravessar graves dificuldades financeiras.

9. E, a partir do ano de 1997, FF e a 3ª requerente, sua esposa, passaram a ser objeto de sucessivas ações de condenação e de execuções, com vista à liquidação das dívidas que haviam contraído.

10. Nessa altura, a requerida mulher aproximou-se do irmão e ofereceu-lhe ajuda que consistiu em prestar-se a celebrar contratos simulados que protegessem o quinhão deste na sua herança aberta por óbito de sua mãe, GG, bem como dos bens e direitos doados pelo seu pai, II, acima referidos.

11. FF aceitou a ajuda oferecida pela sua única irmã, no que foi acompanhado pela 3ª requerente, sua mulher ao tempo.

12. Em execução de um plano gizado anteriormente, com vista a protegerem a herança da mãe e a doação feita pelo pai, em 07.05.1997, FF e a 3ª requerente, ao tempo sua mulher, deslocaram-se a ..., onde se encontraram com a 1ª requerida, dirigiram-se ao ... Cartório Notarial ..., onde a 1.ª requerida lhes apresentou um escrito denominado “Contrato Promessa de Cessão de Direito a Herança e Doação”, datado de 10.06.1996.

13. Nesse contrato, FF e a 3ª requerente, ao tempo sua mulher, declararam que prometiam ceder à 1ª requerida, “livre de quaisquer ónus (…) o direito e ação que têm à herança ainda ilíquida e indivisa por óbito de sua mãe, GG, casada que foi, em primeiras núpcias de ambos sob o regime da comunhão geral, com II (…) falecida a 16.02.1971, cedendo também o direito e ação na doação que seu pai II lhe fez por escritura de 19.12.1981, outorgada no Cartório (…). Que a referida cessão é feita pelo preço de dois milhões de escudos (…).

14. FF e a 3ª requerente, ao tempo sua mulher, assinaram o referido contrato “de cruz”, confiando nas boas intenções da 1ª requerida.

15. FF e a 3ª requerente, ao tempo sua mulher, bem como a 1ª requerida, declararam que, “a cessão é feita pelo preço de dois milhões de escudos, quantia que neste ato receberam do cessionário e de que lhe dão a correspondente quitação”.

16. A 1ª requerida nada pagou a FF e à 3ª requerente, ao tempo sua mulher, já que tinha sido acordado entre os três que nenhum pagamento teria lugar.

17. No mesmo dia 07.05.1997, e no mesmo Cartório, FF e a 3ª requerente, ao tempo sua mulher, outorgaram uma Procuração, onde declararam constituir seus bastantes procuradores a 1ª ou o 2º requeridos, concedendo-lhes poderes para proceder à partilha dos bens deixados por óbito de sua mãe e sogra, GG (…), ceder o seu direito na herança, cedendo também o seu direito e ação na doação que seu pai II lhe fez por escritura (…), sendo ela a compradora (…) no prédio inscrito na matriz urbana da freguesia ... sob o artigo número ... e quatro e uma parcela de terreno destinada a construção com a área de setecentos e setenta e oito metros quadrados e seis centímetros, a confrontar (…).

18. Ficou ainda a constar da sobredita Procuração que a mesma, “por ter sido passada também no interesse da mandatária é irrevogável e não caduca por morte, interdição ou inabilitação de qualquer dos mandantes (…)”.

19. Nem o falecido FF, nem a 3ª requerente, ao tempo sua mulher, alguma vez pretenderam ceder onerosamente, à 1ª requerida, o quinhão hereditário daquele na herança por óbito de sua mãe, GG, ou os bens e direitos doados por seu pai, II, nem a primeira requerida pretendeu adquiri-los onerosa ou gratuitamente.

20. Nunca o falecido FF e a sua esposa, na altura, ora 3ª requerente, alguma vez pretenderam fazer a primeira requerida sua procuradora.

21. A 1ª requerida usou de malícia para se apoderar do quinhão do irmão no património deixado pelos respetivos pais, levando-os a assinar documentos que estes nunca teriam assinado se soubessem das suas verdadeiras intenções.

22. No dia 14.04.2023, por escritura pública (…), os requeridos, munidos da referida Procuração, procederam à partilha do bem pertencente à herança aberta por óbito de GG, adjudicando a si o “prédio urbano sito em ... (…) composto de casa de habitação de rés do chão, dependências e logradouro, descrito na ... CRP ... sob o número ... e sete, registada a aquisição pela ap. ... e seis (…), inscrito na matriz urbana sob o artigo ...84 da freguesia ... (…).

23. A propriedade deste prédio encontra-se registada a favor da requerida, através da Ap. n.º 4387 de 2023/05/19.

24. Na partilha realizada em 14.04.2023, a requerida mulher refere, falsamente, ter pago ao seu falecido irmão, FF, as tornas que lhe seriam devidas, mas não foi pago qualquer preço por parte da requerida mulher.

25. Tanto o “Contrato Promessa de Cessão de Direito a Herança e a Doação”, como a “Procuração” visaram prejudicar os credores do falecido FF e da sua, à data, esposa, ora 3ª autora.

26. Em 17.05.2024, as requerentes intentaram contra os requeridos a acção que corre termos dos autos principais, na qual pedem que seja “declarado nulo ou anulado e ineficaz relativamente às autoras, o referido Contrato Promessa de Cessão de Direito a Herança e Doação; que seja “declarada nula ou anulada e de nenhum efeito e ineficaz relativamente às requerentes aí autoras, a referida Procuração, outorgada em 07.05.1997; que seja “declarada nula ou anulada e de nenhum efeito e ineficaz relativamente às autoras, a referida Partilha por Óbito, outorgada em 14.04.2023; e que seja cancelado o respetivo registo de aquisição a favor da ré mulher, pela Ap. ...87 de 2023/05/19.

27. No dia 23.05.2024 os requeridos deram início a obras, na casa de habitação integrante do prédio acima identificado.

28. No dia 24.05.2024 a obra foi embargada por representantes das requerentes na qualidade de coproprietárias do imóvel porque não estavam de acordo com a realização das mesmas.

29. À altura, as telhas e a armação do telhado em madeira (ripas, traves e vigas) já haviam sido completamente removidas.

30. Já se encontravam colocadas, em cima da placa do telhado, um conjunto de vigas em aço leve que serviriam para suportar o novo telhado.

31. O telhado que foi retirado encontrava-se em boas condições e não carecia de ser substituído.

32. Estas obras causam prejuízo às requerentes, carecem de utilidade e não foram autorizadas por estas.

33. As requerentes desconhecem a dimensão e o tipo de trabalhos que os requeridos pretendem levar a cabo no prédio dos autos, bem como o fim a que os mesmos se destinam.

34. As requerentes não pretendem incorrer em despesas.

35. A continuação de tais obras atinge o direito de propriedade das requerentes.

 

 

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Verificação dos requisitos legais de embargo extrajudicial de obra nova.

2. Na decisão recorrida analisou-se a existência ou não dos pressupostos e requisitos legais para ratificar um embargo extrajudicial de obra nova, concluindo-se que nenhum se verificava.

Os recorrentes discordam pelos motivos constantes nas suas contra-alegações de recurso (conclusões A- a P-). Cremos que têm razão.

Preceitua a lei que:

Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias, a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente” – art. 397º, nº 1, do NCPC.

São, portanto, requisitos legais da providência cautelar de embargo de obra nova:

a) que o requerente seja titular de um direito, designadamente de propriedade – singular ou comum - ou titular de outro direito real ou pessoal de gozo, ou possuidor;

b) que se julgue ofendido nesse direito em virtude de obra, trabalho ou serviço novo;

c) que haja ou possa haver prejuízo para o requerente resultante dessa obra, trabalho ou serviço novo.

2.1. Na decisão recorrida, sobre o pressuposto legal da instrumentalidade entre o procedimento cautelar e a acção principal escreveu-se que:

“Destinando-se as providências cautelares a acautelar o efeito útil das acções de que dependem, importa atentar nos pedidos deduzidos na acção principal.

São eles: de (i) declaração de nulidade ou de anulação ou de ineficácia, do “Contrato Promessa de Cessão de Direito a Herança e Doação” datado de 10 de Junho de 1996 (…); de (ii) declaração de nulidade ou anulação ou ineficácia da “Procuração” outorgada em 07.05.1997 (…); de (iii) declaração de nulidade ou anulação ou de ineficácia da “Partilha por Óbito” outorgada em 14.04.2023, pela qual a ré mulher, munida da referida “Procuração”, adjudicou a si o prédio urbano sito em ..., ..., ..., composto de casa de habitação, descrito na ... CRP ... e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...84 ; e (iv) de cancelamento do registo de aquisição a favor da ré mulher, através da Ap. ...87 de 2023/05/19.

Sabe-se que o embargo de obra nova será injustificado “quando a acção principal correlativa não tenha por objecto a defesa ou reconhecimento do direito do gozo ou da posse sobre a coisa” – cf. Marco Gonçalves, Providências Cautelares, cit., p. 301; vd. o Ac. da RP de 19.02.2013, rel. Des. Francisco Matos, proc. n.º 1560/12.9TJPRT.P1, dgsi, que consignou o seguinte: “Se a acção a que corresponde o direito invocado - no embargo de obra nova preparatório ou instrumental daquela - não é uma acção de defesa ou reconhecimento do direito do gozo ou da posse sobre a coisa (art° 1037°, n°2, do CC), carece de fundamento legal o embargo que o arrendatário promoveu às obras dos senhorios”.

Ora, no caso dos autos, o embargo requerido não tem conexão material com os pedidos deduzidos na acção principal, uma vez que esta não tem por objecto “a defesa ou reconhecimento do direito do gozo ou da posse sobre a coisa”, mas sim a declaração de nulidade ou anulação ou ineficácia de determinados negócios jurídicos e não o reconhecimento da propriedade, de gozo ou da posse sobre o identificado prédio urbano onde a intervenção no telhado está a ser feita.”.

A tutela provisória que é requerida nos procedimentos cautelares tem de ser compatível com a tutela definitiva que foi pedida ou que virá a ser pedida na acção principal. É o que habitualmente se refere como a instrumentalidade hipotética dos procedimentos cautelares (art. 364º, nº 1, do NCPC).

Ora, a dependência do procedimento cautelar, expressa através da identidade entre o direito ou interesse acautelado e aquele que se faz valer na acção, implica que a causa de pedir do procedimento e da acção coincidam, ao menos em parte, embora possa não coincidir, normalmente, o pedido de uma e outra (vide L. Freitas, CPC Anotado, Vol. 2º, 2ª Ed., nota 2, ao anterior artigo 383º do CPC = ao actual 364º, pág. 17).

Isto é, o objecto da providência há-de ser conjugado com o objecto da causa principal. Embora não se pressuponha na acção e no procedimento uma total identidade de direitos que se pretendem tutelar, nem tão pouco se exija a alegação do mesmo circunstancialismo fáctico integrador da causa de pedir na acção definitiva e nos fundamentos da providência solicitada, a função instrumental que a lei atribui aos procedimentos não é compatível com um total divórcio entre os respectivos objectos. A identidade entre o direito acautelado e o que se pretende fazer valer no processo definitivo impõe, pelo menos, que o facto que serve de fundamento à providência integre a causa de pedir da acção principal (vide A. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do P. Civil, Vol. III, 4ª Ed., nota 33.2. ao anterior artigo 383º, págs. 152/153).

E, se a acção principal já se encontrar pendente, o pedido formulado no procedimento cautelar pode coincidir com o pedido formulado na acção principal. Se, p. ex., o autor instaurar uma acção para obter a retirada do mercado de uma obra, nada impede que, na pendência dessa acção e como incidente da mesma, solicite a providência cautelar de retirada imediata da obra (vide M. Teixeira de Sousa, CPC Online, nota 7 ao art. 364º).

Arrancando destes ensinamentos vemos que no nosso caso concreto a causa de pedir e o pedido são similares quer na acção principal e no procedimento cautelar, posteriormente instaurado. Em ambos os processos os recorrentes alegam os mesmos factos atinentes à sua qualidade de comproprietárias, em conjunto com a requerida mulher, do prédio urbano sito em ..., composto de casa de habitação, descrito na ... CRP ... e inscrito na matriz urbana sob o art. ...84 da freguesia ..., cuja propriedade se encontra todavia registada na CRP a favor da requerida, que esse registo assenta num contrato promessa de cessão de direito a herança e a doação e procuração e partilha que radicam em simulação, mas pedindo a respectiva nulidade (anulabilidade ou ineficácia), bem como o cancelamento do registo da propriedade a favor da requerida na acção principal, que foi previamente instaurada, e agora, no procedimento cautelar, acrescentando que os requeridos iniciaram obra na referida casa de habitação que os requerentes embargaram extrajudicialmente, obras essas que causam prejuízo às requerentes, carecem de utilidade e não foram autorizadas pelas mesmas, pelo que peticionam a ratificação de embargo extrajudicial levado a cabo.

Coincide em ambos os casos a causa de pedir, sendo que o pedido formulado na acção principal é pressuposto fáctico e de direito do pedido formulado no presente procedimento.

Com vista a que é feito este pedido no procedimento cautelar ?

Para defesa do invocado direito de propriedade das AA, que está subjacente na acção principal – como os recorrentes justamente realçam nas suas conclusões de recurso D- e E-.    

Verifica-se, pois, o referido pressuposto legal da instrumentalidade e dependência entre o procedimento cautelar e a acção principal.

De modo, que por aqui, não se pode acolher a fundamentação jurídica expressa na decisão apelada.

2.2. Na mesma decisão sobre o primeiro requisito legal supra elencado em a) escreveu-se que:  

“As requerentes não são titulares de um direito real (in casu a alegada compropriedade, em conjunto com a requerida: cf. CC: art.s 1305º, 1315º, 1316º e 1403º) ou pessoal de gozo, nem são possuidoras do imóvel a que respeita a obra alegada cujo embargo se pretende.

Com efeito, as requerentes lançaram mão da presente providência cautelar sem que esteja ainda definida a sua qualidade de comproprietárias (reconhecimento, aliás, não peticionado na acção principal). Na acção principal arrogam-se comproprietárias do imóvel visado com a alegada obra nova através dos pedidos de declaração de nulidade, por simulação, dos negócios jurídicos de “contrato promessa de cessão de direito a herança e doação”, “procuração”, “partilha por óbito” e consequente cancelamento do “registo de aquisição do imóvel a favor da ré mulher”, sobre o qual incidem as alegadas obras novas cuja ratificação judicial de embargo extrajudicial pretendem.

Quer dizer, a requerida mulher é a proprietária registal do imóvel onde as intervenções estão a ser realizadas, presumindo-se ser ela a proprietária do mesmo, já que goza da presunção – ainda que juris tantum, é certo - derivada do registo predial – cf. C.R.Predial: art. 7º: “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.

A qualidade de comproprietárias do imóvel onde estão a ser feitas as alegadas obras ainda não está comprovada nos autos - quoad erat demonstrandum -, ainda que perfunctoriamente, e é precisamente através da acção principal que as requerentes pretendem – ao menos implícita ou indirectamente - esse reconhecimento ao pedirem o cancelamento do registo predial da aquisição do imóvel a favor da requerida mulher.

Ou seja, a presente providência – como acima se salientou - não constitui um meio adequado para criar ou definir direitos, mas tão-só para acautelar ou proteger o direito que aparentemente exista. Para que as requerentes pudessem ver deferida a presente providência teriam de comprovar nos autos, sumariamente, a sua qualidade de comproprietárias; contudo, tal qualidade é que justamente falta comprovar e tanto assim o é que alegam factos nos primeiros 34 artigos do seu requerimento inicial tendentes a comprová-lo e, desse modo, servirem de substrato ou pressuposto – digamos assim - para o decretamento da providência, quando, na verdade, não é o presente o meio para criar ou definir o seu direito de compropriedade, mas sim a acção declarativa, podendo ver-se que o tentam fazer na acção principal que já instauraram.

Dito de outro modo: as requerentes pretendem no âmbito da presente providência fazer a prova da simulação dos negócios jurídicos que invocam e, por essa via, ver ser reconhecida a sua qualidade de comproprietárias sobre o imóvel constituído por prédio urbano sito em ..., ..., ..., composto de casa de habitação de rés-do-chão, dependências e logradouro, descrito na ... CRP ... e inscrito na respectiva matriz predial sob o art. ...84 da freguesia ..., no qual as obras que pretendem embargar estão a ser levadas a cabo pelos requeridos.

Razão por que um dos requisitos processuais de admissibilidade da providência em presença não se mostra preenchido.”.

Não se acompanha esta justificação.

Efectivamente as AA não são comproprietárias do prédio urbano identificado, como afirmam. São meras contitulares de herança indivisa na qual se integra o prédio, que se pode denominar como uma comunhão de mão comum.

Ora, as regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos (art. 1404º do CC). Logo têm acesso à providência cautelar de embargo de obra nova, como lhes consente o acima apontado art. 397º, nº 1 - direito de propriedade … comum…

Na mesma linha de raciocínio se posicionando Abrantes Geraldes (obra citada, Vol. IV, 4ª Ed., nota 72.1, ao anterior artigo 412º = ao actual art. 397º, pág. 254) e Teixeira de Sousa (ob. cit., nota 3 (a) ao mesmo art. 397º).

Daí que, liminarmente, inexista o obstáculo erguido pela 1ª instância. 

2.3. E sobre o segundo requisito supra elencado em b) disse-se que:

“Alegam as requerentes que no dia 23.05.2024 os requeridos deram início a obras na casa de habitação integrante do identificado prédio urbano e que no dia seguinte as embargaram extrajudicialmente, invocando, perante os visados, a sua qualidade de comproprietárias desse imóvel. Sustentam, a propósito, que:

i. não estão de acordo com a realização das obras;

ii. no momento do embargo extrajudicial cuja ratificação requerem, as telhas e a armação do telhado em madeira (ripas, traves e vigas) já haviam sido completamente removidas;

iii. já se encontravam colocadas, em cima da placa do telhado, um conjunto de vigas em aço leve que serviriam para suportar o novo telhado;

iv. o telhado que foi retirado encontrava-se em boas condições e não carecia de ser substituído;

v. estas obras causam prejuízo às requerentes, carecem de utilidade e não foram autorizadas por estas;

vi. as requerentes desconhecem a dimensão e o tipo de trabalhos que os requeridos pretendem levar a cabo no prédio dos autos, bem como o fim a que os mesmos se destinam.

vii. as requerentes não pretendem incorrer em despesas.

São estes os factos que as requerentes alegam para comprovar a realização pelos requeridos de uma obra, trabalho ou serviço novo que lhes causa ou ameaça causar prejuízo.

A doutrina e a jurisprudência tem vindo a modelar os casos que devem integrar os conceitos normativos de trabalho, serviço ou obra nova.

Neles se enquadram actos como a construção, a demolição, a escavação, a plantação ou o corte de árvores – cf. António Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. IV, cit., p. 255; cf. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, 3ª Ed., p. 195; Ac. da RP de 17.02.1998, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 474, p. 549.

Existem actos que são, porém, inócuos, do ponto de vista legal, no contexto das relações patrimoniais, quer dizer, juridicamente irrelevantes, para servir de base ao decretamento da providência de embargo. A lei restringe o embargo às obras consideradas relevantes do ponto de vista da tutela jurídica cautelar, excluindo, portanto, as chamadas obras meramente secundárias, os acabamentos ou o aproveitamento de obras anteriores. Por outro lado, por obra nova – ou seja, por novidade - pretende significar a obra que implique uma modificação substancial da coisa, “excluindo as que se traduzam em meras modificações superficiais ou na mera reconstrução de uma situação preexistente”. O caso da reconstrução de um edifício atingido por um incêndio, desde que não se verifique alteração significativa da estrutura anteriormente existente, não justifica a suspensão da obra – cf. António Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. IV, cit., p. 256; cf. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, II, cit., p. 195; vd. Ac. da RP de 09.02.1993, Colectânea de Jurisprudência, tomo I, p. 228.

No caso dos autos a obra embargada cuja ratificação é pretendida consiste na substituição de um telhado de um imóvel por outro, alegando-se que o telhado substituído estava bom, não carecendo de ser substituído, e não pretendendo as requerentes comparticipar na respectiva despesa.

Ora, como se disse, a lei apenas atende a obras, trabalhos ou serviços novos que impliquem modificação substancial da coisa, ou seja, em relação a obras novas relevantes, tais como a “abertura de novas portas ou janelas, com a remoção de uma cobertura de uma varanda e a demolição de paredes interiores, ou com a reconstrução de um edifício em ruínas, mas com diferente volumetria ou com novos pisos”, encontrando-se excluídas, por irrelevantes, as obras “meramente secundárias, os acabamentos ou o aproveitamento de obras anteriores tal como sucede, por exemplo, com a substituição de um telhado ou a reparação de uma parede” que mais não são que modificações “superficiais ou na mera reconstrução de uma situação preexistente” – cf. Marco Gonçalves, Providências Cautelares, cit, p. 300.

A substituição de um telhado, como alegado, não consubstancia, como vimos, uma obra nova, pois não é substancial, nem é relevante, pelo que se mostra fora do âmbito normativo da presente providência cautelar.”.

De novo não se acompanha esta justificação.

Por um lado, concorda-se, com a justificação jurídica, que por obra nova – ou seja, por novidade – pretende significar-se a obra que implique uma modificação substancial da coisa, excluindo as que se traduzam em meras modificações superficiais ou na mera reconstrução de uma situação preexistente, como o caso da reconstrução de um edifício atingido por um incêndio, desde que não se verifique alteração significativa da estrutura anteriormente existente, não justifica a suspensão da obra.

De outra parte, temos por pertinente afirmar que obra nova tanto significa a que é feita pela primeira vez como toda a obra que é feita em obra antiga, modificando-a ou alterando a sua situação de modo que uma ou outra seja capaz de alterar o estado da coisa. A novidade é a modificação que da obra deriva de maneira a que revista o carácter de uma inovação relativamente ao estado anterior (Moitinho de Almeida, ob. cit., págs. 13/14).

Que o facto seja novo, isto é, que não seja a reprodução ou a repetição, pura e simples, de facto anterior (A. dos Reis, CPC Anotado, Vol. II, pág.63).

Obra nova, é algo que não existia anteriormente ou que não existia antes com as características que agora tem ou pode vir a ter (Teixeira de Sousa, ob. cit., nota 2 (b) ao referido art. 397º).

No caso dos autos a obra embargada cuja ratificação é pretendida consiste na substituição de um telhado de um imóvel por outro, alegando-se que as telhas e a armação do telhado em madeira (ripas, traves e vigas) já haviam sido completamente removidas, já se encontrando colocadas, em cima da placa do telhado, um conjunto de vigas em aço leve que serviriam para suportar o novo telhado. Dada esta diferença de materiais entendemos que estamos perante uma inovação relativamente ao estado anterior, que não é a repetição do facto anterior, que as características anteriores não são as que agora tem ou pode vir a ter. Já para não falar na aparência/estética do novo telhado.

Daí que, entendendo-se que se está perante obra/trabalho novo, liminarmente, não exista o obstáculo erguido pela 1ª instância.

2.4. E, finalmente, sobre o terceiro requisito supra elencado em c) deixou-se dito que:

“A presente providência exige, nos seus pressupostos, como vimos, a existência de um prejuízo ou de uma ameaça de prejuízo causado ao titular do direito real ou pessoal ou ao possuidor.

Com efeito, o embargo apenas poderá ser decretado desde que se verifique, pelo menos, a possibilidade de ocorrência de danos irreparáveis ou de difícil reparação; mas ainda que se entenda que este prejuízo coincida apenas com a lesão ou ameaça de lesão do direito, sempre seria de concluir que a substituição de um telhado de uma moradia por outro para ser aplicado no mesmo lugar dificilmente poderia integrar o conceito de lesão ou de prejuízo para o titular do direito, pois não deixaria de considerar-se um melhoramento – uma benfeitoria - necessário ou útil e não uma obra de alteração substancial da cisa – vd. CC: art. 216º; cf., sobre o ponto, com interesse, Marco Gonçalves, Providências Cautelares, cit, pp. 302 a 304.”.

Mais uma vez não se acompanha esta justificação.

Na verdade, tem sido entendido pacificamente pela jurisprudência e maioria da doutrina que a lei prescindiu da quantificação e da qualificação dos prejuízos. Uma vez demonstrado que a actuação do requerido ofende direitos de natureza patrimonial inscritos na previsão normativa é indiferente para efeitos de procedência dos embargos a gravidade dos danos, tendo sido afastada uma opção assente no princípio da proporcionalidade assumido no procedimento cautelar comum (arts. 368º, nº 2, e 376º, nº 1, do NCPC).  

Ou seja, a ofensa do direito de propriedade importa, por si só, um dano jurídico justificativo do embargo (vide A. dos Reis, ob. cit., págs. 64/65, Moitinho de Almeida, Embargo ou Nunciação de Obra Nova, 3ª Ed., pág. 19, L. Freitas, ob. cit., nota 7. ao artigo 412º do anterior CPC = ao actual art. 397º, pág. 147/148 e Teixeira de Sousa, ob. cit., nota 9 ao art. 397º).

Daí que, mais uma vez, e liminarmente, inexista o obstáculo erguido pela 1ª instância.

(…)

 IV – Decisão

 

Face ao exposto, julga-se o recurso procedente, assim se revogando a decisão apelada, ordenando-se em consequência o prosseguimento dos autos.

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Sem custas.

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Coimbra, 19.9.2024

  Moreira do Carmo