OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
DESPEDIMENTO
RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
DEDUÇÕES
LIQUIDAÇÃO
Sumário


Não há que recorrer a incidente prévio de liquidação no caso de o título executivo sentença/acórdão conter todos os factos que permitem balizar o cálculo das retribuições intercalares através de simples regras matemáticas, como seja o valor da retribuição e período temporal a atender.
Se a ora embargante na ação declarativa não pediu a dedução nas retribuições intercalares dos rendimentos que o trabalhador haja auferido após o despedimento, fica precludido o direito de o fazer posteriormente, ressalvados os rendimentos reportados a período posterior ao encerramento da audiência de julgamento e enquanto fundamento de oposição à execução - 729º, g), CPC

Texto Integral


Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Corre termos a acção executiva em que é exequente AA e executada ““EMP01..., Lda.

O título executivo exibido é a sentença proferida em 19-11-2021, conjugada com o acórdão desta RG proferido em 10-07-2023, que a alterou parcialmente, em cujo dispositivo, na parte que ora releva, ficou a constar:

c) Declara-se a ilicitude do despedimento do Autor, levado a cabo pela Ré, pelo que, em consequência, deverá a aqui Ré EMP01..., Lda.” liquidar ao Autor AA:
i) a quantia de 13.149,16 € (treze mil, cento e quarenta e nove euros e dezasseis cêntimos) a título de indemnização em substituição da reintegração, quantia a que deve ser deduzido o montante de € 438,94 (quatrocentos e trinta e oito euros e noventa e quatro cêntimos), devido à ré pelo autor;
ii) “ as retribuições devidas entre 03/05/2020 (30 dias antes da propositura da presente ação) e a data de trânsito em julgado da decisão final que declara a ilicitude do despedimento, à razão de 773,48€ (setecentos e quarenta e três e quarenta e oito cêntimos) mensais”;
iii) sendo todas estas quantias acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos até integral pagamento, sobre as referidas quantias, sendo a de i) desde a data de cessação do contrato e as de ii) desde as respetivas datas de vencimento de cada retribuição”.
O acórdão considera-se transitado em julgado em 13-09-2023.
Ressalve-se que (como explicado no acórdão da RG que serve de título executivo) a anterior decisão proferida no despacho saneador de 12-12-2020 (que declarou precocemente a ilicitude do despedimento) foi revogada por outro acórdão desta RG de 16-12-2021, determinando-se o prosseguimento dos autos, pelo que nenhum efeito produziu.
Em 19-09-2023, foi apresentado requerimento executivo, nele sendo liquidada a quantia global de 49.002,68€, a título de indemnização, retribuições intercalares e juros de mora, correspondendo 31.712,68€ a retribuições devidas entre 03/05/2020 e a data do requerimento executivo, à razão de 773,48€.
Foram deduzidos embargos de executado, onde se sustentou: extinção da execução por iliquidez da obrigação; falta de causa de pedir uma vez que não se vislumbra como o exequente calculou o valor 31.712,68€, nem qual o período de referência das retribuições intercalares, não tendo sido mencionado o trânsito em julgado da sentença; dedução nas remunerações intercalares das importâncias auferidas pelo exequente em atividade iniciada posteriormente ao despedimento.
Foi deduzida contestação onde, entre o mais, foi refutado que: a sentença apresentada à execução é um título executivo cujo quantia exequenda é certa, dependendo a sua liquidação de simples cálculo aritmético; a embargante na ação declarativa não alegou a factualidade atinente às importâncias auferidas pelo exequente em outras actividades, pelo que não foi considerada na sentença qualquer dedução, razão pela qual, a admitir-se a possibilidade de dedução das quantias recebidas, só poderia ser considerada por referência ao período posterior à prolação do acórdão que decidiu o recurso interposto.

Foi proferida sentença, ora alvo de recurso, a julgar a oposição parcialmente procedente nos seguintes termos:
“Termos em que, pelas razões aduzidas:
a) julgo improcedentes as invocadas exceções de falta de título executivo e falta de causa de pedir;
b) determino a dedução à quantia exequenda das retribuições intercalares peticionadas por referência à data posterior a 30/5/2022 e, consequentemente, determino o prosseguimento da execução com vista ao pagamento coercivo da totalidade das quantias reclamadas, com ressalva das quantias referidas nos arts. 2.º e 4.º do requerimento executivo, ficando a quantia exequenda, no que tange a tais artigos, restringida nos seguintes termos:
1. quanto às retribuições intercalares, fica a quantia exequenda restringida ao valor total de 22.559,82€, relativo às retribuições intercalares atinentes ao período de 3/5/2020 a 30/5/2022;
2. quanto aos juros de mora relativos às retribuições intercalares, ficam os mesmos restringidos aos vencidos desde o dia seguinte ao último dia do mês a que respeitam as retribuições devidas, sendo que, no que concerne ao subsídio de Natal, os juros de mora contam-se a partir de 15 de dezembro de cada ano civil e, quanto ao subsídio de férias, os juros serão contados desde o primeiro dia do ano civil subsequente.
Custas a cargo da embargante e do embargado, na proporção de 80% para aquela e 20% para este (cfr. art. 446.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), sem prejuízo do apoio judiciário de que goza a embargante, fixando-se aos embargos o valor de 49.002,68€.”

A EMBARGANTE/EXECUTADA RECORREU.CONCLUSÕES:
“A. A sentença proferida nos autos principais e confirmada por Acórdão, já transitou em julgado, condenou a executada a pagar ao exequente as retribuições devidas desde 03/05/2020 até a data do trânsito em julgado da Douta Sentença
B. A presente execução não pode ser instaurada sem que previamente se liquide a quantia ainda em dívida, em incidente de liquidação instaurado nos termos do disposto no art.º 358.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
C. A Douta Sentença e o Douto Acórdão proferidos em sede da Acção Declarativa, não se pronunciaram em concreto sobre a questão do momento a atender como limite temporal final das prestações intercalares. Não é possível ao exequente pedir em sede de execução o pagamento de prestações pecuniárias que não constem do título executivo.
D. Assim, deveria ser declarada extinta a execução e ordenando-se o imediato levantamento de todas as penhoras levadas a cabo pelo exequente ou caso assim não se entenda, deveria ser declarada extinta a execução quanto à al. c), ii) e iii) da Douta Sentença, e que se reporta ao montante peticionado de €31.712,68, bem como, os respetivos juros correspondentes a €2.660,90 constante no requerimento executivo.
E. Salvo entendimento contrário, violou o Tribunal a quo, os arts. 358º, 713º, 716º, entre outros, do CPC.
Sem prejuízo, e caso assim não se entenda,
F. Com todo o devido respeito por entendimento contrário, a Recorrente não concorda com a fixação do montante de €22.559,82.
G. Conforme resulta e se apurou nos autos principais, o Recorrido auferia ao serviço da Recorrente a quantia de €773,48 (setecentos e setenta e três euros e quarenta e oito cêntimos) – al. I) dos factos dados como provados.
H. Para o efeito, a Recorrente foi condenada a pagar as retribuições devidas entre 03/05/2020 (30 dias antes da propositura da presente ação) e a data de trânsito em julgado da decisão final que declara a ilicitude do despedimento, à razão de 773,48€ (setecentos e setenta e três euros e quarenta e oito cêntimos) mensais;
I. Vislumbrando o requerimento executivo, foi indicado e peticionada a quantia de €31.712,68, referente a retribuições devidas entre 03/05/2020 até à data da entrada do Requerimento Executivo (Setembro de 2023).
J. Porém, na Douta Sentença, o Tribunal a quo acrescentou àquela quantia o montante de €3.222,82, no total de €34.935,50.
K. Assim sendo, o referido valor deverá ser deduzido às retribuições devidas, o que implicaria não ser devido quaisquer retribuições intercalares ao Recorrido.
Sem prejuízo, e caso assim não se entenda,
L. Desde a instauração da ação (03/05/2020) até ao encerramento da discussão de julgamento (30/05/2022), decorreram 25 meses, e assim sendo, o Recorrido tem direito a €19.337,00 {€773,48 x 25 meses).
M. Após o encerramento da discussão e julgamento (3/05/2022) até o trânsito em julgado da Douta Sentença (13/09/2023) conforme os factos dados como provados, o Recorrido sempre auferiu remunerações superiores a €773,48, pelo que não serão contempladas nos cálculos.
N. Às remunerações intercalares são dedutíveis as importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo exequente, aqui Recorrido, em atividades iniciadas posteriormente ao despedimento.
O. O Tribunal, por sua iniciativa, relevou os subsídios de férias e de natal como retribuições intercalares – o que não é admissível.
P. Em contrapartida, de igual ponto de vista, o Tribunal a quo não relevou as quantias que o Recorrido auferiu em comissões, subsídio de natal e subsídio de férias enquanto laborava para a empresa EMP02....
Q. Face ao exposto, o Tribunal a quo violou o art. 390º do CT, porquanto – salvo entendimento contrário - carece de legitimidade de condenar a Recorrente em retribuições que não foram peticionadas, e também, apenas calculou as retribuições intercalares relacionadas com subsídios de férias e de natal desde o período de 2020 a 2023, contudo, não procedeu de igual forma à dedução das quantias que o Recorrido auferiu enquanto prestava outra atividade profissional, nomeadamente, respeitantes a comissões, subsídio de férias e de natal.
R. Neste prisma, com base no extrato da Segurança Social, deveria o Tribunal a quo deduzir as retribuições (salário, subsídio de férias e de natal e comissões) auferidos na EMP02....
S. Foi violado o art. 390º do CT.
T. Deverá portanto, ser alterada a Douta Decisão, e considerar-se que as retribuições intercalares se computam em €19.337,00 (dezanove mil trezentos e trinta e sete euros) e não em €22.559,82.
U. Destarte, tal quantia a título de subsídio de férias e de natal ascende a €3.222,82, e que não foi peticionada pelo Recorrido.
V. Por outro lado, o Tribunal apurou a retribuição do subsídio de férias e de natal do Recorrido, e de igual forma teria de apurar o subsídio de férias e de natal e comissões.
W. Pelo que, a Douta Sentença padece de nulidade.
NESTES TERMOS e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, e, em consequência, deverá ser revogada a Douta Sentença, com as devidas consequências legais.”
SEM CONTRA-ALEGAÇÕES.
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO - emitiu-se parecer no sentido da improcedência do recurso.
Não foram apresentadas respostas ao parecer do M.P.
O recurso foi apreciado em conferência – 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR: sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente[1], importa apreciar : nulidade por excesso de pronúncia por se incluir os subsídios de férias e de natal no cálculo das retribuições devidas;  necessidade de recorrer a incidente de liquidação para fixar o valor exequendo -358º, 2, CPC; dedução de rendimentos nas retribuições intercalares;  valor das retribuições intercalares/inclusão do subsidio de férias/natal.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS: serão tidos em conta os que resultam do relatório.
B) NULIDADE DE SENTENÇA POR EXCESSO DE PRONÚNCIA
O seu fundamento é a “inclusão no cálculo das retribuições dos subsídios de férias e de natal”.
A resposta à questão não carece de profundidade maior.
Para o efeito recordamos o conceito de nulidade de sentença em causa:
Segundo o artigo 615º, 1, CPC, é nula sentença quando:
…d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
O execesso de pronúncia sobre “questões” refere-se aos pedidos deduzidos, causas de pedir e excepções, conforme tem sido decidido uniformemente pela jurisprudência (por exemplo pelo STJ, acórdãos de 13-01-2005, 12-05-2005 e 6-11-2019, www.dgsi.pt.) e acolhido pela doutrina. Não há assim que confundir o significado de “questões” com as razões invocadas para fundamentar o pedido, nem com os contra-argumentos invocados para fundamentar a defesa (vd Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito de Processo Civil, vol. II, 2ª ed., p 437).
No caso estamos perante um processo executivo cujo título é uma sentença/acórdão. O rastreio deste tipo de nulidade é, assim, relativamente fácil por confronto com o requerimento executivo que normalmente é uma peça curta e de fácil apreensão.
No caso verifica-se que o exequente com referência à data do requerimento executivo pediu o total de 49.002,68€, a título de indemnização, retribuições intercalares e juros de mora, correspondendo 31.712,68€ a retribuições devidas entre 03/05/2020 e a data do requerimento executivo.
O que motiva o recurso cinge-se à fixação das retribuições intercalares.
Ora, o juiz a quo disse “quanto às retribuições intercalares, fica a quantia exequenda restringida ao valor total de 22.559,82€, relativo às retribuições intercalares atinentes ao período de 3/5/2020 a 30/5/2022”, além dos juros conforme referido no relatório.
Não se percebe, pois, a invocação de excesso de pronúncia. Foram pedidas retribuições intercalares e o juiz fixou retribuições intercalares, conceito jurídico amplo que compreende os subsídios de férias e de natal.
Ademais, se atentarmos no título executivo- a sentença de 1ª instância de 6-07-2022 que nesta parte foi mantida- nela consta que foram peticionadas as retribuições intercalares, incluindo subsidio de férias e de natal conforme al. e) do relatório da sentença, tendo tal pedido sido julgado procedente. O que foi mantido intocado no acórdão proferido pela Relação de Guimarães em 10-07-2023 (que se limitou, essencialmente, a analisar a questão da existência de contrato de trabalho em trabalhador com função de gerente).
Caso o recorrente estivesse a pensar noutro tipo de nulidade e não o soubesse dizer, sempre se diga que não se vislumbra vício por condenação em algo diferente do pedido. Segundo o referido artigo 615º, 1, CPC há nulidade de sentença quando: ...…e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. Esta disposição relaciona-se com uma outra, a saber, o artigo 609º/1, CPC, que estipula: ”A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”.

Estas normas são, sobretudo, informadas pelo princípio do dispositivo segundo o qual compete às partes escolher a tutela e providência que pretendem, incluindo o quantum indemnizatório, e não ao juiz. Mormente se a parte pede menos, o juiz não lhe poderá dar mais, excepto se estivermos no campo dos direitos indisponíveis. Sublinhe-se, porém, que o limite quantitativo do juiz é o global e não o parcelar, como o tem considerado larga jurisprudência.
Mas no caso a questão nem sequer é pertinente porque o juiz reduziu o montante de retribuições intercalares, inclusive abaixo do pedido parcelar.
Improcede a arguição de nulidade.

C ) DIREITO
Quanto à necessidade de recurso a incidente de liquidação prévia:
Sabe-se que o recurso imediato à execução da obrigação em divida pressupõe que o seu objecto esteja determinado- 400º e 817º CC. A determinação pode ser qualitativa (“o que é”) ou quantitativa (“quanto é”). A determinação quantitativa refere-se à liquidez da obrigação, que é o que está em causa- Rui Pinto, Acção Executiva, AAFDL, 2020, pág. 237/8.
A “liquidez” pode ser obtida nos termos do artigo 358º (incidente de liquidação declarativo que não dependa de simples cálculo aritmético) ou do 716º (que depende de simples cálculo aritmético), ambos do CPC.
O primeiro - incidente de liquidação- pressupõe que tenha sido proferida sentença de condenação genérica, por não haver elementos para fixar o objecto ou a quantidade em que o réu é condenado- 358º, 2, 609º, 2, CPC.
O segundo - simples cálculo aritmético- é feito preliminarmente na própria execução, desde que estejam assentes no título executivo os factos essenciais que balizam o cálculo.

O simples cálculo aritmético “assenta em factos que ou estão abrangidos pela segurança do título executivo ou podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução…O autor não tem de alegar aqueles factos para efeito de prova.…A liquidação que não depende de simples cálculo aritmético...assenta em factos...que, por não estrem abrangidos pela segurança do título executivo, não serem notórios...são passíveis de controversão” - Rui Pinto, ob cit. p.244 e 245.
Ora, no caso, o titulo executivo sentença/acórdão contém todos os factos que permitem balizar o cálculo através de simples regras matemáticas: valor da retribuição e período temporal a atender. Depois basta fazer contas. A liquidação poderia e deveria ter feita, como foi, com recurso ao disposto no artigo 716º CPC. O contrário representaria um uso judicial desnecessário
Veja-se ac. STJ de 13-09-2023, p. 2386/22.7T8VNF-A.S1(“Proferida sentença a declarar a ilicitude do despedimento e a condenar, em termos genéricos, no pagamento de retribuições intercalares, o Autor já tinha título executivo para todas as quantias devidas a esse título... E quando a liquidação, como é o caso, depende de mera operação aritmética, pode e deve proceder-se a ela na própria execução (art. 716º, do CPC), não havendo lugar ao incidente da instância de liquidação (em sentido técnico), previsto no artº 358º do CPC;” - www-dgsi.pt
É assim correcto o vertido na decisão recorrida, que selecionámos na sua parte mais assertiva:
“No caso, afigura-se-nos ser evidente que não era necessário o prévio recurso ao incidente de liquidação pois que a sentença continha em si mesma a determinação de todos os factos necessários ao apuramento do valor da obrigação referida em C. ii., como seja a data do início do vencimento das retribuições intercalares (3/5/2020) e o valor da retribuição mensal a considerar (773,48€), ficando apenas a faltar, como facto necessário ao apuramento do valor determinado no ponto C. ii., a fixação da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, facto este que o tribunal, por consulta dos termos do processo declarativo, poderia oficiosamente coligir para os autos e oficiosamente conhecer (vide art. 5.º, n.º 2, alin. c), do CPC).
Daí que se imponha concluir que, não tendo sido determinada, na sentença condenatória, qualquer operação de dedução ao valor das retribuições intercalares, não era ónus do exequente recorrer ao prévio incidente de liquidação de sentença.
Há que atentar que a liquidação pós-sentença visa tão só concretizar o objeto da ação declarativa, funcionando como um complemento da anterior sentença, esta sim condenatória.
Tudo serve para dizer que se nos afigura que poderia o exequente recorrer, como recorreu, à liquidação incidental prevista nos art. 716.º, n.º 1, do CPC (vide n.º 5), quer no que tange aos juros moratórios, quer no que tange às retribuições intercalares.”
Improcede a questão.

***
Se há que deduzir retribuições intercalares, pelo menos após o encerramento da audiência de julgamento:
O título executivo sentença delimita tanto o que pode ser pedido, como o que pode ser invocado para extinguir ou modificar a obrigação -729º CPC. O que decorre do efeito do caso julgado. Transitada que esteja a decisão condenatória (a que ao caso interessa) a mesma passa a ter força obrigatória, podendo ser executada nos seus precisos termos- 619º e 626º CPC. Assim, o exequente não pode pedir mais do que a sentença lhe concede, nem o executado pode opor factos que poderia/deveria ter apresentado na ação declarativa.
Verifica-se que na acção declarativa o então réu e ora embargante não pediu a dedução de rendimentos que o trabalhador/embargado pudesse ter auferido após o despedimento e que não receberia caso não fosse este evento. Consequentemente na sentença não se ordenou a dedução de quaisquer rendimentos laborais, o que, aliás, não é oficioso, tem de ser pedido.
Ficou, pois, precludido o direito de o fazer posteriormente, ressalvados os rendimentos reportados a período posterior ao encerramento da audiência de julgamento e enquanto fundamento de oposição à execução, como tem considerado a jurisprudência - Veja-se ac. desta RG de 2-02-2023, proc. 1500/21.4T8VCT.G1 que se pronuncia sobre a questão no âmbito da acção declarativa, e ac. STJ de 25-03-2010, p. 690/03.2TTAVR-B.C1.S1 que se pronuncia sobre a questão no âmbito de oposição à execução considerando que “os “rendimentos paralelos”, desde que reportados ao período subsequente àquele encerramento (discussão em 1ª instância), podem e devem fundamentar a oposição à execução ulterior... sendo, neste caso, indiferente que a sentença declarativa lhes dedique, ou não, expressa pronúncia.”- www.dgsi.pt
No mesmo sentido, admitindo que às retribuições intercalares sejam deduzidos rendimentos que o trabalhador haja recebido noutras actividades, embora não pedidas na acção declarativa, mas somente se referentes a período posterior ao encerramento de julgamento em 1ª instância e como fundamento de oposição à execução, veja-se, além dos citados na decisão recorrida, o ac. STJ de 17-06-2010, p. 615-B/2001.E1.S1 (s“2. Não tendo a executada suscitado, na acção declarativa, a questão da dedução dos rendimentos de trabalho auferidos pelo exequente em actividades iniciadas após o despedimento, e sendo aí proferida condenação em quantia certa quanto ao valor das retribuições intercalares, em sede de execução, os mencionados rendimentos, desde que reportados ao período subsequente ao encerramento da audiência de discussão e julgamento na acção declarativa, podem fundamentar a oposição, nos termos da alínea g) do artigo 814.º do Código de Processo Civil, sob a iniciativa alegatória da executada.”).
Ora, precisamente, o juiz a quo seguiu este entendimento e na decisão de oposição à execução restringiu temporalmente o recebimento das retribuição intercalares a 30-05-2022, ou seja, à data do encerramento da discussão de audiência de julgamento por considerar que, a partir de então, o embargado recebeu rendimentos superiores, materialidade fundamento de oposição à execução enquadrável no disposto no artigo 729º, g), CPC (“fica a quantia exequenda restringida ao valor total de 22.559,82€, relativo às retribuições intercalares atinentes ao período de 3/5/2020 a 30/5/2022;”-sic)  
Referiu-se a este propósito:
“Da dedução das retribuições intercalares
Resta verificar se a embargante pode, como pretende, pedir, nesta sede executiva, que se proceda à dedução ao valor das retribuições intercalares que teria a pagar ao exequente (nos termos da condenação proferida na ação principal) das quantias recebidas pelo exequente na sequência do despedimento, por virtude de trabalho dependente ou independente por si realizado.
Quanto às retribuições auferidas até à data do encerramento da discussão da causa em 1.ª instância, afigura-se-nos claro que a embargante não poderá peticionar, em sede da execução, e através dos presentes embargos, o seu desconto.
De facto, a dedução nas prestações intercalares, reportada à alínea a) do n.º 2 do artigo 390.º do CT, constitui uma exceção extintiva, nos termos dos arts. 395.º e 342.º, n.º 2, do CC, pelo que, estando tal direito na disponibilidade das partes, cumpria à embargante exercê-lo processualmente no tempo oportuno, ou seja, em sede de contestação, nos termos dos arts. 571.º, n.º 2, 2.ª parte, e 573.º, n.º 1, do CPC, sob pena de ficar precludido o direito de ulteriormente suscitar tal questão, ficando o tribunal impedido, por força da autoridade do caso julgado, de ulteriormente se pronunciar a seu respeito.
Há que atentar que, como efeito preclusivo, a autoridade de caso julgado relaciona-se essencialmente com a posição passiva na acção judicial: ao contrário do autor, o réu tem o ónus da fundamentação exaustiva da sua defesa em obediência ao princípio da concentração da defesa na contestação.
…Efetivamente, a figura do efeito preclusivo decorrente das normas constantes dos artigos 564.º, alínea c), e 573.º do CPC, impõe ao demandado o ónus da oportuna dedução de todos os meios de defesa que considere ter ao seu dispor no confronto da pretensão do autor, sob pena de lhe ficar vedada a possibilidade de colocar questões não abordadas e decididas em ações futuras que corram entre as mesmas partes.
Perante tal, impõe-se concluir que “o empregador tem o ónus de alegar e requerer até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em primeira instância, que sejam descontados os rendimentos auferidos pelo trabalhador até essa data e que não teria obtido caso não fosse o despedimento, por serem factos extintivos, sob pena de, não o fazendo, ficar definitivamente precludido o direito de que sejam deduzidos”- cfr. Ac da RE de 29/4/2021, processo n.º 2282/18.2T8STR-A.E1, disponível in www.dgsi.pt.
Ora, no caso, não tendo a embargante, na ação declarativa, formulado qualquer pedido de dedução nas retribuições intercalares, não pôde o Tribunal da 1.ª instância indagar sobre tal factualidade, por não ser de conhecimento oficioso a dedução prevista na referida alínea a) n.º 2 do artigo 390.º do CT, razão pela qual veio a condenar a aqui embargante no pagamento do valor total das retribuições devidas desde 30 dias antes da propositura da ação e até ao trânsito em julgado da sentença.
A questão que se coloca, então, é a de saber se deve admitir-se o pedido de dedução nas retribuições intercalares vencidas após o encerramento da discussão da causa em 1.ª instância.
No Ac. do STJ de 12/7/2007, processo n.º 06S4104, disponível in www.dgsi.pt, defendeu-se que, face ao disposto na alínea g) do art. 814.º, do antigo CPC - atual art. 729.º, alin. g), do CPC-, é de admitir que os rendimentos eventualmente auferidos pelos trabalhador após o encerramento da discussão na 1.ª instância possam, na ação executiva, vir a ser considerados, em sede de oposição, como factos extintivos ou modificativos da obrigação exequenda, irrelevando, para tal fim, o facto de na sentença condenatória se fazer, ou não, menção à eventualidade de, na execução, poderem vir a ser considerados, para efeitos de dedução, os montantes de rendimentos do trabalho auferidos pelo trabalhador após o encerramento da discussão.
No mesmo sentido concluiu o Ac. do STJ de 10/7/2008, processo n.º 08S457, disponível in www.dgsi.pt, tendo-se aí afirmado que “Quanto aos eventuais rendimentos auferidos após o encerramento da discussão da audiência de julgamento, uma vez que a entidade empregadora não teve oportunidade de na acção declarativa alegar e provar os mesmos (art. 663.º, n.º 1, do CPC), é possível àquela entidade alegar e provar tais rendimentos em sede de oposição à execução”.
Acolhendo a referida jurisprudência, afigura-se-nos ser de admitir que a embargante deduza nesta sede a pretendida dedução nas retribuições intercalares vencidas após o encerramento da discussão em 1.ª instância das quantias que, a partir daí, foram recebidas pelo exequente, mercê do exercício de outra atividade profissional.
E quando é que se deu o encerramento da discussão em 1.ª instância?
Com o encerramento da audiência final (cfr. art. 607.º, n.º 1, do CPC), momento a partir do qual as partes ficaram impedidas de apresentar articulados supervenientes e proceder à alteração dos pedidos sem o acordo da parte contrária (vide arts. 265.º, n.º 2, e 588.º, n.º 1, do CPC).”-
É assim de manter o decidido.
Quanto à fixação das retribuições e juros:
Acolhe-se o que se disse na sentença por se mostrar correcto, remetendo-se no mais para o acima dito quanto ao facto de o titulo executivo contemplar todas as retribuições, incluindo os subsídios de férias e de natal logo peticionados na ação declarativa:
“Ora, visto o alegado no art. 2.º do requerimento executivo e a dedução acima admitida (retribuições auferidas após a data do encerramento da discussão em 1.ª instância) e considerando que a audiência final veio a ser encerrada em 30/5/2022, data até à qual a embargante poderia ter apresentado um articulado supervivente para alegar os factos justificativos do pedido de dedução, e visto que, após tal data, nos termos que resultam da factualidade assente, o exequente auferiu sempre retribuição de trabalho dependente superior à retribuição fixada como referência no ponto C) ii. da sentença em execução, teremos de concluir que ao exequente apenas assiste o direito de haver as retribuições intercalares devidas de 3/5/2020 a 30/5/2022, e não a totalidade do valor de retribuições intercalares que reclama, ou seja, as devidas desde 3/5/2020 e até 13/9/2023, pedindo assim 41 vezes o valor de 773,48€ (31.712,68€/773,48€=41).
Sistematizando, no ano de 2020, a título de retribuições intercalares, o exequente tinha direito a 8 (oito) retribuições (de 3/5/2020 a 31/12/2020), o que perfaz o valor de 6.187,84€, mais o proporcional do subsídio de férias e de Natal atinente às intercalares a considerar em tal ano, que se cifram no valor cada de 515,65€ (773,48€/12*8) , o que perfaz o valor global de 7.219,14€
No ano de 2021, tinha direito a 14*773,48€, o que perfaz o valor global de 10.828,72€.
E no ano de 2022 tinha direito a 5 retribuições (relativas aos salários devidos de 1/1/2022 até 30/5/2022), no valor de 3.867,40€, mais o proporcional de subsídio de férias e de Natal, no valor cada de 322,28€ (773,48€/12*5), o que perfaz o valor total de 4.511,96€.
Assim, operando a dedução excecionada pela embargante, conclui-se que as retribuições intercalares devidas ao exequente se cifram no valor total de 22.559,82€, e não no valor reclamado de 31.712,68€, devendo, consequentemente, ser reformulados os juros de mora reclamados por referência a tais retribuições, que se cingirão àqueles vencidos desde o dia seguinte ao último dia do mês a que respeitam as retribuições (cfr. art. 278.º,n.ºs 1 a 3, do CT), sendo que, no que concerne ao subsídio de Natal, os juros de mora contam-se a partir de 15 de dezembro de cada ano (cfr. art. 263.º, n.º 1, do Código Civil) e, quanto ao subsídio de férias, os juros serão contados desde o primeiro dia do ano civil subsequente (vide disposições conjugadas dos arts. 240.º, n.º 1, e 264.º, n.ºs 2 e 3, do CT).”

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.
3-10-2024

Maria Leonor Barroso (relatora)
Antero Dinis Veiga
Francisco Sousa Mendes


[1] Segundo os artigos 635º, 639º e 640% do CPC, o âmbito do recurso e a área de intervenção do tribunal ad quem é delimitado/balizado pelas questões e conclusões suscitadas pelo recorrente.