PLATAFORMA DIGITAL
“ESTAFETA”
CONTRATO DE TRABALHO
INDICADORES DE LABORALIDADE
MÉTODO INDICIÁRIO
Sumário


I- Ao caso não é aplicável a presunção de laboralidade em trabalho suportado em plataforma digital -Lei 13/2023, de 3 de abril.
II- O traço característico do contrato de trabalho é a subordinação jurídica, actualmente entendida como a sujeição da actividade prestada pelo trabalhador a parâmetros importantes ditados pelo empregador, que assim gere e conforma a execução do trabalho. O trabalhador não exerce actividade segundo a sua própria organização, mas sim inserido num ciclo produtivo de trabalho alheio e em proveito de outrem.
III- O peso e a valoração dos diversos indicadores de laboralidade variam e devem ser sopesados em função do quadro específico e do modo como se organiza a actividade em causa.
IV- A revolução digital, a inteligência artificial, a automação, e em especial a actividade prestada em plataforma digital, transformaram as relações e a forma de organizar de trabalho. O distanciamento destas realidades relativamente aos modelos clássicos demanda uma abordagem diferente da tradicional na distinção entre trabalho autónomo e trabalho dependente.
V- Nessa perspectiva, a ausência de certos indícios tradicionais não é incompatível com o reconhecimento do vínculo laboral, mormente horário e local de trabalho, exclusividade e instrumentos de trabalho que se afigurem subalternizados.
VI- A ré EMP01... não é uma mera intermediária tecnológica, mas sim uma empresa que através de plataforma digital explora um negócio de recolha e entrega de mercadorias e dita as condições essenciais da sua execução, mormente cria e organiza o sistema de processamento do serviço. Os clientes são seus e é a ré a fixar as condições e os critérios que mais determinam o preço.
VII- O essencial do circuito produtivo está padronizado e centralizado na ré EMP01... através da gestão da plataforma informática, onde se processam as transações (compras e vendas), onde a ré distribui as entregas de mercadorias pelos estafetas com recurso ao uso de GPS da App, onde se insere o preço/taxa das entregas, etc.
VIII- A infraestrutura essencial da actividade em causa é o software gerido pela ré, sem a qual o negócio não se processaria. A propriedade do smartphone, motorizada e mochila por parte dos estafetas é acessória e secundária.
IX- A ampla possibilidade que a ré EMP01... tem de desligar o estafeta do acesso à App caso este deixe “de cumprir ou atingir os requisitos destes Termos” representa o exercício de um poder sancionatório, atenta a sua amplitude e consequências (deixa de receber pedidos de entregas, leia-se suspensão/cessação da actividade).
X- Constitui indicador de laboralidade o facto de os critérios essenciais de determinação da retribuição serem fixados pelo beneficiário da actividade.
XI- É meramente aparente a possibilidade de o “estafeta” se fazer substituir, quando tem de o fazer em outro “estafeta “com conta activa” na plataforma eléctronica da ré, não sendo este um terceiro ao já fazer parte da “pool” da ré.
XII- O modo de contratação nas plataformas digitais, que implica aceitação automática, sem negociação, de contratos de adesão completamente padronizados, repletos de cláusulas extensas e herméticas, demonstrando uma supremacia de partes, não se adequa ao conceito de trabalho autónomo, que por principio pressupõe negociação paritária.

Maria Leonor Barroso (relatora)

Texto Integral


Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

O Ministério Público instaurou acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho (186º-H e seg. do CPT) contra a EMP01..., Unipessoal, Lda, peticionando que se reconheça e declare a existência de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado entre a ré e AA, retroagido a ../../2022, data de início da prestação de actividade.
A ré contestou. Entre o mais, refere que AA desenvolve a sua actividade de estafeta de forma autónoma.
O trabalhador em causa não apresentou articulado, nem constituiu mandatário.
Realizou-se julgamento.
Proferiu-se sentença, julgando-se a acção improcedente e absolvendo-se a ré do pedido.

O MINISTÉRIO PÚBLICO RECORREU (SOBRE A DECISÃO DE DIREITO). CONCLUSÕES:
“1.O Ministério Público não concorda, quanto ao decidido na sentença de julgar improcedente a acção.
2.Desse modo, importa verificar se resulta dos factos provados a verificação de algumas das características referidas nas alíneas do n.º 1, do referido artigo 12.ºA do Código do Trabalho.
3.Nos termos do art. 12.º-A, n.º 1, al. a), do C.T., cumpre averiguar se “A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela”.
4. Conforme resulta dos factos provados, é a plataforma EMP01... que, unilateralmente, fixa a retribuição e, além disso, estabelece também um limite mínimo e um limite máximo para o prestador de atividade/estafeta por cada serviço prestado. O estafeta pode, é verdade, recusar o serviço, mas isso não traduz qualquer possibilidade de negociação da sua parte - contrariamente ao que se lê na sentença, rejeitar o serviço não é, em parte alguma, sinónimo de negociar o preço do mesmo. Se os estafetas aderiram à plataforma para exerceram as funções respetivas, naturalmente não o fizeram para rejeitarem os pedidos por ela submetidos – só o fazem se, v.g., o local de recolha ou o local de entrega se situarem bastante longe do local onde se encontrem.
5. Os “estafetas” podem alterar o chamado multiplicador – por forma a modificarem o limite mínimo do valor de cada serviço. Mas se o fizerem, conforme constitui regra de mercado, poucos ou nenhuns pedidos receberão. E mesmo nesse caso, o “limite mínimo” de cada serviço não deixa de ser fixado unilateralmente pela plataforma – os estafetas apenas lograrão “subir” esse limite mínimo, sem que consigam proceder, inversamente, à redução desse montante (“mínimo”) já previamente determinado pela plataforma.
6. Por isso é a plataforma que fixa o valor da retribuição, uma vez que esta se encontra, na sua totalidade, dependente do seu critério unilateral.
7.Pelo exposto, deve considerar-se preenchida a característica de contrato de trabalho prevista no art. 12.º-A, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho.
8.Nos termos do art. 12.º-A, n.º 1, al. b): “A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade”.
9. A nosso ver, a Ré EMP01..., além de estipular as regras (rectius, todas as regras) para acesso/inscrição na plataforma por parte dos “estafetas” – fase que não se pode excluir de todo o processo de prestação da atividade, igualmente dirige, estipula, concretiza e define a forma como toda a atividade deve ser por eles prestada.
10.....11. Já quanto à alínea e) do art. 12.º-A, n.º 1, do Código de Trabalho, é a própria sentença do Tribunal “a quo” que reconhece estar preenchida esta característica de contrato de trabalho.
12.Por fim, diz-se na alínea f) do art. 12.º-A, n.º 1, do Código de Trabalho, que “Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação”.
13.Salvo melhor opinião o principal “instrumento de trabalho” (a aplicação informática EMP01...) é da exclusiva propriedade da Ré, conforme resulta dos factos provados, sendo que, sem ela, seria impossível a prestação da atividade em análise.
14....15. Aqui chegados, não podemos deixar de aludir à conclusão expressa por João Leal Amado (ob. cit. pág. 89) de que “ao olhar para um qualquer estafeta, daqueles que percorrem velozmente as ruas nas suas motos (ou, mais lentamente, pedalando nas suas bicicletas), creio que nenhum de nós se convence, seriamente, de que ali vai um empresário - seja um microempresário, um motoempresário ou um cicloempresário… Não (…) Ali vai, motorizado ou pedalando, um trabalhador dependente, um trabalhador do século XXI, diferente, decerto, dos seus pais, avós ou bisavós, mas, afinal, ainda um trabalhador dependente um subordinado de novo tipo, com contornos distintos dos tradicionais, mas, em última instância, ainda dependente e subordinado na forma como desenvolve a sua atividade”.
16.Nestes termos, concluindo-se pela verificação das presunções enunciadas nas alíneas a), b), e) e f) do art. 12.º-A do Código do Trabalho, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que condene a Ré no reconhecimento dos contratos de trabalho relativamente ao trabalhador AA, desde 01/05/2023, data da entrada em vigor do artº 12º A- do Código do Trabalho.”

CONTRA-ALEGAÇÕES DA RÉ:
Sustenta-se a manutenção da decisão recorrida.
Argumenta-se, em síntese:
a) Quanto à alteração/redução do pedido: em sede de recurso o M.P alterou o pedido, requerendo que o início do contrato de trabalho seja fixado a partir de 01/05/2023 (data da entrada em vigor da lei que alterou o CT relativamente a trabalho suportado em plataforma digital), enquanto que na petição inicial o pediu com referência a ../../2022;  a Ré não acordou na alteração do pedido, pelo que este nunca poderá proceder; caso se considere que estamos perante uma mera redução do pedido, esta é extemporânea, porque apenas poderia ser feita em sede de primeira instância:
b) Quanto à natureza do vínculo contratual: a plataforma não fixa a retribuição e/ou os seus limites máximos e mínimos; o prestador AA desenvolve a sua atividade de forma totalmente autónoma e segundo as condições que este próprio define; a recorrida não determina quaisquer regras específicas quanto à forma de como a atividade deve ser prestada, nem determina regras quanto à organização; o prestador poder exercer a atividade quando quer; não se mostra preenchida a característica prevista no artigo 12º-A, n.º 1, alínea e) do C.T., sendo a desativação da conta uma mera consequência da cessação do contrato por iniciativa da Ré ou do Prestador de Atividade; a recorrida não controla, não supervisiona, nem avalia a qualidade da atividade prestada, pelo que não exerce poder de direção sobre o mesmo; não resulta provado que a Ré é proprietária da aplicação EMP01..., nem que a Ré a explora através de contrato de locação; a plataforma digital não é suscetível de ser reconduzida a um equipamento ou instrumento de trabalho;  a jurisprudência vai no sentido de que uma nova presunção de existência de contrato de trabalho não poderá ser aplicável às relações contratuais constituídas antes da entrada em vigor da referida lei, pelo que não é aplicável aos autos; em face da factualidade assente e da “antiga” presunção de existência de contrato de trabalho prevista no artigo 12º do CT e/ou do método indiciário o recurso deve improceder.

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O recurso foi apreciado em conferência.
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QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso[1]):

(i) questão prévia: amissibilidade de redução do pedido;
(ii) qualificação do vínculo contratual estabelecido entre o “estafeta” AA e a ré: relação de trabalho subordinado ou autónomo?
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QUESTÃO PRÉVIA - REDUÇÃO DO PEDIDO:
Na petição inicial o Ministério Público pediu que fosse “reconhecida e declarada a existência do correspondente contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a Ré/entidade empregadora e o trabalhador AA fixando-se a data do seu início em ../../2022, data da celebração do primeiro contrato de prestação de serviço”
Nas alegações de recurso pediu o “reconhecimento dos contratos de trabalho relativamente ao trabalhador AA, desde 01/05/2023, data da entrada em vigor do artº 12º A- do Código do Trabalho.”
Trata-se de uma redução do pedido (e não alteração) porquanto o que agora se pede está contido no que antes se pediu - o reconhecimento da natureza laboral do contrato, mas com menor antiguidade.
Se bem entendemos a discordância da ré (aparentemente a redução do pedido aproveitar-lhe-ia), esta prende-se com o mesmo erro em que incorre o Ministério Público quando reduz o pedido. Que é o de supor que aos factos passará a ser aplicável uma lei diferente e que mais a beneficiará. Referimo-nos a presunção legal de laboralidade em plataforma digital. O ponto, em si, não se relaciona com o regime processual de redução do pedido e infra será retomado no item apropriado.
Para o que importa agora, a redução do pedido por parte do autor é livre, podendo ocorrer em qualquer altura, na primeira instância ou em recurso - José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, Vol. 1º, 4ª ed., pág. 528.
Pelo exposto, admite-se a redução do pedido.
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II - FUNDAMENTAÇÃO

II- A FACTOS
Factos provados:
1. A ré possui como objecto social:
“prestação dos serviços de geração de potenciais clientes a pedido, gestão de pagamentos; actividades relacionadas com a organização e gestão de sites, aplicações on-line e plataformas digitais, processamento de pagamentos e outros serviços relacionados com restauração; consultoria, concepção e produção de publicidade e marketing; aquisição de serviços de entrega a parceiros de entrega e venda de serviços de entrega a clientes finais”
2. A EMP02... – Unipessoal, Lda. possui como objecto social:
“Actividades postais e de courier efectuadas em veículos ligeiros até 2.500,00 Kg; Manutenção e reparação de veículos automóveis; Manutenção e reparação de motociclos, ciclomotores, trotinetes, de suas peças e acessórios; aluguer de veículos automóveis ligeiros; Aluguer de outras máquinas e equipamentos; Comércio de veículos automóveis ligeiros; Comércio de peças e acessórios para veículos automóveis; Comércio por grosso e a retalho de motociclos, de suas peças e acessórios; Aluguer de bens recreativos e desportivos. Transporte ocasional de passageiros em veículos ligeiros; organização de actividades de animação turística; outras actividades auxiliares dos transportes terrestres; Actividades de serviços de apoio prestados às empresas; Restaurantes, Restaurantes tipo tradicional; Restaurantes com lugares ao balcão; Restaurantes sem serviço de mesa; Restaurantes típicos; Confecção de refeições prontas a levar para casa; Fornecimento de refeições para eventos e outras actividades de serviço de refeições; Fornecimento de refeições para eventos; Actividades de serviço de refeições; Estabelecimentos de bebidas, Cafés, Bares, Pastelarias e casas de chá, Outros estabelecimentos de bebidas sem espectáculo”
3. Para efeitos tributários, nos anos de 2021, 2022 e 2023, AA declarou ter auferido rendimentos da categoria B (Rendimentos Empresariais e Profissionais), nos montantes respectivos de € 136,55, € 14.792,24 e € 12.872,99, no âmbito de serviços prestados à EMP03..., Unipessoal, Lda.
4. Para efeitos de Segurança Social, AA encontra-se enquadrado no regime de trabalhadores independentes entre ../../2022 e ../../2023 e a partir de 04/01/2023.
5. No dia 17/08/2023, pelas 12h30m, decorreu acção inspectiva da A.C.T., no decurso da qual AA foi identificado, quando se encontrava a exercer funções de estafeta, junto do ponto de recolha de pedido do estabelecimento da EMP04..., sito na Praça ... Shopping ..., Alameda ..., ... ....
6. (…) tendo nessa ocasião AA recebido uma oferta de entrega, recolhido uma encomenda e a colocado numa mochila térmica, após o que se retirou daquele local.
7. AA encontra-se registado na plataforma da App EMP01...[2] desde Outubro de 2022.
8. Para ter acesso às propostas de entregas, através da App, AA teve de fazer um registo no website da ré, fornecendo o seu endereço de correio electrónico e criando uma conta.
9. Através da App, AA recebe toda a informação relacionada com a oferta de serviços de entrega, remuneração a receber pela prestação de serviço, destinatário do produto e local de entrega.
10. Mediante a App, AA consegue ver o histórico das entregas que fez por dia, semana e no mês, e quanto irá receber pelos serviços prestados.
11. AA mantém actividade aberta como empresário em nome individual junto da A.T.
12. Com a adesão à App AA declarou consentir os termos apostos no documento denominado “Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Frota”.
13. No documento com a epígrafe “Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota” consta:
Princípios fundamentais:
“(…) Você trabalha e/ou presta serviços para uma empresa (não para a EMP01...) para prestar Serviços de
Entrega. A EMP01... não está envolvida no acordo celebrado entre si e a empresa (“Empresa de Parceiro de Frota”). O presente Contrato do Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota rege o uso da App para a prestação de Serviços de Entrega. Se prestar o Seu consentimento ao presente Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota, pode usar a App para ter acesso aos propostas de Serviço de Entrega da EMP01.... A não que tenha acordado em sentido diverso com a sua Empresa de Parceira de Frota, Você decide se, quando e onde usa a App, a Seu exclusivo critério. Você pode tomar esta decisão unilateralmente e em tempo real, através da seleção de um botão no Seu smartphone. Por uma questão de clareza a EMP01... não submete o Parceiro de Entregas a uma obrigação de exclusividade connosco. Exceto se acordado em sentido diferente com a sua Empresa de Parceiro de Frota, Você decide se pretende ou não aceitar um pedido. O Parceiro de Entregas não está obrigado a usar a App ou a prestar Serviços de Entrega, incluindo no momento em que está ligado à App. O Parceiro de Entregas pode aceitar ou rejeitar qualquer pedido. Se o Parceiro de Entregas aceitar uma proposta, irá prestar o Serviço de Entrega a clientes para a sua Empresa de Parceiro de Frota, o qual é um prestador de serviços da EMP01.... Por favor, leia este Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota atentamente. O Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota contém informação sobre a possibilidade de as partes modificarem ou terminarem o mesmo, sobre o modo de proceder se houver algum problema e outra informação importante, incluindo informação sobre seguros e responsabilidade. O Parceiro de Entregas tem o direito de terminar o presente contrato mediante notificação à EMP01..., nos termos aqui descritos.
Partes:
“(…) Somos a EMP01..., Unipessoal LDA (…)  Em determinados casos, entidades relacionadas da EMP01... (tal como a EMP01... ...) irão desempenhar funções relacionadas com o presente Contrato,  na qualidade de parte autorizada pela EMP01.... EMP05... ... (…) é uma sociedade registada nos termos da lei dos Países Baixos e é parte do presente Contrato para permitir ao Parceiro de Entregas o acesso à App, de forma gratuita. O Parceiro de Entregas Independente é um trabalhador independente no negócio de Serviços de Entrega, que mantém actualmente uma relação contratual ou laboral com um Parceiro de Frota para prestar Serviços de Entrega (…)“
Definições:
“(…) “Parceiro de Entregas Independente” refere-se a um trabalhador independente ou a um trabalhador do Parceiro de Frota que desenvolve a atividade de Serviços de Entrega que tenha celebrado desde Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota. "Identificação do Parceiro de Entregas Independente" refere-se aos dados de identificação e palavra-passe que permitem ao Parceiro de Entregas usar e aceder à App. "Serviços de Entrega" refere-se ao ato de entrega de comida ou outros itens que tenham sido pedidos pelos Clientes aos Comerciantes através da App EMP01.... "Cliente" refere-se a qualquer indivíduo que tenha feito uma encomenda de refeição ou outros bens através da App EMP01.... (…) “Empresa de Parceiro de Frota” refere-se a um empresário independente ou empresa no negócio da prestação de Serviços de Entrega com quem o Parceiro de Entregas mantém um vínculo contratual ou laboral para prestar os Serviços de Entrega. "Comerciante" refere-se a um negócio cujos produtos (comida ou outros bens) sejam disponibilizados para venda através da App EMP01.... (…) “Meio de Transporte” refere-se a qualquer meio de transporte a ser usado para a prestação dos Serviços de Entrega. “Dados da EMP01...” refere-se a todos os dados relacionados com o acesso e utilização da App, incluindo todos os dados relacionados com os Utilizadores (incluindo a Informação do Utilizador) e todos os dados relacionados com a prestação dos Serviços de Entrega através a App e a Identificação dos Parceiros de Entregas Independentes. "Informação do Utilizador" refere-se a informação relativa a um Cliente ou Comerciante (em conjunto, “Utilizadores”) que seja disponibilizada ao Parceiro de Entregas relacionada com a proposta de Serviços de Entrega, que pode incluir local de recolha, local de entrega, nome ou firma do Utilizador, informação de contacto do Utilizador, assinatura do Utilizador e fotografia do Utilizador, assim como quaisquer outros detalhes específicos dos itens a ser entregues. (…)“
Termos: 1. Geral
 “(…) a. Como empresa tecnológica, a EMP01... opera uma plataforma que liga com Comerciantes e Clientes, entre outras coisas. Podem ser solicitados serviços de entrega em consequência disso mesmo, serviços que ficam fora do âmbito do negócio e principais competências da EMP01.... Ao assinar este Contrato, está a indicar-nos que tem capacidade para prestar Serviços de Entrega. b. A sua Empresa de Parceiro de Frota acordou separar os contratos para o Parceiro de Entregas e o Parceiro de Frotas acederem à App EMP01... e prestarem Serviços de Entrega (“Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota” ou “Contrato”). c. Este Contrato rege a prestação da nossa tecnologia e serviços e a sua utilização dos mesmos para a prestação de Serviços de Entrega para a sua Empresa de Parceiro de Frota. d. Ao concordar com o Contrato, a EMP05... fornecer-lhe-á acesso à EMP01... App ("App"), ao nosso software, websites e vários serviços de suporte. e. Ao utilizar a App, poderá receber propostas efetuadas por Clientes dos Comerciantes da EMP01... para que possa prestar os Serviços de Entrega aos Clientes em nome da sua Empresa de Parceiro de Frota. f. Este Contrato rege exclusivamente o uso da App EMP01... e não cobre a prestação de qualquer outro serviço através de aplicações de afiliados da EMP01... (como o fornecimento de transporte de passageiros) (…)”
2. Serviços de entregas
“(…) Você pode aceitar uma proposta de Serviços de Entrega selecionando a opção de aceitar uma proposta na App. Pode também recusar uma proposta de Serviços de Entrega selecionando a cruz vermelha na proposta de Serviços de Entrega na App ou ignorar uma proposta de Serviços de Entrega. Para que fique claro, não há consequências caso recuse ou ignore proposta de Serviços de Entrega. (…)”
3. Estatuto
“(…). a. Este Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota não é um contrato de trabalho, ou uma cedência de trabalhadores, e não cria uma relação de trabalho entre si e nós ou qualquer afiliada da EMP01.... Também não cria uma parceria legal, uma joint venture ou lhe dá a autoridade para nos vincular ou manter-se como nosso trabalhador, prestador de serviços, agente, parceiro legal ou representante autorizado.
b. Ao aceitar este Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Negócio o Parceiro de Entregas aceita que a EMP01... não tem qualquer intervenção na relação contratual entre si e a sua Empresa de Parceiro de Frota. (…)”
4. Utilização da app
“(…) a. O Parceiro de Entregas aceita e compreende que: i. A EMP01... não controla, nem direciona a sua utilização da App; ii. A EMP01... e/ou a EMP05... não controlam, nem direcionam o Parceiro de Entregas e não
podem ser consideradas como controlando ou direcionando o Parceiro de Entregas, inclusive em conexão com a sua prestação dos Serviços de Entrega, as suas ações ou omissões, ou a sua operação e manutenção do Seu Meio de Transporte.
b. Não obstante ser livre de acordar em sentido diverso com a sua Empresa de Parceiro de Frota, o Parceiro de Entregas aceita e reconhece que: i. O Parceiro de Entregas não tem obrigação de iniciar sessão ou utilizar a App. O Parceiro de Entregas pode iniciar sessão na App Parceiro de Entregas se, quando e onde
pretender. ii. O Parceiro de Entregas não está sujeito a nenhuma forma de avaliação e é totalmente livre na forma como executa as suas tarefas.
iii. O Parceiro de Entregas decide sozinho se, quando, onde e por quanto tempo pretende utilizar a App e quando aceitar, recusar ou ignorar qualquer proposta de Serviços de Entrega.
iv. O Parceiro de Entregas é totalmente livre de escolher se contrata ou não com ou outras empresas para prestar Serviços de Entrega, incluindo concorrentes da EMP01.... Isto inclui fazê-lo ao mesmo tempo do que quando está a usar a App (conhecida como'multi-apping'). Também é totalmente livre de prestar Serviços de Entrega aos Seus próprios clientes e ter a sua própria base de clientes.
c. Se tal for exigido por questões de segurança pública, poderão existir restrições geográficas sobre onde pode receber propostas de Serviços de Entrega.
d. Quando estiver registado e online, as proposta de Serviços de Entrega podem aparecer na App.
e. O Parceiro de Entregas pode decidir livremente a taxa/preço mínimo por quilómetro dos Serviços de Entrega que lhe são propostos. Pode alterar esta tarifa/preço por quilómetro as vezes que desejar e a qualquer momento, sem comunicação prévia à EMP01... ou autorização da EMP01..., nos termos da cláusula 6.c. infra.
f. Se aceitar uma proposta de Serviços de Entrega, os Comerciantes e Clientes receberão informações sobre a sua identificação, incluindo o Seu primeiro nome, foto, localização e informações sobre o Seu Meio de Transporte, de acordo com a Cláusula 10 (Privacidade).
g. O Parceiro de Entregas da será responsável por escolher a forma mais eficaz e segura de chegar ao destino. Uma vez aceite uma proposta de Serviços de Entrega, ainda pode cancelar.
h. O Parceiro de Entregas é livre para escolher o sistema de GPS da sua preferência na App (entre Waze, Google Maps ou EMP01... GPS) ou usar qualquer outro sistema de GPS que não seja ... integrado na App da EMP01..., ou não usar nenhum sistema de GPS. Tal permite que o Parceiro de Entregas escolha a sua rota livremente. Para que fique claro, não há consequências por escolher uma rota livremente.
i. Se o Parceiro de Entregas não desejar continuar a prestar Serviços de Entrega a um Comerciante e/ou Cliente, poderá bloqueá-los mediante pedido ao departamento de suporte da App para não receber mais propostas de Serviços de Entrega dos mesmos.
j. Reconhece que as suas informações de localização têm de ser fornecidas à EMP01... para prestar Serviços de Entrega. Reconhece e concorda que: (a) as suas informações de localização podem ser obtidas pela EMP01... enquanto a App está em execução; e (b) a sua localização aproximada será exibida ao Comerciante e ao Cliente antes e durante a prestação de Serviços de Entrega. Além disso, a EMP01... e as suas afiliadas podem aceder e partilhar com terceiros as informações de localização obtidas pela App para efeitos de proteção, segurança e técnicos. (…)”
5. As suas obrigações
“(…) a. Por forma a manter o acesso à App, deve (i) manter todas as licenças, permissões, autorizações alvarás ou outros títulos habilitantes, necessários para a prestação de Serviços de Entrega, e (ii) cumprir com todos os requisitos legais.
b. Adicionalmente a qualquer obrigação exigível à sua Empresa de Parceiro de Frota, Você aceita completar todos os passos para o processo de registo(incluindo a prestação de toda a documentação exigida e verificações de idoneidade, quando exigível) para poder aceder à App.
c. Deve cumprir e atingir os requisitos dos presentes Termos. Se deixar de cumprir ou atingir os requisitos destes Termos, a EMP01... reserva o direito, a qualquer momento restringir por qualquer forma o Seu acesso à App se não cumprir os deveres constantes destes Contrato. Se a EMP01... restringir o Seu acesso à App, serão aplicadas as Cláusulas 9 e 14 do presente Contrato
d. Deve ter todos os equipamentos, ferramentas e outros materiais necessários (por conta própria ou por conta da Empresa de Parceiro de Frota). .
e. Ao utilizar a App para prestar Serviços de Entregas, compromete-se a cumprir com todas as leis e regulamentos aplicáveis, assim como os costumes locais e as boas práticas, incluindo as relativas a segurança rodoviária e higiene, segurança alimentar e regulamentos de entrega de bebidas alcoólicas.
f. Quando opte por usar a App, fá-lo-á de boa fé, fará uma boa utilização e abster-se-á de tentar defraudar a EMP01..., os Comerciantes, outros parceiros de entregas independentes e os Clientes.
g. Não lhe é exigida a utilização de roupa ou sacos com a marca da EMP01... para prestar Serviços de Entrega. É livre para escolher o equipamento necessário para o Seu negócio, incluindo o uso de equipamentos de marcas concorrentes da EMP01..., quando apropriado.
h. Deve apenas usar o Meio de Transporte identificado na sua conta. Para a prestação de Serviços de Entrega. O Meio de Transporte identificado deve ser adequado para utilização no âmbito da App (tal como determinado a cada momento). Quando aplicável, o Meio de Transporte identificado deve cumprir com a legislação aplicável do Território.
i. Deverá entregar-nos toda a informação por nós exigida (incluindo renovações) que demonstre a observância do exposto acima, antes e durante o período de utilização da App, de forma a permitir-nos rever qualquer um desses documentos a qualquer momento e de forma contínua.
j. Quaisquer taxas, impostos e contribuições à segurança social suportados em resultado da prestação de Serviços de Entrega serão da sua responsabilidade.
k. A EMP01... compromete-se a reembolsar a sua Empresa de Parceiro de Frota de Portagens suportadas no decurso da prestação de Serviços de Entrega.
l. Deverá ter em vigor durante todo o período de utilização da App todas as apólices de seguro obrigatórias aplicáveis ao Meio de Transporte que usa durante o período de vigência deste Contrato, ou outros seguros legalmente exigidos, com o nível de cobertura exigido por lei.
m. Se aceitar uma proposta de Serviço de Entrega, ser-lhe-ão facultadas Informações do Utilizador ou instruções de Utilizador e informações dos Comerciantes ou instruções dos Comerciantes disponibilizados à EMP01... através da App,. Devido aos regulamentos em matéria de protecção de dados, compromete-se a não contactar qualquer Utilizador, ou por qualquer forma usar a informação relativa a qualquer Utilizador, para qualquer fim que não seja a prestação de Serviços de Entrega.
n. Vai receber uma identificação de Parceiro de Entregas que permite o acesso a e uso da App de acordo com este Contrato. Deve manter essa identificação de Parceiro de Entregas confidencial e não a partilhar com terceiros não autorizados. Deve notificar a EMP01... de qualquer violação, divulgação ou uso indevido da sua identificação de Parceiro de Entregas ou da App.
o. O Parceiro de Entregas é livre para substituir a sua atividade, o que significa que pode decidir livremente e chegar a acordo com outro Parceiro de Entrega Independente com uma conta ativa na App para que este último realize serviços de entrega em Seu interesse e sob o Seu controlo e responsabilidade.
p. O Parceiro de Entregas cumprirá a lei aplicável em relação à sua situação fiscal e junto da Segurança Social. O Parceiro de Entregas é responsável por preencher e atualizar as suas informações fiscais.
q. O Parceiro de Entregas é responsável pelos Seus próprios impostos, inclusive em sua própria declaração de imposto sobre rendimentos.
r. Ao usar a App, deve cumprir este Contrato e todas as leis aplicáveis (…)”
6. Taxa de entrega
 “(…)  a. Quaisquer pagamentos associados à prestação de Serviços de Entrega serão efetuados pela sua Empresa de Parceiro de Frota.
b. O Parceiro de Entregas reconhece e aceita que nós não temos qualquer intervenção nos pagamentos que lhe sejam efetuados pela sua Empresa de Parceiro de Frota, que são efectuados com base na relação contratual ou laboral existente entre si e a sua Empresa de Parceiro de Frota.
c. Independentemente do acima exposto, o Parceiro de Entregas pode determinar livremente (ou apenas limitado ao acordo privado celebrado com a sua Empresa de Parceiro de Frota) determinar a sua taxa mínima por quilómetro, indicando na App o limite da taxa por quilómetro abaixo da qual o Parceiro de Entregas não deseja receber uma proposta de entrega Serviços (“Taxa Mínima por Quilómetro”). Ao indicar este limite, o Parceiro de Entregas receberá apenas propostas de Serviços de Entrega para as quais a taxa por quilómetro seja igual ou superior à Taxa Mínima por Quilómetro que o Parceiro de Entregas determinou.
d. Cada proposta de Serviços de Entrega apresentada ao Parceiro de Entregas na App incluirá uma tarifa proposta (incluindo IVA ou outro imposto sobre vendas), que em nenhum caso deve considerar uma taxa por quilómetro inferior à sua Taxa Mínima por Quilómetro.
e. A taxa por quilómetro será calculada dividindo o valor da Taxa de Entrega pelo número de quilómetros a serem percorridas desde o ponto de retirada do pedido até ao ponto de entrega do pedido, que será indicado na proposta de Serviços de Entrega, conforme determinado por serviços baseados em localização.
f. Caso (i) haja evidências comprovadas de que o Parceiro de Entregas cometeu fraude; (ii) o Parceiro de Entregas cancelou um pedido após este ter sido aceite e, portanto, o Serviço de Entrega não foi prestado, a EMP01... tem o direito de reduzir a taxa de entrega. A decisão da EMP01... de reduzir ou cancelar a Taxa de Entrega desta forma, deve ser exercida de maneira razoável e com base em razões objectivas (…)
7. Dispositivo
“(…) O Parceiro de Entregas deve usar o Seu próprio dispositivo para aceder à App. Sujeito às condições deste Contrato, a EMP05... concede uma licença pessoal, não exclusiva, intransmissível, revogável, sem a faculdade de sub-licenciar, para instalar a App no Seu dispositivo apenas para a finalidade de prestar os Serviços de Entrega. A EMP05... concede esta licença gratuitamente. Esta licença cessa com a resolução deste Contrato. Não pode partilhar o Seu dispositivo ou as credenciais da sua conta da EMP01... com ninguém. (…)”
9. Acesso à App
 “(…) a. O Parceiro de Entregas não tem qualquer obrigação de usar a App. Se optar por parar de usar a aplicação pode fazê-lo sem necessidade de nos notificar.
b. No caso de uma alegada violação das obrigações da sua Empresa de Parceiro de Frota, ou das suas obrigações (Cláusula 5, supra), incluindo quando recebemos uma reclamação de segurança ou potencial incumprimento das leis e regulamentos aplicáveis, bem como dos costumes locais e boas práticas, ou sempre que necessário para a proteção de terceiros, ou cumprimento da legislação aplicável, ou decorrente de ordem judicial ou administrativa, temos o direito de restringir o Seu acesso à, e utilização da App. Se o fizermos, será notificado por escrito das razões para tal restrição. Podem existir circunstâncias em que não lhe poderemos facultar informação sobre denúncias no decurso de uma investigação (quer seja uma investigação nossa ou de terceiros, como as autoridades policiais). (…)”
13. Seguros
“(…) a. Antes de iniciar e durante a relação comercial com a EMP01..., o Parceiro de Entregas e/ou a sua
Empresa de Parceiro de Frota comprometem-se a obter e manter em vigor uma apólice de seguro obrigatório para a prestação dos Serviços de Entrega no Território.
b. Dependendo do Meio de Transporte por si escolhido, os seguros obrigatórios incluem um seguro automóvel contra riscos de danos corporais e materiais, próprios e de terceiros, em níveis de cobertura que satisfazem os requisitos mínimos para operar o veículo automóvel usado na prestação de Serviços de Entrega na via pública do Território.
c. O Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota aceitam fornecer uma cópia da apólice de seguro, declarações do seguro, vinheta do seguro, e prova de pagamento do prémio de seguro sempre que solicitado. Adicionalmente, deve avisar a EMP01..., com a antecedência mínima de 30 (trinta) dias, do cancelamento de qualquer apólice de seguro exigida pela EMP01.... Nos termos exigidos pela Lei Portuguesa, deve ser a pessoa nomeada na apólice ou o condutor designado, em relação ao qual o prémio é cobrado, em qualquer apólice por nós exigida e a todo o tempo.
d. O Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota aceitam manter, durante toda a vigência deste Contrato, seguro obrigatório de acidentes profissionais, nos termos exigidos pela lei do Território. Na medida em que o Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota cumpram com a legislação aplicável em matéria de Segurança Social, Você estará protegido contra doenças profissionais. O Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota podem também, quando permitido por lei, optar por segurar-se contra acidentes pessoais. Adicionalmente, se permitido por lei, o Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota podem decidir não fazer seguro contra acidentes profissionais ou pessoais, mas nesse caso fá-lo-ão por sua conta e risco.
e. O Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota compreendem e aceitam que o Seu seguro veículo pode não cobrir de forma completa os riscos de colisão, despesas médicas, danos próprios ou de terceiros, danos contra pessoas não seguradas ou outras coberturas relevantes para a prestação dos Serviços de Entrega prestados nos termos deste Contrato. Se tem dúvidas ou alguma preocupação relativa ao âmbito ou aplicabilidade da sua apólice de Seguro, é sua responsabilidade, e não da EMP01..., esclarecer essas dúvidas junto da sua companhia de seguros.
f. O Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota podem também optar, se permitido por lei, segurar-se contra risco de responsabilidade civil por danos causados à EMP01..., Comerciante ou Clientes na prestação de Serviços de Entrega. Adicionalmente, se permitido por lei, o Parceiro de Entregas e/ou a sua Empresa de Parceiro de Frota podem não optar por não se segurar contra os riscos de responsabilidade civil, mas nesse caso fá-lo-ão por sua conta e risco.
g. A EMP01... mantém um seguro relacionado com a prestação de Serviços de Entrega pelo Parceiro de Entregas, tal como venha a determinar em Seu próprio juízo razoável. Caso a EMP01... venha a contratar um seguro relativo à sua prestação de Serviços de Entrega, a EMP01... pode alterar os termos, ou cancelar, essa apólice, por sua única e exclusiva determinação e a qualquer momento. Se a EMP01... adquirir um seguro relacionado com a prestação de Serviços de Entrega por parte do Parceiro de Entregas e este desejar receber tal seguro, deverá cumprir os termos e condições aplicáveis ao mesmo. Se a EMP01... adquirir um seguro em conexão com a sua prestação de Serviços de Entrega, a EMP01..., a EMP05... e/ou as suas afiliadas não serão responsáveis, seja de que forma for, se o seguro recusar pagar por qualquer perda (…)
14. AA desempenha as funções de estafeta na recolha e entrega de refeições na zona urbana de ....
15. AA pode decidir o local onde presta a sua actividade, desde que se trate de uma zona coberta pela App, sendo livre de alterar a sua zona de actividade.
16. AA é quem escolhe o local onde deve estar para receber propostas de entregas.
17. AA pode bloquear comerciantes ou clientes com quem não deseje contactar.
18. AA pode recusar uma oferta de entrega sugerida pela App.
19. Para ter acesso às ofertas de entregas disponibilizadas pela ré AA necessita ter a App instalada no seu smartphone.
20. A ré gere a App, a qual permite a ligação entre comerciantes (os que fornecem bens e serviços) e clientes (os que adquirem esses bens e serviços), através de serviços de entregas das mercadorias, assegurados por estafetas, sendo tais serviços de entrega geridos e organizados pela ré, designadamente quanto à indicação de locais de recolha e entrega de mercadorias, recebendo em contrapartida os estafetas um valor por cada entrega.
21. AA é que decide se trabalha num dia em concreto, ou se fica inactivo por alguns períodos e desenvolve a sua actividade em horários que o próprio define, bastando para o efeito colocar-se online na App nos períodos respectivos, sem que esteja sujeito a horários pré-estabelecidos ou a turnos, nem a indicação prévia dos seus horários.
22. Os valores de referência a serem utilizados para o cálculo da contrapartida a pagar a AA pelos serviços de entrega estão. pré-estabelecidos na App, mas aquele pode definir o valor da Taxa Mínima por quilómetro.
23. AA recebe uma quantia variável por cada entrega e o valor a receber não depende do tempo de demora na sua realização ou do tempo de ligação à App.
24. AA realizou as entregas identificadas no print da ref. n.º ...80 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), que lhe foram apresentadas na App e que aceitou efectuar, tendo auferido as contrapartidas aí discriminadas.
25. Os estafetas têm acesso na App às propostas de entrega por valores inferiores ao montante de Taxa Mínima por Quilómetro que definiram, e podem decidir aceitá-las ou rejeitá-las.
26. AA pode realizar entregas disponibilizadas por plataformas geridas por outras entidades que não a ré, ou efectuar entregas directamente por sua conta, sem que necessite de disso dar conta à ré.
27. Os contactos telefónicos entre estafeta e clientes que se justificam pelos serviços de entrega, nomeadamente, se não se consegue localizar o endereço de entrega, são assegurados através da plataforma gerida pela ré.
28. A App permite o acompanhamento do trajecto desenvolvido pelos estafetas entre a recolha e entrega, quer pela ré, quer pelo cliente.
29. Os estafetas são livres de escolherem as suas rotas para realizarem as entregas.
30. A App dispõe de um sistema integrado de navegação que pode não ser utilizado pelo estafeta, se este preferir usar outro sistema de navegação (v.g. Google Maps/Waze/sistema de navegação próprio do veículo), ou se não necessitar dessa ajuda.
31. O GPS permite:
- apresentar propostas de entrega aos estafetas que estão mais bem posicionados para recolher a encomenda e entregá-las no melhor tempo possível;
- ajudar os estafetas a encontrar a rota mais eficiente até ao ponto de entrega;
- aos clientes consultarem onde se encontram as suas encomendas e poderem prever o tempo de entrega.
32. Não existem penalizações pelo modo como os estafetas realizam as suas entregas.
33. Os estafetas é que escolhem a roupa com que se apresentam nas entregas.
34. A imposição de utilização de mochila, que não é necessário dispor do logotipo da ré, deve-se à necessidade de serem adoptadas boas práticas de higiene e segurança alimentar, para além de permitirem que o estafeta passa transportar os produtos no veículo utilizado, que poderá ser uma bicicleta ou uma mota.
35. Para validar o seu registo na App e incluí-los na oferta de entregas, a ré não efectua um escrutínio sobre a experiência e qualificações académicas, ou ausência delas, bem como sobre as características pessoais e técnicas dos estafetas.
36. A ré não efectua avaliação da qualidade da actividade dos estafetas.
37. Os estafetas podem substituir-se por outra pessoa na realização de entregas, desde que o terceiro tenha conta activa na App como Parceiro de Entrega Independente.
38. Para realizar as suas entregas AA utiliza o seu veículo, o seu telemóvel e uma mochila que adquiriu.
39. AA foi convidado por um parceiro de frota, não concretamente apurada, para se associar a si, através da App, e aceitou.
40. (…) AA é pago por esse parceiro de frota pelas entregas que realiza.
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Factos não provados:

1. A área de actuação de AA é determinada pela plataforma digital.
2. AA não informou a ré do montante mínimo pelo qual aceita receber propostas pelos serviços de entrega.
3. As ofertas de entrega que AA recebe na App já vêm com uma retribuição fixa.
4. Desde Outubro de 2022 AA tem na actividade associada à App a sua única fonte de rendimento.
5. AA prestou a sua actividade na App através da EMP02... – Unipessoal, Lda.
6. AA foi convidado pela EMP02... – Unipessoal, Lda., para se associar a si, através da App, e aceitou.
7. AA é pago pela EMP02... – Unipessoal, Lda., pelas entregas que realiza.
***
II-B - ENQUADRAMENTO JURÍDICO/DIREITO

É posta à consideração do Tribunal da Relação a questão de saber se o serviço de entregas que o estafeta AA presta à ré EMP01... é uma relação de trabalho subordinado ou autónomo.
A sentença recorrida considerou que não se encontra comprovada uma relação de trabalho subordinado.

Em suma, porque:
(i) não se verificaria o mínimo de dois dos indicadores capazes de fazer funcionar a presunção legal da existência de laboralidade (12º CT), a qual beneficiaria o autor ao transpor para a parte contrária o ónus da prova do contrário (344º, 1, CC);
(ii) nem tão pouco se verificariam os tradicionais indícios geralmente utilizados para rastrear a existência de subordinação jurídica, traço definidor do contrato de trabalho. Assim, centrando-nos no essencial, em desfavor da laboralidade o tribunal a quo considerou que: os instrumentos de trabalho não pertenceriam à ré, o estafeta não teria horário de trabalho e poderia recusar entregas, o estafeta não estaria sujeito ao dever de não concorrência podendo trabalhar para outros, o estafeta teria a possibilidade de se fazer substituir, a ré não deteria poder de direcção e de conformação da prestação da actividade e não a supervisionaria.
Remontando o início da relação contratual a outubro de 2022, considerou, ainda, o tribunal a quo, que, ao caso, não seria aplicável a nova presunção de laboralidade no âmbito das plataformas digitais (12º-A) aditada pela Lei 13/2023, de 13 de Abril, que apenas entrou em vigor em 01/05/2023[3]. E, conforme consolidado entendimento jurisprudencial relativo a anteriores alterações legislativas, tais presunções judiciais só se aplicariam para o futuro, por se tratar de um meio facilitador da prova que, por regra, se deve reportar ao momento da constituição da relação- entre muitos, o ac. STJ de 4-07-2018, proc.1272/16.4T8SNT.L1.S1, in www.dgsi.pt. Consequentemente, aplicou-se a lei do CT/09 na sua redacção anterior[4].
Não desdizemos esta afirmação do tribunal a quo. As regras de aplicação da lei no tempo não se alteram pelo facto de, estrategicamente,  em fase de recurso, se reduzir o pedido, requerendo-se que o início do vínculo se fixe em 1/05/2023, em vez de ../../2022.  O que releva são os factos e a data real em que se iniciou a relação contratual entre as partes, independentemente do que é pedido. Ao caso é, pois, inaplicável a “nova” presunção de laboralidade em plataformas digitais.
Ressalvamos, contudo, o lastro deixado pelo trabalho doutrinário e jurisprudencial que informou a nova presunção de laboralidade em trabalho suportado por plataformas digitais. Contributos esses que deverão ser aproveitados na tarefa de qualificação de vínculos estabelecidos entre os prestadores e as plataformas criadas e geridas por empresas. Bem como na desconstrução e destrinça entre verdadeiros casos de trabalho autónomo com liberdade de opção e de execução, daqueles outros assentes em aparências que encobrem trabalho prestado em situação de hetero-determinação, ilicitamente subtraído ao direito laboral.
Nesta perpectiva, mais não se trata do que caracterizar o vínculo em causa com recurso ao bem conhecido e antigo método indiciário, criado ao longo do tempo pela jurisprudência, que consiste no confronto dos factos apurados com uma grelha de tópicos ou indícios de qualificação.
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O caso de que nos ocupamos remete-nos para temáticas actuais, relacionadas com a revolução digital, a inteligência artificial, a automação, em especial a actividade prestada em plataforma digital, as quais transformaram o mercado e as relações de trabalho.
Áreas essas em que se vem identificando novas realidades na forma de prestar e organizar o trabalho e sinalizando a necessidade de uma abordagem diferente da tradicional ligada a um mundo em que prevalecia a fábrica, a loja, outros lugares físicos, o horário de trabalho, o equipamento físico de trabalho, as ordens evidentes e explicitas, a proximidade no relacionamento interpessoal, etc.
Exemplo desse alerta foi deixado pelo Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho 2021[5], que, contou, entre  mais, com a colaboração de académicos e pensadores, ali se entrevendo importantes linhas de reflexão, mormente a ideia de que a ausência de certos indícios tradicionais não é incompatível com a existência de um contrato de trabalho. Aponta-se, ali, ainda, o objectivo de combater a dissimulação ilícita de relação de trabalho. Infra voltaremos a ligarmo-nos ao ponto.
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A lei
A nossa legislação distingue do seguinte modo o trabalho subordinado do trabalho autónomo:
O “ Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.”- 12º CT.
O “contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho, intelectual ou manual, com ou sem retribuição” – 1154º do CC.
Diga-se que é praticamente inoperacional fazer a distinção com base nos conceitos de “actividade” no caso do contrato de trabalho, ou de “resultado” no caso do trabalho autónomo. Ambos se interligam, um pressupõe o outro, acabamos num pensamento circular.
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A subordinação jurídica
A jurisprudência e doutrina têm apontado como traço característico do contrato de trabalho a subordinação jurídica, que é modernamente entendida como a sujeição da actividade prestada pelo trabalhador a parâmetros importantes ditados pelo empregador, que assim gere, conforma e delimita a execução do trabalho, classificado de hetero-determinado porque inserido em estrutura organizativa alheia.
Está hoje definitivamente ultrapassada a ideia de subordinação associada à emissão de ordens evidentes, directas e sistemáticas, por força da crescente autonomia técnica dos trabalhadores e das actuais formas de organização e de interacção laboral. O traço decisivo é o chamado elemento organizatório conforme espelhado na fórmula legal que refere actividade laboral como sendo a prestada “no âmbito de organização e  sob a autoridade” de outrem -11º do CT/09.[6]
Donde, o fulcro da subordinação consistirá no facto de o prestador não trabalhar segundo a sua própria organização, mas sim inserido num ciclo produtivo de trabalho alheio e em proveito de outrem, estando adstrito a observar os parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário - António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 19º ed., p. 148.
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O método indiciário
Ainda assim, não é fácil por em prática estes ensinamentos.
Por isso e para facilitar a tarefa de qualificação, pela jurisprudência foi sendo utilizado o denominado “método indiciário”, inventariando-se uma grelha de indícios. Entre eles: a realização da actividade em local determinado pelo empregador; a observância de horário de trabalho; o fornecimento dos instrumentos de trabalho pelo empregador; a exclusividade do trabalhador e o dever de não concorrência; a pessoalidade no relacionamento, que obsta a que trabalhador se faça substituir por um terceiro; a remuneração regular e certa; a emissão de ordens e instruções; o grau de inserção da estrutura organizativa decorrente da observância de instruções na prestação da actividade e regras de conduta; a sujeição a sanções; e outros indicadores secundários como a dependência económica, regime fiscal e de segurança social que o prestador da actividade observa.
Será, porém, de notar que, ainda antes da era do trabalho digital, a jurisprudência e doutrina já sublinhavam que o peso e a relevância dos indícios variavam em função do tipo de actividade exercida, podendo ser sopesados de maneira diferente em situações que, por díspares que eram, assim justificavam tratamento diferenciado. Em actividades do sector industrial poderão ter peso determinante as instalações da fábrica, a maquinaria, a matéria-prima e até a observância de horário no local para onde todos se dirigem, mas já o mesmo não sucederá em actividades do sector terciário, mormente em serviços de gestão, de informática, de consultadoria, de tradução, de limpeza, de vigilância, etc...
***
Presunções legais:
Reconhecendo-se as dificuldades do método indiciário, o legislador foi mais longe e criou presunções legais destinadas a objectivar e facilitar a prova do tipo de vínculo. Assim, verificados que estejam pelo menos dois indícios, presume-se a laboralidade da relação, competindo à parte contrário demonstrar que, apesar disso, em virtude de outros factores, o trabalho é prestado em regime de auto e não hetero-determinação.
Na altura da génese da relação entre o estafeta dos autos e a EMP01... a presunção de laboralidade operava quando (art. 12º CT[7]):
“na relação entre a pessoa que presta uma actividade a outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.”
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Por confronto com a matéria provada, apenas o indicador dos equipamentos e instrumentos de trabalho pode, em nosso entender, ser favoravelmente atendido, já que os demais manifestamente não pendem a favor da laboralidade. O que é insuficiente para fazer funcionar a presunção legal de laboralidade, que pressupõe a pluralidade de, pelo menos, dois dos indícios elencados.
Assim sendo, o presente vinculo terá de ser qualificado através do método tradicional que disseca todos os indícios e os sopesa no quadro do específico tipo de actividade em causa.
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Método indiciário

A - Vejamos os equipamentos/instrumentos/meios de trabalho:
Aqui começa a nossa divergência relativamente ao tribunal a quo, o qual considerou que a ré EMP01... não detinha os instrumentos de trabalho, os quais seriam propriedade do estafeta que usava o seu smartphone, a sua mala térmica e seu veículo (mota).
A ré é uma empresa que, entre o mais, gere online um negócio de entregas de bens asseguradas por estafetas. Para o efeito detém um software (aplicação EMP01...), que funciona como uma “loja”, não física, mas digital, conectando comerciantes a clientes, que assim vendem e compram produtos. É a ré que gere e organiza estes serviços de recolha e entrega de mercadorias, recorrendo a estafetas para os executar. Estes, em contrapartida, recebem um valor por cada entrega pré-estabelecido na App (embora possam alterar o valor mínimo).
Pormenorizando: no referido software registam-se (criam conta) os potenciais vendedores que fornecem os produtos (estabelecimentos comerciais) e os potenciais compradores (clientes que os adquirem). No referido software a ré faz o contacto entre comerciantes e clientes, sendo ela a distribuir os serviços de recolha e entrega pelos estafetas, a estes fornecendo toda a informação, como os destinatários e locais de recolha e entrega, e remuneração a receber pela prestação do serviço - pontos provados 8, 9, 20. O software da App assegura também os contactos residuais que sejam necessários entre o cliente e o estafeta, mormente se este não consegue localizar o endereço - ponto provado 27. A App dispõe de um sistema de navegação integrado (GPS) que permite, não só distribuir o serviço de entregas pelos estafetas (mais próximos), como acompanhar o trajecto do estafeta desde a aceitação até à entrega, e ajudar os clientes a consultarem os tempos de espera e entrega das encomendas - pontos provados 28, 30, 31.
Do exposto decorre que o software (app) utilizado é o meio de produção do trabalho mais importante, a infraestrutura decisiva, a qual é detida pela ré. Os meios de produção incluem instrumentos como instalações de fábricas, armazéns, máquinas, bem como infraestruturas, mormente de fornecimento de energia, de transportes, de telecomunicações, de internet, etc, os quais, associados à força de trabalho humano, geram a produção final.
Os softwares são programas, aplicativos que mediante pré-instruções permitem a realização de diversas tarefas, mormente em áreas de negócios. O hardware (valorizado pelo tribunal a quo) é apenas a parte física do equipamento, como é o caso do computador ou smartphone. Os softwares (vulgo programas de computador)  são bens intelectuais, passíveis de protecção através de direitos de autor/patentes[8], com valor económico, alguns deles atingindo quantitativos consideráveis.
Consta no documento identificado sob o ponto provado 13 (“Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota”, doravante Contrato), no item “Partes”, que a EMP05..., “entidade relacionada” com a EMP01..., é parte no contrato para permitir o acesso à App. Mais consta no item “Geral” do contrato que a EMP01... opera a plataforma. Assinala-se que na terminologia da ré “Entidade relacionada” é uma entidade que detém ou controla, é detida ou controlada ou está sob controle comum ou propriedade de uma parte, no caso a EMP01....
Consta, também, do referido Contrato no item 12:
Propriedade Intelectual. Reservamos todos os direitos que não são atribuídos expressamente neste Contrato. A App e todos os dados recolhidos através dela (incluindo todos os direitos de propriedade intelectual) são e permanecem na titularidade da EMP05.... Não pode usar qualquer nome, logos ou marcas da EMP01... para qualquer fim comercial exceto na medida do expressamente permitido por nós, nem pode registar, usar ou invocar a titularidade sobre os nomes, logos ou marcas das nossas subsidiárias. Não é permitida a cópia, modificação, distribuição, venda ou locação de qualquer parte da App, ou dados, nem é permitida o reverse engineering ou tentativa de extração do código fonte do nosso software. Este Contrato não afeta a titularidade e controlo de qualquer tipo de direitos de propriedade intelectual que possam existir.”

Repare-se, ainda, o que consta do próprio site da EMP01... a propósito de propriedade intelectual e ferramentas, a título de exemplo, sob o item “TERMOS SUPLEMENTARES GERAIS (concordante com o teor do Contrato dos autos):

“..1. Serviços EMP01.... ... f. Ferramentas EMP01....... A EMP05... - relacionada da R-  poderá disponibilizar determinadas Ferramentas EMP01... ao Comerciante, e o Comerciante poderá aceder e utilizar essas Ferramentas EMP01... apenas em ligação com a utilização por parte do Comerciante dos Serviços EMP01.... As Ferramentas EMP01..., incluindo todos os direitos de propriedade intelectual, são e continuarão a ser propriedade da EMP05..., das suas Entidades Relacionadas ou respetivos licenciadores. Nem este Contrato nem o uso por parte do Comerciante das Ferramentas EMP01... ou dos Dados EMP01... transfere ou concede ao Comerciante quaisquer direitos sobre ou relacionados com as Ferramentas EMP01... ou Dados EMP01.......”.

Ou seja, para o efeito que nos interessa, é a ora ré EMP01... que opera e gere a plataforma electrónica
Sublinhe-se que os softwares e as plataformas digitais não são todos iguais, uns são mais complexos e sofisticados que outros, têm maiores ou menores funcionalidades.
Acresce que “a plataforma pode funcionar simplesmente como um intermediário digital de comunicação entre potenciais contraentes”  sem ser parte contratante ou, no outro extremo, pode ser gestora de um negócio que é seu, melhor dizendo pode “controlar a actividade dos prestadores de trabalho ligados à plataforma e até gerir directamente as transações comerciais que resultam da actividade destes trabalhadores” - assim o refere Maria do rosário Palma Ramalho, “Autonomia, subordinação jurídica e dependência económica em plataformas digitais(breves reflexões)”,  Estudos APODICT Nº 9, págs 307 e ss.
 Nesta última hipótese, as plataformas têm mais funcionalidades. É o caso da ré EMP01... que dispõe de um software complexo através do qual gere e controla uma organização produtiva que é sua, sendo ela quem recebe os pedidos e distribui o trabalho de entregas. Os clientes são seus, pois que nenhum relacionamento contratual é estabelecido entre o estafeta e o comerciante/vendedor e o cliente/adquirente.
Aqui chegados há que concluir que a infraestrutura essencial da actividade em causa é o software gerido pela ré. A propriedade do smartphone, motorizada e mochila por parte dos estafetas é claramente acessória e secundária. Na mera posse destes instrumentos os estafetas não conseguem montar e gerir um negócio de recolha e entrega de bens da dimensão da EMP01.... Não pode ser estreita a visão sobre o conceito de instrumento/meio de trabalho em actividade prestada em plataforma digital, realidade esta bem diversa daquela que informou os primeiros tempos do Direito laboral- neste sentido veja-se a sentença proferida pelo Tribunal Supremo de Espanha nº 4746/2019, de 23/09/2020, dissecada por António Monteiro Fernandes e Luísa Alves, em “Trabalho suportado em plataformas digitais, Um Ensaio de jurisprudência comparada”, Revista Questões Laborais, nº 58, 2021, pág.19.
Está assim verificado um primeiro indício de laboralidade, pois que o instrumento principal de trabalho é detido pela ré.
***
B - Vejamos o poder de direção e de conformação do modo como é prestada a actividade, outro indício de subordinação:
Já referimos que a ré, através do seu programa informático, organiza e gere a actividade de transporte de recolha e entrega de mercadorias. O negócio é seu, os clientes são seus, a principal infraestrutura operativa é sua.
O negócio, não sendo todo online, exige depois o recurso físico a estafetas (crowdwork offline) em trabalho realizado à chamada, dispondo a ré de uma exponencial força de trabalho que se inscreve na App.
Ora, observa-se que todo o circuito produtivo está padronizado pela ré: inscrição na App pelos comerciantes, clientes, estafetas; oferta e procura de bens na App; distribuição dos pedidos de recolha e entrega aos estafetas pela ré na App; instalação de GPS na App para atribuir o serviço aos estafetas e para acompanhar as recolhas/entregas e para os clientes saberem os tempos de demora; fixação das taxas de entrega na App, processamento de pagamentos na App, etc...Todo este esquema produtivo resulta da direcção da ré.
Em especial quanto à utilização do GPS instalado na App diremos que, se é verdade que está provado que poderá não ser usado (ponto provado 30), não é menos verdade que esta não passará de uma faculdade aparente dada ao estafeta. A restante matéria provada opõe-se aquela faculdade, na medida em que é através do GPS da App que são apresentadas aos estafetas as propostas de entrega, prolongando-se a sua necessidade durante a execução da entrega para que os clientes possam consultar em tempo real onde e quanto tempo demora a sua encomenda - ponto 31.
O que vai de encontro ao que a ré fez inserir no dito Contrato, no ponto 4 item denominado “Utilização da App”, alínea j), onde consta o seguinte:
reconhece que as suas informações de localização têm de ser fornecidas à EMP01... para prestar serviços de entrega. Reconhece e concorda que as suas informações de localização podem ser obtidas pela EMP01... Estas enquanto a App está em execução; e (b) a sua localização aproximada será exibida ao Comerciante e ao Cliente antes e durante a prestação de serviços de Entregas.  Além disso, a EMP01... e as suas afiliadas podem aceder e partilhar com terceiros as informações de localização obtidas pela App para efeitos de protecção, segurança e técnicos”.
Este é mais um exemplo em como a ré gere, padroniza e conforma o serviço prestado.
Do que se extrai que a ré EMP01... é uma empresa que explora, através de plataforma digital, um negócio de recolha e entrega de mercadorias e dita as condições essenciais da sua execução. O que consubstancia o exercício do poder de conformação da prestação da actividade, sendo de pouca importância que o estafeta escolha a rua por onde vai (percurso).
Dirão que estão ausentes as ordens explicitas do empregador.
Ora, mais uma vez, o trabalhador das sociedades tercializadas e digitalizadas não têm o mesmo perfil do trabalhador da sociedade industrial.
Se é verdade que a subordinação é o traço característico do trabalho dependente, que é prestado sob a autoridade do empregador, que tem o poder de emitir directivas, de controlar a actividade e de sancionar o incumprimento da prestação, não é menos verdade que a subordinação tem “novas faces” em decorrência do desenvolvimento tecnológica e novas formas de organização do trabalho. Importará abandonar a estrita fidelidade à visão tradicional de subordinação e enveredar por um caminho mais flexível e adaptado a novos tempos - veja-se a nota algo crítica deixada por António Monteiro Fernandes e Luísa Teixeira Alves, “Trabalho suportado em plataformas digitais, um ensaio de jurisprudência comparada”, Questões Laborais nº 58, 2021, pág. 44
Em consonância, o trabalho que seja prestado dentro de um serviço organizado alheio pode ser indício de subordinação quando as condições essenciais de execução da actividade são determinas unilateralmente pelo seu beneficiário, mormente quando cria e organiza o sistema de processamento do serviço (como é o caso), quando o prestador não tem clientela própria, nem fixa livremente os preços e condições, quando a empresa tem a possibilidade de desligar o prestador da sua aplicação em determinadas situações ou de lhe tirar o acesso à conta em caso de incumprimentos variados, tudo formas diferentes de uma autoridade invisível - veja-se António Monteiro Fernandes, “Emprego na Era digital: um novo conceito de trabalhador?”, Estudos APODICT 9, pag. 243, 244, 245.
Ora, este circunstancialismo está presente no caso dos autos.
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C - Vejamos o indício decorrente do exercício do poder sancionatório:
Também este poder deverá visto à luz de novas e mais veladas formas de exercício, sobretudo em trabalho suportado em plataformas digitais, cujo figurino de admissão (“criação de conta” e inserção de dados) implica o consentimento de contratos de adesão repletos de extensas, minuciosas e impenetráveis cláusulas, onde, depois de relidas, se vêm a descobrir novas formas de sancionar.
O denominado “Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Frota” (ponto provado 13) é um exemplo disso.
Veja-se o seu ponto 5 denominados “As suas obrigações”, onde na al. c) consta o seguinte:
 “Deve cumprir e atingir os requisitos dos presentes Termos. Se deixar de cumprir ou atingir os requisitos destes Termos, a EMP01... reserva o direito, a qualquer momento restringir por qualquer forma o Seu acesso À App se não cumprir os deveres constantes destes contratos. SE a EMP01... restringir o seu acesso a App, serão aplicadas as Cláusulas 9 e 14 do presente Contrato”.
Veja-se, agora, o que consta do dito Contrato no seu ponto 9 no item denominado “Acesso à app”
“No caso de uma alegada violação das obrigações da sua Empresa de Parceiro de Frota, ou das suas obrigações (Cláusula 5, supra), incluindo quando recebemos uma reclamação de segurança ou potencial incumprimento das leis e regulamentos aplicáveis, bem como dos costumes locais e boas práticas... temos o direito de restringir o Seu acesso à, e utilização da App. ....”
Tais regras consubstanciam a faculdade de exercício de poderes de tutela pela ré em caso de eventual incumprimento pelo estafeta, ao conceder-se-lhe a decisão de a este retirar o acesso à App, o que significa que deixará de receber propostas de entrega e, consequentemente, de exercer actividade, numa espécie de sanção de “suspensão do trabalho com perda de retribuição”.
Em nosso ver, tal corresponde a um amplo poder de tutela que não se compagina com uma relação de trabalho autónomo, quer pela amplitude de razões que levam a “sanções” (utilizando-se clausulas abertas como “violação das obrigações” ou “deixar de cumprir ou atingir os requisitos destes Termos”), bem assim como pela gravidade das consequências do eventual incumprimento (cessação da actividade).  
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D - Vejamos o indício retribuição:
Decorre da matéria provada que o estafeta não recebe uma quantia periódica e certa, e por isso não beneficia da presunção do artigo 12º CT/09.
Contudo, o pensamento actual que acompanha as ditas novas forma de organização de trabalho, acentua que o mais importante é saber se os critérios de determinação da retribuição são ditados pelo beneficiário da actividade (no caso a taxa de encargo, por quilómetro), ou se são verdadeiramente negociados entre as partes, em pé de igualdade, o que, isso sim, é próprio do trabalho autónomo.
Da matéria provada resulta que é a ré a ditar as regras essenciais da fixação da retribuição, sendo a contribuição do estafeta residual e até aparente ou falaciosa.
Veja-se: a ré coloca na App os valores de referência para o cálculo da remuneração que o estafeta recebe pelas entregas, indicando uma tarifa/taxa que inclui o Iva - pontos provados 9, 13 com referência ao item 6.d.e do contrato, 20 parte final, 22; a ré tem o direito de reduzir a taxa de entrega, mormente se o estafeta cancelou um anterior pedido após ter sido aceite, constando do contrato que “A decisão da EMP01... de reduzir ou cancelar a taxa de entrega desta forma, deve ser exercida de maneira razoável e com base em razoes objectivas”- 6.f do contrato.
É, assim, a ré a decidir e fixar os factores que presidem à taxa de entrega e tem ampla e maior margem de manobra na sua fixação (número de quilómetros, valor do quilómetro...), sendo para este efeito indiferente que um terceiro, o comerciante, possa interferir parcialmente, isso não representa poder negocial do estafeta.
Mais, a contribuição do estafeta é aparente pois, pese embora possa indicar em alternativa uma outra taxa mínima (naturalmente superior à indicada na App), se o fizer deixará de receber as propostas de entrega da ré de valor inferior, sendo a “negociação” desigual por estas empresas disporem de toda uma “pool” de estafetas que logo aceitarão trabalhar por menos.
Assim o indicador referente à retribuição aponta, no mínimo, para uma retribuição essencialmente estabelecida pelo beneficiário do trabalho, pouco negociada, o que não é próprio do trabalho autónomo.
Uma nota final referente aos pontos provados 39 e 40 referente a pagamento feitos ao estafeta por um alegado “parceiro de frota”, que causam alguma estranheza.
Refere-se na decisão recorrida, com o que, nesta parte, concordamos:
Ao invés, não se afigura que releve a intermediação de uma entidade não concretamente apurada, pois somente ficou esclarecido que essa entidade intervém nos pagamentos ao estafeta, não tendo ficado evidenciados quaisquer contornos da relação que manteria o estafeta com tal intermediária, para se determinar a natureza de tal relacionamento.
De toda a restante materialidade resulta que o estafeta estabeleceu a relação contratual com a ré. Registando-se na sua aplicação digital e aceitado os seus termos, sendo a ré quem lhe distribui o serviço de entregas, quem lhe indica os locais de recolha e entrega (moradas de comerciantes e clientes), e quem fixa na App as taxas de contrapartida devidas pelo transporte. Sendo a ré a parte contratante e beneficiária dos serviços executados pelo estafeta, será ela que tem o encargo de os retribuir.
Ademais a ré não recorreu, portanto, a questão está assente. Também das conclusões das contra-alegações não decorre controvérsia sobre o vinculo contratual com o estafeta, que não se reconduza apenas à sua qualificação. Assim, o pormenor não interfere, até porque não ficou provado a existência de um empresário independente ou empresa no negócio de prestação de serviços de intermediação denominado no contrato de “Empresa de Parceiro de Frota” (ponto 7 dos factos não provados), tal como o refere o tribunal a quo). Sendo também irrelevante as definições jurídicas que no contrato de adesão são apostas unilateralmente pela ré, que de modo algum coartam ao tribunal o julgamento de direito.
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E - Vejamos outros indícios tradicionais: o horário, a assiduidade, a possibilidade de recusar tarefas, o dever de não concorrência, a faculdade de o estafeta se fazer substituir:
A maioria destes indícios tradicionais não se adequam ao trabalho prestado em plataforma digital, mormente a existência de local e horário de trabalho, a pertença de instrumentos de trabalho e a regularidade da retribuição, por se reportarem a relações de trabalho clássicas.
Assim o refere Maria do Rosário Palma Ramalho,” Automação, subordinação jurídica e dependência económica no trabalho em plataformas digitais (breves reflexões)”, ESTUDOS APODICT nº 9, pág. 317/8:
No caso dos trabalhadores de plataforma, a presunção de laboralidade do art. 12 nº 1 do CT não é...muito útil, porque a maioria dos indícios valorizados por esta norma apontam para uma relação de trabalho tradicional, ou seja, um vínculo de trabalho em que a actividade é desenvolvida nas instalações do credor e num horário por ele fixado, com recurso a instrumentos de trabalho do credor, com uma remuneração certa e calculada em função do tempo e com menor integração do trabalhador na estrutura orgânica da empresa”.
Os trabalhadores das plataformas digitais não trabalham em instalações alheias, muitos estabelecem o seu próprio horário, usam o seu veículo e telemóvel, não tem remuneração certa, nem em função do tempo e apresentam uma integração menor. Não obstante, conclui a autora, a ausência desses indícios não deverá ser desfavorável à laboralidade se for compensada por outros indicadores reveladores de subordinação jurídica perante a gestora da plataforma.
Também João Leal Amado em “As plataformas digitais e o novo artigo 12º do Código do Trabalhando: empreendendo ou trabalhando?”, Colóquios do Supremo Tribunal de Justiça, 2023, pág. 17, disponível no respectivo site, refere que:
 ”...a circunstância de o prestador de serviço utilizar instrumentos de trabalho próprios, bem como de estar dispensado de cumprir deveres de assiduidade, pontualidade e de não concorrência, não é incompatível com a existência de uma relação de trabalho dependente entre o prestador e a plataforma eletrónica”.
O autor, inclusive, sinaliza a incredulidade sentida por qualquer um de nós ao apelidar de microempresário o estafeta que vê passar na sua moto. Conclui que o “rider”, pese embora goze de uma margem de liberdade maior do que o operário da fábrica, trabalha em organização produtiva alheia, os frutos da actividade pertencem a essa organização produtiva, sendo a empresa a assumir os riscos de ganhos e perdas.
Finalmente, António Monteiro Fernandes, “Emprego na era digital: um novo conceito de trabalhador”, Estudos APODICT 9, pág. 245, vai no mesmo sentido:
Denuncia a “manifesta inadequação ou insuficiência dos quadros actuais da legislação do trabalho” e a distância abissal “entre a realidade e a norma”.
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Em especial quanto à inexistência de horário de trabalho, diremos nós que o indício também não se adequa ao tipo de actividade em causa nos autos, completamente dependente dos pedidos aleatórios dos clientes, digamos que nem à ré conviria estar a pagar ao estafeta em função de tempo e da disponibilidade em “horas mortas”.
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Em especial quanto aos indícios relacionados com a inexistência do dever de exclusividade/não concorrência e com a possibilidade de os estafetas se fazerem substituir por outros nas sua tarefas:
Para além do já referido anotamos a crescente despersonalização da relação laboral. A digitalização permitiu “fazer desparecer a própria figura do empregador” - António Monteiro Fernandes,” Emprego na era digital: um novo conceito de trabalhador, Estudos APODICT 9, pág. 241.
O mesmo aconteceu ao trabalhador. Repare-se no “modo digital” como é admitido, através de pouco mais do que uma simples operação de “criação de conta”, sem rastreio de especiais “skills” e requisitos que não sejam aqueles que se relacionem com exigências legais, como ter carta de condução ou seguro.
Prestador de actividade e seu beneficiário não se chegam a conhecer, ao contrário do que ocorre na relação laboral tradicional. Empresas como a EMP01..., EMP03... ou EMP06... contam com uma extensa rede de estafetas. Segundo dados do Conselho Europeu e da EU, em 2022 os trabalhadores em plataformas digitais ascendiam a 28,3 milhões, número semelhante aos da indústria transformadoras de 29 milhões e, em 2025, estima-se que aqueles atinjam o número de 43 milhões - https://consilium.europa.eu.
São “mercadoria fungível”, facilmente substituível, em que não faz qualquer sentido falar em exclusividade ou impossibilidade de subdelegação de tarefas. Se um estafeta não responder à chamada e não aceitar o pedido, será a própria plataforma que logo o substituirá por outro com igual valor.
Ademais, a possibilidade de o estafeta subdelegar as entregas em suposto “terceiro” é fictícia, não tendo qualquer peso enquanto indício de autonomia. Repare-se que a substituição permitida é apenas a que é feita em outro estafeta dito “Parceiro de entrega” registado na plataforma, conforme ponto 5 al. o) do dito Contrato. Ou seja, em linguagem simples que se entende, um estafeta da EMP01... só pode ser substituído por outro estafeta da EMP01..., alguém que a ela já se encontra vinculado, e não por um terceiro. Mais uma subtileza contratual que cria aparência de autonomia.
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F - Indício respeitante ao modo de contratação:
Decorre da matéria provada que para iniciar a actividade de entregas, os estafetas têm de se registar na plataforma EMP01..., criar o que se chama “uma conta”, introduzir e fornecer certos detalhes. Simultaneamente, aderem na App, automaticamente, a um documento denominado “Contrato de Parceiro de Entregas de Parceiro de Frota” - pontos provados 7, 8, 9, 12, 13.
Trata-se de um documento padronizado usado em todas as “admissões” de estafetas, com cláusulas contratuais de adesão, extensa regulamentação, repleto de minúcia, emaranhado, com alguns dos temas dispersos e tratados em itens diferente, a dificultar a sua compreensão. Ademais faz uso corrente de termos pouco acessíveis ao cidadão comum (como Parceiro de Entregas, Contrato de Parceiro de Entregas do Parceiro de Frota, Parceiro de Entregas Independente...), numa linguagem técnica/jurídica, hermética e reveladora de que, na sua autoria, está toda uma equipa jurídica bem preparada - ponto provado 13. 
Trata-se de contratação não negocial, com supremacia de uma das partes, o que não é próprio do trabalho autónomo que, por princípio, obedece a uma negociação paritária entre as partes.
Este é outro indicio, a associar a outros, na caracterização da relação como tendo natureza laboral.

G - Outros indícios/característica de laboralidade:
Teresa Coelho e Marco Gonçalves em artigo intitulado “Presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital: alguns aspectos materiais e processuais”, https://doi.org/10.21814/uminho.ed.151.21, referem outras características que, embora não consagradas em presunção legal, relevam, a jurisprudência têm-nas acolhido[9] e as mesmas encontram abrigo na própria definição do contrato de trabalho - 11º CT.
Referem o facto “de o prestador da actividade não dispor de uma actividade empresarial própria, mas sim, estar inserido numa alheia”, pág. 398.
 Ou dito de outro modo, como foi enfatizado numa decisão no Estado da Califórnia, em 2015, o facto de o serviço prestado corresponder à actividade principal da empresa, o prestador estar sujeita ao seu controlo, e ser “inviável para o trabalhador gerir sozinho e nas mesmas condições a actividade que presta” - Maria Do rosário Palma Ramalho, “Autonomia, subordinação jurídica e dependência económica em plataformas digitais, breves reflexões)”, Estudos APODICT Nº 9, págs. p. 311.
 Julgamos que a situação dos autos reúne na essência estes pressupostos.

H- Vejamos os denominados indícios “externos” ou coadjuvantes:
O estafeta em causa declara rendimentos da categoria B e está enquadrado na segurança social como trabalhador independente.
No caso, estes indícios relacionados com o regime fiscal e social não conferem com a restante realidade apurada.
Recorda-se que desde sempre estes indicadores foram sendo considerados acessórios e complementares, a conjugar com os demais.
No caso, representam apenas a outra face da moeda, decorrente do facto de a EMP01... (e a EMP03...- ponto provado 3) atribuir ao estafeta o estatuto de trabalhador independente. Sobretudo são contrariados pelos indícios predominantes de laboralidade.
Uma outra palavra dedicada à “dependência económica” ligada à exclusividade ou dominância da fonte de rendimento, que no caso não se verifica relativamente à ré, apresentando o estafeta, também, rendimentos auferidos na EMP03....
Este é, também, tradicionalmente considerado um indicador meramente coadjuvante. Não estamos no campo das denominadas “situações equiparadas” para efeito de lhes estender a protecção laboral em matérias de segurança no trabalho, direitos de personalidade, igualdade e não discriminação, onde, aqui, sim, o requisito é fundamental (10º CT).
No caso, curiosamente, observa-se que a outra entidade para quem o estafeta presta serviços é também uma empresa (EMP03...) que gere serviços numa plataforma digital e onde também não lhe será reconhecido vínculo de natureza laboral (o que é indiciado pelo seu regime fiscal e de SS).
Como refere António Monteiro Fernandes e Luísa Alves, “Trabalho suportado em plataformas digitais, Um Ensaio de jurisprudência comparada”, Revista Questões Laborais, nº 58, 2021, pág. 42:
Esse tipo de dependência andará, naturalmente, associado à hétero-organização, mas não a define.
Ora, no caso já reconhecemos a existência de indícios fortes em sentido contrário.
***
Por todo o exposto é de revogar a decisão recorrida e de reconhecer natureza laboral ao vínculo do estafeta identificado nos autos.

III -  DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso e reconhece-se a existência de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, com início em 01/05/2023, entre a ré EMP01... e AA - 87º do CPT e 663º do CP.
Custas a cargo da recorrida
Notifique.
3-10-2024

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Vera Sottomayor
***
Voto de esclarecimento:

Em conformidade com a posição por mim assumida, como relatora, a propósito da titularidade dos equipamentos e instrumentos de trabalho dos estafetas da EMP03..., no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no dia de hoje (03.10.2024), Processo n.º 2800/23...., cumpre deixar consignado que apesar de considerar que o software gerido pela Ré é uma das suas ferramentas essenciais e imprescindíveis para o desenvolvimento da sua atividade, não considero que aplicação informática possa ser  considerada de equipamento ou instrumento de trabalho, para efeitos de presunção de laboralidade, tal como se fez constar no mencionado acórdão, que se transcreve:
“É certo que no exercício da sua atividade a recorrida gere e desenvolve a aplicação informática, sendo esta também indispensável para o exercício da atividade profissional do estafeta, mas tal não nos permite concluir que os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pelo estafeta pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação.
Com efeito, entendemos que a plataforma digital que gere os serviços de entrega, não pode ser considerada de instrumento ou equipamento de trabalho, pois para além de não ter existência física, o instrumento de trabalho é o telemóvel que permite aceder à aplicação.
Por outro lado, cabe referir o preenchimento da referida alínea exige que alguns equipamentos/instrumentos pertençam à Ré e não apenas um, pois como se escreve no recente ac. da RE de 12.09.2024, proc. 3848/23.5T8PTM.E1, consultável em www.dgsi.pt “…se fosse suficiente para a verificação da característica que a ré gerisse uma aplicação informática, então seria redundante a existência desta característica, pois a própria atividade em causa, trabalho em plataforma digital, já conteria o requisito/característica da alínea f)”
Vera Sottomayor (2ª adjunta)


[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC.
[2] Doravante somente designada por App, para simplificar a exposição. 
[3] Art. 37º, n.º 1, 35º, da Lei n.º 13/2023, de 13 de abril, 12º do CC.
[4] Lei 7/2009 de 12 de fevereiro com as alterações subsequentes até à Lei 1/2022, de 3 de fevereiro.      
[5] https://www.portugal.gov.pt
[6] Após a revisão de 2006 do CT/03 já se notava tal tendência espelhada no uso da expressão “estrutura organizativa” - 12º CT/03.
[7] CT/2009, até à versão dada pela Lei 1/2022, de 3-01.
[8] Decreto-lei 252/94, de 20 de outubro.
[9] Veja-se o ac. do Tribunal Supremo Espanhol de 23 de setembro de 2020, p. 4746/2019, (recurso para fixação de jurisprudência), https://www.poderjudicial.es, e também analisado por António Monteiro Fernandes, ob cit., Questões Laborais 58, 2021, pág. 16 e ss