PROCESSO ABREVIADO
NULIDADE DA SENTENÇA PROFERIDA EM PROCESSO ABREVIADO
QUESTÃO PRÉVIA
REGRA DA PROCEDÊNCIA LÓGICA NA DECISÃO DAS QUESTÕES
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
CUMPRIMENTO DAS INJUNÇÕES
CONHECIMENTO DO CUMPRIMENTO
Sumário

I - São causas da nulidade da sentença proferida em processo abreviado a omissão de documentação em acta, a falta de indicação sumária dos factos provados e não provados, a falta a exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, em caso de condenação a falta dos fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada e a falta do dispositivo.
II - A falta de dispositivo corresponde à omissão das disposições legais aplicáveis, da decisão condenatória ou absolutória, da indicação do destino a dar a animais, coisas ou objetos relacionados com o crime, com expressa menção das disposições legais aplicadas e da ordem de remessa de boletins ao registo criminal.
III - Questões prévias são todas as questões que obstam ao conhecimento do mérito da causa e todas as que são susceptíveis de influenciarem esse mérito e a regra da procedência lógica na decisão das questões a que se encontram sujeitas as decisões judiciais implica que não se apure a responsabilidade criminal do arguido quando exista circunstância que obste ao seu conhecimento.
IV - É corolário do princípio da economia processual, no sentido de não ser licito realizar no processo actos inúteis, o dever de o juiz, na sentença, decidir todas as questões prévias ou incidentais sobre as quais ainda não tenha recaído decisão antes da apreciação de mérito, evitando, assim, a prossecução inútil dos actos processuais.
V - À semelhança do que sucede com a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, a revogação da suspensão provisória do processo não é automática e só acontece se o incumprimento resultar de culpa grosseira ou reiterada do arguido.
VI - Assume a natureza de questão prévia o conhecimento do cumprimento das injunções fixadas na suspensão provisória do processo por parte do arguido.
VII - Mesmo que se entenda que pela inadmissibilidade legal da devolução do processo ao Ministério Público para conhecimento do cumprimento das injunções depois da sua remessa dos autos à distribuição, os factos relativos àquele cumprimento na fase de inquérito são relevantes para a sua defesa, recaindo sobre o tribunal a quo o dever de os apreciar.

Texto Integral

Acordam, em Conferência na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

1. Por sentença datada de 12 de maio de 2023, foi o arguido,, condenado:

a) Pela prática em 10-06-2022, como autor material, de 01 (um) crime de desobediência, p.p. pelos artigos 348.º, n.º 1, alínea a), e 69.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, aquele com referência ao artigo 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, do Código da Estrada, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), num total de € 480,00 (quatrocentos e oitenta euros).

b) Condenar o arguido … na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 04 (quatro) meses, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal. identificado nos autos, absolvido do crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 152º, nº1, alínea a) e nº 3, do Código da Estrada e artigo 348º, nº 1, alínea a) e 69º, nº 1, alínea c), do Código Penal.

2. Inconformado com esta condenação, recorreu o arguido suscitando a nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto ao cumprimento das injunções impostas na suspensão provisória do processo.

3. Por Acórdão deste Tribunal da Relação proferido em 8 de novembro de 2023, o recurso foi julgado procedente, com declaração da nulidade da sentença, a ser suprida pela primeira instância, com a elaboração de uma nova sentença que aprecie de facto e de direito a questão do (in)cumprimento da suspensão provisória do processo por parte do arguido, procedendo à reabertura da audiência se necessário.

4. Devolvidos os autos á primeira instância, foi declarada reaberta da audiência, com produção de prova - declarações do arguido –  e finda a discussão foi proferida nova sentença, que julgou verificado o cumprimento das injunções impostas na suspensão provisória do processo com o subsequente arquivamento dos autos.

5. Inconformado, interpõe o Ministério Público o presente recurso, formulando as seguintes Conclusões:

«1. O presente recurso cinge-se, além das questões referidas infra, a uma questão que se prende com a falta de cumprimento do disposto no art. 374º, n.ºs 2 e 3 do C. P. Penal, isto é, a sentença recorrida, conforme consta da Referência CITIUS 36933538, sem qualquer relatório, e sem qualquer fundamentação, de facto ou de direito, limita-se a apreciar a questão prévia de extinção do procedimento criminal, por o Tribunal “a quo” ter considerado que o arguido já tinha cumprido as injunções que constavam da suspensão provisória do processo, em fase de Inquérito, sem apreciar o fundo ou mérito da questão, uma vez que da mesma não constam nem a fundamentação, com os factos provados e não provados, nem tão pouco o dispositivo com as disposições legais aplicáveis e a decisão condenatória ou absolutória.

2. Assim, estamos perante uma sentença nula, e que viola claramente o disposto no art. 374º do C. P. Penal.

3. Portanto, em nosso entender, a sentença não contém qualquer decisão de mérito, mas apenas aprecia a questão (que o Tribunal “a quo apelidou de “prévia”), de extinção do procedimento criminal por, alegadamente, o arguido, apesar de ter praticado os factos, e de já ter sido condenado na primeira sentença, considerou que, de forma diametralmente oposta ao que já havia decido, que, afinal, o arguido havia cumprido as injunções em sede de Inquérito, determinado que os autos fossem arquivados.

4. Aqui chegados, cumpre dizer que se discorda de forma peremptória deste entendimento, uma vez que não existe nenhuma questão prévia que o Tribunal “a quo” devesse apreciar, na medida em que a responsabilidade criminal do arguido não se encontra extinta por nenhuma causa legalmente prevista, seja ela a amnistia ou o perdão de penas, a prescrição ou a morte do próprio arguido.

5. Por outro lado, o Tribunal “a quo” não pode proferir uma decisão deste calibre (decisão de extinção do procedimento criminal por força de uma questão que já está ultrapassada e ficou sanada na fase do Inquérito, na medida em que, se o arguido pretendia demonstrar que a acusação contra si proferida, em processo abreviado, era injusta porque tinha cumprido as injunções, ainda em sede de Inquérito, tinha a possibilidade de lançar mão do requerimento de abertura de Instrução, sede própria para ver apreciada a questão do cumprimento das injunções, e do mal fundada da acusação pública contra si proferida.

6. …

7. O presente recurso vai ainda circunscrito à questão do não cumprimento/acatamento, por parte do Tribunal “a quo”, do que havia sido “imposto”, ou melhor, determinado, no douto Acordão da Relação de Coimbra, por Acordão proferido em 8-11-2023, e em que foi decido, de forma taxativa e unânime, por todos os Ex.ºs Desembargadores que compunham o Tribunal superior, que a sentença anterior era nula, devendo ser substituída por outra que aprecie as questões de facto e de direito pertinentes, … «….»

8. …

9. Além do mais, em nosso entender, a decisão proferida nos presentes autos e constante da Acta de dia 28-02-2024, é ilegal por absoluta carência de fundamento legal.

10. Se é verdade que a decisão se escora no disposto no art. 386º, n.º 1 do C. P. Penal, a verdade é que esse artigo não se pode aplicar aos presentes autos, porque remete para apreciação de questões prévias ou incidentais que careçam de decisão nos autos, prévias à decisão final a proferir.

11. Ora, tais questões, a existirem, seriam uma questão de eventual apreciação prévia, que obstasse ao conhecimento do mérito da causa, se estivéssemos perante alguma causa legal de extinção do procedimento criminal, como seria a morte do arguido, a amnistia ou o perdão (embora, uma vez que ainda não existe pena, em bom rigor não se pode falar em perdão de pena), a prescrição ou a eventual revogação da lei incriminatória, a qual, por força da aplicação do Princípio da Lei mais favorável ao arguido, deixaria sem suporte legal a condenação do arguido.

12. Mas não foi nenhuma destas causas que foi apreciada. Foi, isso sim, uma causa que já se encontrava ultrapassada a montante, em sede de Inquérito (e que podia e deveria ser apreciada em sede de instrução), mas que, com o devido respeito, não podia nem devia ser considerada questão prévia que determinasse a extinção do procedimento criminal “tout court”.

13. Assim, incorreu o Tribunal “a quo” na aplicação ilegal de uma norma jurídica, da forma como o fez, designadamente o disposto no art. 368º, n.º 1 do C. Penal.

14. Não obstante tudo o que já se referiu, a sentença/decisão recorrida é ainda omissa quanto à apreciação da matéria de facto, …

15. …

16. …

17. …

6. Foram colhidos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento de mérito do recurso.

II. A SENTENÇA RECORRIDA

A primeira instância julgou provados os seguintes factos:

1. No dia 10 de Junho de 2022, pelas 02:28 horas, na Avenida ..., na cidade e concelho ..., o arguido … conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ..-..-PJ, aós ter ingerido bebidas alcoólicas, quando foi fiscalizado pela Polícia de Segurança Pública de ....

2. Na sequência da fiscalização levada a cabo pelos agentes da P.S.P. foi solicitado ao arguido … que efetuasse o teste de despistagem de álcool em aparelho qualitativo, ao que o arguido acedeu.

3. Como o mesmo acusou a presença de álcool, foi solicitado ao arguido … que efetuasse o teste de pesquisa de álcool no sangue, em aparelho quantitativo, sendo informado que, para o efeito, teria de acompanhar os agentes à Esquadra ..., o que o arguido acatou.

4. Contudo, quando lhe foi indicado para realizar o sopro no aparelho Drager Alcotest 7510PT, série ARPL-0475, a fim de ser submetido ao teste de alcoolemia quantitativo, por ar expirado, o arguido …, em quatro ocasiões distintas, iniciou e interrompeu o sopro necessário à realização do teste,

5. Tendo o aparelho emitido, após o período de espera, os talões de teste n.ºs 270, 271, 272 e 273, com indicação de “sopro insuficiente”.

6. Em consequência, foi o arguido … informado que poderia, em alternativa, submeter-se a recolha de sangue para análise laboratorial para quantificação da taxa de álcool,

7. O que o arguido … se recusou a efetuar.

8. Foi então advertido, pelos agentes da PSP, das sanções legais em que incorria em caso de não cumprimento e não realização de qualquer um dos testes, nomeadamente que incorreria na prática de um crime de desobediência.

9. Não obstante, o arguido … manteve a sua recusa em submeter-se ao teste de pesquisa de álcool no sangue.

Em obediência ao Acórdão desta Relação, considerou, ainda provados, os seguintes factos:

13. No âmbito do inquérito, foi determinada a suspensão provisória do processo, pelo período de 6 (seis) meses e mediante o cumprimento, pelo arguido das seguintes injunções:

a) entregar a quantia de 400,00EUR (quatrocentos Euros) ao Estado, durante o período da suspensão, devendo comprovar documentalmente nos autos o referido pagamento;

c) proibição de conduzir qualquer veículo com motor durante 3 (três) meses, devendo, para tanto, entregar nos autos, no prazo de 10 (dez) dias a contar da notificação do despacho que determinar a suspensão provisória do processo, todos os títulos de condução que o habilitem a conduzir veículos motorizados.

14. Tal prazo terminou a 20 de janeiro de 2023.

15. O arguido cumpriu a injunção de proibição de conduzir veículos com motos pelo prazo de 3 meses.

16. Durante o período da suspensão, o arguido não demonstrou nos autos a entrega da quantia de quatrocentos Euros ao Estado.

17.O Ministério Público ordenou a remessa dos autos para julgamento.

18. O arguido cumpriu a injunção de entregar ao estado a quantia de 400€, embora não no prazo inicialmente fixado para a respectiva entrega, por alegadas dificuldades económicas.

19. O arguido comunicou ao processo o pagamento de tal quantia através de email dirigido ao processo que se reportará a 7 de março de 2023.

20. O processo foi remetido para julgamento em data posterior.

21. Em 28 de março de 2023 o arguido demonstrou ter realizado a entrega do dinheiro ao estado. 


***

Alinhados os factos, o Tribunal recorrido aprecia e decide a questão do cumprimento das injunções, nos seguintes termos:

Entende este Tribunal que o arguido, em rigor, cumpriu as injunções que lhe foram fixadas pelo Ministério Publico aquando da suspensão provisória do processo, verificando-se, quando muito, uma infração ligeira, por não ter comprovado nos autos o cumprimento atempado da entrega da quantia da quantia de € 400, o que ocorreu por dificuldades económicas.

Assim, considera o Tribunal, como questão prévia, nos termos do art. 368º, nº 1, do C.P.Penal, que não ocorreu qualquer infracção dolosa ou, sequer, alguma a situação de negligência grosseira, no cumprimento da obrigação de entrega de 400€ e do comprovativo do pagamento – existindo, apenas, algum descuido no cumprimento rigoroso dos prazos que lhe foram fixados.

O arguido cumpriu as injunções propostas pelo Min. Publico, existindo, quando muito, uma infração ligeira respeitante ao não envio comprovativo do pagamento no prazo.

Assim, como questão prévia, considera o Tribunal que foi cumprido o determinado e decide-se ordenar o arquivamento do presente processo.

III.OBJECTO DO RECURSO

Se bem percebemos os fundamentos e as Conclusões do recurso a única questão que o Recorrente pretenderia ver reapreciada seria a de saber se, na fase de julgamento, é ou não admissível conhecer a questão do cumprimento das injunções fixadas na suspensão provisória do processo durante o inquérito.

Porém, socorre-se, indistintamente de múltiplas figuras e institutos jurídicos, colocando, também, à, nossa apreciação, as questões de saber: (i) se a sentença é nula; (ii) se a decisão recorrida tem natureza de questão prévia e (iii) se contém os vícios da insuficiência para a decisão de facto, contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova.

IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Nulidade da sentença

Começa o Recorrente por apontar à sentença recorrida o vício da nulidade, por violação do artigo 374.º, n.º 2 e 3, do Código de Processo Penal.

Manifestamente sem razão.

O artigo 374.º do Código de Processo Penal estabelece os requisitos a que deve obedecer uma sentença proferida em processo comum, que, como se sabe, é de aplicação subsidiária, isto é, será aplicável aos crimes para os quais a lei não prevê forma de processo especial.

Um dos processos especiais é o processo abreviado, sujeito ao regime previsto nos artigos 391.º - A a 391.º - G, do Código de Processo Penal.

Para a sentença, estatui o artigo 391.º - F, do Código de Processo Penal que lhe é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 389.º - A, do mesmo diploma.

Dispõe este preceito:

1 - A sentença é logo proferida oralmente e contém:

a) A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas;

b) A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão;

c) Em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada;

d) O dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 374.º

2 - O dispositivo é sempre ditado para a acta.

3 - A sentença é, sob pena de nulidade, documentada nos termos dos artigos 363.º e 364.º

Por seu turno, estabelece o artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal que em processo abreviado, uma sentença é nula se não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F.

São, pois, causas da nulidade da sentença: (a) a omissão de documentação em acta, nos termos dos artigos 363. º e 364.º do Código de Processo Penal [artigo 389.º - A, n.º 3, do Código de Processo Penal]; (b) a falta de indicação sumária dos factos provados e não provados (pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas); (c) a falta a exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão; (d) em caso de condenação, a falta dos fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada e d) a falta do dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 374.º [artigo 379.º, n.º 1, in fine, alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º A e artigo 391.º F, todos do Código de Processo Penal].  

A falta de dispositivo, nos termos dos preceitos citados corresponde à omissão: a) das disposições legais aplicáveis; b) da decisão condenatória ou absolutória; c) da indicação do destino a dar a animais, coisas ou objetos relacionados com o crime, com expressa menção das disposições legais aplicadas e d) da ordem de remessa de boletins ao registo criminal;

São estas as causas de nulidade de sentença e não outras (cf. artigo 118.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

Clarificadas as causas de nulidade de sentença, em processo abreviado e ouvida a sentença recorrida ditada para a acta, logo se constata que, ao contrário do alegado pelo Recorrente, nenhuma causa de nulidade das apontadas se verifica. 

O tribunal recorrido, depois de referenciar que a primeira parte (entenda-se dos factos provados e meios de prova) correspondiam aos anteriores, elenca a factualidade provada nos termos supra descritos, sendo perceptível que a prova dos factos assenta nas declarações prestadas pelo arguido conjugadas com os documentos junto aos autos, apreciou a questão do in(cumprimento) das injunções fixadas na suspensão provisória do processo e concluiu, no dispositivo, pelo arquivamento dos autos, ao abrigo do disposto no artigo 368.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. 

Improcede, pois, esta pretensão do Recorrente.

2. Insuficiência para a decisão de facto, contradição insanável e erro notório na apreciação da prova

Para o Recorrente, a sentença recorrida enferma de erro notório na apreciação da prova, por insuficiência de fundamentação quanto à matéria provada e contradição insanável entre a fundamentação e a decisão de facto.

A insuficiência da matéria de facto ocorre quando a factualidade apurada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não tenha investigado toda a matéria com interesse para a decisão, quando o podia e devia ter feito e não se confunde com a eventual falta de provas que pudessem sustentar a demonstração da factualidade que ali foi dada como apurada.

Não se trata de insuficiência da prova, para sustentar as respostas positivas ou negativas que foram dadas aos factos que foram sujeitos a julgamento de facto, mas de ausência de factos para a decisão de direito.

A contradição insanável, por seu turno, verifica-se «quando se dão como provados factos contraditórios, quando se dá ao mesmo tempo, como provado e não provado o mesmo facto, quando existe incompatibilidade entre factos provados e a respectiva fundamentação probatória e, além,  disso, quando a contradição se revela de tal sorte no contexto da matéria de facto que não pode ser ultrapassada, sanada, através do que mais consta na decisão recorrida ou do uso de regras da experiência comum» [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 5 de Fevereiro de 1998, Colectânea de Jurisprudência (CJ), 1998, Tomo I, página 195].

Ou, quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal (Ac. do S.T.J de 13-10-1999, Relator: Conselheiro Armando Leandro, Colectânea, III e jurisprudência aí citada).

A contradição resulta da decisão quando sobre um mesmo assunto se assumem posições opostas e inconciliáveis, o que sucede, quando se dão como provados factos contraditórios, quando se dá ao mesmo tempo, como provado e não provado o mesmo facto, quando existe incompatibilidade entre factos provados e a respectiva fundamentação probatória e, além,  disso, quando a contradição se revela de tal sorte no contexto da matéria de facto que não pode ser ultrapassada, sanada, através do que mais consta na decisão recorrida ou do uso de regras da experiência comum.

Já erro notório na apreciação da prova consiste num erro de raciocínio que se evidencia pela simples a leitura da decisão, por si só ou conjugada com o senso comum, em que facilmente se percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.

O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre a prova vinculada ou das legis artis.

Trata-se de um vicio que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado um facto que poderia não ter acontecido.

Tal erro não se confunde com o erro de julgamento, o consagrado no artigo 412º, n.º 3, resulta da forma como o tribunal teria valorado a prova produzida e verifica-se quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova ou quando dá como não provado um facto que, face à prova produzida deveria ter sido considerado provado.

Revisitada a sentença recorrida, nela não detectámos nenhum dos vícios mencionados na peça recursiva. Não se verifica a insuficiência para a decisão de facto – os factos provados bastam para prolatar a decisão de direito –, a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão de facto, ou erro notório na apreciação da prova.

Pelo que, também, aqui, não tem razão o Recorrente.

3 - Questão Prévia

Sustenta o Recorrente que o conhecimento do cumprimento das injunções na suspensão provisória do processo não integra o conceito de questão prévia a que se refere o artigo 368.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, posto que não é causa de extinção da responsabilidade criminal.

Antes mais, cabe clarificar que, ao contrário do afirmado no recurso, o Tribunal recorrido não considerou o cumprimento das injunções como causa de extinção da responsabilidade criminal do arguido, mas como causa de arquivamento dos autos, o que, como se sabe, são institutos diferentes.

E, cabe também esclarecer que o que está aqui em causa não é a questão de saber se o cumprimento das injunções tem por efeito o arquivamento dos autos, nos termos decididos pelo Tribunal recorrido, mas sim a de saber se, em termos formais, se trata de uma questão prévia que a proceder prejudique o a apreciação do mérito, no caso a responsabilidade criminal do arguido.

E isto, porque, o artigo 368.º, n.º 1, do Código de Processo Penal relativo às questões a resolver na sentença previamente à questão da culpabilidade e o artigo 608.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sobre as questões a resolver e ordem de julgamento  (ex vi artigo 4.º, do Código de Processo Penal), estabelecem que o tribunal começa por decidir separadamente as questões prévias ou incidentais sobre as quais ainda não tiver recaído decisão, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica».

O que quer dizer que o Tribunal começa por examinar e decidir as questões prévias que podem prejudicar ou obstar à apreciação do mérito da causa.

Questões prévias são todas aquelas que obstem ao conhecimento de mérito e todas as que são susceptíveis de influenciarem esse mérito. 

Este regime (cf. também os artigos 311.º, n.º 1 e o artigo 338.º, n.º 1, do Código de Processo Penal),  corolário do principio da economia processual, no sentido de que não é licito realizar no processo actos inúteis (cf. artigo 130.º, do Código de Processo Civil, ex vi artigo 4.º, do Código de Processo Penal), impõe ao Tribunal que, antes da apreciação de mérito, decida todas as questões prévias ou incidentais sobre as quais ainda não tenha recaído decisão, evitando, assim, a prossecução inútil dos actos processuais.

É a regra da procedência lógica a que se encontram sujeitas as decisões judiciais que implica não se apure a responsabilidade criminal do arguido, quando exista qualquer circunstância que obste ao conhecimento daquela.

No nosso caso, entendeu o Tribunal recorrido que o cumprimento das injunções por parte do arguido fixadas na suspensão provisória do processo obsta à apreciação da responsabilidade criminal (o mérito desta acção criminal), ordenando, por isso, o arquivamento dos autos. Trata-se, assim, de uma questão prévia no sentido atribuído pelo citado artigo 368.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, porquanto torna inútil se resolva a questão de saber se a conduta do arguido integra ou não os elementos constitutivos do crime de que vem acusado.

Reitere-se que não se trata de saber se o processo deveria ou não ter sido arquivado, mas a ordem de julgamento por que há-de ser resolvida. E quanto a esta, assume natureza de questão prévia, nos termos sobreditos, pelo que, não assiste razão ao Recorrente.

 

IV. Cumprimento das injunções fixadas na suspensão provisória do processo não apreciado pelo Ministério Público na fase de inquérito

Finalmente, a questão essencial suscitada pelo Recorrente: saber se o cumprimento das injunções por parte do arguido fixadas na suspensão provisória do processo na fase de inquérito não conhecido pelo Ministério Público pode ser apreciada pelo juiz de julgamento.

Esta questão foi apreciada nos autos por este Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão proferido em 8 de novembro de 2023.

Aí se consignou:

A suspensão provisória do processo constitui uma limitação ao dever de o Ministério Público deduzir acusação sempre que tenha indícios suficientes de que certa pessoa foi o autor de um crime (artigo 283.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), através da qual o Ministério Público se compromete a desistir da pretensão punitiva e a arquivar o processo, se o arguido cumprir as injunções e regras de conduta resultantes do consenso dos sujeitos processuais - (Ministério Público, arguido e assistente) -  com intervenção do juiz de instrução [Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 7/87 e n.º 67/2006].

Tal como prevê o artigo 282.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, «[se] o arguido cumprir as injunções e regras de conduta, o Ministério Público arquiva o processo, não podendo ser reaberto».

Em caso de incumprimento das regras de conduta ou injunções, a suspensão provisória do processo é revogada, implica a dedução da acusação e o prosseguimento do processo, com a submissão do arguido a julgamento [artigo 282.º, n.º 4, do Código e Processo Penal].

Por isso, a revogação da suspensão provisória do processo não é automática, não bastando a constatação do incumprimento para a decretar, devendo o Ministério Público indagar das razões do não cumprimento.

À semelhança do que sucede com a suspensão da execução da pena de prisão, o incumprimento das injunções ou regras de conduta, só determina a revogação da suspensão provisória do processo, se o arguido incumprimento resultar de culpa grosseira ou reiterada.

«Não há revogação automática da suspensão provisória do processo, pois ela depende de uma valoração da culpa do arguido no incumprimento. O critério estabelecido é o do incumprimento das injunções e regras de conduta com culpa grosseira ou reiterada do arguido, tal como prevê o artigo 56.º do CP» [Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, página 741].

Ou como afirma Maia Costa, «o incumprimento deverá ser culposo, ou repetido, em termos idênticos aos que o Código Penal prevê para a revogação da suspensão da pena, no art. 56º, nº 1, a). Ou seja, o incumprimento não terá que ser doloso, mas deverá ser imputável pelo menos a título de negligência grosseira ao arguido, ou então repetidamente assumido (…)» - [Código de Processo Penal Comentado, página 989].

Assim, «a constatação do incumprimento não pode conduzir necessariamente à “revogação” da suspensão, devendo o Ministério Público (ou o juiz de instrução, se a suspensão tiver sido decretada nessa fase) indagar das razões do incumprimento, em ordem a decidir-se do prosseguimento do processo para julgamento ou pelo decurso do prazo da suspensão, consoante apure haver, ou não, comportamento culposo, ou repetido, por parte do arguido» [Maia Costa, Código de Processo Penal Comentado, A. Henriques Gaspar e outros, página 946].

De facto «há que avaliar o grau de culpa, antes de qualquer decisão revogatória» [F. Gama Lobo, Código de Processo Penal Anotado, 4ª. Edição, página 604] sob pena de violação do princípio da culpa e da própria dignidade da pessoa humana, pedras angulares e transversais a todo o ordenamento jurídico-penal, por respeito pelos direitos de defesa, designadamente pelo princípio do contraditório, como decorre da Constituição e da Lei, só assim se garantindo um processo penal justo e equitativo [cf. de forma desenvolvida, João Conde Correia, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, III, 2021, páginas 1125 e ss., § 15 e ss.].

No caso vertente, foi determinada a suspensão provisória do processo, pelo período de 6 (seis) meses e mediante o cumprimento, pelo arguido das seguintes injunções:

a) entregar a quantia de 400,00EUR (quatrocentos Euros) ao Estado, durante o período da suspensão, devendo comprovar documentalmente nos autos o referido pagamento;

c) proibição de conduzir qualquer veículo com motor durante 3 (três) meses, devendo, para tanto, entregar nos autos, no prazo de 10 (dez) dias a contar da notificação do despacho que determinar a suspensão provisória do processo, todos os títulos de condução que o habilitem a conduzir veículos motorizados.

Tal prazo terminou a 20 de janeiro de 2023.

O arguido cumpriu a injunção de proibição de conduzir veículos com motos pelo prazo de 3 meses.

Durante o período da suspensão, o arguido não demonstrou nos autos a entrega da quantia de quatrocentos Euros ao Estado.

Em 1 de fevereiro de 2023, o Ministério Público proferiu o seguinte despacho:

«Notifique o arguido …, e o seu Ilustre Mandatário, …, nos termos habituais, devendo o mandatário ser também notificado eletronicamente (..........@.....), nos termos do preceituado no artigo 113.º, n.º 11, do Código de Processo Penal, para, no prazo de dez dias, juntar aos presentes autos o documento comprovativo do cumprimento da injunção a que se encontrava obrigado no âmbito da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo – entrega de 400,00EUR (quatrocentos Euros) ao Estado – ou justificar o motivo do seu não cumprimento, sob pena de nada dizendo os autos prosseguirem os seus trâmites até final, nos termos do artigo 282.º, n.º 4, alínea a), do Código de Processo Penal».

Notificados deste despacho e dentro do prazo, o arguido entregou a quantia de 400€ ao Estado, não tendo chegado aos autos, o comprovativo respectivo do pagamento.

Em 27 de fevereiro de 2023, o Ministério Público revogou a suspensão provisória do processo, com fundamento na falta de cumprimento do pagamento da quantia de 400€, ao Estado, no prazo de 6 meses.

No mesmo dia 27 de fevereiro de 2023, o Ministério Público, deduziu acusação contra o arguido, requerendo o julgamento em processo abreviado, pelos factos e violação das normas legais (crime de desobediência), objecto da suspensão provisória do processo.

Notificado destes despachos em 6 de março de 2023, o ilustre mandatário do arguido, apresentou no dia 7 de março de 2023, um requerimento, dando nota, que pagou o valor de 400€, em 16 de fevereiro de 2023 e que o mail que se pretendeu enviar com o comprovativo do pagamento daquela quantia, não chegou aos autos.

Ora, importa distinguir a injunção do comprovativo do cumprimento da mesma. A injunção corresponde à obrigação de entregar a quantia de 400,00€ ao Estado, esgotando-se com o acto da entrega do dinheiro, a comprovação é o meio de prova, através do qual, o arguido demonstra que realizou a obrigação de entregar a quantia fixada na injunção.

No nosso caso, apesar do arguido ter cumprido a injunção dentro do prazo de 10 dias que lhe foi concedido pelo Ministério Público, para comprovar o pagamento da quantia de 400,00€ ao Estado, o processo seguiu para julgamento, vindo a ser condenado, sem que o Ministério Público ou o Tribunal se tivessem pronunciado sobre estes factos, apesar da questão ter sido suscitada pelo arguido, logo que foi notificado da acusação, na fase de inquérito e de julgamento.

O Ministério Público, por entender que, com a dedução da acusação, se encerrou o inquérito; o Tribunal, por considerar que, tendo os autos sido remetidos à distribuição, e encontrando-se em fase de julgamento, tendo sido recebida a acusação e designado dia para julgamento, os autos não podiam regredir à fase de inquérito para que seja determinada a suspensão provisória do processo.

Ora, mesmo que se entenda que pela inadmissibilidade legal da devolução do processo ao Ministério Público, depois de remetido à Distribuição, como decidiu o Senhor Juiz da primeira instância, dúvidas não restarão que os factos relativos ao cumprimento da injunção por parte do arguido e por este invocado, são relevantes para a sua defesa, recaindo, assim sobre o Tribunal a quo o dever de os apreciar.

Como decidiu o Acórdão desta Relação, de datado de 11 de outubro de 2023 [Relator: Desembargador Jorge Jacob, subscrito, também, pelo Sr. Desembargador, José Eduardo Martins, aqui 1.º Adjunto, em www.dgsi.pt]:     

«(…) não estamos perante uma pura omissão de cumprimento da injunção, mas perante um cumprimento que apenas parcialmente foi efectuado para além do prazo assinalado. E se é certo que não foi dado conhecimento do cumprimento no momento ajustado, esse cumprimento veio ao conhecimento do processo em momento anterior ao julgamento e foi expressamente invocado pelo arguido, razão pela qual, ainda que os autos prosseguissem para julgamento, em sede de sentença não poderia ter deixado de ser fixada a matéria pertinente alegada na contestação e dela retiradas as consequências tidas como as ajustadas ao caso, posto que o processo penal é muito mais do que um Kafkiano amontoado de papéis ou uma sacramental sucessão de actos tendentes a uma finalidade pré-determinada. É, essencialmente, um meio actuante e dinâmico ao serviço da realização da justiça, postulando a observância de procedimentos que funcionem como garantia de uma efectiva defesa do arguido.

Assim, a partir do momento em que se verificou que o arguido tinha procurado cumprir a injunção, ainda que com algum atraso na sua realização, sendo essa a finalidade essencial da injunção, havia que retirar daí as consequências que tal constatação impunha, primeiro, fixando a correspondente matéria de facto; depois, valorando o impacto dessa factualidade em sede de sentença, desde logo, por força da necessidade de verificar, face ao disposto no nº 2, al. e), do art. 368º do CPP, «se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do agente ou a aplicação a este de uma medida de segurança», sabido que a partir do momento em que é determinada a suspensão provisória do processo, a possibilidade de ulterior condenação do arguido pelos factos que determinaram a suspensão pressupõe o incumprimento da injunção. Havia assim que verificar, como condição de validade do prosseguimento do processo e da condenação penal, se ocorria um verdadeiro incumprimento da injunção, nos termos previstos no art. 282º, nº 4, do CPP. (…)

Nessa medida, (…) ocorreu violação desproporcional dos direitos de defesa do arguido, além do mais, quando a matéria alegada pela defesa foi tratada nos termos constantes do despacho que supra se transcreveu, retirando ao arguido qualquer possibilidade de reacção, tanto assim que em sede de processo abreviado apenas é admissível recurso da sentença ou do despacho que puser termo ao processo.»

(…)

Nos termos expostos, acordam os Juízes que compõem a 5.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação em declarar a nulidade da sentença recorrida, que deverá ser substituída por outra, que aprecie as questões de facto e de direito que o caso suscita, tal como se apontaram, podendo, se necessário, reabrir a audiência para esse efeito».

Deste modo, decidiu esta Relação, por Acórdão já transitado em julgado, que a questão do (in)cumprimento das injunções por parte do arguido, porque não tinha sido apreciada no inquérito (não estava resolvida como afirma o Recorrente) nem pelo Tribunal na fase de julgamento, quando, a isso, estavam obrigados, deveria ser conhecida pelo Tribunal a quo.

Foi o que fez o Tribunal recorrido.

Depois de reaberta a audiência, produzida a prova entendida por conveniente e concedida a palavra ao Ministério Público e ao defensor do arguido, para alegações finais, o senhor Juiz a quo ditou a sentença para a acta, pronunciando-se sobre a questão omissa na sentença declarada nula -  precisamente a de saber se o arguido tinha ou não satisfeito as injunções e, conforme resposta (afirmativa ou negativa), daí retirasse as respectivas consequências - cumprindo, assim, o ordenado no Acórdão acima referido. 

O mesmo é dizer que o juiz do julgamento podia e devia decidir se o arguido cumpriu ou não as injunções, como questão prévia.

Se assim não fosse ficaria na impossibilidade de exercer o direito de defesa perante as vicissitudes cometidas pelo Ministério Público no inquérito, o que viola frontalmente um dos princípios básicos do processo penal, o direito à defesa do arguido inscrito o artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa.

Recorde-se que o Ministério Público não ouviu o arguido sobre a revogação da suspensão provisória do processo, nem se pronunciou sobre facto de o arguido ter demonstrado nos autos a entrega ao Estado da quantia de 400€ ao Estado, ainda no prazo concedido para justificar o não pagamento.

Neste quadro, temos alguma dificuldade em aceitar a tese do Recorrente de que a questão do (in)cumprimento já estava ultrapassada, sanada na fase de inquérito, tanto mais, que o arguido não tinha a possibilidade de requerer a abertura de instrução, já que como é sabido, a forma de processo abreviado seguida por estes autos, não comporta tal fase.

Não subsistem dúvidas que o arguido, ainda que tardiamente, cumpriu as injunções fixadas na suspensão provisória do processo e que o processo só seguiu para julgamento porque, como e bem salienta o Digno Procurador Geral Adjunto, o Ministério Público não procedeu à audição do arguido, antes de revogar a suspensão provisória do processo, nem se pronunciou, como devia, sobre o requerimento apresentado pelo arguido, ainda na fase de inquérito que comprovava o pagamento da quantia de 400€ ao Estado. 

Fazer tábua rasa de todo este circunstancialismo e condenar o arguido pela prática do crime, objecto da suspensão provisória do processo que, por vida do cumprimento das injunções e regras de conduta deveria ser arquivado (artigo 282.º, n.º 3, do Código de Processo Penal), nos termos pretendidos pelo recorrente, mais não é do que persistir na violação das garantias de defesa do arguido de consagração constitucional. 

Chegados aqui, haveria que qualificar as vicissitudes referenciadas. Porém, seja qual for a posição que se assuma – excepção peremptória (caso julgado); excepção dilatória inonimada; falta de uma condição de procedebilidade para o exercício da acção penal – certo é que se prefigura como questão prévia que obsta à apreciação da responsabilidade criminal do arguido, com o subsequente arquivamento dos autos.

Daí que nenhuma censura mereça a sentença recorrida.

V. DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os Juízes que compõem a 5.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando-se a sentença recorrida.

Coimbra,  25 de setembro de 2024

Relatora – Alcina da Costa Ribeiro

1.º Adjunto – Paulo Guerra

2.º Adjunto – José Eduardo Martins