I. A revista excpecional serve exclusivamente para superar o obstáculo da dupla conforme.
II. Não existindo contradição de julgados, não é aplicável o artigo 629.º, n.º 2, al. d), do CPC.
Reclamante: AA
1. Em sede de oposição por embargos e à penhora na sequência da execução intentada por Banco Comercial Português, S.A. contra BB e CC, veio a executada – que passou a chamar-se AA – deduzir incidente de falta de citação e em consequência pedir a suspensão dos termos da execução.
Alega a embargante, em síntese, que não foi citada para os termos da execução, o que implica a anulação de tudo o que se tenha passado na execução.
2. Contestou o exequente, alegando, em síntese, que a citação (por contacto pessoal, nos termos conjugados dos artigos 225.º n.º 2, al. c), e 231.º n.º 1, do CPC) foi validamente efectuada.
3. Foi proferida decisão que julgou improcedente o incidente de falta de citação.
4. Desta decisão recorreu a embargante, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa decidido julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
5. Ainda inconformada vem a embargante “recorrer de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça (…), recurso esse que sobe imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 671º, nº 3, 672º, nº 1, alíneas a), b) e c), 674º, nº 1, alíneas a), b) e c), 675º, nº 1 e 676º, nº 1 do Código de Processo Civil)”.
6. O Exmo. Desembargador Relator determinou a subida dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça para ser apreciado o pedido de revista excepcional.
7. Distribuídos os autos no Supremo Tribunal de Justiça, foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Da via do recurso e do fundamento de recorribilidade
Como se viu, a embargante vem “recorrer de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento em violação de lei substantiva e violação e errada aplicação da lei de processo enquadrados nos três fundamentos possíveis dessa modalidade de recurso (relevância jurídica necessária para uma melhor aplicação do direito, interesses de particular relevância social e contradição entre Acórdãos), recurso esse que sobe imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 671º, nº 3, 672º, nº 1, alíneas a), b) e c), 674º, nº 1, alíneas a), b) e c), 675º, nº 1 e 676º, nº 1 do Código de Processo Civil)”.
Ora, como é commumente sabido, a revista excepcional serve – serve apenas – para superar o obstáculo à admissibilidade da revista conhecido como “dupla conforme”.
Sucede, porém, que a admissibilidade do presente recurso se depara com um outro impedimento, de carácter geral: o presente recurso não preenche qualquer dos requisitos previstos no artigo 671.º, n.º 1, do CPC, ou seja, mais precisamente, o Acórdão recorrido não é nem um “acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa” nem um acórdão “que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.
Trata-se, com efeito, de um acórdão que apreciou uma decisão interlocutória (não final) que recaiu sobre a relação processual (não conheceu do mérito), que só é recorrível de revista através de uma das vias previstas no artigo 671.º, n.º 2, do CPC, designadamente, se for um dos casos em que o recurso é sempre admissível [cfr. artigo 629.º, n.º 2, al. d), ex vi do artigo 671.º, n.º 2, al. a), do CPC).
Nestas circunstâncias, a via excepcional, escolhida e indicada pela recorrente, é completamente irrelevante porquanto, se o recurso for admitido por ser um dos casos em que é sempre admissível recurso, ela é inútil e, no caso contrário, é insuficiente por inservível para superar aquele impedimento e justificar a admissibilidade do recurso.
A verdade é que um dos fundamentos invocados para o recurso por via excepcional é, justamente, a contradição de julgados, que é requisito de um dos casos em que a lei prevê que o recurso seja sempre admissível [cfr. artigo 629.º, n.º 2, al. d), do CPC].
Torna-se, assim, oportuno, em homenagem ao princípio da gestão processual, convolar o presente pedido de recurso por via excepcional em recurso por via normal com fundamento especifico de recorribilidade e avaliar do preenchimento dos requisitos previstos naquela norma.
Da admissibilidade do recurso ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, al. d), do CPC
Verifica-se que o presente recurso é um recurso do qual não cabe recurso ordinário por motivo estranho à alçada da Relação; falta verificar se o Acórdão da Relação está “em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.
A questão apreciada no Acórdão recorrido era a de saber se a citação da executada / ora recorrente – citação feita na pessoa do co-executado – havia sido (validamente) efectuada.
Como se viu, o Acórdão recorrido confirmou a decisão do Tribunal de 1.ª instância, (re)afirmando que a citação havia sido (validamente) efectuada.
A fundamentação para a resposta (afirmativa) do Tribunal recorrido é sintética:
“Nos termos do art.º 228.º CPC a citação postal tem-se por feita na pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.
Este ónus de prova aplica-se também à citação feita em terceira pessoa por agente de execução.
A recorrente, como vimos, não logrou fazer a prova de que a citação não lhe foi oportunamente entregue, por isso bem andou o julgador ao considerar válida a citação e improcedente o incidente”.
No Acórdão-fundamento escolhido pela recorrente – o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 7.11.2029 (Proc. 446/14.7TBABF-B.E1) – a questão é, aparentemente, igual, tendo-se decidido que se verificava falta de citação.
A fundamentação deste Acórdão é, ao contrário, particularmente extensa, podendo ler-se na parte relevante para os presentes efeitos:
“Ora, os executados são emigrantes na Suíça, desde data anterior a 13.05.2011, tendo a sua residência nesse país, na Av. … 00, Vevey (cfr. facto 2. do quadro fáctico provado) e a citação foi efectuada por cartas registadas, datadas de 28.05.2014, com aviso de recepção, para a morada sita na Rua dos …, n.º …, ..., Amarante (cfr. ponto factual1. do elenco factual provado). O imóvel a que corresponde a morada em Amarante encontra-se inscrito na matriz a favor do executado, tendo o mesmo declarado, perante a Autoridade Tributária, ser residente nessa morada.
Sendo que o ónus da correcta identificação do réu/executado, com a particular indicação do seu domicílio e local de trabalho, compete ao autor da acção/exequente (art.º 552.º,n.º 1, al. a) e 724.º, n.º 1, al. a) do CPC), a verdade é que a carta para citação dos executados não foi, portanto, endereçada para a residência ou local de trabalho dos citandos, conhecendo o exequente a morada da residência dos executados na Suíça, constante do contrato dado à execução, onde até os interpelou para procederem ao pagamento da quantia em dívida. E esta circunstância é que é decisiva.
Efectivamente, dispõe o art.º. 82.º do Cod. Civil que:
“1. As pessoas têm domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles.
2. Na falta de residência habitual, considera-se domiciliada no lugar da sua residência ocasional ou, se esta não puder ser determinada, no lugar onde se encontrar.”.
Residência é, no dizer de Castro Mendes, “um sítio preparado para servir de base de vida a uma pessoa singular”[8]. É a “sede” da sua vida familiar e social e da sua economia doméstica, donde deriva que tem que envolver um certo carácter de habitualidade e estabilidade, ou seja, na espécie dúvidas não se suscitam que a residência dos executados, para efeitos do disposto no art.º 228.º, n.º 1 do CPC é na Suíça, onde trabalham e têm o seu centro de vida. O imóvel de que os executados são proprietários é a sua residência em Portugal, quando aqui se deslocam, em férias ou por festas, como é comum nos emigrantes, tratando-se, pois, pelo menos enquanto se encontram emigrados, de residência ocasional, de pouca duração e estabilidade, não cumprindo minimamente os requisitos, quer de facto, quer jurídicos, para poder ser considerada como a sua residência. Não estamos perante, obviamente, perante um caso de residências alternadas, nem a declaração do executado para efeitos fiscais tem a virtualidade de se considerar o imóvel, sito em Amarante como a residência dos executados, à luz do art.º 228.º do CPC. Aliás, com o devido respeito, não se entende como se considera na sentença recorrida que o facto dos executados “residirem (sic) na Suíça é irrelevante”, porquanto “mantém igualmente residência em território nacional, como o atestam as certidões do teor matricial que foram juntas aos autos” (!), a “que acresce que a pessoa que recebeu as cartas de citação (…) até residirá numa das habitações que estes (os executados) usam (sic), quando se deslocam ao território nacional ou pelo menos aí terá o seu domicílio para efeitos de notificação” (!). Também não se entende, porque não se mostra demonstrado nos autos, a afirmação de que “(…) o Banco Exequente terá indicado, no requerimento executivo, a morada em causa, por dela ter tido conhecimento por intermédio dos próprios executados, os quais em momento algum terão comunicado ao banco que pretendiam que este apenas teve em consideração, para efeitos de notificação e ou citação, em exclusivo, a morada localizada na Suíça”. Parece-nos, antes, que tal será uma “suposição” – veja-se o tempo verbal utilizado - do tribunal recorrido, sem qualquer suporte indiciário, bem pelo contrário, já que do contrato dado à execução a única morada dos executados que ali consta é a morada da Suíça onde, como se mostra demonstrado, são emigrantes e, como tal, ali residem (…).
Volvendo ao caso dos autos, os factos provados retratam que a carta para citação dos executados não foram endereçadas para a sua residência ou local de trabalho daqueles, mas para uma casa de que os executados são proprietários em Portugal, e que foi outrem, que não os destinatários, quem recebeu a carta.
Assim, tendo a referida carta sido entregue e recebida por uma terceira pessoa, num outro local que não a residência ou local de trabalho dos citandos, não se impunha a estes qualquer ónus por não haver lugar às presunções que importariam ao citando a sua ilisão (…).
Deste modo, a citação padeceu de nulidade, por força dos art.ºs 188.º n.º 1 al. e) e 191.ºn.º 1, do CPC, o que é suficiente para comprometer a valia do acto
Assim sendo, não operou a presunção do conhecimento da citação, tal como estabelecida nos citados art.ºs 225.º, n.º 4 e 230.º, n.º 1 do CPC, não se podendo concluir pela validade e eficácia da citação dos executados, uma vez que as premissas que possibilitavam, com recurso à presunção (art.ºs 225.º n. º 4 e 230.º, n.º 1 do CPC), concluir desse modo, não se encontram verificadas, atendendo a que a carta com vista à citação dos ora recorrentes não foi enviada para o local da sua residência (…).
Nestas circunstâncias, é de reconhecer a falta de citação dos recorrentes, nos termos da al. e) do art.º 188.º e 228.º do CPC, o que determina a anulação do processado, aproveitando-se, apenas, o requerimento executivo”.
É visível que as situações em apreço em cada um dos Acórdãos são distintas e por isso, ao contrário do que entende e pretende a recorrente, as questões apreciadas em cada um dos Acórdãos não são, afinal, iguais ou, por outras palavras, não se reconduzem à mesma questão fundamental de direito, como é exigido pelo artigo 629.º, n.º 2, al. d), do CPC.
Com efeito, o pressuposto de todo o raciocínio desenvolvido no Acórdão-fundamento e, segundo ele, “factor decisivo” da resposta dada à questão aprecianda é o facto de o local onde foi efectuada a citação pessoal não corresponder à residência dos citandos (cfr. factos 1, 2 e 3), conforme legalmente previsto (cfr. artigo 228.º, n.º 1, do CPC), e de o exequente, a quem cabe o ónus desta identificação, saber disso. É, em suma, nesta circunstância especifica – de, comprovadamente, o local da citação não ser o da residência com o conhecimento do exequente – que o Tribunal da Relação de Évora assenta, seja explicita, seja implicitamente, a conclusão de que a presunção do conhecimento de citação (cfr. artigos 225.º, n.º 4, e 230.º, n.º 1, do CPC) não podia funcionar.
Ora, esta não é uma circunstância que se verifique no caso em apreço. No caso em apreço, está, aliás, provado que, das bases de dados da Autoridade Tributária, quer em 2013, quer em 2017, consta como única morada da executada / embargante a morada onde foi efectuada a sua citação pessoal na pessoa do co-executado (cfr. factos provados 2 e 4). Acresce que não se provou nem que, no momento da citação, a executada / embargante e o co-executado já não vivessem juntos (naquela morada) (cfr. facto não provado 5.º) nem que a embargante se encontrasse no estrangeiro (cfr. facto não provado 6.º).
Esta diferença é determinante e justifica que num caso (Acórdão recorrido) o Tribunal tenha admitido o funcionamento da presunção de citação, com a consequente inversão do ónus da prova, e no outro (Acórdão-fundamento) o Tribunal não tenha admitido o seu funcionamento.
Em conclusão, a falta de identidade de ambos os quadros factuais determina a falta de identidade das questões fundamentais de Direito em cada um dos Acórdãos, pelo que é logicamente impossível existir contradição entre as decisões de cada um dos Tribunais; não existindo contradição, falta um dos requisitos de aplicabilidade do artigo 629.º, n.º 2, al. d), do CPC e, nos termos explicados acima, não se vislumbra forma de admitir o presente recurso.
*
Pelo exposto, são fundadas as dúvidas sobre a admissibilidade do presente recurso.
*
Cumpra-se o disposto no artigo 655.º, n.º 1, do CPC”.
8. A executada / recorrente veio pronunciar-se, sem apresentar conclusões, mas defendendo, fundamentalmente, que, tendo razão na sua pretensão, o seu recurso, seja por que forma for, tem de ser admitido.
9. Na sequência disto, foi proferido despacho em que, naquilo que é relevante, se disse:
“Como tem sido reiteradamente salientado na jurisprudência do Tribunal Constitucional, não existe um direito subjetivo ao recurso, conforme decorre, entre muitos outros, do Acórdão n.º 21/2018, de 10.01, onde se afirmou o seguinte:
“(...) Tem entendido a jurisprudência do Tribunal Constitucional que não existe um direito subjetivo ao recurso, salvo em decisões penais condenatórias (cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.°s 359/86, 65/88, 202/90 e 330/91), sendo aqui fundamental a distinção entre processo penal e processo civil. E, mesmo sendo possível fundar constitucionalmente um direito genérico de recorrer das decisões judiciais, este direito teria apenas o significado de que o legislador está impedido de abolir o sistema de recursos in toto ou de o afetar substancialmente através de soluções que restrinjam de tal modo o direito de recorrer que, na prática, se traduzam na supressão tendencial dos recursos (cf Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, 2.ª Edição, Coimbra, 2010, pp. 451-452). O legislador ordinário goza, assim, de uma margem de conformação para estabelecer requisitos de admissibilidade dos recursos, nomeadamente em função do valor da causa, da natureza do processo, do tipo e objetivo das ações, da relevância das causas, da importância das questões (Acórdãos n.°s 163/90, 116/95, 501/96, 125/98, 149/99 e 77/01), apenas limitada pelo princípio da proporcionalidade, não sendo constitucionalmente admissível a consagração de exigências desprovidas de fundamento racional, sem conteúdo útil ou excessivas”.
Em coerência, deve compreender-se que o Supremo Tribunal de Justiça não funciona simplesmente como uma jurisdição de terceiro grau nem o recurso de revista constitui um recurso de segundo grau automático ou incondicional.
Existem – e compreensivelmente – regras legais a observar, impondo requisitos de admissibilidade do recurso de revista que não é possível – nem nunca seria justificado – ignorar, entre os quais se destacam os requisitos de recorribilidade relacionados com o conteúdo da decisão: o requisito positivo alternativo, previsto no artigo 671.º, n.º 1, do CPC, consistente em a decisão ser de mérito ou final, e o requisito negativo, previsto no artigo 671.º, n.º 3, do CPC, residente na dupla conforme.
Ora, o que sucede é que a decisão recorrida não preenche, desde logo, o primeiro requisito indicado. E tão-pouco é reconduzível a alguma das hipóteses em que a lei prevê que sejam dispensados estes requisitos, ou seja, que o recurso seja sempre admissível.
Deve salientar-se, a propósito da prevalência da substância sobre a forma, que, apesar de a recorrente ter enquadrado o recurso como revista excepcional, este Tribunal, considerando que esta não era a via adequada para superar os obstáculos à admissibilidade do recurso, procedeu à devida rectificação. O recurso foi, então, orientado para a via normal e para o fundamento especifico de recorribilidade conhecido como “contradição de julgados” previsto na norma do artigo 629.º, n.º 1, al. d), do CPC. A verificar-se, este fundamento garantiria o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. O que se passa é que nem assim foi possível alterar o desenlace: não ocorrendo aquela contradição, aquela norma é inaplicável.
Em conclusão, conforme cabalmente explicado no despacho antecedente e por força das disposições legais aí mencionadas, não resta a este Tribunal senão rejeitar, por inadmissível, o presente recurso de revista interposto por AA.
*
Pelo exposto, decide-se julgar inadmissível o presente recurso de revista.
*
Custas pela recorrente”.
9. Notificada deste despacho vem agora a recorrente, “ao abrigo do artigo 652.º, n.º 3 do CPC – pedir que o assunto seja submetido à conferência e que sobre a matéria dessa decisão singular incida Acórdão, reapreciando toda a argumentação que sustentou o recurso, mais a que a Recorrente aduziu no seu requerimento de 21.6.2024 (ao abrigo da parte final do nº 1 do artigo 655º do Código de Processo Civil), acrescentando-lhe” alegações numeradas de um a vinte, que, por não se traduzirem em conclusões, aqui não se reproduzem, não obstante, naturalmente, terem sido lidas e consideradas para a presente decisão.
II. FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Os factos relevantes para a presente decisão são os apresentados no Relatório que antecede e que se dão aqui por reproduzidos.
O DIREITO
No despacho proferido em 1.07.2024 o presente recurso foi julgado não admissível.
A reclamante alega que não compreende estas razões para aquela decisão.
Alega, mais precisamente, que “não conseguiu perceber porque razão a evidente contradição de julgados que evidenciou não mereceu provimento e, por outro lado, porque motivo não se deu seguimento ao processo para a Formação, vedando ilegalmente a apreciação do recurso não só do enfoque da contradição de julgados, que aí pode ser também apreciada, como dos não menos importantes melhor aplicação do direito e, coincidentemente, e por semelhante ordem de razões, interesse de particular relevância social” (cfr. alegação 2).
Aprecie-se
A reclamante interpôs recurso de revista excepcional.
A revista excepcional é admissível quando o recurso cumpre os requisitos do recurso de revista normal mas há dupla conforme, portanto, quando o único obstáculo ao recurso é a dupla conforme.
O presente recurso não está nesta situação porque não cumpre, desde logo, o requisito alternativo do artigo 671.º, n.º 1, do CPC, ou seja, o Acórdão recorrido é um acórdão que aprecia uma decisão interlocutória (não final) que recaiu sobre a relação processual (não conheceu do mérito), logo nem é uma decisão de mérito nem é uma decisão final no sentido da norma.
Não cumprindo os requisitos do recurso de revista normal com a excepção da dupla conforme, nunca poderia ser admitido como revista excepcional e por essa razão não é – não pode ser – remetido para a Formação para esta apreciar os pressupostos referidos no artigo 672.º, n.º 3, do CPC.
Note-se que esta abstenção de remessa não só não é ‘ilegal’ como corresponde ao genuíno cumprimento da lei – da proibição legal da prática de actos inúteis (cfr. art. 130.º do CPC). Tão-pouco consubstancia, pelas razões já apresentadas no despacho reclamado, uma inconstitucionalidade por violação de um alegado (mas inexistente) direito subjectivo ao recurso.
Apesar de tudo, verificando-se que um dos fundamentos que a recorrente alega para justificar a admissibilidade do recurso é a contradição de julgados, em homenagem ao dever de gestão processual, há que convolar o recurso excepcional em recurso normal, equacionando a hipótese de o recurso ser admissível por uma das vias previstas no artigo 671.º, n.º 2, do CPC, mais precisamente pela via do artigo 629.º, n.º 2, al. d), ex vi do artigo 671.º, n.º 2, al. a), do CPC.
Mas para que esta via funcione é preciso que os requisitos do artigo 629.º, n.º 2, al. d), do CPC se verifiquem. Ora, o caso é que não é assim, designadamente porque não ocorre o requisito (central) da contradição / oposição de julgados.
Como é comummente sabido, haver respostas contraditórias quando as questões não são iguais é uma impossibilidade lógica.
No caso das decisões judiciais, as questões serem ou não iguais depende das circunstâncias do caso concreto – só quando os factos essenciais são iguais pode dizer-se que um e outro tribunal respondem à mesma questão / apreciaram casos iguais.
Ora, não obstante os acórdãos abordarem a questão de saber quando opera a presunção de citação no caso de citação postal na pessoa de terceiro, os pressupostos de facto são diferentes.
No Acórdão recorrido, a carta de citação havia sido enviada para a única morada da executada constante das bases de dados da autoridade tributária (cfr. factos provados 2 e 4), sabendo-se, como lembra o Tribunal recorrido, da obrigatoriedade de actualização do respectivo domicílio fiscal. Acresce que não se tinha provado que, no momento da citação, a citanda já não vivesse naquela morada com o terceiro (cfr. facto não provado 5.º) nem que se encontrasse no estrangeiro (cfr. facto não provado 6.º). Apreciando estes factos, o Tribunal a quo retirou as devidas consequências da presunção do artigo 228.º do CPC.
Diversamente, no caso do Acórdão-fundamento a carta de citação da executada não havia sido enviada para a residência ou local de trabalho desta, pelo que o Tribunal concluiu, diversamente, que aquela presunção não podia funcionar.
Perante isto, não é possível dizer que exista uma contradição / oposição de julgados.
Mas faça-se o “teste” do juízo hipotético para confirmar não só que não existe contradição / oposição de julgados como que a diversidade das decisões é lógica / justificada.
No sumário do Acórdão-fundamento pode ler-se:
“I. Na citação por via postal, feita na pessoa de terceiro é factor decisivo que este se encontre na residência ou no local de trabalho do citando.
II. É que, só nessa hipótese, é aceitável crer que, com toda a probabilidade, aquele terceiro está em condições de, como se compromete, prontamente entregar a carta ao citando, sendo essa suposição razoável o que está na base das presunções legais deque essa entrega teve lugar e de que o citando teve oportuno conhecimento do acto (…).
IV. Na citação em pessoa diversa do citando, a lei estabelece duas presunções juris tantum - presunção de que a carta de citação foi oportunamente entregue ao destinatário e de que este dela teve oportuno conhecimento.
V. No entanto, a carta para citação deverá ser endereçada para a residência ou local de trabalho do citando, e se for recebida por um terceiro que não se encontre num dos referidos locais, a lei já não retira a ilação da sua verosímil entrega e o consequente recebimento pelo destinatário, não havendo lugar à aplicação das presunções.
VI. No caso, a carta não foi enviada para a residência ou local de trabalho do citando, pelo que não se verificam as premissas que possibilitariam, com recurso à presunção, concluir que o mesmo se considerava citado e que impunham ao citando a sua ilisão, estando o acto de citação está viciado de nulidade”.
Com base nas premissas expostas – que são, aliás, as premissas que a lei dispõe para fazer funcionar aquela presunção –, é possível dizer que, se a situação do Acórdão-fundamento fosse a do Acórdão recorrido, a decisão teria sido no sentido do funcionamento da presunção (e vice-versa), pelo que, ao contrário do que possa parecer à primeira vista, as duas decisões estão, na realidade, em absoluta coerência.
Em conclusão, por falta de um requisito fundamental, o recurso não pode ser enquadrado no artigo 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, falhando também esta via para a admissibilidade.
Impõe-se, pois, confirmar o despacho reclamado.
A finalizar, esclarece-se que a apreciação do mérito do recurso (o escrutínio ao Acórdão recorrido, como diz a recorrente) pressuporia que o recurso fosse admitido, pelo que são inúteis as alegações que a recorrente / reclamante apresenta a esse respeito, seja no recurso, seja no requerimento ao abrigo do artigo 655.º do CPC, seja na presente reclamação.
Pelo exposto, confirma-se o despacho reclamado e mantém-se a decisão de inadmissibilidade da revista.
Catarina Serra (relatora)
Fernando Baptista
Paula Leal de Carvalho