CUSTAS
TAXA DE JUSTIÇA
ESPECIAL COMPLEXIDADE
LEI APLICÁVEL
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário


I – O art. 6º/7 do Regulamento das Custas Processuais permite que, em ações de valor superior a 275 000,00€, seja desconsiderado, no todo ou em parte, o valor da taxa de justiça remanescente que, de outro modo, as partes teriam de pagar a final.
II – Tal norma deve ser interpretada no sentido de que ao juiz é lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fração ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa e/ou do recurso exceder o patamar de 275 000,00€, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade da tramitação processual, comportamento processual das partes e complexidade substancial das questões a decidir), à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
III – A desproporcionalidade entre o valor económico das custas que sejam legalmente exigidas e o valor do serviço de administração de justiça prestado, se existir, será lesiva do direito de acesso aos tribunais e é incompatível com a natureza de taxa que cabe à taxa de justiça.

Texto Integral

RECLAMAÇÃO:309/10.5TBTVD.L1.S1
RECLAMANTES: AA;

BB;

CC

RECLAMADO A..., Construção Civil, S.A.


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SUMÁRIO1,2


I – O art. 6º/7 do Regulamento das Custas Processuais permite que, em ações de valor superior a 275 000,00€, seja desconsiderado, no todo ou em parte, o valor da taxa de justiça remanescente que, de outro modo, as partes teriam de pagar a final.

II – Tal norma deve ser interpretada no sentido de que ao juiz é lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fração ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa e/ou do recurso exceder o patamar de 275 000,00€, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade da tramitação processual, comportamento processual das partes e complexidade substancial das questões a decidir), à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.

III – A desproporcionalidade entre o valor económico das custas que sejam legalmente exigidas e o valor do serviço de administração de justiça prestado, se existir, será lesiva do direito de acesso aos tribunais e é incompatível com a natureza de taxa que cabe à taxa de justiça.



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ACÓRDÃO



Acordam em conferência os juízes da 1ª secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça:

1. RELATÓRIO

Os recorrentes, BB, AA e CC, vieram requerer que sejam dispensados do pagamento do remanescente de taxa de justiça3,4,5.

Cumpre decidir - art. 666º/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil6.


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Dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça

Os recorrentes alegaram que “tendo em conta que a audiência de julgamento se realizou apenas em duas sessões, a causa não se mostrou complexa e as partes tiveram uma conduta correta ao longo de todo o processo”.

Assim, requereram que “fossem dispensados do pagamento do remanescente da taxa de justiça”.

Vejamos a questão.

A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3 - art. 616º/1 ex vi do art. 666º/1, ambos do CPCivil.

Para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria – art. 1º/2, do Regulamento das Custas Processuais.

Nas causas de valor superior a 275 000€, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de

forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento – art. 6º/7, do Regulamento das Custas Processuais.

Nas causas de valor superior a 275 000€, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento – art. 6º/7, do Regulamento das Custas Processuais.

Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que contenham articulados ou alegações prolixas; digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso, ou, impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas – art. 530º/7/a/b/c, do CPCivil.

O valor da taxa de justiça deixou de ser fixado com base numa mera correspondência face ao valor da ação, estabelecendo-se, agora, «um sistema misto que assenta no valor da ação, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa»7.

Ficou assim, consagrada legalmente «a possibilidade de intervenção do juiz no sentido da correção, a final, dos montantes da taxa de justiça, quando da sua fixação unicamente em função do valor da causa resultem valores excessivos e desadequados à natureza e complexidade da causa»8,9,10.

No domínio das custas judiciais, a lei distingue e trata diferenciadamente os procedimentos com maior complexidade (tributando os especialmente complexos com taxa agravada ou excecional), os procedimentos de normal complexidade (aplicando-lhes a taxa em função dela e do valor, já refletida e fixada como regra nas tabelas e presumidamente considerada pelo legislador como seu equilibrado correspetivo) e os procedimentos de menor complexidade relativa (possibilitando a dispensa ou a redução dessa taxa, em concretas e atendíveis circunstâncias específicas, quando o valor do serviço nestas prestado em cotejo com o do suposto naquela se revelar injustamente desproporcionado).

A dispensa do remanescente da taxa de justiça, tem natureza excecional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes11,12,13,14,15,16, 17,18.

Mesmo nas causas de valor superior a 275 000,00€, a regra continua a ser o pagamento integral da taxa de justiça resultante da aplicação dos critérios legais, assumindo natureza excecional a dispensa, pelo juiz, de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCProcessuais.

O critério da complexidade da causa pode extrair-se do art. 530º/719, e a conduta processual das partes deve ser apreciada conforme os princípios consignados nos artigos 7º/1 e, 8º, todos do CPCivil20.

Deferida a dispensa, no todo ou em parte, a requerimento de alguma das partes, ou oficiosamente, a todos aproveita de igual modo21.

E, justifica-se a dispensa no todo ou em parte do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no art. 6º/7, do RCProcessuais?

No caso sub judice, atendendo, v.g., às alegações e contra-alegações e, às questões jurídicas suscitadas, não estamos perante um procedimento de especial complexidade.

Por outro lado, a conduta das partes mostra-se conforme com a boa-fé na prática dos atos processuais necessários à decisão da causa22.

Bastaria, no entanto, a conduta processualmente inadequada de uma das partes para excluir em absoluto a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça relativo à causa23.

Concluindo, não sendo um procedimento de especial complexidade e, tendo o valor da ação como único referente para que seja devida taxa de justiça remanescente, há fundamento para se dispensar de pagamento de 90%, do remanescente da taxa de justiça para além do valor de 275 000,00€.

Destarte, procedendo as razões invocadas pelos recorrentes, há que deferir a dispensa de pagamento de 90% do remanescente da taxa de justiça para além do valor de 275 000,00€, na conta a final.

2. DISPOSITIVO

2.1. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça, em deferir parcialmente a reclamação e, consequentemente, em dispensar os recorrentes do pagamento de 90% do remanescente da taxa de justiça para além do valor de 275 000,00€, na conta a final.

2.2. REGIME DE CUSTAS

Sem custas o incidente de reclamação para a conferência24.

Lisboa, 2024-10-0125,26

(Nelson Borges Carneiro) – Relator

(Manuel Aguiar Pereira) – 1º adjunto

(Jorge Arcanjo) – 2º adjunto

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1. O juiz que lavrar o acórdão deve sumariá-lo – art. 663º, nº 7, do CPCivil.↩︎

2. O sumário não faz parte da decisão, consistindo tão só numa síntese daquilo que fundamentalmente foi apreciado com mero valor de divulgação jurisprudencial. Por tais motivos, o sumário deve ser destacado do próprio acórdão, sendo da exclusiva responsabilidade do relator – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pág. 301.↩︎

3. Quando pretendam a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, as partes poderão lançar mão do mecanismo de reforma da sentença estabelecido no 616.º, n.º 1, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por remissão dos artigos 666.º e 685.º do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-01-31, Relator: TOMÉ GOMES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

4. O prazo para o interessado requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, com o início com a notificação da decisão final do processo, será de 30 dias no caso de a decisão ser suscetível de recurso ordinário (art. 638º/1 do CPC), ou de 10 dias, o prazo para dedução o incidente de reforma da decisão (art. 616º do CPC), no caso contrário – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-02-03, Relator: FERREIRA LOPES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

5. No Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2022, proferido em 10.10.2021, consagrou-se o seguinte segmento uniformizador: “a preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-06-23, Relatora: CATARINA SERRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

6. A retificação ou reforma do acórdão, bem como a arguição de nulidade, são decididas em conferência – art. 666º/2, do CPCivil.↩︎

7. SALVADOR DA COSTA apud Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-01-14, Relatora: ROSA TCHING, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

8. SALVADOR DA COSTA apud Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-01-14, Relatora: ROSA TCHING, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

9. As partes poderão requerer tal dispensa também até à prolação da decisão final da causa, incidente ou recurso, sendo que, resultando da lei o montante devido, estão em perfeitas condições de o fazer, independentemente da elaboração da conta – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-01-31, Relator: TOMÉ GOMES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

10. A condenação em custas de cada uma das partes em cada uma das instâncias, com efeitos designadamente na exigibilidade da taxa de justiça remanescente, assume sempre natureza provisória, ficando a sua exigibilidade ou a sua quantificação dependente dos resultados futuros – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-12-20, Relator: ABRANTES GERALDES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

11. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-05-05, Relator: RAIMUNDO QUEIRÓS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

12. A norma constante do nº 7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fração ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275 000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-12-12, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

13. Os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito – Acórdão do Tribunal Constitucional nº 421/2013, de 15-07-2013.↩︎

14. Esta dispensa tem natureza excecional, que vai para além da magnitude do valor da causa, e a sua função corretiva pressupõe, em especial, uma menor complexidade técnico-jurídica da causa, aferida pela simplificação da tramitação processual e da especificidade da situação substantiva e adjetiva em face da utilidade económica dos pedidos, assim como um comportamento das partes sem censura – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-12-19, Relator: RICARDO COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

15. Quanto ao remanescente da taxa de justiça relativa às causas de valor superior a € 275 000,00, o artigo 6.º, n.º 7, do RCP determina que, quando a especificidade da situação o justificar, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, cabe ao juiz, de forma fundamentada, dispensar o respetivo pagamento, o que significa que lhe incumbe fazê-lo mesmo oficiosamente, assistindo também às partes o direito de o requerer. Consoante os casos, tal dispensa pode ser total ou apenas parcial – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-01-31, Relator: TOMÉ GOMES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

16. Verificando-se o exagero ou desproporcionalidade entre a taxa remanescente e a especificidade da situação (complexidade da causa e trabalho produzido) há sempre a possibilidade de ser requerida, ou decidida oficiosamente, a dispensa (total ou parcial) do pagamento dessa taxa remanescente, ao abrigo do n.º 7 do art. 6.º do RCP – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-05-30, Relator: JORGE DIAS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

17. A complexidade da causa ou a conduta das partes constituem fatores que devem ser atendidos, mas outros podem ser relevantes para o efeito em função do princípio da proporcionalidade, designadamente a natureza e a atividade exercida pelos sujeitos processuais, o valor dos interesses económicos em discussão ou os resultados obtidos – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-12-20, Relator: ABRANTES GERALDES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

18. A norma constante do nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais deve ser interpretada no sentido de que ao juiz é lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fração ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa e/ou do recurso exceder o patamar de € 275 000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade da tramitação processual, comportamento processual das partes e complexidade substancial das questões a decidir), à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-01-14, Relatora: ROSA TCHING, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

19. Para aferir da complexidade da causa, deve ser convocado o art. 530º, 7, do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-12-19, Relator: RICARDO COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

20. SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 143 (nota 6.9).↩︎

21. SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 141.↩︎

22. Para ter em conta a conduta processual das partes, devem ser aplicados ao caso os arts. 7º/1, e 8º do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-12-19, Relator: RICARDO COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

23. SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 141.↩︎

24. A reclamação para a conferência configura-se como um incidente inserido na fase processual de recurso, enquadrado na 5.ª espécie de distribuição, que consta no artigo 214.º do CPCivil. Sendo um incidente, corresponde-lhe a taxa de justiça prevista no n.º 4 do artigo 7.º do Regulamento das Custas Processuais, cuja quantificação está prevista no penúltimo retângulo da tabela II anexa àquele Regulamento, entre o correspondente a 0,25 de UC e 3 UC, ou seja, entre € 25,50 e € 306.↩︎

25. A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º, nº 2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.↩︎

26. Acórdão assinado digitalmente.↩︎