I- Não cabe recurso de revista do acórdão proferido em conferência pelo Tribunal da Relação que rejeite, por legalmente inadmissível, apelação de decisão do Juiz de Execução sobre reclamação ou impugnação de acto ou decisão do Agente de Execução nos termos do artigo 723.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil;
II - Não estando em causa recurso em procedimento previsto no artigo 854.º do Código de Processo Civil e não sendo o recurso de revista interposto abrangido pelo artigo 671.º n.º 1 do Código de Processo Civil deve o recurso ser liminarmente rejeitado.
Em nome do POVO PORTUGUÊS, acordam em CONFERÊNCIA os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:
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Parte I – Introdução
1) AA e BB interpuseram oportunamente recurso da decisão proferida, em 20 de fevereiro de 2023, pela Juíza de Direito do Juízo de Execução de ... (Juiz ...) que, apreciando a reclamação sobre a elaboração da nota de honorários e despesas pelo Agente de Execução, entretanto alterada, deferiu parcialmente a reclamação nos termos corrigidos pelo Agente de Execução.
A decisão em causa foi proferida no âmbito da acção executiva instaurada pelo Banco Comercial Português, S.A., e tinha por objecto reclamação, apresentada pelos executados, contra a nota de honorários e despesas nos termos constantes do requerimento de 2 de fevereiro de 2023 e da resposta apresentada pelo Agente de Execução.
O recurso de apelação interposto pelos executados, ora recorrentes, foi admitido em primeira instância ao abrigo de uma interpretação ab-rogante da norma contida no artigo 723.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil.
2) Por decisão sumária proferida em 19 de abril de 2023 o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, porém, não ser admissível o recurso de apelação em causa.
Tendo os recorrentes usado da faculdade estabelecida no artigo 652.º n.º 3 do Código de Processo Civil, a conferência de Juízes Desembargadores confirmou o teor da decisão sumária da relatora de não admissão do recurso de apelação tendo por objecto o despacho que decidiu a reclamação contra o acto do Agente de Execução.
Os recorrentes apresentaram as conclusões que, de seguida, se transcrevem, relevando particularmente quanto à admissibilidade do recurso de revista interposto as conclusões A) a W):
“A. O presente recurso é interposto contra o Acórdão proferido em 07/06/2023, através do qual se determinou, em conferência, secundar o entendimento da Desembargadora Relatora, de não conhecer o recurso de apelação com fundamento na sua inadmissibilidade legal – por força do alegadamente estatuído na alínea c) do n. º 1 do artigo 723.º do CPC.
B. O presente recurso de revista excepcional é interposto de forma subsidiária, e apenas caso vingue o sufrágio de rejeição do recurso de revista.
C. Por seu turno é, não obstante, firme convicção dos Recorrentes que estão também e igualmente verificados os pressupostos de que depende a admissão e cognição do recurso ordinário de revista excepcional, exatamente pela natureza e amplitude das matérias jurídicas em causa, a merecer uma pronúncia jurisdicional eloquente e resoluta,
D. E bem assim pela multiplicidade de casos em que se pode reproduzir tal querela, largamente ultrapassando e derrubando a fronteira do caso concreto e egoístico dos autos.
E. O presente recurso de revista excepcional encontra fundamento nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.
F. Os Recorrentes entendem que a correta indagação e aplicação do artigo 723.º, n.º 1, alínea c), do CPC, em articulação/harmonização com o disposto nos artigos 13.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRP, bem como do artigo 788.º do CPC, e dos artigos 43.º e 50.º, n.º 5, alínea a), n.º 6, alínea a), e n.º 9, da Portaria n.º 282/2013, coloca desafios interpretativos constitutivos de questões jurídicas de magna importância,
G. Designadamente sobre:
- Que interpretação oferecer à aparente irrecorribilidade consignada na alínea c) do n.º 1 do artigo 723.º do CPC, se restrita [e havendo correntes doutrinárias e jurisprudenciais fortes quanto à recorribilidade se poderes vinculados do AE estiverem em apreciação], se total – no sentido de que toda e qualquer decisão do AE é irrecorrível, com o que isso representa de falta de controlo judicial (acesso ao segundo grau de jurisdição), para mais numa decisão como a dos autos, em que o despacho de 1.ª instância não aprecia a pretensão do interessado, justificando e fundamentando minimamente a decisão do AE;
- Que interpretação oferecer ao comando contido no artigo 788.º do CPC, pela enorme projeção prática da norma, ou seja, que concretos sujeitos processuais estão abrangidos e têm o direito de serem pagos, no âmbito de uma execução, e que pressupostos e requisitos a lei reclama imperativamente para esse efeito, com exclusão de quem não satisfaz tal pretensão;
- Que interpretação oferecer às normas constantes da Portaria n.º 282/2013, no que tange à recorrente e sistemática questão sobre a remuneração adicional devida ao AE, como proceder a tal cálculo, sobre que valor efetivamente incide, o que entender por quantia recuperada/garantida que está nessa génese.
H. Na verdade, sendo a litigância crescente nas sociedades modernas, com especial incidência sobre as execuções e suas tramitações, em processos doravante mais complexos e reticulares, e sendo recorrente e ingente a disputa sobre a legalidade das notas de honorários e despesas do AE, para as quais importa haver uma pronúncia pacificadora e uniforme, com notáveis ganhos para a comunidade jurídica e os interesses em análise,
I. Para mais quando a disciplina normativa constante da Portaria n.º 282/2013, prenhe de regras e sub-regras, não se afigura de análise e compreensão fácil, quando na verdade devia ser completamente objetivo, transparente e esclarecedor o âmbito, o perímetro e o figurino da remuneração do AE, para mais exercendo este numa missão de servidor do Direito e da Justiça.
J. A exegese da alínea c) do n.º 1 do artigo 723.º do CPC, em articulação com o disposto com o disposto nos artigos 13.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRP, torna-se fulcral e decisiva para aferir a extensão concreta de um direito tão fundamental no Estado de Direito Democrático (como o direito ao recurso), assim como convoca a necessidade de dimensionar o núcleo e peso relativos de uma decisão do AE, quando cotejada com uma decisão estritamente jurisdicional (juiz), para efeitos de sindicar a (in)completude do sistema fiscalizatório e a necessidade de um controlo judicial sobre a decisão da 1.ª instância, que até pode ser não fundamentada ou nula.
K. Reclamando, crê-se honestamente, as várias questões enunciadas, pela sua extraordinária e indesmentível relevância jurídica, uma melhor aplicação do Direito e do entendimento escorreito da jurisprudência, dado que até bule (quase sempre) com a sorte do litígio o melindre de articulação de tais normas.
L. O sentido da (i)recorribilidade dos despachos que se pronunciem sobre decisões do AE (mormente no plano de poderes vinculados ou esferas de sujeição à Lei), do alcance exato e rigoroso sobre quem pode reclamar o pagamento pelo produto da venda de um bem em processo executivo, e ainda que regras legais concretas e fixas se aplicam à forma de determinar a remuneração adicional do AE, com que critério, qual o valor sobre que incide, como se quantifica esse valor, etc.
M. Por outro lado, entende-se que é manifesto que tais questões enunciadas estão ainda e também conexionadas intimamente com interesses de particular relevância social,
N. Exatamente, na precisa medida em que a litigância sobre esta matéria é crescente, as execuções sucedem-se vertiginosamente a um ritmo desenfreado, as decisões dos AE são múltiplas e quotidianas, e merecem que sobre elas haja uma aplicação consentânea, coerente, uniforme, quer quanto à sua forma de remuneração, quer quanto à legitimidade de quem pode ser por eles pago no âmbito de uma execução, assim se parametrizando o poder de intervenção dessa mesma classe profissional e os limites de atuação, por obediência aos comandos legais, só assim se fazendo a Justiça que se impõe realizar, em nome do Povo.
O. Ao que acresce o próprio universo infinito de situações em que se pode replicar a necessidade de haver esse entendimento mais consolidado sobre estas mesmas questões, pelo que o caso concreto apenas servirá de mote para debater questão tão transversal e repetitiva nos tribunais portugueses, com notáveis ganhos para toda a comunidade.
P. Em face, pois das questões jurídicas concretas que o presente caso em apreço protagoniza e desencadeia, em torno da interpretação conjugada e concatenada dos artigos 723.º. n.º 1, alínea c), do CPC, artigos 13.º, 18.º, n.º 2 e 20.º. n.ºs1 e 4 da CRP, artigo 788.º do CPC, alínea a) do n.º5 e alínea a) do n.º 6, e n.º 9 do artigo 50.º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto; da sua magnitude em termos de relevância interpretativa jurídica e repercussão prática e social, conclui-se que estão verificados os pressupostos de que depende o juízo favorável sobre a admissibilidade do presente recurso de revista excepcional, com todas as legais consequências, o que se requer.
Q. Por fim, ainda deve o presente recurso de revista excecional ser admitido com fundamento na oposição de julgados, pois é patente que entre o acórdão-fundamento e o acórdão-recorrido persiste uma indisfarçável contradição e antagonismo,
R. Dado que para o acórdão recorrido não há violação da Lei Fundamental naquela interpretação literal e absoluta do artigo 723º., n.º 1, alínea c), do CPC, enquanto que para o acórdão fundamento tal interpretação exige necessariamente uma visão restritiva por forma a conformar com a Constituição tal regra, mormente quando estão em causa decisões do AE vinculadas à Lei.
S. E note-se que o quadro em que se movem ambas as decisões é o mesmo: ou seja, estamos perante decisões marcadamente vinculadas do AE, e não meras decisões de expediente ou no uso de um poder discricionário, e havendo tal denominador comum, chegam a conclusões completamente díspares, ao ponto do acórdão-fundamento defender a inconstitucionalidade de tal norma e o acórdão-recorrido defender a licitude constitucional de tal visão mais redutora.
T. A leitura que fazem do disposto no artigo 20.º da CRP, em articulação com a referida norma processual civilística é assim ostensivamente díspar e inconciliável.
U. É assim evidente que no acórdão-fundamento se procurou defender que sempre que estamos perante decisão vinculada do AE, se cai no regime regra da recorribilidade, assim estejam verificados os demais pressupostos do recurso, sob pena de esvaziamento do magno princípio da tutela jurisdicional efetiva, ao passo que no acórdão recorrido se limitou totalmente tal recorribilidade, sem que isso ofendesse o artigo 20.º da CRP.
V. Em ambos os arestos há identidade de situação processual: decisão vinculada do AE, sobre a qual recai despacho do juiz, embora com entendimentos antagónicos sobre o modo de aplicação (restrita ou não) da regra da aparente irrecorribilidade consignada na alínea c) do n.º 1 do artigo 723.º do CPC.
W. Donde, ainda com base neste fundamento, e porquanto subsiste inultrapassável divergência jurisprudencial, deve a presente revista excecional ser admitida, impondo-se ao Alto tribunal esse necessário, pacificador e definitivo veredicto sobre a exegese e articulação normativas entre o artigo 723.º. n.º 1, alínea c), do CPC e o artigo 20.º, n.º 1 da CRP.
X. Sendo certo que as decisões judicias recorridas não se podem manter na ordem jurídica dado que atentam ferozmente contra um sentimento de Justiça, violando grosseiramente as disposições legais pertinentes - quanto à questão decidenda – violação do artigo 788.º do CPC, do artigo 43.º e do artigo 50.º, n.º 5, alínea a), n.º 6, alínea a) e n.º 9, da Portaria n.º 282/2013
Y. Principiando pelo cálculo da remuneração adicional legalmente devida ao AE, logo nos deparamos com a total falta de respaldo normativo da seguinte rubrica: “Valor recuperado ou garantido superior a 160 UC (16 320,00 €) - após a venda 2% 337.870,39 6.757,41”.
Z. Ou seja, o AE reclama para si, inter alia, o pagamento do valor de €6.757,41, mas tal cálculo (absolutamente viciado) tem como base o somatório do valor obtido no processo através de todos os pagamentos realizados (voluntários e coercivos), mas e também do valor de venda do imóvel que constituía propriedade dos executados.
AA. Ora, obviamente que a lei, quando se refere ao termo ou expressão valor recuperado, está naturalmente a cingir-se ao montante arrecadado nos autos para pagamento do crédito exequendo (não o excedendo) e não igualmente ao produto da venda em si mesmo (que pode ser muito superior; é o caso, ao valor do crédito).
BB. No que tange ao quadro Despesas com comprovativo/recibo, acresce outra ilegalidade, dado que sobre o valor de €550,00 (do qual o AE deveria ter juntado a devida prova – e não o fez), foi aplicado (erradamente) o IVA, pois que se tal imposto incide, sem sombra de dúvidas, sobre o valor dos honorários, o mesmo já não sucede com as despesas (as quais já encerram um valor definitivo de custo/encargo) – pelo que sempre deveria o AE ter abonado os autos, com essa documentação, para se depurar o valor do IVA, mas não o tendo feito não tem direito ao recebimento das despesas.
CC. Note-se a este propósito que a lei não podia ser mais clara: “O agente de execução tem direito a receber honorários pelos serviços prestados, bem como a ser reembolsado das despesas que realize e que comprove devidamente, nos termos da presente portaria” – vide artigo 43.º da Portaria n.º 282/2013.
DD. Ou seja, o Sr. AE só pode ser reembolsado das despesas que efetivamente suportou (e não de outras imaginárias), e que obviamente tenha comprovado (feito prova da sua realização).
EE. Seguidamente, e no que à rubrica Responsabilidade do Executado diz respeito avultam igualmente outras ostensivas ilegalidades, cujo fundamento utilizado pelo Sr. AE se ignora completamente, não se enxergando que normas, critérios e motivação foram concretamente utilizados.
FF. Desde logo, o AE entende atribuir o montante de €24.062,28, a título de Valor de rendas reclamadas pelo adquirente – mas os Executados, de boa-fé, ignoram completamente o leitmotiv de tal arbitrária decisão.- (i) Os Executados não reconhecem ao adquirente a titularidade de qualquer crédito detido sobre si, (ii) não consta que o adquirente esteja, cumulativamente, munido de garantia real e de um título executivo contra os Executados (cf. artigo 788.º do CPC e Acórdão da Relação de Lisboa, 06.11.2008, Processo n.º 6435/2008-6), e finalmente (iii) não consta que tenham (sequer) reclamado o putativo crédito, na tramitação processual devida, dispondo daqueles inultrapassáveis requisitos, donde há que e conhecer a total falta de fundamento legal dessa responsabilidade.
GG. Neste sentido, tal ilegalidade é tão gritante que se questiona seriamente a bondade e boa-fé do Sr. AE, pois como pode este querer pagar tão avultado valor a quem não é (sequer) credor no processo executivo, não dispõe de título (ou seja, não tem rigorosamente qualquer direito a receber pelo produto da venda) – pelo que tal decisão viola grosseiramente e de forma tão enfaticamente cruel o disposto no artigo 788.º do CPC.
HH. Pergunta-se: então o Sr. AE e o Tribunal não deviam ter cuidado da estrita observância do disposto, inter alia, no artigo 788.º do CPC? Ou um requerimento ad hoc agora vale como reclamação de créditos? E o título executivo pode ser dispensado! E o Tribunal não tem, por decisão sua, reconhecer tal crédito em processo contraditório, a fim de eventualmente poder ser pago?
II. Finalmente, os Executados também não reconhecem legalidade à rúbrica Crédito Reclamado (incluindo juros) no valor de €27.671,95 (credor reclamante CC), uma vez mais se desconhecendo completamente os critérios, as taxas, a fórmula de cálculo, etc. desse crédito.
JJ. Pois que no âmbito do processo n.º 1963/12.9..., tal credor assumiu as vestes de exequente, reclamando em 15.05.2018 (data do requerimento executivo) o pagamento do montante de €54.708,55 (dívida de capital que vence juros à taxa legal aplicável às obrigações civis).
KK. Tal crédito (único detido sobre os Executados)foi sendo pago, em prestações periódicas, entre 20.07.2018 e 20.04.2021 no âmbito daqueloutra execução, tendo os Executados pago (através de penhoras de rendimentos e de saldos bancários), durante tal intervalo temporal, o valor de €36.524,82 (diretamente nos autos, junto da Sra. AE DD) – cf. documentação junta nos autos- E entre 18.05.2021 e 20.12.2022 (data do último pagamento), conforme é do conhecimento daquela Sra. AE e, claro está, do próprio credor reclamante, os Executados pagaram-lhe (coercivamente), mas de forma direta, o valor agregado de €22.247,78.
LL. Ou seja, e no total, por conta daquele crédito titulado pelo credor reclamante, os Executados pagaram, entre 20.07.2018 e 20.12.2022, o valor total de €58.768,04. Sucede que, de acordo com a nota de honorários e despesas daqueloutro processo, a responsabilidade máxima naqueles autos dos aqui Executados é de €71.634,80 (tal valor inclui todas das despesas, custos e honorários, incluindo até os juros a favor do Estado).
MM. Tal como se mostra abundantemente evidenciado nestes autos (e até desconsiderando a penhora realizada em fevereiro de 2023), o credor reclamante (entre pagamentos feitos à AE e pagamentos feitos diretamente a si) embolsou o valor total de €58.768,04.
NN. Donde, bem feitas as contas, com o rigor que se exige, e albergando o pagamento de todas as responsabilidades naquele processo (crédito reclamado, custas do processo, honorários da AE, juros a favor do Estado, etc.) ao credor reclamante só faltará liquidar, na melhor das hipóteses, o montante de €12.866,76, e nunca o valor de €27.671,95, o qual deve assim ser corrigido, sob pena de pagamento em excesso, em clara violação da lei.
OO. E nesta conformidade atente-se novamente no elucidativo teor da respostado Sr. AE sobre tal rubrica, quando escrutinada pelos executados com a dedução da sua reclamação, reconhecendo que nenhum cálculo concretamente efetuou, tendo por base, designadamente, os pagamentos já realizados a este credor, e bastando-se (unicamente) com o alegado pela mandatária do próprio credor.
PP. Em conclusão, e com fundamento na violação das normas retro identificadas, deve o despacho e o acórdão recorrido serem revogados, (i) por total falta de fundamentação (de facto e de direito) e (ii) por ofensa ao conteúdo daqueles comandos normativos, - E em consequência ser a nota de honorários e despesas corrigida nos seguintes valores (os quais devem ser eliminados ou suprimidos:
a) €2.511,60 (diferença para a remuneração adicional efetivamente devida, tendo em conta os cálculos apresentados supra)
b) €24.062,28 (pagamento ao adquirente – sem qualquer base legal)
c) €676,50 (montante das despesas sem qualquer comprovação e com dupla inclusão do IVA)
d) €14.805,19 (diferença entre o valor identificado e o valor final máximo em dívida ao credor reclamante)”.
4) A Baía dos Anjos, Ld.ª, sociedade a quem foi adjudicado na citada execução o imóvel a que os autos se reportam, pugnou pela não admissão do recurso de revista interposto pelos recorrentes.
Por despacho de 4 de março de 2024 proferido pelo Juiz Conselheiro relator foi dado cumprimento ao disposto no artigo 655.º do Código de Processo Civil, por forma a possibilitar às partes tomar posição sobre a eventualidade de não ser admitido nesta sede nem conhecido o recurso de revista interposto pelos recorrentes AA e BB.
6) Tomando posição sobre os fundamentos invocados no despacho do relator e a não apreciação do recurso de revista a Baía dos Anjos, Ld.ª reiterou não ser admissível o recurso interposto.
Já os recorrentes se pronunciaram em sentido inverso, terminando a sua resposta a requerer a “admissão do presente recurso de revista, ou subsidiariamente, do recurso de revista excecional, com todas as legais consequências”.
Resumidamente alegam os recorrentes a recorribilidade para este Supremo Tribunal de Justiça da decisão sobre reclamação de actos e impugnação das decisões do agente de execução, não obstante o disposto no artigo 723.º n.º 1 c) do Código de Processo Civil, por estarem em causa decisões relativas aos honorários do agente de execução e a pagamentos autorizados a um terceiro putativo credor, matéria de que a Relação não conheceu, não se tratando de recurso sobre matéria interlocutória.
Ademais retomaram os recorrentes a argumentação de que o recurso seria admissível a título excepcional dada a contradição de julgados que invocam.
7) Por decisão singular datada de 8 de abril de 2024 o Juiz Conselheiro relator não admitiu, por não ter cabimento legal, o recurso de revista interposto por AA e BB tendo por objecto o acórdão, proferido em conferência pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou a decisão sumária da Juíza Desembargadora relatora de 19 de abril de 2023 de não admissão do recurso de apelação.
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8) Os recorrentes, notificados da decisão singular de não admissão do recurso de revista, vieram, nos termos e para os efeitos consignados no artigo 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, apresentar Reclamação para a Conferência, requerendo que sobre a matéria fosse proferido acórdão.
Os recorrentes rematam o requerimento com as seguintes CONCLUSÕES:
“A. O objeto principal do presente recurso centra-se na ilegalidade do Acórdão proferido em 07/06/2023, através do qual se determinou, em conferência, secundar o entendimento da Desembargadora Relatora, de não conhecer o recurso de apelação com fundamento na sua inadmissibilidade legal – por força do alegadamente estatuído na alínea c) do n. º 1 do artigo 723.º do CPC.
B. Com efeito, o presente recurso centra-se em duas questões principais, elas próprias de mérito, e não meramente interlocutórias:
- Uma delas relacionada com os honorários do AE, parametrizados em função do valor de venda do imóvel e não, pasme-se, do valor do crédito exequendo;
- A outra relacionada com um pagamento definitivamente autorizado/validado a um terceiro, numa execução, sem dispor de qualquer legitimidade para o efeito – não é credor dos executados, não tem título executivo, não tem garantia real, e nem sequer, pasme-se, reclamou formalmente créditos.
C. E a decisão de não conhecimento do recurso de apelação pelo Tribunal da Relação é tão chocante porquanto existem plúrimas decisões absolutamente antagónicas e contraditórias com esta, incluindo várias em que o aqui signatário foi mandatário, em que expressamente se admite recurso de tal decisão,
D. E aqui com a agravante que estamos perante uma decisão de mérito (de fundo e não meramente intra-processual endógena) no que tange, ad minus, à validação/autorização de um pagamento (na ordem dos milhares de euros) a um putativo credor.
E. E tal decisão do AE, ao contrário do preconizado no despacho singular, não está enxergado nos poderes deste, nos termos do disposto no artigo 719.º do CPC, pois a lei, em lado nenhum, autoriza o AE a decidir (sem nenhum incidente e/ou contraditório sequer existente nos autos) o pagamento a terceiros (hipotéticos credores reclamantes) – o que apenas pode ser julgado – exclusivamente - pelo Tribunal
F. Tal ato configura até uma verdadeira usurpação de poderes da função judicial.
G. Ou seja, se tivesse havido uma verdadeira reclamação/verificação de créditos nestes autos, e esse terceiro tivesse triunfado em tal pretensão, é mister reconhecer-se que estaríamos perante uma decisão admissível do recurso de apelação e de revista (cf. artigo 854.º do CPC).
H. Donde, pelo menos em parte, o objeto do presente recurso versa matéria respeitante a verificação/reclamação de créditos, pelo que a revista é, efetivamente, admissível.
I. Acresce que o artigo 854.º do CPC, limitador do recurso de revista, tem pressuposta uma interpretação segundo a qual fica vedado o terceiro grau de jurisdição, fora dos casos previstos na norma, mas não quando o Supremo aprecia uma decisão tomada em 1.ª instância pela Relação.
J. E note-se que no caso concreto, a Relação não proferiu qualquer decisão sobre a questão, rejeitando liminarmente conhecer do recurso, pelo que não tem aplicação a referida norma que pressupõe e exige que haja acórdão da Relação proferido em recurso – o que inculca a ideia de uma decisão tomada sobre o julgamento de 1.ª instância.
K. E esta é, aliás, a única interpretação constitucionalmente admissível, do ponto de vista material, com conformação aos princípios de justiça, de acesso ao Direito, de equidade do processo judicial e de proporcionalidade, bem como da igualdade, com respaldo nos artigos 20.º, n.º 4, 18.º e 13.º da CRP, do artigo 854.º do CPC, sob pena de se tratar de forma igual o que é uma situação desigual, ou seja, uma questão que somente foi apreciada por um tribunal, numa hipótese, e outra questão que foi apreciada por dois tribunais de hierarquia distinta – juízo de inconstitucionalidade material do artigo 854.º do CPC, que ora se invoca para os devidos efeitos.
L. Por outro lado, ainda, e subsidiariamente, o presente recurso, ao encerrar uma oposição de acórdãos da Relação de Lisboa torna o recurso de revista sempre admissível.
M. Com efeito, não se pode sufragar o entendimento de que o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça apenas possa ser admitido com base no consignado na alínea b) do n.º 2 do artigo 671.º do CPC, a qual elege privativa e excludentemente, para efeitos de pacificação de dissídio jurisprudencial, um aresto do Supremo Tribunal de Justiça como decisão-fundamento,
N. Assim desinteressando-se absolutamente da necessidade de intervenção do tribunal de cúpula no caso de conflito entre Relações, posto que considera que igualmente o disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC apenas se aplica a decisões finais e não também a outras, ainda que intra processuais ou interlocutórias (quanto aos honorários do AE).
O. Ora, admitir tal entendimento excessivamente restritivo na interpretação da lei processual interfere com o princípio constitucional basilar do processo equitativo (n.º 4 do artigo 20.º da CRP), da igualdade perante a lei e meios processuais (n.º 1 do artigo 13.º), e da proporcionalidade (artigo 18.º da CRP) ferindo de inconstitucionalidade material tal juízo, apreciação que ora se suscita para os devidos efeitos.
P. Ora, tal divórcio na missão de aplicar o Direito e pacificar/uniformizar a execução da lei não pode estar autorizado pela constitucional interpretação do artigo 629.º. n.º 2, alínea d), do CPC, que antes a deve acolher, de forma a ser cumprido o fito (que permanece restrito e «elitista» de sindicância do Supremo nos casos de comprovada necessidade de pacificar o veredito dos tribunais.
Q. Não terá sido seguramente este o desiderato do legislador, até porque se o Supremo Tribunal de Justiça apenas é chamado a pronunciar-se nos casos de decisões interlocutórias incidentes sobre as hipóteses previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC ex vi alínea a) do n.º 2 do artigo 671.º do CPC, temos de concluir imediatamente que o espetro de aplicação é meramente residual e no caso dos presentes autos (na vertente prática para a Recorrente) nunca aplicável.
R. É que se o Supremo Tribunal de Justiça apenas intervém, enquanto tribunal de recurso, quanto às decisões interlocutórias, quando já sobre elas alguma vez se pronunciou (alínea b) do n.º 2 do artigo 671.º do CPC), a sua participação é mais do que efetiva e real, meramente teórica e potencial – esvaziada quase que na totalidade,
S. Sob pena de, verdadeiramente, nunca ter acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, mesmo na circunstância de haver claro antagonismo jurisprudencial – facto primogénito que motivou o legislador em fazer intervir (necessariamente) o tribunal cimeiro – pois essa é soberanamente a sua função mais nobre – para mais quando a decisão da Relação de Lisboa (de não conhecer o recurso – questão de mérito – que não interlocutória) – está em antagonismo com muitas outras decisões dos Tribunais da Relação!
T. Ou seja, confirmando-se o acesso fortemente condicionado ao Supremo Tribunal de Justiça, demasiado limitado mesmo por princípio, haverá que recrutar um entendimento que o conflito jurisprudencial pode (deve) ser apaziguado por socorro do albergado na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil.
U. Mais, a decisão singular contraria o entendimento já professado por este douto Tribunal, por exemplo professado no aresto do Supremo Tribunal de Justiça, de 08.09.2021, processo n.º 122900/17.2YIPRT-C.E1.S1.
V. Neste sentido, tal como propugnado no acórdão citado, a norma (artigo 629.º, n.º 2, alínea d) do CPC deve ser interpretado no sentido de garantir uma via específica de acesso ao STJ precisamente naquelas matérias ou temas em que se mostra estruturalmente proibida ou inviabilizada a revista.
W. Só desta forma conserva o STJ a sua ínclita função de se constituir como único e insubstituível instrumento de uniformização de jurisprudência contraditória, para mais quando está em apreciação uma matéria em que o AE proferiu uma decisão da competência exclusiva do Tribunal – em clara usurpação de poderes.
X. Em síntese:
- O presente recurso versa sobre matérias de fundo/mérito, e não meramente interlocutórias, como a atinente à reclamação/verificação de créditos, donde cabe expresso recurso de revista, nos termos do disposto no artigo 854.º do CPC;
- Acresce que o artigo 854.º do CPC está projetado para vedar a apreciação do STJ como terceiro grau de jurisdição, ou seja, quando incida a sua pronúncia este tribunal de cúpula sobre acórdãos da Relação proferidos em recurso, o que inculca a ideia de que tenha havido prévia pronúncia da 2.ª instância, e não naqueles casos (como é a hipótese presente) em que o STJ atua como 2.ª instância;
- Finalmente, e perante uma contradição de julgados, como invocado e demonstrado (não existindo determinação pacificadora do STJ), mesmo que estivéssemos perante decisões (todas elas – e não é o caso) meramente interlocutórias, o artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, conforme já defendido por este Alto Tribunal, permite o recurso de revista, hipótese em que é sempre admissível.
Nestes termos e nos melhores de Direito, com o mui douto amparo de V. Exas., requer-se a admissão do presente recurso de revista, ou subsidiariamente, do recurso de revista excecional, com todas as legais consequências”.
9) A Baía dos Anjos, Ld.ª pugnou pela não admissão do recurso de revista interposto pelos recorrentes e pela confirmação da decisão singular do Juiz Conselheiro relator.
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10) Consta da decisão singular proferida pelo Juiz Conselheiro relator a fundamentação que aqui integralmente se reproduz:
“7) Tal como foi explicado no anterior despacho do relator, o recurso de revista interposto pelos recorrentes não tem apoio legal, sendo a sua admissão contrariada por diversas disposições expressas reguladoras do regime dos recursos em processo executivo e do modelo de impugnação das decisões judiciais em geral adoptado pelo legislador nessa matéria sem que ocorra, como é reconhecido na doutrina e na jurisprudência em geral, violação de princípios ou preceitos constitucionais.
8) Está em causa a impugnação de um acto do agente de execução – elaboração da nota de despesas e honorários e seus termos – praticado no contexto de uma acção executiva e no limite dos poderes que a lei processual lhe atribui (v. g. o artigo 719.º n.º 1 do Código de Processo Civil).
No âmbito do processo executivo o legislador atribuiu ao agente de execução a competência para impulsionar o processo e realizar todas as diligências do processo executivo que não sejam atribuídas à secretaria ou que sejam da competência do juiz de execução.
Ficou, no entanto, salvaguardada a sindicância dos seus actos em geral, dos quais cabe reclamação para o Juiz de Execução, a quem cabe a competência para os validar ou revogar, o que sucede de modo particular relativamente aos actos que sejam susceptíveis de afectar direitos fundamentais das partes ou de terceiros.
É claro a esse propósito o artigo 723.º n.º 1 c) do Código de Processo Civil ao deferir ao Juiz de Execução a competência para julgar as reclamações de atos e as impugnações de decisões do agente de execução.
E, muito embora não seja inequívoco o alcance de tal limitação, a norma em causa estabelece um único grau de impugnação dos atos e decisões do agente de execução, contrariamente ao que sucede quanto à competência do Juiz de Execução em relação às demais matérias elencadas no artigo 723.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
9) A interpretação da norma em causa tem, de resto, de ser articulada com o regime dos recursos em geral e no processo executivo em especial (artigos 852.º a 854.º do Código de Processo Civil).
E da análise conjugada do regime nos recursos na acção executiva resulta claro que o legislador restringiu fortemente a possibilidade de recurso das decisões proferidas no seu âmbito – o que se ficou a dever às especificidades da acção executiva – tendo o legislador optado por limitar a admissão dos recursos às decisões proferidas nos procedimentos ou incidentes de natureza declaratória inseridos na tramitação executiva.
10) Na concretização de tal orientação de princípio, o legislador optou por elencar as decisões susceptíveis de ser objecto de recurso de apelação para os Tribunais da Relação (artigo 853.º n.º 1, 2 e 3 do Código de Processo Civil), restringindo-os aos que tenham por objecto decisões proferidas em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória inseridos na tramitação da acção executiva e, nos termos gerais, às decisões taxativamente identificadas nos n.º 2 e 3 do artigo 853.º do Código de Processo Civil.
Daí que no acórdão ora questionado se tenha salientado que a reclamação contra a nota de honorários e despesas elaborada pelo Agente de Execução não se subsume à previsão do artigo 853.º n.º 2 e 3 do Código de Processo Civil, para concluir que não era admissível o recurso de apelação interposto do despacho que a decidiu.
11) E se era assim quanto ao recurso de apelação, por maioria de razão o é quanto ao recurso de revista interposto pelos recorrentes.
De facto, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, no âmbito da acção executiva o recurso de revista só tem cabimento, nos termos gerais, relativamente a acórdãos da Relação proferidos nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e de graduação de créditos e de oposição à execução (artigo 854.º do Código de Processo Civil).
12) Nos termos gerais, e de acordo com a regra estabelecida no artigo 671.º n.º 1 do Código de Processo Civil, só cabe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação proferido sobre decisão da 1.ª instância que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.
Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam sobre a relação processual apenas podem ser objecto de revista nos termos do artigo 671.º n.º 2 do Código de Processo Civil cuja aplicação não vem ao caso por nem sequer ter sido expressamente alegada no requerimento de interposição do recurso.
13) No caso dos autos, para além do obstáculo à admissibilidade do recurso decorrente da aplicação do artigo 854.º do Código de Processo Civil – visto que a decisão não foi proferida em processo de qualquer das espécies ali taxativamente identificadas – sempre se teria que considerar que o acórdão que não admitiu o recurso de apelação e julgou improcedente a nulidade da decisão sumária proferida pela Desembargadora relatora, não conheceu do mérito da causa nem lhe pôs termo, dele não cabendo, por isso, revista nos termos do artigo 671.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
14) E se o recurso de revista interposto pelos recorrentes não é admissível pela via comum, porque não se enquadra na previsão do artigo 671.º n.º 1 do Código de Processo Civil, e não é caso em que seja sempre admissível, não é invocável a sua admissão a título excepcional com base nas circunstâncias descritas no artigo 672.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
Na verdade, como claramente resulta da conjugação do artigo 671.º n.º 3 e 672º do Código de Processo Civil, o mecanismo da admissão da revista a título excepcional só tem aplicação quando a sua admissão pela regra geral esteja inviabilizada por efeito da dupla conformidade decisória.
Ou seja, para que a revista seja admissível a título excepcional importa que, em primeiro lugar, se verifiquem todos os demais requisitos da interposição do recurso e que, em concreto, a sua admissibilidade se mostra inviabilizada pela existência de duas decisões conformes entre si nos termos consignados na segunda parte do artigo 671.º n.º 3 do Código de Processo Civil.
Ora no caso dos autos a dupla conformidade decisória não é, como se explicou, a circunstância impeditiva da interposição do recurso.
15) Tendo em conta a decisão de primeira instância questionada e o acórdão da Relação agora questionado, não sendo caso em que o recurso é sempre admissível, concorre para a inadmissibilidade do recurso de revista interposto a conjugação:
- do artigo 723.º n.º 1 c) do Código de Processo Civil, que limita a apreciação dos actos e decisões do agente de execução à decisão do Juiz de Execução em via de reclamação;
- o artigo 671.º n.º 1 do Código de Processo Civil, que estabelece a regra geral da admissibilidade do recurso de revista aos acórdãos da Relação proferido sobre decisão de primeira instância que conheça do mérito da causa ou ponha termo ao processo;
- o artigo 854.º do Código de Processo Civil que restringe a revista para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos da Relação proferidos em procedimentos de liquidação não dependentes de simples cálculo aritmético, verificação e graduação de créditos e oposição deduzida contra a execução.
Não cabe, por outro lado, invocação do regime de admissão excepcional da revista, o qual pressupõe a necessidade de afastamento do obstáculo da dupla conforme, mas não dispensa a possibilidade e legalidade de recurso de revista, independentemente da dupla conformidade decisória.
16) Independentemente da aplicação estrita do artigo 723.º n.º 1 c) do Código de Processo Civil, o acórdão da Relação ora questionado não é susceptível de impugnação porque não conhece do mérito da causa nem põe termo ao processo, sendo certo que, mesmo que assim não fosse, não tendo sido proferido no âmbito de qualquer dos procedimentos declaratórios taxativamente elencados no artigo 854.º do Código de Processo Civil, sempre estaria inviabilizada a sua subida ao Supremo Tribunal de Justiça para apreciação da questão da admissibilidade do recurso e do mérito da decisão proferida sobre o objecto da reclamação da nota de honorários elaborada pelo Agente de execução na acção executiva.”
11) Acompanha-se nesta sede a fundamentação apresentada pelo Juiz Conselheiro relator acabada de transcrever.
Conforme ficou explicado o que está em causa são actos praticados pelo Agente de Execução passíveis de reclamação e impugnação, sem possibilidade de recurso, para o Juiz de Execução competente (artigo 723.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil).
Por outro lado, a situação apresentada a julgamento não está abrangida pelo princípio geral de recorribilidade das decisões do Tribunal da Relação sobre o mérito da causa ou que ponham fim ao processo, absolvendo da instância ou do pedido (artigo 671.º n.º 1 do Código de Processo Civil) não tendo o recurso sido interposto com o fundamento de que ele é sempre admissível nos termos do artigo 671.º n.º 2 do Código de Processo Civil.
Por último, também não se trata de acórdão da Relação proferido “em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução”, circunstância que o tornaria legalmente admissível nos termos do artigo 854.º do Código de Processo Civil.
O recurso que os recorrentes, continuando a manifestar-se inconformados, interpuseram não tem cabimento legal.
Não se alcança também em que poderia consistir a invocada inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade (ou outro), na ponderação justificada dos casos, sem supressão absoluta do direito ao recurso ou reapreciação de decisão proferida no âmbito do exercício de competências legalmente atribuídas e tendo em vista salvaguardar interesses colectivos gerais, o legislador limita o acesso aos tribunais superiores definindo objectivamente as condições em que tem lugar a sua intervenção.
12) Em conclusão, o recurso de revista interposto por AA e BB tendo por objecto o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 7 de junho de 2023 e que confirmou a decisão singular da Juíza Desembargadora relatora de não admissão da apelação, não tem cabimento legal, razão pela qual se confirma a decisão singular do Juiz Conselheiro relator de 8 de abril de 2024 que não a admitiu.
Os recorrentes suportarão as custas do incidente a que deram causa.
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Por tudo quanto vem de ser exposto, decidem em conferência, confirmando o teor da decisão singular do Juiz Conselheiro Relator proferida em 8 de abril de 2024, não admitir a revista interposta pelos recorrentes AA e BB.
Mais condenam os recorrentes no pagamento das custas do incidente a que deram causa, fixando-se no mínimo a taxa de justiça devida.
Notifique.
Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 1 de outubro de 2024
Manuel José Aguiar Pereira (Relator)
Jorge Manuel Leitão Leal
António José Moura de Magalhães