CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
SEGURADORA
SEGURO DE VIDA
TOMADOR
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
CONTRATO DE MÚTUO
EXCLUSÃO DE CLÁUSULA
CONTRATO DE ADESÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sumário


Deve ser indeferida a reclamação, em que o reclamante, sob a capa de arguição de nulidades e de reforma do acórdão, apenas pretende manifestar discordância com a decisão reclamada e peticionar uma nova e distinta decisão, que o Supremo não tem poderes para proferir, por estar esgotado o seu poder jurisdicional.

Texto Integral


Processo n.º 61/22.1T8CPV.P1.S1

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

1. OCIDENTAL – COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE VIDA, S.A., Ré no presente processo em que é Autor AA, notificada do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-05-2024, que, revogando o acórdão da Relação, repristinou a sentença do tribunal de 1.ª instância, que, por sua vez, decidiu «a) Declara-se válido o contrato de seguro de vida celebrado entre o 1.º autor e a sua esposa BB e a 2.ª ré, para garantia do contrato de mútuo com o n.º ...82, que estes celebraram com o 2.º réu; b) Declara-se a nulidade da cláusula 6.ª a das condições especiais do contrato de seguro de vida celebrado entre a 1.ª ré e BB; c) Condena-se a 1.ª ré a pagar ao 2.º réu a quantia a liquidar em sede de execução de sentença, referente ao capital em dívida por força do mútuo contraído pelo 1.º autor e sua esposa junto do 2.º réu, à data de 09/12/2020, deduzida das quantias voluntariamente pagas pelos autores (referentes às prestações que se venceram entre aquela data e agosto de 2021, exclusive) e do valor do prémio de seguro que teria sido cobrado pela 1.ª ré se tivesse sabido da preexistência da epilepsia de que padecia a falecida BB, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa supletiva legal em vigor para as transações comerciais, desde o final do prazo legal (22/04/2021), até efetivo e integral pagamento; d) absolve-se o 2.º réu dos pedidos; e) condena-se os autores e a 1.ª ré no pagamento das custas processuais, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 25% e 75%, respetivamente», apresentou o seguinte requerimento, pedindo a retificação ou a reforma do acórdão e arguindo nulidades, conforme se transcreve:

«(…) ao abrigo do disposto nos artigos 614º, 615º, 617º, 666º e 685º do Código de Processo Civil (doravante, CPC), expor e requerer a Vossas Excelências o seguinte:

Em sede de contra-alegações a R. requereu a ampliação do objeto do recurso.

Conforme consta do Acórdão proferido em 15/05/2024:

«III – Cálculo da indemnização a pagar ao segurado

16. Entende a seguradora que, para o caso de se considerar nula ou excluída a cláusula 6.ª do contrato de seguro, a indemnização devida não deve ser calculada nos termos em que decidiu o tribunal de 1.ª instância, defendendo que o segurador não cobre o capital em dívida ao Banco deduzido do valor do prémio de seguro que seria cobrado se tivesse sabido da preexistência de doença, mas antes cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio de seguro pago (x) e o prémio que seria devido (y) se aquando da celebração do contrato tivesse conhecido o facto omitido.

Ora, dado que a 1.ª ré não indicou ao tribunal de 1.ª instância qual o prémio que seria devido para a hipótese de ter tido conhecimento da doença preexistente da autora – o que lhe seria fácil fazer – não dispõe este Supremo Tribunal de elementos para avaliar a correção do método proposto pela seguradora em comparação com o método decidido na sentença.

Assim, relega-se a discussão para liquidação de sentença, nos moldes decididos pelo tribunal de 1.ª instância, que se repristina».

Considerando o contrato de seguro em vigor, mas reduzido à sua parte válida, a 1ª Instância entendeu que a responsabilidade da 1.ª R. se atém “ao valor do capital em dívida à data do sinistro após dedução do montante referente ao agravamento do seguro por força da preexistência de epilepsia, e do valor voluntariamente pago pelos autores”.

Condenando a 1.ª R. a pagar ao 2.º R. a quantia a liquidar em sede de execução de sentença, referente ao capital em dívida por força do mútuo contraído pelo 1.º A. e sua esposa junto do 2.º R., à data de 09/12/2020, deduzida das quantias voluntariamente pagas pelos AA. (referentes às prestações que se venceram entre aquela data e agosto de 2021, exclusive) e do valor do prémio de seguro que teria sido cobrado pela 1.ª R. se tivesse sabido da preexistência da epilepsia de que padecia a falecida BB.

Ora,

Nos termos do disposto no art. 26º, nº 4 do RJCS:

Se, antes da cessação ou da alteração do contrato, ocorrer um sinistro cuja verificação ou consequências tenham sido influenciadas por facto relativamente ao qual tenha havido omissões ou inexatidões negligentes:

a)

O segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio pago e o prémio que seria devido, caso, aquando da celebração do contrato, tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexatamente;

b)

O segurador, demonstrando que, em caso algum, teria celebrado o contrato se tivesse conhecido o facto omitido ou declarado inexatamente, não cobre o sinistro e fica apenas vinculado à devolução do prémio.

O segurador não cobre o capital em dívida ao Banco deduzido do valor do prémio de seguro que seria cobrado se tivesse sabido da preexistência de doença.

O segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio de seguro pago (x) e o prémio que seria devido (y) se aquando da celebração do contrato tivesse conhecido o facto omitido.

Haverá que, em sede de liquidação em execução de sentença, aferir qual a diferença, em proporção (x/y), entre o prémio pago e o que seria devido,

O resultado, em percentagem, aplicar-se-á ao capital em dívida, sendo o resultado o limite máximo da responsabilidade da 1.ª R..

É uma regra de três simples, como se fazem as contas em caso de subseguro!

Pelo que, aplicando-se o disposto no art. 26º, nº 4, al. a) do RJCS, a 1ª Instância interpretou erradamente a norma jurídica em questão, aplicando erradamente o direito aos factos, do que resultou uma condenação indevida.

Ao relegar-se a discussão quanto ao valor a pagar pela 1.ª R. ao 2.º R. para liquidação de sentença, nos moldes decididos pelo Tribunal de 1.ª Instância, está a fazer-se uma errada interpretação do ar. 26º, nº 4, al. a) do RJCS, pois o que dispõe a norma é que “O segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio pago e o prémio que seria devido” - e não que cobre o capital em dívida ao Banco deduzido do valor do prémio de seguro agravado que teria sido cobrado pela seguradora.

Verifica-se assim lapso manifesto que deve ser corrigido, remetendo-se a liquidação do valor devido para execução de sentença, considerando que o segurador cobre o sinistro na proporção da diferença entre o prémio de seguro pago (x) e o prémio que seria devido (y) se aquando da celebração do contrato tivesse conhecido o facto omitido; em sede de liquidação em execução de sentença, será de aferir qual a diferença, em proporção (x/y), entre o prémio pago e o que seria devido; o resultado, em percentagem, aplicar-se-á ao capital em dívida, sendo o resultado o limite máximo da responsabilidade da 1.ª R..

Sem prescindir,

Não é correta a argumentação de que o Supremo Tribunal de Justiça não dispõe de elementos para avaliar a correção do método proposto pela seguradora em comparação com o método decidido na Sentença, pois do que se trata é de aplicar corretamente uma norma jurídica, remetendo-se para liquidação em execução de sentença o apuramento do valor devido.

Com o devido respeito, não se encontra suficientemente fundamentada a opção pela interpretação da 1ª Instância do art. 26, nº 4, al. a) do RJCS em detrimento do alegado pela 1ª R., que se afasta da letra e do espírito da lei, não se subsumindo a questão ao saber-se, nesta fase, qual o prémio pago e o que seria devido, pois tal factualidade será apurada em sede de liquidação posterior;

Tendo-se determinado corretamente a norma aplicável, o decidido está em oposição com a mesma;

Sendo, desta forma, a decisão também ambígua;

Pelo que se verificam as nulidades previstas nas alíneas b) e c) do nº 1 do art. 615º do CPC.

Termos em que se requer a retificação / reforma do Acórdão proferido, devendo ser conhecidas as nulidades arguidas e, consequentemente, quanto à alínea c) do ponto VI. Dispositivo da Sentença proferida em 1ª Instância, considerar-se a seguinte redação:

c)

Condena-se a 1ª R. a pagar ao 2º R. a quantia a liquidar em sede de execução de sentença, referente ao capital em dívida por força do mútuo contraído pelo 1.º A. e sua esposa junto do 2.º R., à data de 09/12/2020, capital este a determinar na proporção da diferença entre o prémio de seguro pago e o prémio que seria devido se aquando da celebração do contrato tivesse da preexistência da epilepsia de que padecia a falecida BB, deduzida das quantias voluntariamente pagas pelos AA. (referentes às prestações que se venceram entre aquela data e agosto de 2021, exclusive)».

2. O reclamado notificado da reclamação apresentada pela ré, nada veio dizer.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. A reclamante, sob a capa de um pedido de reforma do acórdão e de arguição de nulidades, veio solicitar uma nova decisão, a propósito do método de cálculo da indemnização que foi condenada a pagar em liquidação de sentença, decisão essa que este Supremo, porque já se esgotou o seu poder jurisdicional, não tem poderes para proferir.

2. É manifesto que a decisão do Supremo não contém qualquer erro material ou lapso, para o efeito do artigo 614.º, n.º 1, do CPC e que não estão verificados os requisitos que permitem a reforma do acórdão, nos termos do artigo 616.º, n.º 2, do CPC, uma vez que não se verificou qualquer erro na determinação de norma aplicável ou de qualificação jurídica dos factos, nem consta do processo qualquer documento ou outro meio de prova plena que, só por si, implique necessariamente decisão diversa da proferida.

3. Quanto às nulidades arguidas, invoca a reclamante as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC – nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão e ainda ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível – alegando incorreções e ambiguidades na fundamentação da decisão, e oposição entre a decisão e a norma aplicável.

Na jurisprudência deste Supremo Tribunal, tem-se entendido que (cfr. Acórdão de 22-01-2019, proc. n.º 19/14.4T8VVD.G1.S1) «1. A nulidade em razão da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. 2. A nulidade ancorada na ambiguidade ou obscuridade da decisão proferida, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, quando a decisão, em qualquer dos respectivos segmentos, permite duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade). 3. A nulidade do aresto, sustentada na contradição entre os seus fundamentos e decisão, pressupõe um erro lógico na argumentação jurídica, dando conclusão inesperada e adversa à linha de raciocínio adoptada, ou seja, apenas ocorre, quando os fundamentos invocados pelo Tribunal deviam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que veio expresso no dispositivo do dito acórdão.»

Ora, a esta luz, não se verifica qualquer nulidade da decisão reclamada, por falta de fundamentos de facto e de direito, uma vez que o Supremo discriminou no segmento decisório ora impugnado os factos relevantes e o direito aplicável, remetendo para os critérios do tribunal de 1.ª instância, que considerou adequados ao cálculo da indemnização relegado para liquidação de sentença. Ainda que se entenda ser a fundamentação deficiente ou errada, tal apenas afeta o valor doutrinal da decisão, mas não é causa de nulidade, conforme o entendimento de jurisprudência acima citada.

Do mesmo modo não ocorreu qualquer contradição entre a decisão e os seus fundamentos, nem qualquer ambiguidade ou obscuridade. A decisão é clara, percetível e coerente nos seus termos, não ocorrendo qualquer contradição que prejudique a compreensão do sentido e alcance da decisão.

O que está em causa é a manifestação de discordância com a decisão, circunstância não coincidente com a nulidade prevista na al. c) do nº 1 do artigo 615º, do CPC, pois, se o reclamante exprime a sua discordância é porque entendeu o conteúdo dessa mesma decisão, logo, esta não pode ser ambígua, portadora de vários sentidos ou contraditória nos seus termos.

Como se afirma na jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr. Acórdão de 31-01-2023, proc. n.º 2759/17.7T8VNG.P2.S1), «A ambiguidade só relevará se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que do respetivo texto ou contexto não se torne possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se reclama de ambíguo».

4. Conclui-se, pois, que não se verifica qualquer das nulidades arguidas.

5. Anexa-se sumário elaborado de acordo com o n.º 7 do artigo 663.º do CPC:

- Deve ser indeferida a reclamação, em que o reclamante, sob a capa de arguição de nulidades e de reforma do acórdão, apenas pretende manifestar discordância com a decisão reclamada e peticionar uma nova e distinta decisão, que o Supremo não tem poderes para proferir, por estar esgotado o seu poder jurisdicional.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça indeferir a reclamação.

Custas pela reclamante.

Lisboa, 1 de outubro de 2024


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Nelson Borges Carneiro (1.º Adjunto)

António Magalhães (2.º Adjunto)