I. No contrato-promessa de compra e venda em que as partes convencionam que o promitente comprador se obriga a levar a cabo as alterações de que carece o prédio urbano prometido vender para poder ser legalizado e que “quando (…) obtiver da Câmara Municipal de (…) os documentos necessários para a celebração da escritura pública” esta deverá ser por ele marcada num prazo máximo de sessenta dias, as partes não estabeleceram um prazo fixo ou absoluto de cumprimento da obrigação;
II. Nessas circunstâncias torna-se necessária a fixação de um prazo fixo para o cumprimento da obrigação de agendamento da escritura do contrato de compra e venda prometido;
III. Só a partir do vencimento da obrigação, se ela tiver prazo certo, ou da interpelação do devedor para cumprir, este se tem por constituído em mora;
IV. A interpelação admonitória a que alude a segunda hipótese prevista no artigo 808.º n.º 1 do Código Civil pressupõe que o devedor da obrigação se encontre em mora no cumprimento da sua obrigação e que o credor mantém interesse na prestação em falta;
V. Não tem fundamento legal a resolução do contrato-promessa cujo prazo de cumprimento dele não resulte como fixo, operada através de interpelação admonitória para cumprir efectuada em momento em que o devedor não se encontrava em situação de mora.
EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:
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Parte I – Introdução
1) AA e BB, instauraram a presente ação declarativa contra CC, pedindo que:
a) se declare a resolução do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 17 de abril de 2008, entre Autoras e Réu, o qual foi objeto de aditamento em 26 de junho de 2010;
b) se declare a culpa do Réu no incumprimento definitivo do referido contrato-promessa de compra e venda;
c) se condene o Réu a entregar às Autoras as frações autónomas designadas pelas letras A e B, localizadas no prédio urbano sito no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 55.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., livre e completamente devolutas de pessoas e bens;
d) se condene o Réu a pagar às Autoras a quantia mensal de € 1.000,00 pela ocupação abusiva e ilegal das frações autónomas identificadas na precedente alínea, desde 12 de abril de 2018, até à efetiva entrega, acrescida dos respetivos juros de mora;
e) se condene o Réu a pagar à Autora BB a quantia de € 22.643,11, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento;
f) se condene o Réu a pagar às Autoras a quantia de € 48.952,25, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento; e
g) se condene o Réu a pagar às Autoras a quantia que vier a ser paga por estas à Autoridade Tributária e Aduaneira, a título de IMI, desde 2009, até à efetiva entrega dos prédios identificados na alínea c).
2) Alegaram, em apertada síntese 1, que são proprietárias de um prédio urbano composto por duas frações autónomas, sendo uma destinada a habitação, de r/c e 1.º andar, e a outra destinada a armazém e atividade industrial, sita no r/c, bem como de um prédio rústico, os quais, por contrato celebrado em 17 de abril de 2008, prometeram vender ao Réu pelo preço de € 165.000,00, a ser pago até ao dia da celebração da escritura pública do contrato de compra e venda, em prestações mensais de € 2.500,00, a serem pagas até ao dia 8 de cada mês, vencendo-se a primeira no dia 8 de maio de 2008.
Em 26 de junho de 2010 entre as autoras e o réu foi celebrado um novo contrato-promessa de compra e venda em substituição do anterior, ficando então clausulado que o réu iria proceder a alterações nos imóveis tendo em vista a sua legalização e a celebração do contrato de compra e venda.
Em 2 de outubro de 2008, a segunda autora contraiu um empréstimo bancário no valor de € 40.000,00, dando de hipoteca um imóvel de que era proprietária sendo que por ela e pelo réu foi acordado verbalmente, que a prestação mensal do empréstimo seria paga por este, descontando-se o valor pago nas prestações devidas pelo Réu no âmbito do contrato-promessa.
Em 30 de maio de 2012, as autoras e o réu outorgaram uma transação destinada a pôr termo a um processo judicial instaurado às primeiras por terceiros, na qual elas assumiram a obrigação de lhes pagar a quantia de € 28.000,00 em prestações mensais de € 600,00, tendo sido acordado verbalmente, que o Réu pagaria mensalmente tal prestação, a descontar na prestação de € 1.000,00 fixada no contrato-promessa.
O réu não pagou a prestação mensal devida à instituição bancária nem a prestação mensal acordada no processo judicial, tendo a Caixa Geral de Depósitos instaurado à segunda autora o correspondente processo executivo.
O réu, tendo tomado posse dos imóveis objeto do contrato-promessa, também não pagou o IMI devido à Autoridade Tributária, de 2009 a 2017, em consequência do que foi instaurada contra a herança aberta por óbito do pai das autoras uma execução para cobrança coerciva do valor em dívida, que em 2 de agosto de 2018 ascendia a € 4.995,17.
O réu não pagou efectuou as prestações pecuniárias a que se comprometeu no contrato-promessa, nem a prestação devida à Caixa Geral de Depósitos, tendo as autoras tido conhecimento que o imóvel dado de hipoteca para garantia do empréstimo contraído pela segunda autora fora penhorado e iria ser publicitada a sua venda.
Assim, a primeira autora, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito do seu pai, por carta registada com A/R de 12 de fevereiro de 2018, interpelou o réu para no prazo de 10 dias marcar a escritura pública de compra e venda, e para no dia da respetiva outorga efetuar o pagamento do valor pecuniário em falta, sob pena de se tornar definitivo o seu incumprimento.
Porém o réu, apesar de ter recebido a interpelação em 18 de fevereiro de 2018, não satisfez o solicitado, pelo que, por nova carta registada com A/R dirigida ao mesmo a 12 de abril de 2018, a primeira autora deu-lhe a conhecer que o contrato-promessa dos autos se considerava resolvido, solicitando-lhe o pagamento, no prazo de 10 dias, da indemnização prevista na cláusula L) do contrato-promessa, a qual, à data da propositura da ação, ascendia a € 120.466,66, a que deveria ser abatido o valor de € 72.232,56 já pago pelo réu.
O réu não entregou os prédios nem pagou o montante pecuniário em falta, sendo responsável pelo pagamento da indemnização devida, tudo acrescido de uma indemnização pela ocupação abusiva e ilegal dos imóveis desde o dia 12 de abril de 2018 até à efetivação da sua entrega, além dos juros de mora sobre as quantias pecuniárias em dívida.
3) Citado, o réu apresentou contestação, invocando a ilegitimidade das autoras e impugnando os factos por elas alegados, invocando não lhe ter sido transmitida a posse dos imóveis e que não lhe era imputável a falta de agendamento da escritura do contrato de compra e venda para a qual não foi estabelecida data fixa, concluindo pela improcedência da ação.
O réu deduziu pedido reconvencional contra as autoras pedindo a sua condenação a pagar-lhe indemnização pelos danos que sofreu com a sua conduta, a contabilizar em sede de liquidação de sentença, tendo as autoras contestado tal pedido.
4) Teve lugar uma audiência prévia no âmbito da qual o autor foi convidado a concretizar os danos alegados e a alterar o pedido reconvencional em conformidade.
Foi depois proferido despacho saneador que, fixando o valor da causa:
Não admitiu a alteração da causa de pedir e do pedido reconvencional quanto aos danos não patrimoniais, admitindo a reconvenção;
Julgou improcedentes as exceções dilatórias de ilegitimidade deduzidas pelo réu quanto à instância principal, e pelas autoras quanto à instância reconvencional.
5) Foi depois proferida sentença que:
A.- Julgou parcialmente procedente a acção;
- declarou resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as autoras e o réu no dia 26 de junho de 2010;
- declarou a culpa do réu no incumprimento definitivo do referido contrato-promessa de compra e venda;
- condenou o réu a entregar às autoras as frações autónomas designadas pelas letras A e B, localizadas no prédio urbano sito no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 55.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., livre e completamente devolutas de pessoas e bens;
- condenou o réu a pagar às autoras a quantia que vier a ser liquidada ulteriormente, a título de indemnização fundada na cláusula L) do contrato-promessa referido em a), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento;
- condenou o réu a pagar à segunda autora a quantia de € 22.643,11, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento;
- absolveu o réu de tudo o mais peticionado pelas autoras.
B.- Julgou improcedente o pedido reconvencional, dele absolvendo as autoras.
6) Não se conformando com o assim decidido o réu interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.
Por seu acórdão de 18 de janeiro de 2024 o Tribunal da Relação de Guimarães, julgou parcialmente procedente a apelação e revogou a sentença recorrida na parte que deu procedência parcial à acção, julgando a acção totalmente improcedente.
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7) Irresignadas com o decidido em segunda instância as autoras interpuseram recurso de revista pelo Supremo Tribunal de Justiça, formulando a rematar as suas alegações as seguintes CONCLUSÕES:
“1. Por sentença proferida em 9 de agosto de 2023, a 1ª instância julgou “parcialmente procedente a ação e, consequentemente:
g) declarar a resolução do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre Autoras e Réu no dia 26 de junho de 2010;
h) declarar a culpa do Réu no incumprimento definitivo do referido contrato-promessa de compra e venda;
i) condenar o Réu a entregar às Autoras as fracções autónomas designadas pelas letras A e B, localizadas no prédio urbano sito no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 55.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., livre e completamente devolutas de pessoas e bens;
j) condenar o Réu a pagar às Autoras a quantia que vier a ser liquidada ulteriormente, a título de indemnização fundada na cláusula L) do contrato-promessa referido em a), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento;
k) condenar o Réu a pagar à Autora BB a quantia de € 22.643,11 acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir da citação e até integral pagamento;
l) absolver o Réu de tudo o mais peticionado pelas Autoras”. E,
“Julgar a reconvenção improcedente e, consequentemente, absolver as Autoras/Reconvindas do pedido”;
2. A 2ª instância julgou “parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, na parte que deu com parcialmente procedente a ação, a qual se julga totalmente improcedente, com a absolvição do R do pedido, mantendo-se a mesma sentença quanto ao pedido Reconvencional”;
3. Discordamos do acórdão recorrido por entendermos que a obrigação do recorrido estava sujeita a prazo que não veio a ser por este cumprido originando consequentemente, o incumprimento definitivo do contrato-promessa celebrado no dia 26 de junho de 2010;
4. Este tinha um prazo de 60 dias após a emissão da licença de utilização / habitabilidade, pela Câmara Municipal de ..., para marcar a escritura de compra e venda definitiva;
5. Para poder obter este documento, o recorrido ficou incumbido no contrato-promessa de compra e venda de:
a) apresentar na Câmara Municipal de ..., projecto para legalização das obras a realizar no prédio urbano, objecto do contrato-promessa de compra e venda (cláusula G/ Facto assente 4-G);
b) realizar e custear as obras de legalização no referido prédio urbano inclusive proceder a demolições (Cláusulas F, G e N/ Facto assente 4-F, 4-G e 4-N);
c) após a realização das obras, obter da Câmara Municipal de ..., os documentos necessários designadamente a licença de utilização/habitabilidade, para a celebração da escritura de compra e venda (Cláusula O / Facto assente 4-O);
d) após a obtenção da documentação mencionada na alínea precedente, marcar num prazo máximo de 60 dias devendo avisar com pelo menos 30 dias de antecedência da data, hora e local da outorga da escritura definitiva (Cláusula O / Facto assente 4-O);
6. A Câmara Municipal de ... não emitiu os documentos necessários à celebração da escritura definitiva porque o recorrido não requereu a emissão do alvará de licença de construção nem executou as obras respeitantes ao projecto aprovado;
7. Com a notificação pela referida Câmara Municipal, do deferimento do projecto, o recorrido tomou conhecimento de que tinha um ano a contar do dia 5 de junho de 2012, para requerer a emissão do alvará de licença de construção;
8. A interpelação admonitória da autora AA foi efectuada em 12 de fevereiro de 2018;
9. Conforme é dito na sentença proferida pela 1ª instância, o recorrido esteve durante um período de quase seis anos, em condições de realizar as obras previstas no projecto aprovado, porém, nada fez nem sequer requereu a emissão do alvará de licença de construção;
10. Em cumprimento da alínea O) do contrato-promessa datado de 26 de junho de 2010, o recorrido deveria ter requerido a emissão do alvará de licença de construção e deveria ter executado as obras previstas no projecto aprovado de modo que a Câmara Municipal de ... pudesse emitir a licença de utilização / habitabilidade, documento este necessário para a celebração da escritura definitiva;
11. Conforme é dito pela 1ª instância, “o Réu não demonstrou nos autos que, ao longo daqueles seis anos, alguma coisa tenha feito no sentido de providenciar pela resolução da questão que tinha em mãos, concluímos que o mesmo se alheou totalmente do cumprimento da sua obrigação, passando a aproveitar-se de uma situação, a do gozo dos imóveis que lhe foram entregues, em condições ilícitas e ilegítimas, como sejam a sua fruição sem o devido licenciamento e sem o pagamento às Autoras da contrapartida pecuniária contratualmente estipulada para o efeito”;
12. Quando recebeu a interpelação admonitória da autora AA datada de 12 de fevereiro de 2018, o recorrido sabia que tinha um ano a contar do dia 5 de junho de 2012 para requerer a emissão do alvará de licença de construção.
13. Sabia, ainda, que tinha ficado, contratualmente, incumbido de:
- realizar as obras respeitantes ao projecto aprovado.
- requerer a emissão pela Câmara Municipal de ..., da licença de utilização / habitabilidade (documento necessário para a celebração da escritura de compra e venda definitiva).
- marcar no prazo de 60 dias após obter a referida licença de utilização/habitabilidade a escritura de compra e venda definitiva;
14. Não obstante saber os compromissos que assumiu no contrato-promessa datado de 26 de junho de 2010, o recorrido, durante um período de quase seis anos, nada fez;
15. Durante esse período de tempo, este usufruiu dos prédios objectos do contrato-promessa de compra e venda tendo mesmo passado a habitar no prédio urbano e não pagou à recorrente e à irmã, a quantia mensal contratualmente acordada;
16. Desde a celebração do contrato promessa datado de 26 de junho de 2010 até à referida interpelação admonitória (12.02.2018) decorreram quase oito (8) anos;
17. Da notificação do deferimento do licenciamento efectuada pela Câmara Municipal de ... que foi entregue ao recorrido, datada de 5 de junho de 2012 até à referida interpelação admonitória (12.02.2018) decorreram quase seis (6) anos;
18. Da interpelação admonitória (12.02.2018) até à comunicação da resolução do contrato promessa e consequente pagamento da indemnização (12.04.2018) decorreram cinquenta e nove (59) dias;
19. Consta da carta datada de 12 de fevereiro de 2028 enviada pela autora AA ao recorrido que constitui a interpelação admonitória que “Este contrato-promessa de compra e venda veio a ser alterado em 26 de Junho de 2010 tendo, nessa data, sido dada quitação da quantia de € 25.000,00 e acordado que os restantes € 140.000,00 seriam pagos até ao dia da celebração da escritura definitiva, em prestações mensais de € 1.000,00 até ao dia 8 de cada mês vencendo-se a primeira no dia 8 de Julho de 2010 (cláusula E).
Foi ainda acordado que a legalização do prédio urbano junto da Câmara Municipal de ... seria da responsabilidade de V.Exa bem como a realização das obras necessárias com vista a obter tal licenciamento (cláusulas G, I e N).
E ainda, que quando obtivesse da Câmara Municipal de ..., os documentos necessários para a celebração da escritura pública de compra e venda, deveria, V.Exa, proceder à marcação da mesma no prazo máximo de 60 dias (cláusula O).
Decorreram já sobre o primeiro contrato-promessa de compra e venda, quase dez anos e sobre o segundo, quase oito anos.
Atendendo às prestações mensais acordadas, já deveria ter sido pago por V.Exa, a quantia de € 116.000,00.
Não só não foram liquidadas todas as prestações vencidas até ao dia de hoje como não foi marcada até à presente data, por V.Exa, a escritura definitiva.
Assim, venho, por este meio, na qualidade de cabeça-de-casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do meu pai, dar conhecimento, a V.Exa, de que o incumprimento do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 17 de Abril de 2008 e alterado em 26 de Junho de 2010 tornar-se-á definitivo caso não proceda, no prazo de 10 dias, à marcação da escritura de compra e venda devendo no dia da escritura, efectuar o pagamento do montante que se encontra em dívida conforme acordado na cláusula F do contrato-promessa”;
20. Apesar de ter recebido a carta, o recorrido nada fez;
21. Conforme consta da douta sentença proferida pela 1ª instância, o período de quase seis anos que antecedeu a aludida comunicação “é suficientemente longo e duradouro para evidenciar a inércia do Réu no cumprimento da obrigação a que, com contrato-promessa dos autos, se comprometeu. E isto, associado, como se viu, ao não pagamento integral das prestações pecuniárias mensais a cujo pagamento se comprometeu, a título de sinal e principio de pagamento”.
22. Apesar de saber que tinha um ano a contar do dia 5 de junho de 2012 para requerer a emissão do alvará de construção, o recorrido nada fez.
23. Não requereu a emissão do referido alvará de licença de construção;
24. Não realizou as obras que constavam do projecto de licenciamento;
25. Não requereu a emissão pela Câmara Municipal de ..., da licença de utilização / habitabilidade;
26. Não marcou a escritura de compra e venda definitiva.
27. Conforme decidido pela 1ª instância, entendemos que o contrato-promessa de compra e venda datado de 26 de junho de 2010 foi validamente resolvido.
28. O acórdão recorrido deveria ter julgado improcedente o recurso do recorrido e confirmado a sentença proferida pela 1ª instância;
29. O acórdão recorrido violou as seguintes disposições legais: artigos 436, 798, 799 nº 1, 801 nº 2, 804nº 1, 805 nº e 2 a) e 808 nº 1 e 2 do Cód. Civil.”
Pedem as autoras, ora recorrentes, na procedência da revista, a revogação do acórdão recorrido e a confirmação da sentença proferida em primeira instância.
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“1. Inicialmente eram as AA. que estavam obrigadas a obterem a licença de utilização, e marcariam a escritura logo que a obtivessem (facto 2 IV).
2. Porque não a obtiveram foi realizado um novo acordo em que a legalização das obras passou a ser da responsabilidade do Réu, suportando as AA. as despesas dessa legalização.
3. Não foi fixado qualquer prazo para essa obrigação, tanto quando era obrigação das AA. quer do RR.
4. no contrato-promessa de compra e venda celebrado entre Autoras e Réu, paralelamente à prestação principal, derivam deveres secundários de prestação, deveres acessórios da prestação principal, que se destinam a preparar o cumprimento ou assegurar a perfeita execução da prestação principal - a dita licença de utilização e legalização das obras junto da Câmara Municipal.
5. No caso dos autos só se pode concluir que os réus não se encontravam em situação de mora.
6. Com efeito, não tendo cuidado sequer a A. de interpelar os réus para o cumprimento de tal obrigação – e muito menos de obter previamente a fixação judicial de prazo para tal efeito – é evidente que o réu não incorreu em mora, e por maioria de razão, não incorreu em incumprimento definitivo, capaz de fundamentar a peticionada resolução do contrato.
7. Pois tal direito nasce, nos termos do disposto no art. 798º e 801º. nº 2, quando o outro contraente deixe, definitiva e culposamente, de cumprir as obrigações a que estava adstrito.
8. O fundamento da resolução do contrato-promessa, resulta das causas previstas no artigo 808º nº 1 do Cód. Civil, isto é, ou perda do interesse do credor na prestação devida, com a demora do devedor; ou não cumprimento pelo devedor no prazo razoável, adicional e perentório fixado pelo credor;
9. Como resulta do artigo 808º nº 1, do Cód. Civil, decisivo para a resolução do contrato é a perda do interesse do credor na prestação devida, com a demora do devedor.
10. O que não vem demonstrado nos autos pelo que deve a decisão do acórdão recorrido manter-se por ser adequado às normas legais.”
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Tendo em conta o teor das conclusões das alegações apresentadas que, como é sabido, delimitam em princípio, as questões a decidir, o que está em causa na presente revista é saber se, ante os factos apurados, as autoras podiam resolver validamente o contrato promessa celebrado com o réu em 26 de junho de 2010 2 adiante melhor identificado pelos seus elementos essenciais, nomeadamente com base em incumprimento definitivo do contrato promessa imputável ao réu promitente comprador.
Vejamos, em primeiro lugar, o elenco dos factos apurados.
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Parte I – Os Factos
a) Factos provados
São os seguintes os factos apurados pelas instâncias:
I. “- Factos assentes em face da posição das partes e dos documentos juntos:
1.- Pelo acordo escrito que constitui o documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido, subscrito a 17 de abril de 2008 e com a epígrafe “Contrato-promessa de compra e venda”, as Autoras AA e BB, como primeiras outorgantes, e o Réu CC, como segundo outorgante, declararam, além do mais, as primeiras prometer vender ao segundo e este aceitar a promessa de compra e venda dos seguintes imóveis, de que as primeiras eram legítimas proprietárias:
i.- prédio urbano composto por duas frações autónomas, sendo estas:
a) fração autónoma designada pela letra “A”, destinada a habitação, sita no r/c e 1.º andar, com a área de 274m2, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 487-A;
b) fração autónoma designada pela letra “B”, destinada a armazéns e atividade industrial, sita no r/c com a área de 672m2, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ...87.º-B; situado no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., cuja área é de 793m2, a confrontar do norte com herdeiros de DD, do sul e do poente com EE e do nascente com estrada nacional, inscrito na matriz sob o art.º ...87.º e descrito na CRP de ... sob o n.º ...;
ii.- do prédio rústico composto de lavradio, com a área de 1102m2, situado no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., a confrontar do norte com FF, do sul com herdeiros de DD, do nascente com estrada nacional e do poente com EE, inscrito na matriz predial rústica sob o art.º ...18.º e descrito na CRP de ... sob o n.º ....
2.- Tal acordo ficou sujeito, além doutras, às seguintes cláusulas:
“III.- O preço da venda do referido prédio é de € 165.000,00 (…), a ser pago até ao dia da celebração da escritura definitiva, em prestações mensais de € 2.500,00 (…), até ao dia oito de cada mês, vencendo-se a primeira no próximo mês de maio de 2008; No dia da celebração da escritura pública, deverá o segundo outorgante entregar às primeiras o montante que estiver em dívida após deduzidas as prestações pagas até àquela data”;
IV.- A escritura definitiva de compra e venda será celebrada logo que as primeiras outorgantes obtenham da Câmara Municipal de ... a licença de utilização para as frações objecto do presente contrato-promessa, sendo a marcação da escritura da sua competência, devendo para tal avisar o segundo outorgante, no prazo máximo de cinco dias úteis, por carta registada com aviso de recepção, do dia, hora e local da sua realização.
V.- As primeiras outorgantes comprometem-se a obter junto da Câmara Municipal de ... o alvará para o exercício da actividade de indústria de panificação, na fração B do prédio urbano aqui em causa. (…)
VII.- Com a assinatura do presente contrato, as primeiras outorgantes transmitem a posse dos prédios aqui em causa, a favor do segundo outorgante, que nelas poderá realizar as obras que pretender, sendo este responsável pela legalidade das obras que eventualmente vier a realizar e, uma vez realizadas, não lhe caberá qualquer indemnização.
VIII.- Em caso de incumprimento por parte do segundo outorgante, o presente contrato-promessa de compra e venda fica subordinado aos princípios legais aplicáveis, nomeadamente ao direito à execução específica, nos termos do art.º 830.º do Código Civil, caso estas não optem pelo exercício deste direito, terão as mesmas direito a uma indemnização correspondente a € 1.000,00 mensais por cada mês de ocupação dos prédios aqui em causa por parte do segundo outorgante, a contar da data da assinatura do presente contrato. (…)”.
3.- Pelo acordo escrito que constitui o documento n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido, subscrito a 26 de junho de 2010 e com a epígrafe “Contrato-promessa de compra e venda”, as Autoras AA e BB, como primeiras outorgantes, e o Réu CC, como segundo outorgante, declararam, além do mais, as primeiras que, dada a impossibilidade de celebração da escritura pública relativa ao contrato-promessa a que se alude em 1, através do presente acordo prometiam vender ao segundo outorgante e este aceitava a promessa de compra e venda dos mesmos imóveis também ali identificados.
4.- Tal acordo ficou sujeito, além doutras, às seguintes cláusulas:
“(…)
B) As primeiras outorgantes prometem vender ao segundo os prédios identificados na alínea anterior livres de quaisquer ónus ou encargos, excepto a hipoteca voluntária constituída a favor de GG e mulher HH, que, em caso de vir a ser acionada, deverá ser descontada ao valor da venda do presente contrato-promessa;
C) O preço da venda dos referidos prédios é de € 165.000,00 (…);
D) O segundo outorgante entregou até à presente data às primeiras outorgantes, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 25.000,00 (…), que estas reconhecem ter recebido e conferem a respectiva quitação;
E) Os restantes € 140.000,00 (…) serão pagos até ao dia da celebração da escritura definitiva, em prestações mensais de € 1.000,00 (…), até ao dia oito de cada mês, vendendo-se a primeira no próximo mês de julho de 2010;
F) No dia da celebração da escritura pública, deverá o segundo outorgante entregar às primeiras o montante que estiver em dívida, deduzindo-se as prestações mencionadas na cláusula precedente, pagas até àquela data, bem como todas as despesas camarárias resultantes da legalização e da viabilidade do prédio urbano, à excepção do valor das obras realizadas e das quantias cobradas pelo responsável do projecto, Sr. Alves;
G) Com a assinatura do contrato-promessa celebrado em 17 de Abril de 2008, as primeiras outorgantes transmitiram a posse dos prédios aqui em causa, excepto o prédio identificado na alínea b) da supra cláusula A) (…), cuja posse foi transmitida em Maio de 2009 a favor do segundo outorgante, que neles poderá realizar as obras que se mostrem necessárias com vista à legalização do prédio urbano objeto do contrato-promessa de compra e venda, podendo mesmo proceder a demolições e apresentar projectos na Câmara Municipal de ..., que sempre nesse sentido seja necessário concretizar, sendo este responsável pela legalidade das obras que vier a realizar e, uma vez realizadas, não lhe caberá qualquer indemnização no caso de incumprimento do contrato-promessa lhe ser imputável;
H) Se ocorrer incumprimento do contrato-promessa de compra e venda imputável às primeiras outorgantes, estas pagarão ao segundo outorgante as obras realizadas com vista a obter o licenciamento pela Câmara Municipal de ..., cujo valor será obtido através de uma avaliação realizada por um perito de cada um dos outorgantes, a não ser que o segundo outorgante opte pela eficácia de execução específica prevista na cláusula J);
I) Em virtude do prédio urbano aqui em causa carecer de alterações para poder ser legalizado, tal fim será concretizado pelo segundo outorgante nos termos atrás referidos, sendo mesmo essa a razão de, na presente data, não se outorgar a respectiva escritura pública de compra e venda;
J) Os outorgantes atribuem a este contrato eficácia de execução específica nos termos do artigo 830.º do Código Civil, ou seja, a faculdade que a qualquer das partes assiste de recurso a juízo no sentido de obter sentença judicial que supra a falta de declaração negocial do faltoso ou faltosos;
L) Em caso de incumprimento por parte do segundo outorgante e caso as primeiras outorgantes não optem pelo exercício do direito de execução específica, terão as mesmas direito a uma indemnização a ser paga por aquele, correspondente a € 1.000,00 mensais por cada mês de ocupação dos prédios aqui em causa, a contar do dia 17 de abril de 2008, data da assinatura do contrato-promessa que o presente revoga, devendo, contudo, ser descontado o valor pago pelo segundo outorgante; (…)
N) Atendendo a que as obras de legalização vão ser levadas a cabo pelo segundo outorgante, as primeiras obrigam-se a assinar os documentos necessários a esse fim e no prazo máximo de 20 dias a contar da notificação para o efeito;
O) Quando o segundo outorgante obtiver da Câmara Municipal de ... os documentos necessários para a celebração da escritura pública, deverá a mesma ser marcada num prazo máximo de 60 dias, devendo avisar as primeiras outorgantes, com a antecedência de, pelo menos, 30 dias, da data, hora e local da outorga da escritura definitiva;
P) Mais declaram todos os outorgantes que é o presente contrato-promessa de compra e venda que passa a vigorar com todas as consequências jurídicas e de facto, motivado pelo atraso na legalização do prédio urbano aqui em causa junto da Câmara Municipal de ..., que impede, consequentemente, a celebração da escritura pública de compra e venda.
(…)”.
5.- No dia 2 de outubro de 2008, a Autora BB contraiu empréstimo junto da Caixa Geral de Depósitos, no montante de € 40.000,00, tendo dado de hipoteca a fracção autónoma designada pelas letras AB, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, localizado no sítio do ..., rua ..., da cidade de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...28 e registado na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...64, da qual é proprietária.
6.- Em 30 de Maio de 2012, no processo que correu termos pelo ...º Juízo Cível do extinto Tribunal Judicial da Comarca de ... sob o n.º 2935/08.3..., foi celebrada uma transação na qual as Autoras e o Réu acordaram pagar aos Autores desse processo, GG e esposa HH, a quantia de € 28.000,00, em prestações mensais de € 600,00, com vencimento em 30 de junho de 2012.
7.- Na sequência do não cumprimento do acordo referido em 5, a Caixa Geral de Depósitos instaurou contra a Autora BB uma execução para pagamento de quantia certa, a qual correu os seus termos pelo Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão sob o n.º 658/14.3..., Juiz ..., sendo o valor da quantia exequenda o de € 50.192,69.
8.- Atendendo à falta de pagamento do IMI relativo aos imóveis a que se alude em 1 a 4 no período compreendido entre 2009 e 2017, foi instaurado contra a herança da qual as Autoras são herdeiras execução para cobrança coerciva do valor em dívida, o qual, em 2 de agosto de 2018, era de € 4.995,17.
9.- Por escritura pública outorgada em cartório notarial de ... a 15 de abril de 2011, a Autora AA, por si e na qualidade de procuradora da Autora BB, declarou, na qualidade em que intervinha, que ela e a sua constituinte eram donas, possuindo-os em comum e sem determinação de parte ou direito na sucessão por óbito de DD, do prédio urbano e do prédio rústico identificados nos acordos a que se alude em 1 a 4, sendo que, no primeiro, foi instituído o regime de propriedade horizontal, por sentença proferida em 13 de julho de 2007, pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de ..., nos autos de processo sumário com o n.º 4809/06.3..., passando, assim, a constituir-se pelas duas frações autónomas também ali identificadas em. Mais declarou que, porque o prédio rústico constitui materialmente o logradouro do prédio urbano, desde tempos imemoriais formando um só prédio, procedia à sua anexação, daí resultando o seguinte imóvel: - casa de rés do chão e andar, com a superfície coberta de 793 m2, e logradouro, com a área de 1102m2, situado no lugar do ..., freguesia de ..., concelho de ..., a confrontar do norte com FF, do sul e poente com EE e do nascente com ..., inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 523.º, sendo que havia que corrigir as respetivas áreas constantes da matriz no sentido de, quanto à parte urbana, ser de 736,85m2 e, quanto à parte rústica, ser de 1158,15m2.
10.- O prédio a que se alude em 9, resultante da anexação titulada pela escritura pública ali referida, mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... e nos seguintes termos: - prédio urbano, composto por casa de andar e logradouro, com a área coberta de 736,85 m2 e a descoberta de 1158,15m2, constituído em propriedade horizontal com as frações autónomas A e B.
11.- A Autora AA, por si e na qualidade de cabeça-de-casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai DD, solicitou ao Réu, em 12 de fevereiro de 2018, por carta registada com aviso de receção, a marcação, no prazo de 10 dias, da escritura de compra e venda, com expressa indicação de que deveria, no dia da escritura, pagar o montante que se encontra em dívida conforme clausulado em F do acordo referido em 3 e 4, sob pena de o incumprimento do referido contrato se tornar definitivo.
12.- Não obstante ter recebido a carta em 18 de fevereiro de 2018, o Réu não procedeu à marcação da escritura definitiva de compra e venda.
13.- No dia 12 de abril de 2018, por carta registada com aviso de receção, a Autora AA, por si e na mesma qualidade de cabeça-de-casal, deu a conhecer ao R. que, na sequência do incumprimento do contrato de compra e venda celebrado em 17 de abril de 2008 e aditado em 26 de junho de 2010, que lhe era imputável, o mesmo se encontrava resolvido, solicitando, por isso, o pagamento, no prazo de dez dias, da indemnização prevista na cláusula L) do contrato-promessa de compra e venda, que importava, até à data, em € 120.466,66, à qual deveria ser descontada a quantia de € 72.232,56, correspondente ao montante já pago pelo mesmo.
14.- Por escritura pública de habilitação de herdeiros outorgada no ... Cartório Notarial de ...em 9 de setembro de 2002, foram as Autoras AA e BB habilitadas como únicas e universais herdeiras de DD, falecido em ... de setembro de 2001, no estado de divorciado.
15.- Por sentença, transitada em julgado, proferida em 13 de julho de 2007, no processo n.º 4809/06.3..., do então ....º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de ..., instaurado pelas Autoras contra a usufrutuária II, a avó paterna daquelas e todos os seus tios paternos, foram as Autoras reconhecidas como proprietárias dos imóveis a que se alude em 1 a 4.
16.- II, usufrutuária dos imóveis a que se alude em 1 a 4, faleceu no dia ... de janeiro de 2010.
II. Factos que resultaram provados na audiência de julgamento:
17.- Na sequência do empréstimo a que se alude em 5, a Autora BB e o Réu acordaram verbalmente que este pagaria a prestação mensal destinada à amortização daquele empréstimo, descontando-se o valor correspondente à prestação mensal de € 1.000,00 a cargo do Réu, nos termos estipulados no acordo a que se alude em 3 e 4.
18.- O Réu não procedeu ao pagamento de prestações mensais devidas à Caixa Geral de Depósitos pela Autora BB, o que veio a originar a instauração da execução referida em 7.
19.- Para ver extinta esta execução, a Autora BB pagou à Caixa Geral de Depósitos a quantia de € 23.170,00, a título de juros, comissões, despesas e impostos vencidos.
20.- O Réu, com o acordo a que se alude em 1 e 2, passou a ocupar, pelo menos, os imóveis ali identificados em 1.i.b) e 1.ii e, pelo menos após o acordo referido em 3 e 4, também o imóvel a que se alude em 1.i.a).
21.- Para deferimento do processo de licenciamento da operação urbanística subjacente aos acordos a que se alude em 1 a 4, a Câmara Municipal de ... exigiu a anexação do prédio rústico ao prédio urbano.
22.- A Câmara Municipal de ..., no dia 5 de junho de 2012, notificou a Autora AA do deferimento da operação relacionada com a indústria de panificação, e que tinha um ano para requerer a emissão de alvará de licença.
23.- Esta notificação camarária foi entregue ao Réu, mas este, até à data, não requereu a emissão do alvará de licença, nem deu início às obras respeitantes ao projeto apresentado, sem as quais aquela licença não pode ser concedida.
24.- A Câmara Municipal de ... obriga à demolição da parte habitacional ou parte do edifício para indústria em consequência da constituição da propriedade horizontal no prédio urbano identificado em 1 a 4.
25.- O Réu, em cumprimento da cláusula III do acordo a que se alude em 1 e 2, e em cumprimento da cláusula E do acordo a que se alude em 3 e 4, entregou às Autoras, até à data a que se alude em 11, um valor pecuniário não concretamente apurado, mas inferior ao valor total das prestações vencidas até àquele momento.
São os seguintes os factos considerados não provados:
a.- Que as Autoras tenham referido ao Réu, e que tenham continuado a convencê-lo, após os acordos a que se alude em 1 a 4, que não havia usufruto sobre os prédios identificados em tais acordos.
b.- Que pretendendo o Réu informar-se junto da usufrutuária quanto aos seus direitos, e se em vigor o usufruto, tenha sido o mesmo sempre “arredado” pelas Autoras, a pretexto de que era um problema delas.
c.- Que Autoras e Réu, relativamente às prestações pecuniárias previstas na cláusula III do acordo a que se alude em 1 e 2, e na cláusula E do acordo a que se alude em 3 e 4, tenham acordado entre si que este as fosse pagando conforme as suas possibilidades, desde que tudo se mostrasse liquidado até à data da escritura pública.
d.- Que o Réu tenha efetuado o pagamento das prestações pecuniárias conforme o que foi acertado com as Autoras, nos termos referidos em c.
e.- Que, na sequência da interpelação referida em 11, o Réu tenha respondido por carta às Autoras, dando-lhes a saber das suas razões, e propondo marcação de reunião para tudo se resolver, dando expressamente a saber que lhe era exigida demolição da parte habitacional.
f.- Que, entretanto, o Réu tenha entrado em contacto direto e pessoal com a Autora AA, e que esta lhe tenha feito saber que, logo que regressada do estrangeiro a sua irmã, seria marcada uma reunião com vista a tudo se resolver.
g.- Que as Autoras tenham levado o Réu a incumbir-se das licenças camarárias para se poder outorgar a escritura pública, sabendo das dificuldades correspondentes, como a demolição de obras na parte habitacional.
h.- Que tenham pretendido onerá-lo com questões paralelas, como a obrigação de satisfazer pagamentos a terceiros.
i.- Que a Autora AA, quando recebia correspondência de interesse para o andamento das obras e, por isso, com interesse para o Réu, não lhe fizesse a respetiva entrega, e não emitisse documento a confirmar as prestações pagas.
j.- Que o Réu tenha requerido às Autoras que lhe fossem dados a saber os montantes pagos pelo mesmo, bem como dívidas das mesmas quanto ao fornecimento de pão, para que também fossem deduzidas, não tendo as Autoras satisfeito tais pretensões.
k.- Que os clientes da panificação do Réu tenham procurado outros rumos, ante o conhecimento de que o Réu tenha de a abandonar (a panificação) e pela voz pública de que comprou frações onde fez obras sem autorização da Autoras e que terão de ser demolidas.
l.- Que os seus fornecedores, com receio do desfecho relativo à exploração da panificação, tenham passado a fornecer farinhas e outros produtos no ato da entrega, quando antes o faziam a 30, a 60 e a 90 e até a mais dias.
m.- Que as construtoras tenham dado a saber que não prosseguiriam as obras de acabamento sem o pagamento antecipado”. Com receio de não obterem pagamento, pelo fecho da panificação e entrega do imóvel às AA.
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1) Introduzindo a questão de direito a resolver nesta sede (a de saber se as autoras podiam ter resolvido o contrato promessa celebrado em 26 de junho de 2010 por incumprimento definitivo imputável ao réu) anota-se preliminarmente que é incontroverso entre as partes, e encontra inequívoco apoio na factualidade apurada, que as autoras e o réu celebraram um contrato promessa de compra e venda que tinha por objecto e traduzia o compromisso mútuo de procederem oportunamente à transmissão a favor do réu do direito de propriedade sobre bens imóveis propriedade das autoras, mediante o pagamento do preço acordado.
As partes convencionaram entre si, por escrito, obrigar-se à celebração de um contrato de compra e venda de bens imóveis, as autoras na qualidade de vendedoras e o réu na de comprador, nos termos, atrás descritos, em que acordaram.
Celebraram, pois, as autoras e o réu um contrato-promessa.
Prevendo a necessidade de realização de determinadas diligências previamente à celebração do contrato definitivo (cuja concretização, de resto, demandava a colaboração entre as partes contratantes – cfr, por exemplo a cláusula N), não foi convencionado qualquer data ou prazo concreto para a celebração da escritura do definitivo contrato de compra e venda.
O agendamento da escritura do contrato de compra e venda ficou, nos termos da cláusula O), a cargo do réu e o cumprimento de tal obrigação contratual estava, por sua vez, dependente da obtenção pelo réu dos documentos necessários junto da Câmara Municipal de ....
Uma vez obtidos os documentos necessários à celebração da escritura do contrato de compra e venda, esta deveria ter lugar no prazo máximo de sessenta dias.
2) A fixação de um prazo para a celebração do contrato definitivo não é um elemento absolutamente essencial ao contrato-promessa 3, admitindo-se a celebração de contratos-promessa sem prazos de cumprimento e com prazos de cumprimento fixo (ou absoluto) ou não fixo (ou relativo).
O decurso do prazo fixo previsto num determinado contrato-promessa para a celebração do contrato definitivo gera o incumprimento definitivo imputável à parte obrigada a diligenciar pela tempestiva conclusão do negócio prometido.
Não tendo sido estipulado um prazo fixo ou absoluto o ultrapassar do tempo provável de cumprimento do contrato que dele resulte implica apenas a constituição do devedor em mora (atraso no cumprimento da obrigação).
No caso de dúvida sobre a natureza do prazo deverá entender-se – com a jurisprudência e doutrina dominantes – que estamos em presença da estipulação de um prazo não fixo ou relativo, sendo então exigível, na falta de acordo, a interpelação do devedor para cumprir, na medida em que não ocorre, em princípio, uma perda objectiva de interesse do credor 4.
3) O contrato-promessa em causa nos presentes autos foi celebrado em 26 de junho de 2010 e, após diversas vicissitudes de que os autos dão conta, as autoras interpelaram o réu, em meados de fevereiro de 2018, para proceder, em dez dias, ao agendamento da escritura do prometido contrato de compra e venda indicando que deveria na data da escritura efectuar o pagamento do montante em dívida, sob pena de o incumprimento do contrato promessa se tornar definitivo (facto descrito sob o ponto 11).
O réu não agendou a celebração da escritura do prometido contrato de compra e venda.
Daí que as autoras tenham, no dia 12 de abril de 2018, comunicado ao réu que tinham o contrato-promessa por resolvido, considerando ter o réu incorrido em incumprimento definitivo do acordado.
4) A sentença proferida em primeira instância reconheceu terem as autoras procedido validamente à resolução do contrato promessa com base em incumprimento definitivo do réu.
Fundou-se tal entendimento na circunstância de o réu, cerca de oito anos após a celebração do contrato-promessa o réu não ter ainda liquidado todas as prestações devidas e de não ter diligenciado pela marcação da escritura do contrato de compra e venda, persistindo em tal “comportamento omissivo, mesmo depois de as autoras, através de carta que lhe dirigiram datada de 12 de fevereiro de 2018, o terem interpelado para cumprir.”
Consta ainda da sentença proferida em primeira instância a fundamentar o decidido que “apesar de ainda ser possível o cumprimento de tais obrigações por parte do Réu, o certo é que este, depois de interpelação admonitória que lhe fizeram, manteve-se relapso no cumprimento de tais obrigações, assim se convertendo a mora em incumprimento definitivo” pelo que teve “por verificada a conversão da mora em incumprimento definitivo do Réu, atento o disposto no acima mencionado n.º 2 do art.º 808.º do Código Civil”.
Na sentença foi ainda aduzido um outro tipo de fundamentação sobre o incumprimento definitivo do contrato-promessa pelo réu e a consequente legalidade da sua resolução pelas autoras.
Tal fundamentação assenta igualmente na conduta omissiva do réu em relação à obrigação acessória de diligenciar pela viabilização do negócio prometido, promovendo, nomeadamente, as alterações a efetuar nos prédios objeto mediato do contrato-promessa e a obtenção dos respetivos licenciamentos e do qual se poderia claramente depreender “que o mesmo não o quer cumprir ou entende que não o pode fazer”.
5) Já o acórdão recorrido teve entendimento diverso quanto a verificar-se incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte do réu.
Salientando que a interpelação feita ao réu em 12 de fevereiro de 2018 tem como pressuposto lógico que as autoras não consideravam o contrato-promessa incumprido por falta de pagamento das prestações em dívida – que poderiam ser pagas na data da escritura do contrato de compra e venda como expressamente previsto na cláusula F) do contrato-promessa – esclareceu-se estar apenas em causa o agendamento da escritura do contrato prometido a curto prazo, sob pena de “o incumprimento do referido contrato se tornar definitivo”.
Interpretou assim o acórdão recorrido a vontade das autoras ao efectuar a comunicação dirigida ao réu em 12 de fevereiro de 2018 como uma interpelação admonitória para cumprimento pelo réu da obrigação do agendamento da escritura relativa ao contrato de compra e venda.
E quanto à ilação extraída a partir da inércia do réu ao longo de quase oito anos considerou o acórdão recorrido que a sentença de primeira instância não teve em conta as dificuldades, de que as partes sempre estiveram cientes, geradas pela transformação de um imóvel parcialmente destinado a habitação em imóvel destinado à indústria de panificação sobre a emissão do alvará de licenciamento, não podendo a conduta omissiva do réu ser, sem mais, interpretada como conduta concludente ou reveladora de uma intenção, deliberada e definitiva de não cumprir a obrigação de celebração do contrato de compra e venda.
6) Cremos que o acórdão recorrido não merece censura.
Contrariamente ao entendimento expresso pelas autoras / recorrentes, não oferece dúvida a afirmação que já atrás se fez de que não foi fixado pelas partes contratantes no contrato-promessa um prazo fixo e absoluto para a celebração do prometido contrato de compra e venda.
Dão-se aqui por reproduzidos, a propósito, os últimos três parágrafos do antecedente ponto 1.
Dos factos apurados resulta, aliás com suficiente clareza, que os tempos em que deveriam ser cumpridas as obrigações assumidas pelo réu não foram estabelecidos com rigor, estando dependentes de decisões e autorizações administrativas.
A expressão “quando (…) obtiver da Câmara Municipal de ... os documentos necessários para a celebração da escritura pública” utilizada pelas partes na Cláusula O) do contrato-promessa, e que estabelece o termo a partir do qual se contaria o prazo máximo de sessenta dias para a realização da escritura do contrato de compra e venda, não fornece qualquer indicação minimamente exacta sobre a data em que esse facto poderia via a ocorrer.
Tal indeterminação tornando, no mínimo, legítima a dúvida sobre a natureza do prazo faz com que este se deva considerar “relativo” dadas as “consequências gravosas de o prazo ser havido como absoluto, em razão de isso não corresponder à vontade manifestada pelas partes (…)” 5, exigindo ao credor que promova a determinação do prazo de cumprimento da obrigação.
7) À data de 12 de fevereiro de 2018 o réu não estava em situação de mora no cumprimento da sua obrigação, não se tendo até então vencido a obrigação de agendamento da escritura do contrato de compra e venda.
Nessa data era ainda possível a remoção das dificuldades de que dependia a celebração do contrato de compra e venda e as autoras promitentes vendedoras mantinham interesse na prestação do réu.
Sem questionar a legalidade da forma usada pelas autoras, a interpelação por elas promovida encontra fundamento no artigo 777.º n.º 1 do Código Civil segundo o qual, na falta de estipulação de prazo ou de disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação.
No entanto o n.º 2 do mesmo preceito logo esclarece que sendo necessário – e no caso era necessário – o estabelecimento de um prazo, na falta de acordo das partes na sua determinação, a sua fixação é deferida ao tribunal.
8) Pressupondo ainda a validade da interpelação promovida pelas autoras o réu só terá ficado constituído em mora depois de ter sido interpelado para cumprir e de, dentro do concedido prazo de dez dias contado desde a recepção da comunicação, não ter procedido ao agendamento da escritura do contrato de compra e venda.
É o que resulta dos artigos 804.º n.º 2 do Código Civil (“O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido”) e do 805.º n.º 1 do Código Civil, de acordo com o qual “o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.”
9) O direito à resolução do contrato-promessa pela parte promitente cumpridora – com a consequente desvinculação das obrigações recíprocas contratualmente assumidas e o nascer do direito à indemnização legal ou contratualmente prevista – só existe havendo incumprimento definitivo da prestação a que a outra parte está vinculada.
Daí que a lei faculte ao credor da prestação em falta meios de tutela dos seus direitos, em especial o de não ficar por tempo indeterminado vinculado ao contrato.
Na verdade, o artigo 808.º n.º 1 do Código Civil estabelece claramente que, se o credor, “em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”.
10) Como é sabido a transformação da mora em incumprimento definitivo pode resultar do decurso do prazo estabelecido na interpelação admonitória.
Esta, para ser válida tem como pressuposto a formulação de uma intimação dirigida ao devedor em mora para cumprimento da obrigação em falta com a indicação expressa de um prazo peremptório, suplementar, razoável, mas exacto para cumprir e a declaração cominatória de que, findo o prazo fixado sem que ocorra a execução do contrato se considera este definitivamente incumprido. 6
11) No caso dos autos a comunicação dirigida pelas autoras ao réu em 12 de fevereiro de 2018 – por ele recepcionada em 18 de fevereiro – não poderia constituir uma interpelação admonitória, nos termos e com o efeito previsto no artigo 808.º n.º 1 do Código Civil, pela simples razão de que o réu não se encontrava então em situação de mora.
Tal como foi decidido no acórdão recorrido, as autoras com a sua comunicação de 12 de fevereiro de 2018 interpelaram o réu para cumprir sem que este se encontrasse em situação de mora, uma vez que nem o prazo de cumprimento da obrigação se tinha vencido nem o devedor tinha sido interpelado para cumprir.
É, de resto, irrelevante, acrescentar que as autoras não promoveram, como deveriam – muito embora não haja unanimidade na doutrina e na jurisprudência a esse respeito 7 - a necessária fixação judicial de prazo de cumprimento da obrigação, nos termos previstos nos artigos 1026.º e 1027.º do Código de Processo Civil, admitindo-se que o pudessem ter feito extrajudicialmente, a fim de clarificar o exacto momento do cumprimento da obrigação, sendo esse o sentido a atribuir à interpelação efectuada.
12) Não estando o réu em situação de mora no cumprimento da sua obrigação de agendamento da escritura do contrato de compra e venda assumida no contrato-promessa a que os autos se reportam, não se verificam os pressupostos da concessão do subsequente prazo suplementar, exacto e peremptório, a que alude o artigo 808.º n.º 1 do Código Civil, findo o qual, mantendo-se o devedor em mora, se considera definitivamente não cumprida a obrigação.
13) Dito de outro modo, não se reconhece às autoras fundamento para a resolução do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre elas e o réu em 26 de junho de 2010 comunicada a este em 12 de abril de 2018, ficando prejudicada a apreciação de todos os demais pedidos, nomeadamente os de declaração de que o incumprimento definitivo do contrato é imputável ao réu e da condenação do autor a pagar as indemnizações atribuídas em primeira instância.
Termos em que não se concede a revista e se confirma o acórdão recorrido.
As autoras / recorrentes, porque vencidas, suportarão, nos termos gerais da responsabilidade nessa matéria, as custas do recurso de revista que interpuseram.
Termos em que julgam improcedente a revista e confirmam o acórdão impugnado, condenando as autoras / recorrentes no pagamento das custas do recurso de revista que interpuseram.
Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 1 de outubro de 2024
Manuel José Aguiar Pereira (Relator)
Henrique Ataíde Rosa Antunes
Nelson Paulo Martins de Borges Carneiro
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1. Nesta parte seguiu-se de perto o relatório do acórdão recorrido.↩︎
2. Não discutem as partes – como salientado no acórdão recorrido – que o contrato promessa celebrado entre as autoras e o réu em 17 de abril de 2008 foi integralmente substituído pelo contrato do mesmo tipo e com o mesmo objecto celebrado em 26 de junho de 2010.↩︎
3. Assim Fernando de Gravato Morais in “Manual do Contrato-Promessa” – Editora de Ideias (2022) a páginas 196.↩︎
4. Assim Fernando de Gravato Morais, obra e local citados.↩︎
5. Fernando de Gravato Morais, obra citada, página 198.↩︎
6. Assim Fernando de Gravato Morais, obra citada, página 169.↩︎
7. A este propósito Fernando de Gravato Morais, obra citada, página 207.↩︎