CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO
FALTA DE VALIDAÇÃO PELO IMPIC
NULIDADE
ABUSO DE DIREITO
Sumário


I – A utilização de um modelo de contrato de mediação imobiliária diferente do modelo de contrato com cláusulas contratuais gerais aprovado por portaria dos membros do Governo das áreas da justiça, do imobiliário e da defesa do consumidor sem a aprovação prévia do mesmo pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I. P. (IMPIC, I. P.), gera a nulidade daquele nos termos do n.º 7 do art.º 16º do Regime Jurídico da Atividade de Mediação imobiliária.
II – A nulidade por falta de tal validação pelo IMPIC, IP do modelo de contrato utilizado pela A., traduz-se, na prática, na impossibilidade de o mesmo poder valer como meio de exteriorização da vontade das partes e, nessa medida, aproxima-se da nulidade por falta forma do contrato.
III – Em situações absolutamente excepcionais, que não podem generalizar-se ou banalizar-se, de modo a desconsiderar de modo sistemático o conteúdo da norma imperativa que regula a forma legalmente exigida para o acto, será possível decretar-se a inalegabilidade pela parte de um vício formal do acto jurídico, modalidade de abuso de direito.
IV – A inalegabilidade da nulidade por falta de validação do modelo contratual pelo IMPIC, IP depara-se com um forte obstáculo: é que a necessidade de tal validação, foi estabelecida por razões de ordem pública, relacionadas com a protecção dos consumidores em geral, pois está em causa a utilização de cláusulas contratuais gerais, numa área que envolve quantias avultadas e interesses relevantes, ou seja, aquela necessidade não visa apenas os interesses dos contratantes em cada momento, mas o interesse geral de todos os que possam eventualmente contratar com empresa mediadora.
V – Tal inalegabilidade sempre deveria afastada e a nulidade produzir os seus efeitos na medida em que:
- nada permite afirmar que aquele que invoca a nulidade, sabia do vício aquando da celebração do contrato e não lhe era exigível que a conhecesse por se tratar de aspecto específico do exercício profissional da actividade de mediação imobiliária, pelo que a nulidade é exclusivamente imputável à empresa mediadora;
- a empresa mediadora, que actua profissionalmente no âmbito da actividade de mediação imobiliária, não podia ignorar que a falta de validação do modelo contratual pelo IMPIC, IP retirava estabilidade ao negócio, colocando-se sob o risco, fundado, de ser declarada a sua nulidade.

Texto Integral


ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório
           
EMP01..., Ldª intentou acção declarativa de  condenação contra AA, pedindo fosse condenado a pagar-lhe:
a) 6.150,00€, referente à remuneração devida pela venda do imóvel, enquanto se encontrava vigente o Contrato de Mediação Imobiliária, em regime de exclusividade;
b) 157,71€ a título de juros vencidos, à taxa de juro civil de 4%, desde o dia ../../2022 até à data da propositura da acção, sem prejuízo dos que, entretanto, se vencerem, à mesma taxa legal, até efetivo e integral pagamento.

Em alternativa e caso não se entenda haver lugar ao pagamento da remuneração devida pelo Réu à Autora, deve o Réu ser condenado a pagar à Autora montante não inferior a 5.000,00€, a título de indemnização pelos prejuízos causados pela violação contratual do Réu, acrescidos dos respetivos juros vencidos e os que se venham a vencer até integral pagamento, contados desde ../../2022.

Alegou para tanto e em síntese que se dedica à atividade de mediação imobiliária, administração de imóveis por conta de outrem, atividades de avaliação imobiliária e atividades de intermediação financeira, nomeadamente, intermediário de crédito.

Mais alegou que no âmbito da sua atividade profissional, a A. foi procurada pelo R., sendo sua intenção proceder à venda do imóvel que identifica; pelas razões que alega, o R. dispensou os serviços da A.; volvidos cerca de seis meses, o R. voltou e a contactar a A.; a 28/09/2021, A. e R. celebraram um contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade, pelo período de 6 (seis) meses, renovável por iguais períodos, obrigando-se a A. a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do imóvel pelo preço de 260.000,00€ e obrigando-se o Réu a pagar à A., a título de remuneração, o montante de 5% sobre o preço pelo qual o negócio fosse efetivamente concretizado, acrescido de IVA; a A. procedeu à promoção do imóvel, nos termos que refere; recebeu pedidos para efetuar visita ao imóvel por potenciais compradores; contactado o R. para concretizar tais visitas, o mesmo nunca se mostrou disponível para tal.

Alegou ainda que em janeiro de 2022 chegou ao conhecimento da A. de que o R. havia procedido também em Janeiro, à venda daquele imóvel, a título particular, na vigência do referido Contrato de Mediação Imobiliária por € 100.000,00; o R. não pagou a remuneração, tendo sido interpelado várias vezes para o efeito, a qual é devida nos termos do disposto no art.º 19.º, no 2, da Lei n.º 13/2013, de 8 de fevereiro; o R. apenas logrou conseguir vender imóvel, dado o trabalho, contactos e publicidade desenvolvidos e estabelecidos pela Autora.

Finalmente alegou que quer se entenda que a remuneração seja ou não devida, sempre haverá lugar ao incumprimento contratual, pelo qual a Autora sempre deverá ser ressarcida pelos prejuízos causados pelo Réu; a A., além dos prejuízos sofridos com a perda de clientes, motivado pelo reiterado comportamento do Réu, que fez com que os potenciais compradores e interessados na aquisição do imóvel, ficassem, até hoje, sem efetivar a visita pretendida, despendeu ainda vários montantes em dinheiro relativos ao estudo de mercado, realização de vídeo-reportagem com drone no imóvel, impressão de publicidade (banners, flyers e outros), inserção do imóvel no seu sítio de internet, entre todas as outras despesas administrativas associadas ao respetivo contrato; a Autora teve ainda todos os encargos relativos ao trabalho efetuado quer pelo consultor imobiliário, BB, mas também quer pela colaboração de todos os outros funcionários afetos à Autora que despenderam o seu trabalho com o imóvel em causa, devendo ser ressarcida em montante nunca inferior a 5.000,00€.

O R., citado, contestou (sem dar cumprimento ao disposto no art.º 572º, alínea c) – especificando separadamente as excepções), invocando a invalidade do contrato de mediação, dizendo a este respeito que o contrato é ineficaz em relação ao cônjuge do R. por que a alienação do imóvel carece do seu consentimento, por serem casados no regime da comunhão de adquiridos.

Alegou também que ao contrato em causa se aplica o regime das cláusulas contratuais gerais; não foi explicado ao R. em que consiste o regime da exclusividade, pelo que deve ter-se por excluída do contrato a cláusula 7ª; caso assim não se entenda, o contrato sempre seria nulo, por omissão, pela autora, da forma de pagamento e taxa de IVA aplicável.

Mais alegou que mesmo que se perfilhasse a validade da cláusula de exclusividade, ainda assim o R. não poderia ser condenado no pagamento das quantias peticionadas por o mesmo não estar impedido de promover a venda do imóvel, estando-lhe apenas vedado contratar com outras empresas de mediação da sua venda.

Alegou ainda que a celebração do contrato de compra e venda nada teve a ver com a actividade da A.

Finalmente invocou a nulidade por falta de validação da minuta do contrato e que não se verificou incumprimento por parte do R..

Foi proferido despacho a ordenar a notificação da A. para responder às excepções, o que a mesma fez dizendo:
- quanto à invalidade do contrato de mediação - o R. era parte legítima para celebrar o contrato, por o imóvel ser bem próprio, só sendo necessário o consentimento do cônjuge do R. para a celebração da escritura de compra e venda;
- quanto omissão dos deveres de comunicação e informação - é falso que o R. não tivesse conhecimento ou não lhe tivesse sido explicado em que consistia o regime de exclusividade;
- quanto à nulidade do contrato, consta da cláusula 4ª a forma de cálculo da remuneração;
- quanto à questão da exclusividade simples, o contrato prevê a obrigação da mediadora de promover determinado imóvel, contra a obrigação do proprietário de não celebrar contratos de mediação imobiliária com outras mediadoras, nem promover a venda pelos seus próprios meios, durante o período contratual;
- quanto à questão da validação do modelo de contrato, o mesmo foi remetido para apreciação e validação.

E invocou que o R. litigava de má fé pedindo a sua condenação em indemnização e multa.

O R. respondeu à invocada litigância de má fé.

Com dispensa da realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador que julgou verificados os pressupostos processuais, fixou o valor da causa, consignou o objecto do litígio e os temas da prova e apreciou os requerimentos probatórios.

Realizou-se o julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a acção improcedente.

A A. interpôs recurso, pedindo seja revogada a sentença recorrida, declarando-se totalmente procedente da ação, e em consequência seja o Recorrido condenado nos termos peticionados, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. Não se conforma a Recorrente com a sentença que julga improcedente a ação, e em consequência absolve o Recorrido de todos os pedidos formulados pela Recorrente.
II. A recorrente instaurou a presente ação contra o Recorrido, com vista a ser ressarcida pelo trabalho prestado no âmbito de contrato de mediação imobiliária celebrado; ou caso assim não se entendesse, pela violação contratual ocorrida e originada pelo Recorrido;
III. O Recorrido recorreu à Recorrente com o propósito de socorrer-se dos seus serviços, com vista a mediar e vender um imóvel, sito na ..., em ...;
IV. O Recorrido pretendia vender o imóvel pelo valor de 300mil o que a Recorrente entendeu ser muito superior ao valor de mercado, e não pretendia um contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade, pelo que naquela ocasião não se logrou entendimento entre Recorrido e Recorrente;
V. Decorridos 6 meses sem que o Recorrido tivesse logrado vender, por si, o imóvel, voltou ao contacto com a recorrente.
VI. Recorrente e Recorrido celebraram um contrato de mediação imobiliária, 28 de setembro de 2021, pelo período de 6 meses (renovável por iguais períodos), em que Recorrente se obrigava a promover a venda do imóvel pelo preço de 260.000,00€, em regime de exclusividade.
VII. O Recorrido obrigava-se a pagar a título de remuneração o montante de 5% calculado sobre o preço pelo qual o negócio fosse concretizado, acrescido da respetiva taxa de IVA;
VIII. O Recorrido leu, analisou e conhecia o contrato.
IX. A Recorrente diligenciou nos termos contratados, divulgou e publicitou o imóvel.
X. A Recorrente despendeu variados valores com vista a diligenciar pela publicidade do imóvel.
XI. A Requerente foi contactada por vários interessados em visitar o imóvel;
XII. A Requerente recebeu vários potenciais compradores par ao imóvel;
XIII. O Recorrido desde cedo começou a colocar entraves e obstáculos para concretização das visitas;
XIV. O Recorrido de diversas formas e com variadas justificações, tentou invalidar o contrato (sem nunca ter arguido qualquer nulidade ou falta de forma);
XV. A Recorrente tomou conhecimento, através da consulta a descrição predial do imóvel que o Recorrido havia procedido à venda do imóvel;
XVI. O Recorrido vendeu o imóvel, em ../../2022, através de Documento Particular Autenticado, a CC, pelo preço de 100.000,00€;
XVII. O Recorrido vendeu o imóvel por um preço substancialmente inferior ao promovido pela Recorrente (160.000,00€ abaixo) e por ele inicialmente exigido (200.000,00€ abaixo).
XVIII. O Recorrente apenas remeteu o contrato de mediação imobiliária para a Direção Geral do Consumidor e não para o IMPIC.
XIX. A falta de aprovação pelo IMPIC, por se tratar de um procedimento de caráter obrigatório, determina a nulidade do contrato é geradora de nulidade do contrato.
XX. O teor do contrato em discussão, assemelha-se integralmente ao constante do anexo da Portaria n.º 228/2018 de 13 de agosto, pelo que os efeitos práticos decorrentes do contrato, culminariam em igual desígnio.
XXI. A recorrente não se pode conformar com entendimento de que o comportamento do Recorrido não consubstancia abuso de direito.
XXII. O Recorrido não logrou a sua pretensão durante meses a fio, quer de forma individual, quer através de mediadoras contratados em regime aberto;
XXIII. O Recorrente leu, analisou e refletiu sobre o teor do contrato, fazendo questão de remeter e-mail à Recorrente atestando e sublinhando as características do mesmo (prazo, preço e regime).
XXIV. Decorridas algumas semanas desde a celebração do contrato o Recorrido adotou um comportamento censurável, obstando a realização de visitas e dando invariadas justificações quer para não reunir com a Recorrente, quer para fazer cessar os efeitos do contrato (nunca o tendo denunciado, nunca se tendo opondo à sua renovação e nunca tendo arguido qualquer nulidade ou falta de forma).
XXV. O Recorrido nunca comunicou a pretensão ou concretização da venda do imóvel, de forma independente ou individual;
XXVI. O Recorrido alegou a invalidade do contrato, mas nunca argui a sua nulidade ou falta de forma.
XXVII. O Recorrido fez uso indevido, censurável do trabalho da Requerente, apenas com o propósito de enriquecer ilegitimamente.
XXVIII. O comportamento do Recorrido é inconcebível, incompreensível e censurável, arguindo irregularidades com o propósito de se escusar ao pagamento.
XXIX. O Recorrido agiu com abuso de direito, através de um esquema orquestrado, o que o Tribunal não deveria permitir.
XXX. O Recorrido ultrapassou os limites impostos da boa-fé e dos bons costumes, criando na recorrente a expectativa de que se lograria a sua pretensão.
XXXI. Deve o Tribunal que o Requerido agiu com abuso de direito, e de má-fé, nos termos e para os efeitos do artigo 334.º do Código Civil.
XXXII. Recorrente e Recorrido celebraram um contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade.
XXXIII. Entendeu o Tribunal a quo dar como provado que o Recorrido conhecia o teor e alcance do regime da exclusividade, sabendo, por conseguinte, ao que se encontrava obrigado.
XXXIV. O contrato de mediação imobiliária em causa prevê a obrigação da empresa de mediação imobiliária promover determinado imóvel, contra a obrigação do proprietário não celebrar contratos de mediação imobiliários com outras mediadoras, nem promover a venda pelos seus próprios meios, durante o período contratual.
XXXV. Com a conduta do Recorrido a Recorrente ficou, definitivamente, impedida de celebrar o negócio a que se propunha (por causas imputáveis, unicamente, ao Recorrido).
XXXVI. O Recorrido celebrou a compra e venda com o comprador, enquanto produzia efeitos o contrato de mediação imobiliária celebrado com a Recorrente.
XXXVII. O Recorrido está obrigado ao pagamento da remuneração da Recorrente.
XXXVIII. O Tribunal a quo entendeu existirem indícios da prática – sendo co-autores do mesmo o vendedor, ora Recorrido, AA e o comprador, CC – de um crime de fraude fiscal, pelo que foi ordenada a remessa de certidão da Sentença de que se recorre e articulados ao DIAP.
XXXIX. O Recorrido não foi capaz de explicar a razão da diminuição substancial do preço pretendido inicialmente e do preço pelo qual foi vendido o imóvel.
XL. Conduta que vem caracterizando o comportamento do Recorrido ao longo de todo o processo,
XLI. O Recorrido apenas pretendeu e pretende lesar o Recorrente, enriquecendo, assim, ilegitimamente.

O R. contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida (...)

2. Questões a apreciar
(...)

E são duas as questões que cumpre apreciar:
- ao invocar a nulidade do contrato de mediação imobiliária, o A. agiu em abuso de direito;
- caso seja procedente a questão anterior, a natureza e âmbito da “exclusividade” contratada.

3. Fundamentação de facto

O tribunal recorrido considerou:

A. Factos Provados.
1. A A. é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à actividade de mediação imobiliária, administração de imóveis por conta de outrem, actividades de avaliação imobiliária e actividades de intermediação financeira, nomeadamente, intermediário de crédito, com a licença AMI n.º ...83.
2. O R. foi proprietário de um prédio urbano, destinado a habitação, de tipologia T3, com área de 170 m2 de construção e 623 m2 de terreno, sito na Rua ..., Além do ..., na freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...13 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...63.
3. Tal imóvel foi-lhe adjudicado por via da partilha da herança de seu pai, DD, efectuada por escritura pública outorgada em 18 de Junho de 2019.
4. O R. casou com EE no dia 8 de Maio de 2010, sem estipulação de convenção antenupcial.
5. No âmbito da sua actividade profissional, a A. foi procurada pelo R. através de contacto telefónico estabelecido com um dos seus consultores imobiliários, BB.
6. No primeiro contacto, ocorrido em 23 de Fevereiro de 2021, intitulou-se proprietário do imóvel referido em 1, sendo sua intenção proceder à venda do mesmo através dos serviços disponibilizados pela A.
7. Após uma primeira visita ao referido imóvel pelo consultor imobiliário BB, e realizada de seguida a respectiva avaliação, concluiu-se que o R. pretendia vender aquele imóvel por cerca de 300.000,00 €, o que, na perspectiva dos elementos recolhidos pela A., se traduzia em montante substancialmente superior ao valor de mercado do mesmo.
8. Pelo que, numa primeira fase, acabou o R. por dispensar os serviços da A., dado não ser do seu agrado o valor de 260.000,00 € por esta proposto para a venda do referido imóvel, bem como por não pretender celebrar contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade.
9. Volvidos cerca de seis meses, e não tendo o R. logrado vender, a título particular, o referido imóvel, voltou aquele a contactar com a A., na pessoa do consultor imobiliário, BB.
10. Contacto esse estabelecido com o propósito de celebrar um contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade, com vista à venda do prédio referido em 2.
11. Assim, a A. providenciou pela elaboração do respectivo estudo de mercado com os elementos já recolhidos na primeira visita, tendo o R. remetido ao referido consultor imobiliário, no dia 26 de Setembro de 2021, um e-mail declarando o seguinte: “Envio em anexo os elementos solicitados. O valor da venda será de 260.000€ (decidimos seguir o seu conselho de alinhar pelo valor de mercado). Vamos fazer contrato de exclusividade por um período de 6 meses, renovável”.
12. A e R. celebraram, no dia 28 de Setembro de 2021, o contrato junto aos autos a fls. 26 e 27, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
13. O contrato foi celebrado pelo prazo de seis meses, tendo-se obrigado a A. a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra do prédio referido em 1 pelo preço de 260.000,00 €.
14. O prazo de vigência do contrato era renovável por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não fosse “denunciado por qualquer das partes contratantes, através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo”.
15. Mais acordaram A. e R. que este último pagaria à primeira, a título de remuneração, o montante de “5%..., calculado sobre preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, acrescido de IVA”.
16. A cláusula 7.ª do dito contrato tem a seguinte redacção, cujo teor a A. comunicou ao R.:
“1- O Segundo Contraente contrata a mediadora em Regime de Exclusividade.
2- Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade, só a mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação, durante o respetivo período de vigência, ficando o segundo contratante obrigado a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade”.
17. Na sequência da celebração do dito contrato, a A. deu indicações ao consultor imobiliário BB para, para além da elaboração do estudo de mercado, levar a cabo uma reportagem foto-vídeo (com “Drone”), com reportagem oficial, a expensas de ambos, de forma a iniciar a promoção do imóvel.
18. A A., desde logo e a par, procedeu à impressão de “flyers” e “banners” a fim de concretizar a venda o mais rapidamente possível.
19. Logo durante a primeira quinzena do mês de Outubro de 2021 a A. recebeu pedidos para efectuar visitas ao imóvel por potenciais compradores.
20. A A., através do seu consultor imobiliário, BB, desde logo se colocou em contacto com o R. de modo a concretizar tais visitas.
21. Contudo, o R. nunca se mostrou disponível para o efeito, dando as mais variadas desculpas, impedindo assim a realização das visitas pretendidas.
22. No dia 13 de Outubro de 2021 o R. contactou telefonicamente o consultor imobiliário, BB, questionando-o sobre quais seriam as condições da A. para que pudesse rescindir o contrato celebrado.
23. No dia 15 de Outubro de 2021, o R. remeteu um e-mail ao consultor imobiliário da A., BB, com o seguinte teor:
“Boa tarde BB,
Na sequência da nossa conversa telefónica do dia 13 de Outubro, solicito que a partir desta data suspendam as diligencias de venda da moradia até ordem em contrário”.
24. Em reposta, o referido consultor imobiliário comunicou ao R. que, por forma a solucionar a questão de uma forma amistosa e cordial, a A. disponibilizava-se para reduzir a sua remuneração caso o mesmo tivesse algum contacto para a compra do imóvel.
25. A A. não obteve do R. qualquer resposta a tal proposta, mas ainda assim tentou vários contactos telefónicos com o mesmo, remeteu-lhe várias SMS e propôs a realização de várias reuniões, às quais aquele nunca compareceu.
26. A A. insistiu via SMS junto do R. para o agendamento das visitas ao imóvel que ainda se encontravam pendentes, tendo o mesmo recusado que tais visitas fossem concretizadas.
27. No dia 3 de Novembro de 2021, o consultor imobiliário da A., BB, remeteu um e-mail ao R. solicitando o agendamento de uma reunião com o mesmo, “…afim de encerrar o processo de venda do imóvel… Continuo a ter pedidos de visita e não podemos manter um imóvel ativo sem poder agendar visitas. Hoje mesmo tive mais um pedido de visita e das duas uma: ou formalizamos a rescisão do contrato de mediação imobiliária ou agendamos as visitas que já tenho pendentes”.
28. O R. respondeu naquele mesmo dia dizendo o seguinte: “Tratando-se da nossa primeira habitação, não havendo consentimento da minha esposa, não podemos avançar com nenhum processo de venda. Neste sentido, qualquer assunto relacionado com a promoção do imóvel deverá ser suspenso. Esta situação foi devidamente comunicada no dia 15/10. Reforço que a EE não assinou o contrato, pelo que não lhe revemos validade”.
29. Apesar do referido em 28, A. manteve a promoção do imóvel através de “banners” e “flyers”.
30. Até à data presente o R. não denunciou o contrato referido em 14 a 17 em conformidade com o disposto na cláusula 6.ª do mesmo.
31. Por documento particular autenticado outorgado no dia ../../2022, o R. declarou vender a CC, que declarou aceitar tal venda, pelo preço de 100.000,00 €, o imóvel identificado em 2, tendo a esposa daquele, EE, declarado que prestava o seu consentimento para essa venda.
32. O comprador do imóvel, CC, contactara o R. no dia 8 de Outubro de 2021, tendo-lhe transmitido que vira um anúncio que aquele publicara no website “...”.
33. Tal anúncio foi publicado pelo R. em 25 de Outubro de 2020 e esteve disponível “on-line” até ao dia ../../2021.
34. A A. tomou conhecimento da celebração do referido contrato de compra e venda durante o mês de Janeiro de 2022, através de terceiros.
35. A A. teve despesas em montantes não concretamente apurados respeitantes à elaboração do estudo de mercado, realização de vídeo-reportagem com “drone” no imóvel e impressão de publicidade (“banners” e “flyers”).
36. No campo observações, aposto no formulário do contrato celebrado entre as partes consta o seguinte: “Por ser suscetível de nele conter inseridas cláusulas contratuais gerais, este modelo de contrato de mediação imobiliária em uso pela empresa foi remetido para apreciação da Direcção-Geral do Consumidor, de acordo com a exigência prevista no n.º 7 do art.º 19.º do Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de Agosto”.
37. O modelo de contrato de mediação imobiliária utilizado pela A. para firmar o acordo descrito em 12 a 16 não foi aprovado previamente pelo IMPIC – Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I.P.

*
B. Factos não provados.

1. Na data em que o contrato de mediação mobiliária foi assinado, o R. afirmou que a esposa prestaria o seu consentimento para a pretendida venda aquando da celebração da escritura pública de compra e venda.
2. Para além do referido em 18, a A. publicitou o imóvel do R. no seu sítio de Internet, bem como nas suas redes sociais.
3. Para além do referido em 19, que a A. recebeu pedidos para efectuar visita ao imóvel por potenciais compradores ainda no mês de Setembro de 2021.
4. Para além do referido em 22, o R., no telefonema que manteve com o consultor imobiliário, referiu que um conhecido seu havia visualizado o anúncio promovido pela A. e que, tendo reconhecido o imóvel, contactou directamente consigo com o propósito de com ele fechar o negócio.
5. Para além do referido em 25, o consultor imobiliário da A., em resposta ao pedido do R. mencionado em 23, comunicou a este último não ser possível remover o imóvel sem qualquer justificação válida, assim como se encontrava em causa a sua reputação no mercado, uma vez que se encontravam vários potenciais compradores a aguardar a visita ao imóvel, criando também as suas expectativas, que acabariam defraudadas.
6. Alguns dos potenciais compradores do imóvel encontravam-se há mais de um mês a aguardar visita ao mesmo e tinham interesse na sua aquisição.
7. Para além do referido em 29, a A. manteve o imóvel no seu “website”, bem como nas suas redes sociais.
8. Para além do referido em 35, a A. despendeu montantes com a inserção do imóvel no seu sítio de Internet.
9. A A. teve ainda encargos relativos ao trabalho efectuado quer pelo consultor imobiliário, BB, quer pela colaboração de todos os outros funcionários afectos à mesma, que despenderam o seu trabalho com o imóvel em causa.
10. O R. vendeu o imóvel referido em 1 em consequência do trabalho, contactos e publicidade desenvolvidos e estabelecidos pela A.

4. Fundamentação de direito

O tribunal recorrido considerou – e não vem questionado no recurso - que entre a recorrente, enquanto mediadora imobiliária e o R., “foi celebrado um contrato de mediação imobiliária”, em que aquela assumiu uma obrigação de meios por ter ficado provado que aquela “se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado com vista à celebração – no caso – do contrato de compra e venda pretendido pelo R..”

Mas, na senda do invocado pelo R., entendeu que tal contrato era nulo à luz do disposto no n.º 4 do art.º 16º da Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro, considerando para tal que “o contrato celebrado entre A. e R. (…) configura um contrato de adesão que integra cláusulas gerais pré-elaboradas sem prévia negociação individual e às quais o R. se limitou a aderir, sendo, portanto, convocável o regime previsto no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro” e “compulsado o modelo de contrato de mediação imobiliária utilizado pela A. na situação ajuizada, verificamos que o mesmo não coincide com o que consta em anexo à (…) Portaria [n.º 228/2018, de 13 de Agosto] (que entrou em vigor, note-se, no dia 14 de Agosto de 2018, sendo que o contrato dos autos data de setembro de 2021), pelo que não estava a A. dispensada da aprovação prévia prevista no n.º 4 do artigo 16.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro.
Não obstante constar do contrato de mediação imobiliária utilizado pela A. que o respectivo modelo, “em uso pela empresa”, “foi remetido para apreciação da Direcção-Geral do Consumidor” (ponto 36), o certo é ficou provado que assim não sucedeu, ou seja, que não foi aprovado previamente, seja pelo IMPIC – Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I.P. (cfr. ponto 37 do elenco de factos provados), seja pela Direcção-Geral do Consumidor, já que o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 102/2017, de 23 de Agosto, explicita que, “Para efeitos do disposto nos n.ºs 4 a 6 do artigo 16.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, na redação dada pelo presente decreto-lei, a base de dados atualizada com a identificação dos contratos de cláusulas contratuais gerais de mediação imobiliária aprovados até à entrada em vigor do presente decreto-lei, bem como os arquivos e documentos relativos aos referidos contratos, transitam da Direção-Geral do Consumidor para o IMPIC, I. P.”.
Tal circunstância determina a nulidade do contrato atento o disposto no artigo 16.º, n.º 7, da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro.”

A recorrente invoca:
XVIII. O Recorrente apenas remeteu o contrato de mediação imobiliária para a Direção Geral do Consumidor e não para o IMPIC.
XIX. A falta de aprovação pelo IMPIC, por se tratar de um procedimento de caráter obrigatório, determina a nulidade do contrato é geradora de nulidade do contrato.
XX. O teor do contrato em discussão, assemelha-se integralmente ao constante do anexo da Portaria n.º 228/2018 de 13 de agosto, pelo que os efeitos práticos decorrentes do contratos, culminariam em igual desígnio.

Impõe-se clarificar.

Vejamos

Os n.ºs 4 e 5 do art.º 16º do regime jurídico a que fica sujeito o acesso e o exercício da atividade de mediação imobiliária, estabelecido pela Lei n.º 15/2013, na sua redacção original, dispunham:
4 - Os modelos de contratos com cláusulas contratuais gerais só podem ser utilizados pela empresa após validação dos respetivos projetos pela Direção-Geral do Consumidor.
5 - O incumprimento do disposto nos n.ºs 1, 2 e 4 do presente artigo determina a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação.

Como se afirmou no Ac. do STJ de 29/04/2021, processo 5722/18.8T8LSB.L1.S!, consultável in www.dgsi.pt/jstj, a “exigência de validação dos modelos contratuais pela Direcção Geral do Consumidor constitui uma forma de controlo prévio administrativo da validade das cláusulas contratuais gerais nos contratos de mediação, o qual acresce a um controlo confiado aos tribunais.
O sancionamento do incumprimento da exigência da aprovação dos modelos de contratos de mediação pré-elaborados pela Direção Geral do Consumidor com a nulidade do contrato não aprovado, a qual deve ser invocada pelo cliente, visa desincentivar a utilização de textos contratuais que não tenham sido previamente supervisionados por aquela entidade pública. O mediador, para não correr o risco de o cliente invocar a nulidade do contrato, após se ter iniciado a sua execução com os inerentes custos e despesas para o mediador, não será tentado a utilizar modelos que não tenham sido previamente aprovados pela Direção Geral do Consumidor.”

A recorrente invoca que apenas remeteu o contrato de mediação imobiliária para a Direção Geral do Consumidor e não para o IMPIC.

Estamos perante um facto novo, que não foi alegado, pois a recorrente limitou-se, na resposta às excepções, a invocar que o modelo contratual utilizado no caso concreto, foi remetido para apreciação e validação, sem afirmar a que entidade o mesmo foi remetido.

Independentemente disso, estamos perante uma alegação irrelevante, pois, como decorre daqueles normativos, a empresa mediadora só podia utilizar um modelo contratual com cláusulas contratuais gerais após validação do respetivo projeto pela Direção-Geral do Consumidor, sendo, portanto, insuficiente o envio do modelo contratual para a DGC.

Sempre se dirá que analisando o documento que titula o contrato de mediação, constata-se que na parte lateral direita da primeira folha consta: “Modelo 05/2020”, ou seja, um modelo posterior ao Decreto-Lei n.º 102/2017, pelo que, como veremos já a seguir, já não era a DGC a entidade competente, mas o IMPIC, IP.

É que, entretanto, o referido art.º 16º foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 102/2017 de 23/08, com a alteração da redacção dos n.ºs 4, 5 e 6 e aditamento do n.º 7, nos seguintes termos:
4 - Os modelos de contratos com cláusulas contratuais gerais de mediação imobiliária só podem ser utilizados pela empresa após aprovação prévia dos respetivos projetos pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I. P. (IMPIC, I. P.).
5 - Para a aprovação prévia prevista no número anterior, a empresa submete o projeto de modelo de contrato ao IMPIC, I. P., por via preferencialmente eletrónica.
6 - Sempre que a empresa utilize o modelo de contrato com cláusulas contratuais gerais aprovado por portaria dos membros do Governo das áreas da justiça, do imobiliário e da defesa do consumidor, está dispensada da aprovação prévia prevista no n.º 4, devendo depositar o modelo de contrato, por via preferencialmente eletrónica, junto do IMPIC, I. P.
7 - O incumprimento do disposto nos n.os 1, 2, 4 e 6 determina a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação.

Face a estes normativos existem duas possibilidades:
- ou a empresa mediadora utiliza o modelo de contrato com cláusulas contratuais gerais aprovado por portaria dos membros do Governo das áreas da justiça, do imobiliário e da defesa do consumidor e, neste caso, previsto no n.º 6, estava dispensada da aprovação prévia prevista no n.º 4, tendo apenas a obrigação de depositar o modelo de contrato, por via preferencialmente eletrónica, junto do IMPIC, I. P.;
- ou utiliza um modelo diferente do modelo de contrato com cláusulas contratuais gerais aprovado por portaria dos membros do Governo das áreas da justiça, do imobiliário e da defesa do consumidor, e neste caso, previsto no n.º 4, a empresa mediadora só o podia utilizar após aprovação prévia dos respetivos projetos pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I. P. (IMPIC, I. P.).

Na primeira situação - a empresa mediadora utiliza o modelo de contrato com cláusulas contratuais gerais aprovado por portaria dos membros do Governo das áreas da justiça, do imobiliário e da defesa do consumidor - a falta de depósito do mesmo no IMPIC, IP gera a nulidade do contrato. É o que decorre do disposto no n.º 7 do art.º 16º, ao dispor que o incumprimento do disposto no n.º 6 (a única obrigação que resulta neste normativo é a de depósito) determina a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação.

Na segunda situação - a empresa mediadora utiliza um modelo diferente do modelo de contrato com cláusulas contratuais gerais aprovado por portaria dos membros do Governo das áreas da justiça, do imobiliário e da defesa do consumidor – a falta de aprovação prévia do mesmo pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I. P. (IMPIC, I. P.), também gera a nulidade do contrato nos termos do n.º 7 do art.º 16º, ao dispor que o incumprimento do disposto no n.º 4 (a obrigação que resulta deste normativo é o da aprovação do modelo de contrato utilizado) determina a nulidade do contrato, não podendo esta, contudo, ser invocada pela empresa de mediação.

A recorrente alega que o teor do contrato em discussão, assemelha-se integralmente ao modelo constante do anexo da Portaria n.º 228/2018 de 13 de agosto.

Tal alegação não tem fundamento.

Compaginando o contrato dos autos com o modelo de contrato com cláusulas contratuais gerais aprovado por portaria dos membros do Governo das áreas da justiça, do imobiliário e da defesa do consumidor, facilmente se conclui que não há correspondência entre um e outro.

Relativamente à identificação das partes, à cláusula 1ª (Identificação do imóvel), à cláusula 2ª (identificação do negócio) e à cláusula 3ª (ónus ou encargos) o modelo utilizado pela autora aproxima-se do modelo legal.
 
Mas a partir daqui as divergências são evidentes:
- no modelo legal a cláusula 4ª diz respeito ao “Regime de contratação”; no modelo utilizado pela autora, o “Regime de contratação” está na cláusula 7ª, mas a redacção não é exactamente idêntica, pois, além do mais, acrescenta-se na parte final do n.º 2, “ficando o segundo contratante obrigado a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade”,
- no modelo legal a cláusula 5ª diz respeito à “Remuneração”; no modelo utilizado pela A. a “Remuneração” está na cláusula 4ª, sendo que a redacção do modelo legal, nomeadamente no que respeita ao n.º 1, que no modelo utilizado pela A. consta do n.º 2, é largamente ultrapassada, contendo a especificação de casos em que a remuneração é sempre devida;
- no modelo legal a cláusula 6ª diz respeito à “Obtenção de documentos” e é por orientação legal facultativa; no modelo utilizado pela A. a “Obtenção de documentos” constitui a cláusula 5ª, havendo uma divergência pois ao contrário do modelo legal não se prevê a remuneração pela prestação de serviços, nem se diz que a mesma está incluída na remuneração pela mediação, além de que acrescenta que determinados documentos vão ser obtidos pelo proprietário;
- no modelo legal, a cláusula 7ª diz respeito às “...”; no modelo utilizado pela A., as “...” está na cláusula 8ª, com redacção idêntica à do modelo legal;
- no modelo legal a cláusula 9ª diz respeito ao “... e obrigações do segundo contratante”; no modelo utilizado pela A. a cláusula 9ª tem como epigrafe “...” e a sua redacção não tem qualquer correspondência com a cláusula do modelo legal, ou seja, não acolhe minimamente a cláusula legal;
- no modelo legal a cláusula 10ª respeita ao “... imobiliário”; no modelo utilizado pela A. a cláusula 10ª tem como epigrafe “Consultor imobiliário” e não há uma exacta identidade de redacção, pois a cláusula legal utiliza a expressão “na preparação do presente contrato de mediação imobiliária…” enquanto no modelo utilizado pela A. consta a identificação do “Consultor imobiliário e se diz depois “interveio na elaboração do presente contrato”;
- no modelo legal a cláusula 11ª diz respeito ao foro competente, mas a lei refere que a mesma é facultativa; no modelo utilizado pela A. esta cláusula é a 11ª, com redacção que, com excepção de um verbo, é idêntica à do modelo legal;
- e, finalmente, no modelo legal, a cláusula 14ª diz respeito à “Protecção dos dados pessoais”; no modelo utilizado pela A. a cláusula 14ª tem como epigrafe “Tratamento de dados pessoais” e a sua redacção não tem qualquer correspondência com a cláusula do modelo legal, ou seja, não acolhe minimamente a cláusula legal.

Em face do exposto é manifesto que a A. utilizou um modelo diferente – bem diferente - do modelo de contrato com cláusulas contratuais gerais aprovado por portaria dos membros do Governo das áreas da justiça, do imobiliário e da defesa do consumidor, pelo que lhe era inaplicável o disposto no n.º 6 do art.º 16º.

E sendo assim e não podendo haver dúvidas que o modelo contratual utilizado pela A. continha cláusulas contratuais gerais de mediação imobiliária – é o que resulta da análise do documento n.º 6 junto com a petição inicial, pois não só o mesmo corresponde a um formulário pré-elaborado, de uso normalizado e generalizado, apenas preenchido na parte relativa aos elementos de identificação do aqui R. e do imóvel, do valor de venda pretendido, da percentagem da remuneração da A., do prazo de vigência do contrato, do tribunal competente e do local e data da assinatura do contrato, como na parte lateral esquerda da primeira página consta” Modelo 05/2020.” – tem plena aplicação o disposto no n.º 4 do art.º 16º: a A. devia ter submetido o referido modelo previamente à aprovação pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I. P. (IMPIC, I. P.).

Sucede ter ficado provado – ponto 37 dos factos provados – que o modelo de contrato de mediação imobiliária utilizado pela A. para firmar o acordo descrito em 12 a 16 não foi aprovado previamente pelo IMPIC – Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I.P.

Foi assim incumprido o disposto no n.º 4 do art.º 16º da Lei n.º 15/2013, de 08/02, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 102/2017 de 23/08, o que determina a nulidade do contrato nos termos do n.º 7 do mesmo normativo.

Retomando a sequência, depois de concluir pela nulidade do contrato, a sentença recorrida analisou a questão de saber se o R. agiu em abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”.

E considerando que tal modalidade tem como pressupostos “a existência dum comportamento anterior do agente susceptível de basear uma situação objectiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e actual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma actividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objectiva de confiança e o “investimento” que nela assentou” (AC. do STJ de 12.11.2013, processo 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt)”, concluiu pela sua inverificação.

A recorrente pretende que o recorrido age em abuso de direito.

Vejamos

Dispõe o art.º 334º do CC que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Mas como refere Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, I, parte Geral, IV, 2007:
-  “o artigo 334º não comporta uma exegese comum. (…) Estamos, com efeito, perante uma disposição legal que (…) remete para o sistema e para a Ciência do Direito, confiando no intérprete-aplicador a tarefa do seu adensamento” – pág. 242;

- “ o abuso de direito não é “abuso” nem tem a ver com “ direitos” em si: (…) “ abuso do direito “ é uma expressão consagrada para traduzir, hoje, um instituto multifacetado, internamente complexo e que prossegue, in concreto, os objectivos últimos do sistema.” – pág. 247;

– “o sistema, no seu conjunto, tem exigências periféricas que se projectam no interior dos direitos subjectivos, em certas circunstâncias; é o desrespeito por essas exigências que dá azo ao abuso do direito” – pág. 366;

– o abuso do direito reside na disfuncionalidade de comportamentos jurídico-subjectivos por, embora consentâneos com normas jurídicas, não confluírem no sistema em que estas se integrem – pág. 369;

- “O abuso de direito deve, antes de mais, ser estudado no terreno, através do conhecimento da literatura que o desenvolveu e da ponderação das decisões que o concretizam.” – pág. 247;

– “Em termos metodológicos: o manuseio do abuso do direito não é compaginável com as tradicionais interpretação e aplicação. Na verdade, o art.º 334º do Código Civil nada permite pela “interpretação” – pág. 247;

– e, finalmente, o abuso de direito tem sido concretizado pela jurisprudência e pela doutrina na base de grandes grupos de situações abusivas – pág. 264.

E concretiza os diversos tipos de actos abusivos: a “exceptio doli”, o “venire contra factum propium”, a inalegabilidade de nulidades formais, a “supressio”, a “surrectio”, o “tu quoque” e o desequilíbrio no exercício jurídico (págs. 265 a 349).

No caso apenas relevam:
- o venire contra factum proprium (pág. 275-297) – traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente, sem que tal exercício se mostre justificado, designadamente, pelo surgimento ou pela tomada de consciência de elementos que determinem o agente a mudar de atitude (pág. 275); o venire postula duas condutas da mesma pessoa, licitas em si e diferidas no tempo. A primeira  - o factum proprium – é contrariada pela segunda ( pág. 278); o venire pode ser positivo – uma pessoa manifesta uma intenção, ou, pelo menos, gera uma convicção de que não irá praticar certo acto e, depois, pratica-o mesmo – ou negativo – o agente demonstra ir desenvolver certa conduta e, depois, nega-a ( pág. 280); no venire positivo podem distinguir-se três possibilidades – o exercício de direitos potestativos; o exercício de direitos comuns; actuações no âmbito de liberdades gerais (pág. 280-281); no venire negativo a situação paradigmática reside em alguém prevalecer-se de nulidades quando, conhecendo-as, tivesse em momento prévio mostrado a intenção de agir em execução do negócio viciado (pág. 282); o venire assenta na tutela da confiança – um comportamento não pode ser contraditado quando ele seja de molde a suscitar a confiança das pessoas (pág. 290 e 292 e segs);

- as inalegabilidades formais – a nulidade derivada da falta de forma legal de determinado negócio não pode produzir efeitos sob pena de se verificar um “abuso do direito, contrário à boa fé; a ocorrência paradigmática seria a de um venire contra factum proprium específico: o agente convence a contraparte a concluir um negócio  nulo por falta de forma, prevalece-se dele e, depois, vem alegar a nulidade; todavia as normas relativas à forma do negócio têm certa características que obrigam a um tratamento específico, diferenciado em relação ao comum venire (pág. 299), podendo falar-se de uma pressão sobre o dispositivo legal que prescreve as nulidades formais (pág. 300); a inalegabilidade exige a boa fé subectiva por parte de quem a queira fazer valer, ou seja, o desconhecimento, aquando da celebração do contrato, da necessidade formal (pág. 305); a inalegabilidade apenas se justifica quando a destruição do negócio tenha, para a parte contra quem é actuada a nulidade, “efeitos insuportáveis”, em decorrência de a mesma ter procedido a um “investimento de confiança”, a uma “actividade importante” (pág. 305); além disso, a inalegabilidade não pode colocar em causa o escopo da norma sobre a  forma (pág. 306); o modelo de decisão relativamente à inalegabilidade aproxima-se do venire, requerente como ele de uma situação de confiança, uma justificação para a confiança, o investimento de confiança e a imputação ao responsável que irá, depois, arcar com as consequência; além disso, estando em causa inalegabilidades formais devem estar em causa apenas os interesses das partes envolvidas e nunca, também, os de terceiros de boa fé; a situação de confiança deve ser censuravelmente imputável à pessoa a responsabilizar e o investimento de confiança apresentar-se-á sensível, sendo dificilmente assegurado por outra via (pág. 311); verificados tais pressupostos, impõe-se a manutenção do negócio, tudo se passando como se fosse legal, com suporte no art.º 334º (pág. 312).

A jurisprudência tem vindo a admitir a segunda modalidade (ainda que mais teórica do que efectivamente) em situações excepcionais, em que as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa ao princípio da boa fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade, sob pena de se colocar em causa um vector estruturante do sistema e que são as normas relativas à obrigatoriedade da observância de determinados requisitos formais para certos negócios  e que visam a ponderação das partes dos contratos e a certeza e segurança do comércio em geral.

Os Ac’s do STJ (todos os citados são consultáveis in www.dgsi.pt/jstj) podem dividir-se em dois grupos:
a) aqueles em que o contrato foi julgado nulo por falta de forma e foi recusada a invocação do abuso de direito:
- de 30/10/2003, processo 03B3125;
- de 08/06/2010, processo 3161/04.6TMSNT.L1.S1;
- de 28/02/2012, processo 349/06.8TBOAZ.P1.S1;
- de 04/06/2013, processo 994/05.0TBCNT.C1.S1;
- de 17/03/2016, proc 2234/11.3TBFAF.G1.S1, acórdão este em que se considerou:

“A jurisprudência tem admitido, em situações excepcionais e bem delimitadas, que possa decretar-se  a inalegabilidade pela parte  de um vício formal do acto jurídico, decorrente da preterição das normas imperativas que, à data da respectiva celebração, com base em razões de interesse público, regiam a forma do acto – acentuando, porém , que esta solução (conduzindo ao reconhecimento do vício da nulidade, mas à paralisação da sua normal e típica eficácia) carece de ser aplicada com particulares cautelas, não podendo generalizar-se ou banalizar-se, de modo a desconsiderar de modo sistemático o conteúdo da norma imperativa que regula a forma legalmente exigida para o acto.
Em consonância com esta orientação geral, tem-se admitido a paralisação da invocabilidade da nulidade por vício de forma:
- quando é claramente imputável à parte que quer prevalecer-se da nulidade a culpa pelo desrespeito das regras legais que impunham a celebração do negócio por determinada forma qualificada, obstando a que possa vir invocar-se um vício que a própria parte causou com o seu comportamento no momento da celebração do negócio, agindo de modo preterintencional ou, pelo menos, com culpa grave ( cfr ., por ex., o Ac.de 28/11/02, proferido pelo STJ no P. 02B3559 onde se decidiu que actua com abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, o locador que, convencendo o arrendatário de que mais tarde fariam a escritura correspondente, celebra contrato de arrendamento para comércio em simples documento particular e, depois de adiar a celebração dessa escritura, vem interpor acção em que pede a declaração da nulidade do contrato, invocando, precisamente, a falta de escritura notarial);
- quando a conduta das partes, sedimentada ao longo de período temporal alargado, se traduziu num escrupuloso cumprimento do contrato, sem quaisquer pontos ou focos de litigiosidade relevante, assumindo estas inteiramente os direitos e obrigações dele emergentes – e criando, com tal estabilidade e permanência da relação contratual, assumida prolongadamente ao longo do tempo, a fundada e legítima confiança na contraparte em que se não invocaria o vício formal, verificado aquando da celebração do acto”.
E concluiu que “a parte interessada em paralisar a invocabilidade da nulidade formal não logrou provar, por um lado, que a falta de cumprimento das exigências de forma, no momento da celebração do contrato, se pudesse imputar ao senhorio; e, por outro lado, que a mera subsistência da relação contratual ao longo do tempo não foi susceptível de criar na contraparte a convicção fundada de que aquele interessado se não viria a prevalecer da nulidade – ou seja: a inverificação dos pressupostos de facto que dependeria , afinal, o funcionamento do instituto do abuso de direito, na vertente da protecção da confiança, assentou decisivamente numa situação de insucesso probatório da própria parte interessada em invocar a dita figura do abuso de direito…”.
- de 27/04/2017, proc. 1054/12.2TVPRT.P1.S1;
- de 07/03/2019, processo 499/14.8T8EVR.E1.S1;
- de 29/04/2021, processo 5722/18.7T8LSB.L1.S1, em que estava em causa um contrato de mediação, declarado nulo por falta de validação pela, então, Direcção Geral do Consumidor e em que foi afastada a invocação do abuso de direito na modalidade de inalegabilidade formal;
           
Neste âmbito importa ainda considerar o Ac. desta RG de 19/01/2023, processo 3035/21.6T8BRG.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, em que o aqui Relator foi 2º adjunto e o aqui 2º Adjunto, foi 1º Adjunto, em que também estava em causa um contrato de mediação, declarado nulo nomeadamente por falta de validação pela, então, Direcção Geral do Consumidor e em que também foi afastada a invocação do abuso de direito na modalidade de inalegabilidade formal.

b) aqueles em que o contrato era nulo por falta de forma, mas foi julgada procedente a invocação do abuso de direito:
- de 27/05/2010, processo 148/06.8TBMCN.P1.S1, em que tendo sido invocada, pelo mutuário, a nulidade de um contrato de mútuo por falta de forma, tendo em vista obter a restituição dos juros convencionados que havia pago, foi a mesma paralisada por recurso ao abuso de direito;
- de 11/12/2014, processo 1370/10.8TBPFR.P1.S1, em que foi bloqueada a invocação pela Ré, promitente vendedora, da nulidade do contrato promessa, por clamoroso abuso de direito;
- de 09/07/2015, processo 796/08.1TVPRT.P1.S1,  em que foi bloqueada pelo abuso de direito a invocação pelo R., da nulidade do contrato de cessão de exploração por “tendo o contrato sido executado por tão longo período de tempo, a invocação da nulidade formal do mesmo só pode ter o propósito de o réu se libertar de um vínculo que, na perspectiva do seu interesse, se tornou indesejável e inconveniente.”
- de 19/09/2019, processo 3493/16.0T8LRA.C1.S1, em que a invocação da nulidade do contrato foi paralisada pela procedência da inalegabilidade da mesma;
- de 24/02/2022, processo 11/13.6TCFUN.L2.S1, que considerou verificado o abuso de direito na invocação da nulidade, paralisando a mesma.

Vejamos em concreto

Em primeiro lugar, estando em causa, na situação dos autos, a falta de validação do modelo de contrato utilizado pela A. pelo IMPIC, IP, cremos que a situação não se aproxima do venire puro, antes devendo ser aproximado das inalegabilidades formais.

Mas ainda que integrasse o venire, seria uma situação de venire negativo e sempre se teria de afastar a sua verificação, pois não foi alegado que o R., quando celebrou o contrato, sabia daquele vicio e, assim, da nulidade do contrato.

Importa justificar porque se entende que a situação dos autos se aproxima da inalegabilidade formal.

A forma do contrato respeita ao meio por que a vontade das partes pode/deve ser exteriorizada: tanto pode ser verbal, como escrito; e sendo escrito pode ser um mero documento particular ou um documento com uma certa solenidade, como a escritura pública.

No caso não é exactamente isso que está em causa.

O que está em causa é o facto de o contrato celebrado, corporizado num documento escrito, conter cláusulas contratuais gerais e, assim, carecer de validação pelo IMPIC, IP, validação essa necessária para que a ordem jurídica o possa reconhecer como meio (válido) de exteriorização da vontade das partes.

Na medida em que a nulidade por falta de tal validação pelo IMPIC, IP do modelo de contrato utilizado pela A. se traduz, na prática, na impossibilidade de o mesmo poder valer como meio de exteriorização da vontade das partes, aproxima-se da nulidade por falta forma do contrato.

Em segundo lugar, a inalegabilidade da nulidade em referência depara-se desde logo e no caso concreto, com um forte obstáculo: é que a necessidade de validação pelo IMPIC, IP de um modelo diferente do modelo de contrato com cláusulas contratuais gerais aprovado por portaria dos membros do Governo das áreas da justiça, do imobiliário e da defesa do consumidor, foi estabelecida por razões de ordem pública, relacionadas com a protecção dos consumidores em geral, pois está em causa a utilização de cláusulas contratuais gerais, numa área que envolve quantias avultadas e interesses relevantes.

Assim, a necessidade de validação do modelo contratual utilizado pela A., por ser diferente do modelo legal, conter cláusulas contratuais gerais de mediação imobiliária e ser de uso normalizado e generalizado, não visa apenas os interesses dos contratantes em cada momento, mas o interesse geral de todos os que possam eventualmente contratar com a A.

Mas além disso e compulsada a decisão de facto, dela não consta qualquer facto que leve a considerar que a invocação da nulidade do contrato de mediação dos autos por falta de validação do modelo contratual pelo IMPIC, IP, deva ser paralisada por aplicação do instituto do abuso de direito.

Desde logo nada permite afirmar que o R., quando celebrou o contrato, sabia daquele vicio e, assim, da sua nulidade.

E nada permite afirmar que era exigível ao R. que conhecesse a necessidade de validação do modelo contratual pelo IMPIC, IP, pois não estamos perante uma exigência que seja do conhecimento do cidadão comum. É uma exigência que diz directamente respeito a um aspecto específico do exercício profissional da actividade de mediação, situando-se, portanto, exclusivamente, no âmbito da esfera jurídica da empresa mediadora.

E, nesta senda, a nulidade é exclusivamente imputável à A..

Aliás, sendo a A. entidade que actua profissionalmente no âmbito da actividade de mediação imobiliária, não podia ignorar que a falta de validação do modelo contratual pelo IMPIC, IP retirava estabilidade ao negócio, colocando-se sob o risco, fundado, de o aqui R. invocar ou até o tribunal conhecer oficiosamente (art.º 286º do CC) a nulidade do contrato.

Por outro lado, não ficou provado qualquer facto que permita afirmar que o R. adoptou um comportamento passível de gerar a fundada confiança na A. de que aquele vício não seria invocado, pois, desde logo, não se pode afirmar sequer que a relação contratual se tenha sedimentado ao longo de um período de tempo alargado de modo a gerar confiança na sua perduração – o contrato foi celebrado a 28 de Setembro de 2021 (ponto 12 dos factos provados), a partir de 13 de Outubro (cfr. ponto 22 dos factos provados) o recorrido começa a pretender desvincular-se e a 15 de Outubro (cfr. ponto 23 dos factos provados) manda, mesmo suspender as diligências de venda, sendo ainda certo que na primeira quinzena de Outubro a A. recebeu pedidos de visita ao imóvel e tenta junto do R. agendar as mesmas, sem o conseguir (cfr. pontos 19, 20 e 21 dos factos provados), tendo a venda do imóvel vindo a ser concretizada em Janeiro de 2022 (cfr. ponto 31 dos factos provados)

Numa outra perspectiva, se é certo que a factualidade provada revela que a A. providenciou pela elaboração do respectivo estudo de mercado com os elementos já recolhidos na primeira visita (ponto 11 dos factos provados), na sequência da celebração do contrato, a A. deu indicações ao consultor imobiliário BB para levar a cabo uma reportagem foto-vídeo (com “Drone”), com reportagem oficial, a expensas de ambos, de forma a iniciar a promoção do imóvel (ponto 17) e a par, procedeu à impressão de “flyers” e “banners” (ponto 18), não é menos certo que não ficou provado o custo concreto de tais actividades (ponto 35 dos factos provados).

Nesta medida não decorre da factualidade provada que a destruição do negócio acarrete prejuízos relevantes para a A..

Em face do exposto, improcede a pretensão da recorrente de considerar verificada uma situação de abuso de direito, no caso, na modalidade de inalegabilidade formal.

E sendo assim fica prejudicada a questão da exclusividade.

É que sendo o contrato nulo, o mesmo não produz quaisquer efeitos, o que abrange, naturalmente, a cláusula de exclusividade.

Na conclusão XXXVII alega a recorrente que o Recorrido está obrigado ao pagamento da remuneração da Recorrente.

Sendo o contrato nulo, é patente e manifesto que tudo quanto nele ficou consignado, nomeadamente quanto à remuneração da aqui A., não pode produzir efeitos.

Mas a sentença recorrida analisou o direito à retribuição da recorrente por via do art.º 289º do CC, considerando:
“Quanto aos efeitos do vício em apreço, dispõe o artigo 289.º do Código Civil que a declaração de nulidade tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
Todavia (como se explica no aresto do STJ de 29.04.2021 acima identificado) [processo 5722/18.7T8LSB.L1.S1], se a actividade prestada não corresponde a qualquer benefício da contraparte, esse dever de restituição não existe porque não pode ser restituído aquilo que não se recebeu, sendo isso que sucede, por vezes, nas situações de nulidade dos contratos de mediação, já que “As especiais caraterísticas da prestação do mediador no contrato de mediação e da sua sinalagmaticidade, colocam algumas dificuldades no apuramento do âmbito do dever de restituição, perante um contrato de mediação nulo”, pelo que, mesmo que a mediadora desenvolva toda uma actividade no sentido de se realizar o negócio pretendido pelo cliente, a verdade é que se o negócio não se concretizar por causa que não seja imputável a este último, não é devida qualquer retribuição (…).
Já quando o negócio que é objecto do contrato de mediação se concretiza por acção da mediadora, a nulidade do contrato pode dar origem ao dever do cliente de restituir o resultado da actividade da mediadora, pagando um valor equivalente à retribuição acordada.
(…)
Ora, quanto a tal questão não logrou a A. fazer prova (e era sobre si que tal ónus impendia – art.º 342º, n.º 1 do Código Civil) de que foi graças ao seu trabalho de promoção que a venda do imóvel se concretizou (…).”

Acompanhamos integralmente este juízo.

É que, pese embora a recorrente alegue no corpo das suas alegações que o recorrido beneficiou com as diligências levadas a cabo pela recorrente e que foi através da publicidade, promoção e investimento da recorrente que o recorrido tomou conhecimento do contacto com a pessoa que veio a ser o comprador do imóvel, o certo é que o faz ao arrepio sem qualquer suporte na factualidade provada.

Na realidade, sucedeu precisamente o contrário: não ficou provado (ponto 10 dos factos não provados) que o R. vendeu o imóvel em consequência do trabalho, contactos e publicidade desenvolvidos e estabelecidos pela A..

E assim sendo, não só não se pode afirmar que a invocação da nulidade do contrato por falta de validação do modelo contratual, já após a conclusão do negócio pretendido pelo R., se traduza num aproveitamento das vantagens do trabalho desenvolvido pela A. e, assim, num enriquecimento ilegítimo do R., como não há fundamento para entender que, pese embora a nulidade do contrato, a A,. tem direito a valor equivalente ao da remuneração acordada.

Uma nota final para dizer que é manifestamente irrelevante tudo quanto vem alegado quanto ao facto de o R. ter inicialmente pretendido vender o imóvel por € 300.000,00, depois ter aceite que fosse vendido por € 260.000,00 e ter acabado por o vender por € 100.000,00.
É em outras sedes – criminal e tributária – que cabe apurar da eventual relevância dessa situação.

Em face de tudo o exposto, a sentença recorrida deve manter-se e o recurso ser julgado improcedente.

As custas são a cargo da recorrente por vencida – art.º 527º, n.º 1 e 2 do CPC.

5. Decisão
Termos em que acordam os Juízes que compõem a 1ª secção da Relação de Guimarães em manter a decisão recorrida e, em consequência, julgar improcedente o recurso.

Custas pela recorrente

Notifique-se
*
Guimarães, 19/09/2024
(O presente acórdão é assinado electronicamente)

Relator: José Carlos Pereira Duarte
1º Adjunto: Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade
2º Adjunto: Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício