Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
TÍTULO DE INJUNÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
FUNDAMENTOS
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA INDEFESA
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário
1. O executado/embargante que deduz oposição à execução de um título de injunção, de acordo com a previsão e formulação da norma do art.857º/1 do CPC, na redação dada pelo art.3º da Lei nº117/2019, de 13.09., pode alegar fundamentos que excedam os previstos para a oposição da sentença do art.729º do CPC, desde que alegue também os factos que permitam concluir que esta defesa não está precludida pela falta de oposição no procedimento de injunção, nos termos do art.14º-A do DL nº269/98, de 01.09., introduzido pela Lei nº117/2019, de 13.09. 2. A norma do art.857º/1 do CPC, na redação dada pelo art.3º da Lei nº117/2019, de 13.09.: não está abrangida pelas declarações de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, decididas pelos acórdãos do TC nº388/2013 e nº264/2015 em relação, respetivamente, ao art.814º/2 do CPC de 1961 e ao art.857º/1 do CPC de 2013 na sua redação inicial; não se pode reconhecer abstratamente inconstitucional por limitação do princípio da indefesa do art.20º da CRP, face à nova redação e às alterações simultâneas introduzidas protetoras do direito de defesa do requerido, realizadas pela Lei nº117/2019, de 13.09. (arts.13º/1-b) e 14º A do anexo ao DL nº269/98, de 01.09; arts.729º/d) e 696º/1-e) do CPC), sem invocação de factos concretos reveladores da inconstitucionalidade da sua aplicação.
Texto Integral
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório: 1. No processo executivo movido por EMP01... – Indústria de águas de ... contra AA, a correr termos como o nº2693/22...., a exequente apresentou a 03.08.2023 um requerimento de cumulação da execução, no qual:
a) Pediu a execução de € 197, 23, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde o requerimento de injunção de 12.04.2022, acrescido dos juros de 5% desde a aposição da forma executória a 24.10.2022, nos termos do disposto na al.d) do art.13º do Decreto-Lei 269/98, de 01.09..
b) Deu à execução um requerimento de injunção de 12.04.2022 (ao qual foi aposta força executiva a 24.10.2022), com pedido global de € 197, 23, correspondente: ao capital de € 89, 66, relativo às faturas «...25 no valor de 19,96;...96 no valor de 21,44;...46 no valor de 18,33;...60 no valor de 19,3;553021FA10458398 no valor de 10,63;»,faturas relativas ao «período de prestação de serviços: 2021-08-17 até../../2021. NIF:...04»;aos juros de € 1, 82; a “outras quantias” de € 36, 90; à taxa de justiça de € 68, 75. 2. AA, a 27.09.2023 deduziu embargos de executado por apenso à execução referida em I- 1 supra, que correram termos com o nº2693/22...., nos quais: 2.1. A embargante:
a) Pediu que se reconhecesse a prescrição do crédito e que fosse absolvida da instância, alegando: que o art.10º da Lei nº23/96, de 26 de julho, prevê que nos contratos de fornecimento de água o preço prescreve no prazo de seis meses após a prestação; que as faturas reclamadas são de agosto a dezembro de 2021 e não foi interpelada a pagar; que o requerimento de injunção deu entrada em ../../2022, depois da prescrição de três das faturas de agosto a outubro de 2021 («8. Ou seja, o requerimento de injunção apenas deu entrada em ../../2022, ou seja, mais de 6 meses após o vencimento das faturas de agosto, setembro e outubro de 2021. 9. De facto, a fatura n.º ...25 no valor de 19,96 referente a agosto encontra-se prescrita desde ../../2022; 10. Fatura n.º ...96 no valor de 21,44 referente a setembro de 2021 encontra-se prescrita desde ../../2022; 11. Fatura n.º ...46 no valor de 18,33 referente a outubro de 2021 encontra-se prescrita desde ../../2022; 12. A executada nunca foi interpelada para o seu pagamento. 13. Nunca a executada recebeu, via email, qualquer comunicação ou interpelação para pagamento. 14. Pelo que as referidas faturas se encontram prescritas.»).
b) Pediu que, ainda que assim não se entendesse, deveria ser absolvida do pedido e devia ser declarada extinta a execução, alegando: b1) Quanto aos valores dos fornecimentos de serviços a que se referem as faturas da injunção: que, na sequência de divórcio do marido e saída de casa, cancelou o contrato de fornecimento de bens e serviços a 28.10.2021 e pagou o valor de € 108, 00 que lhe foi exigido para esse efeito, pelo que não é responsável pelo pagamento das faturas posteriores ao cancelamento. b2) Quanto ao valor da taxa de justiça: que beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e mais encargos com o processo, pelo que não é responsável pelo pagamento da taxa de justiça reclamada. b3) Quanto à quantia de € 36, 90: que a exequente não apresenta qualquer justificação para lhe cobrar este valor. 2.2. A 06.10.2023 foi proferido despacho de indeferimento liminar do requerimento inicial:
«Cumpre, pois, apreciar da admissibilidade da oposição à execução medianteembargos:
Proibindo a justiça privada ou autotutela (art.º 1º do NCPC), a ordem jurídica concede ao credor de prestação não satisfeita, através do exercício da acção executiva, a faculdade de obter a sua efectivação coerciva, ou seja, a faculdade de satisfazer o interesse patrimonial correspondente ao seu direito (art.º 10º, nº 4 do NCPC) – na acção executiva pode o credor obter a realização coactiva da prestação não cumprida, enquadrando-se esta, por isso, na efectividade da tutela jurisdicional e na garantia do acesso aos tribunais para a defesa dos direitos e interesses legítimos (art.º 20º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa).
A finalidade da acção executiva consiste na obtenção do interesse patrimonial contido na prestação não cumprida, sendo o seu objecto, sempre (e apenas) um direito a uma prestação – nesse objecto contém-se somente a faculdade de exigir o cumprimento da prestação e o correlativo poder de aquisição dessa prestação, poder que corresponde à causa debendi e, portanto, funciona como causa de pedir da acção executiva (os factos dos quais decorre esse poder são os mesmos que justificam a faculdade de exigir a prestação) - Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, p. 606.
Esta faculdade de exigir a prestação, correlativa do poder de aquisição dessa prestação, designa-se por pretensão e apenas uma pretensão exequível pode constituir objecto de uma acção executiva – exequibilidade intrínseca, respeitante à inexistência de vícios materiais ou excepções peremptórias que impeçam a realização coactiva da prestação, e exequibilidade extrínseca, traduzida na incorporação da pretensão num título executivo, ou seja, num documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida - Autor e obra citados, p. 606 a 608.
A acção executiva pressupõe, assim, um direito de execução do património do devedor, ou seja, “um poder resultante da incorporação da pretensão num título executivo, pois que é desta que resulta que o credor possui não só a faculdade de exigir a prestação, mas também a de executar, em caso de incumprimento, o património do devedor” (Autor e obra citados, p. 626).
Ora, uma das faculdades conferidas ao executado é a de se opor à execução.
Refere Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, p. 145, que “devendo a execução actuar com referência ao direito representado no título, podem sobrevir factos que lhe retirem legitimidade ou correspondência com a realidade substancial, para além de poderem subsistir vícios processuais ou substantivos procedentes da formação do título. Daí permitir-se ao executado fazer valer as eventuais discordâncias com a realidade ou a eventuais ilegitimidades numa sede autónoma de cognição, fora do procedimento executivo propriamente dito, através exactamente da oposição à acção executiva”.
Ou, dito de outra forma, a oposição do executado visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da acção executiva- cfr. Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, p. 141.
O processo de oposição à execução mediante embargos de executado tem como finalidade contestar o direito do exequente, podendo o executado impugnar a própria exequibilidade do título, ou alegar factos que, em processo declarativo, constituiriam matéria de excepção.
A oposição à execução mediante embargos de executado introduz no processo executivo uma fase declarativa, autónoma e própria, com a particularidade do oponente, devedor presumido da dívida exequenda, ter de afirmar e demonstrar factos impugnativos (impeditivos, modificativos ou extintivos) da própria exequibilidade do título executivo, da inexistência de “causa debendi” ou do direito do exequente, ou factos que, em processo normal, constituiriam matéria de excepção, os quais seriam afirmados e provados pelo réu, de harmonia com o disposto no art.º 342º, nº 2, do CC.
Isto posto, e como vimos, veio a executada opor-se à execução, sendo que o título dado à execução é uma injunção, com data de entrega em 14.04.2022, à qual foi conferida força executiva em 24.10.2022.
Estabelece o artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (na versão introduzida pela Lei nº 117/2019, de 13.09, entrada em vigor em 2020-01-01), “Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.”.
Deste modo, para além dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, o legislador permite, ainda, ao embargante, basear-se nos fundamentos previstos no n.º 2, do artigo 14.º-A, do D.L. n.º 269/98, de 1 de setembro, considerando- se, porém, precludidos os meios de defesa que poderia ter invocado em sede de oposição à injunção, quando não o fez e foi devidamente notificado para o efeito.
Ora, se atentarmos no teor do requerimento inicial de embargos, verifica-se que o embargante não põe em causa a regularidade da sua notificação/citação no âmbito do processo de injunção, alegando a prescrição da dívida, bem como que nada deve, uma vez que o veículo automóvel ainda se encontrava na garantia, não tendo sido interpelado para pagar a dívida.
Estes fundamentos deviam ter sido deduzidos no âmbito do procedimento de injunção, e não o foram, encontrando-se, por isso, precludidos.
Com efeito, estas questões não são susceptíveis de pôr em causa a regularidade da citação/notificação no âmbito do processo injuntivo, de molde a permitir agora a defesa que deveria ter sido exercida no âmbito daquele procedimento, o que não aconteceu.
Com efeito, com a alteração legislativa supramencionada, o artigo 14.º-A do Decreto-Lei nº 269/97, 1 de Setembro, com a epígrafe “Efeito cominatório da falta de dedução da oposição”, estabelece:
“1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2- A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.» (destaques aditados).
Deste modo, não ocorre preclusão relativamente à alegação/meio de defesa do uso indevido do procedimento de injunção ou quanto a alguma exceçpão peremptória que fosse invocável na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.
A embargante não alega nenhum daqueles meios de defesa, sendo certo que as excepções ora invocadas não são de conhecimento oficioso, nem os previstos no artigo 729º do CPC, pelo que temos necessariamente que concluir pela inadmissibilidade dos embargos de executado deduzidos.
Decisão:
Face ao exposto, e sem necessidade de maiores delongas:
- indefiro liminarmente a oposição à execução mediante embargos por inadmissíveis, determinando o prosseguimento da execução até ulteriores termos.
Fixo o valor da causa em € 846,38 (artigos 304º, nº 2 e 315º, do NCPC).
Custas pela executada/embargante (art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC), sem prejuízo do apoio judiciário.
Registe e notifique.». 2.3. A embargante interpôs recurso de apelação, no qual apresentou as seguintes conclusões:
«I) Entende a Recorrente que o facto de a prescrição do direito não ter sido logo alegada em oposição à injunção não preclude o direito a suscitar tal facto posteriormente em oposição à execução quando esta – como é o caso destes autos – se fundamenta em injunção. II) Pelo contrário: é justamente o reconhecimento de que um processo de injunção não oferece os mesmos meios de defesa aos requeridos que outros meios, designadamente as acções de condenação, que o STJ, por duas vezes já, veio expressamente autorizar que, excepcionalmente, em oposição à execução instaurada com base em injunção, o executado possa lançar mão de qualquer fundamento que pudesse ter sido invocado no processo declarativo, sob pena de violação do princípio da indefesa consagrado no artº 20º nº 1 CRP. III) Prescrição que, a verificar-se – como claramente se verificou – tem como efeito necessário a invalidade do título executivo. IV) Coloca-se, portanto, a questão de saber se, sendo a execução baseada no titulo executivo com as características apontadas – requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória – está o executado limitado aos fundamentos de oposição previstos no artigo 729º do CPC, para a execução fundada em sentença, na parte em que sejam aplicáveis, ou pode, nos termos do artigo 731º do mesmo diploma legal, alegar quaisquer outros fundamentos que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração. V) Ao limitar a possibilidade de arguir em oposição a esta execução está o Tribunal a quo a limitar a Embargante ao meio de defesa disponível em toda e qualquer execução, e está na prática a negar à Embargante o exercício de defesa excecionalmente conferido por lei e pelo STJ em caso de oposição por execução instaurada com base em injunção, e a violar o princípio da proibição da indefesa, consagrado no artº 20º nº 1 CRP, que esteve na origem do Ac TC 388/2013 e do Ac TC 264/2015. VI) O Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 388/2013, de 9 de Julho de 2013, publicado no D.R., I Série de 24.09.2013, declarou, com força obrigatória geral, “a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 814.º, nº 2 do Código de Processo Civil (CPC), na redação do Decreto- Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20º, nº 1 da Constituição.”. VII) Como se referiu no Acórdão deste Tribunal da Relação de 19.11.2015, que revogou o despacho de indeferimento liminar anteriormente proferido pelo Tribunal a quo, a equiparação entre a sentença judicial e a fórmula executória colocada por entidade não judicial no requerimento de injunção subjacente ao preceituado no artigo 857º do CPC suscitou as questões de inconstitucionalidade, por diversas vezes apreciadas no Tribunal Constitucional, tendo o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 274/2015, de 12 de Maio (Pº 208/2015), publicado no D.R. 1ª série, Nº 110, de 8 de Junho de 2015, declarado a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 857º, nº 1 do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20º, nº 1 da Constituição da República. VIII) Em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 282º da Constituição da República, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, pelo que estando aqui em causa uma execução fundada em requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória, a oposição mediante embargos deduzida pela embargante embargante/apelante não está limitada aos fundamentos enunciados no 857º, nº 1 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, podendo basear-se em quaisquer outros factos ou circunstâncias que possam ser invocados no processo de declaração. IX) Considera-se, portanto, que atenta a natureza extrajudicial do título em questão, distinto das sentenças, sempre poderá o executado invocar, como fundamento da oposição à execução, qualquer fundamento suscetível de deduzir como defesa, no processo de declaração, com vista á destruição dos efeitos do título executivo.
TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO, se requer muito respeitosamente a V/ Exas. que analisem doutamente o objeto, a causa, e o litígio e, em face de todo o alegado, revoguem a sentença recorrida, substituindo-a por outra que admita liminarmente os embargos de executado deduzido, fazendo, assim, Vossas Excelências a inteira e habitual JUSTIÇA!».
2.4. A 21.12.2023: foi admitido o recurso de apelação com subida imediata, nos próprios autos, com efeito devolutivo; foi ordenada a notificação do exequente para os efeitos do recurso e os da causa. 2.5. A exequente, notificada para os efeitos do recurso e da causa, apresentou contestação aos embargos. 2.6. Subidos os autos a esta Relação: foi admitido o presente recurso, nos termos admitidos na 1ª instância; colheram-se os vistos e realizou-se a conferência.
II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil, doravante CPC.
Define-se como questão a decidi, se a decisão erra por a embargante de ação executiva em que foi dada à execução requerimento de injunção, a que foi aposta fórmula executória, poder invocar todos os meios de defesa, nos termos do art.731º do CPC, sob pena de violação do princípio da proibição da indefesa do art.20º/1 do CRP, conforme decidido nos Ac. TC 388/2013 de 9.7.2013 e Ac. TC 274/2015, de 12.05.
III. Fundamentação:
A recorrente defendeu que a decisão recorrida erra de direito, por a embargante de ação executiva em que foi dada à execução requerimento de injunção, a que foi aposta fórmula executória, poder invocar todos os meios de defesa, nos termos do art.731º do CPC, sob pena de violação do princípio da proibição da indefesa do art.20º/1 do CRP, conforme decidido por acórdãos do Tribunal Constitucional Ac. TC 388/2013 de 9.7.2013 e Ac. TC 274/2015, de 12.05.
Importa reapreciar a decisão recorrida face a este objeto de recurso, de acordo com os factos provados e o regime de direito aplicável.
1. Matéria de facto provada:
Encontram-se provados os atos relatados em I supra, face à força probatória plena dos atos do processo executivo e do presente processo de embargos de executado (art.371º do CPC; art.604º/4- 2ª parte, ex vi do art.663º/2 do CPC)
. 2. Apreciação do mérito do recurso: 2.1. Enquadramento jurídico: 2.1.1. Inicialmente, na vigência do Código de Processo Civil de 1961, na redação, o art.814º do CPC, que previa os fundamentos de oposição à execução de sentença, foi alterado pelo art.1º do DL nº226/2008, de 20.11. (na sua epígrafe e conteúdo) de forma a integrar no mesmo regime os fundamentos de oposição à execução de títulos executivos de injunção, nos seguintes termos:
«Artigo 814.º Fundamentos de oposição à execução baseada em sentença ou injunção
1 - Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
(…)
2 - O disposto no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, à oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido.
3 - Nas execuções baseadas em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, o expediente respeitante à injunção é enviado oficiosamente e exclusivamente por via electrónica ao tribunal competente para a execução.».
O nº 2 deste art.814º do CPC foi declarado inconstitucional com força obrigatória geral pelo Ac. TC nº388/2013, nos seguintes termos: «o Tribunal Constitucional declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 814.º, nº 2 do Código de Processo Civil (CPC), na redação do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20º, nº 1 da Constituição.».
Esta declaração de inconstitucionalidade considerou que o art.814º/2 do CPC limitava o princípio da proibição da indefesa do art.20º da CRP (que prevê que: «1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada proteção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.»), de forma injustificada face ao regime do art.18º/2 da CRP (que prevê «2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.»), quando equipara o requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória à sentença judicial, uma vez que se tratam de títulos executivos diferentes (um requerimento de injunção com forma executória demonstra uma aparência do direito substancial do exequente mas não uma existência considerada certa e a atividade do secretário judicial não representa qualquer forma de composição do litígio ou de definição de direitos de determinado credor de obrigação pecuniária). O acórdão considerou, ainda, que isto é reforçado por a execução poder iniciar com a penhora de bens de executado suficientes à satisfação da obrigação exequenda sem que haja citação prévia, tal como outros títulos de formação não judicial- arts.812º-C-b) e 812º-F/1 do CPC).
Rui Pinto, entre a Doutrina, considerou, em apreciação crítica deste acórdão do Tribunal Constitucional e dos acórdãos que consideram inconstitucional este art.814º/2 do CPC, que «a presença de uma preclusão associada a um ónus de exercício do direito de defesa em tempo implica uma equiparação à sentença, para efeitos de embargos de execução», que «um título executivo pode ser produzido pela máquina judiciária sem valor de caso julgado, em exercício do direito à tutela jurisdicional efetiva do credor e com respeito pelas garantias do devedor» e que «o cumprimento do direito de defesa é independente da eficácia final da medida de tutela, i. é, da presença ou ausência da qualidade de caso julgado, mas já exige a presença das regras da preclusão. A não ser assim, dar mais um momento de defesa ao devedor é claramente violar, de modo desproporcionado, o direito de ação do credor.». Todavia, este autor, admitindo que no plano legislativo concreto «as garantias processuais encontram-se formalmente aligeiradas no procedimento injuncional português: o requerimento é notificado por carta simples, em caso de frustração da citação (…) e em caso de convenção de domicílio (…); o requerido não é informado da cominação de preclusão dos fundamentos de oposição à execução; o procedimento não corre perante um juiz (…); não há um controle liminar sobre se a dívida alegada pelo requerente tem suporte fático (…)», o que tornava «o exercício concreto da defesa injuntória bastante enfraquecido», apresentou propostas para o direito de defesa ser formal e materialmente salvaguardado no processo de injunção e este ser conforme à Constituição: «Em primeiro lugar, deveria passar-se a exigir um efetivo conhecimento da citação, por meio de registo postal. Em segundo lugar, o requerido deveria ser informado da cominação de preclusão dos fundamentos de oposição à execução. Finalmente, o valor da injunção deveria ser rebaixado para 5000 euros correspondente ao valor até ao qual não se exige patrocínio judiciário»[i].
2.1.2. Com a aprovação do Código de Processo Civil de 2013 pela Lei nº41/2013, de 26 de junho, previu-se no art.857º do CPC um regime próprio de oposição à execução, nos seguintes termos:
«Artigo 857.º Fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção
1 - Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, apenas podem ser alegados os fundamentos de embargos previstos no artigo 729.º, com as devidas adaptações, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - Verificando-se justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140.º, podem ainda ser alegados os fundamentos previstos no artigo 731.º; nesse caso, o juiz receberá os embargos, se julgar verificado o impedimento e tempestiva a sua declaração.
3 - Independentemente de justo impedimento, o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento:
a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção;
b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso1 - Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, apenas podem ser alegados os fundamentos de embargos previstos no artigo 729.º, com as devidas adaptações, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.».
O nº1 deste art.857º do CPC, por sua vez, veio também a ser declarado inconstitucional com força obrigatória geral pelo Ac. TC nº264/2015, publicado no DR, I Série, nº110, de 8 de junho de 2015, nos seguintes termos «decide-se declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada “no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.».
Este acórdão sintetizou as razões de inconstitucionalidade invocadas nas decisões (acórdãos e decisão sumária) que procederam à fiscalização concreta da constitucionalidade, às quais aderiu, nos seguintes termos: «9. Conforme resulta das decisões preferidas no âmbito da fiscalização concreta, o juízo de inconstitucionalidade que incidiu sobre a norma contida no artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretado «no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória», fundou-se no reconhecimento da incompatibilidade dessa interpretação com o princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, extraída da ponderação conjugada dos três seguintes elementos, convergentes na solução impugnada: i) o facto de a limitação dos fundamentos de oposição à execução ter subjacente um critério de equiparação do requerimento de injunção a que tenha sido aposta fórmula executória à sentença judicial para efeitos de determinação dos meios de defesa ao alcance do executado; ii) a circunstância de tal critério desprezar as diferenças existentes entre a execução baseada em injunção e a execução baseada em sentença judicial quanto ao modo como, no âmbito do processo que conduz à formação de um e outro título, ao devedor é dado conhecimento das pretensões do credor, bem como quanto à probabilidade e ao grau de intervenção judicial; e iii) o facto de o desvio nessa medida verificado não se achar compensado pela obrigatória advertência, no âmbito do processo de injunção, do efeito preclusivo dos fundamentos oponíveis à pretensão do credor em caso de ulterior execução fundada naquele título.» (negrito aposto por esta Relação).
E considerou, na avaliação geral da norma, que esta, ao contrário da situação abrangida pela fiscalização concreta da constitucionalidade (incidente sobre os requerimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações previstas no nº1 do art.1º do DL nº269/98, de 01.09.), abrangia também «os procedimentos de injunção que visem exigir o cumprimento de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, digo, nº 62/2013, de 10 de maio.».
Rui Pinto, na Doutrina, depois de considerar que andou bem a reforma de 2013 ao admitir apenas os fundamentos de oposição relativos à sentença e ao prever duas importantes exceções, referiu, em relação à declaração de inconstitucionalidade:
«o que foi tido por inconstitucional foi uma interpretação do artigo 857.º n.º1; a contrario, o n.º1, em si mesmo, pode subsistir em vigência desde que a interpretado de outro modo: “no sentido de (não) limitar os fundamentos de oposição”. Por outro lado, importa considerar, ainda, que nesses fundamentos devem estar incluídos fundamentos que apenas se acham no artigo 729.º, nomeadamente- mas não apenas- os decorrentes das especificidades de uma ação executiva (v.g., a respetiva al. a)).
Assim sendo, o n.º1 do artigo 857.º deve ser lido desta maneira: “Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, além dos fundamentos de embargos previstos no artigo 729.º, com as devidas adaptações, podem ainda ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração”». 2.1.3. Ora, este nº1 do art.857ºdo CPC de 2013 passou a ter nova redação, face ao art.3º da Lei nº117/2019, de 13 de setembro, em paralelo com a introdução por esta lei de alterações noutros artigos do Código de Processo Civil e no regime de procedimento de injunção.
Assim, por um lado, o legislador introduziu alterações no procedimento de injunção aprovado pelo DL nº269/98, de 01.09. (conexas com o que vem a prever na nova redação do nº1 do art.857º do CPC).
__ No art.6º introduziu uma alteração ao conteúdo da notificação do requerimento injuntivo do art.13º/1- b), de forma a nesta dever constar a indicação, para além d’ «b) A indicação do prazo para a oposição e a respetiva forma de contagem» (já previstas na redação anterior), de uma cominação sobre a preclusão dos meios de defesa- «bem como da preclusão resultante da falta de tempestiva dedução de oposição, nos termos previstos no artigo 14.º-A;».
__ E no art.7º introduziu a seguinte norma nova:
«Artigo 14.º-A
Efeito cominatório da falta de dedução da oposição
1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.os 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.»
Por outro lado, o legislador introduziu alterações no Código de Processo Civil pelo art.3º do referido diploma:
__ No art.729º do CPC, alterou o fundamento de oposição à execução por sentença da al. d) («Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo»), para a seguinte previsão: «Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na al. e) do artigo 696.º», neste artigo 696º do CPC, por sua vez, alterou a redação vigente a inicial («e) Tendo corrido a ação e a execução à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação ou é que é nula a citação feita;») para «e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que: i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita; ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável; iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior;».
__ Alterou o nº1 do art.857º do CPC, respeitante aos fundamentos de oposição à execução do requerimento de injunção, para os seguintes termos: «1 - Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.»[ii]. Esta formulação da norma, ao prever que «podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância», não estabelece uma ressalva ou uma exceção (…salvo os que estiverem precludidos…) mas define uma condição (dos fundamentos amplos para além dos do art.729º do CPC não estarem precludidos), com requisitos referenciados ao art.14º A do DL nº269/98, de 01. 09., introduzido pela Lei nº117/2019, de 13.09.). Assim, integra o ónus do embargante a alegação e a prova dos factos integrativos desta condição e requisitos:
a) Não ter sido notificado por alguma das formas previstas nos nº2 a 5 do art.225º do CPC (que prevê «2 - A citação pessoal é feita mediante: a) Via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º; b) Entrega ao citando de carta registada com aviso de receção, seu depósito, nos termos do n.º 5 do artigo 229.º, ou certificação da recusa de recebimento, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo; c) Contacto pessoal do agente de execução ou do funcionário judicial com o citando. 3 - É ainda admitida a citação promovida por mandatário judicial, nos termos dos artigos 237.º e 238.º. 4 - Nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada à citação pessoal a efetuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do ato, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento. 5 - Pode ainda efetuar-se a citação na pessoa do mandatário constituído pelo citando, com poderes especiais para a receber, mediante procuração passada há menos de quatro anos.»; e/ou
b) Não ter sido advertido do efeito cominatório de que a falta de oposição faria precludir os meios de defesa que nela pudessem ser invocados, nos termos do referido art.13º/1-b), com referência ao art.14º-A/1 do DL nº269/98, de 01.09., na redação da Lei nº117/2019, de 13.09.
António Santos Abrantes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa consideram que o novo regime resolveu problemas de inconstitucionalidade anteriormente declarada em relação às normas antecedentes, referindo, em relação à nova redação do art.857º do CPC:
«3. Da nova redação do nº1, introduzida pela Lei nº117/19, de 13-9, conjugada com o disposto no art.14º-A do Anexo ao DL nº269/98, de 1-9, também aditado pela mesma Lei, além do suprimento das questões de inconstitucionalidade, resultou a clarificação do regime de fundamentos de embargos de executado (remetendo para o disposto no art.729º), no confronto com a cominação associada à falta de oposição no procedimento de injunção(estabelecendo ressalvas à preclusão decorrente da revelia fixada no nº1 daquele art.14º-A. 4. Deste modo, fundando-se a execução em requerimento de injunção provido de fórmula executória, os embargos de executado podem conter o seguinte: a alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso; a alegação dos fundamentos enumerados no art.729º que sejam compatíveis com o procedimento de injunção; a invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas (cf. art.855-A); qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição ao procedimento de injunção e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente (v.g. nulidades substantivas e abuso de direito). 5. Neste novo quadro normativo, os nº2 e 3, que se mantiveram inalterados, são redundantes, na medida em que as situações aí previstas já encontram cobertura no nº1.»[iii].
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre consideram, por sua vez, que a alteração não resolveu todos os problemas de inconstitucionalidades «que o artigo em anotação suscita, visto que fora das questões de conhecimento oficioso, o executado continua impedido de embargar com fundamento na não ocorrência dos factos (concludentes) alegados pelo exequente no requerimento de injunção e em exceções perentórias propriamente ditas, que estão na sua exclusiva disponibilidade (…). A natureza não jurisdicional do procedimento de injunção e a menor segurança da notificação postal efetuada por carta simples que se deposita numa caixa de correio aconselham a que também com esses fundamentos o executado possa embargar. (…)», considerando que «O uso dos meios de notificação expeditos não se compadece com a garantia constitucional do direito à defesa e a única forma de compatibilizar o artigo em anotação com a Constituição consiste em, na adaptação a fazer, o circunscrever de tal modo que ele só se aplique nos casos em que o devedor, na execução, não invoque a diminuição de garantias registada no anterior processo de injunção e naqueles em que se prove que ele teve efetivo conhecimento da notificação, contendo esta- como agora a lei ordinária já impõe- a advertência de que a não oposição à injunção preclude definitivamente a discussão sobre a existência da dívida (o que a muito pouco reduzirá o âmbito de equiparação).»[iv].
A jurisprudência encontrada, por sua vez, não tem suscitado questões de inconstitucionalidade em relação à nova versão da norma. Neste sentido, v.g. p Ac. RP de 18.11.2021, proferido no processo nº2918/20.5T8LOU-A.P1, relatado por Deolinda Varão, concluiu, nomeadamente, que «III – Com as alterações efetuadas pela Lei nº 117/2009, de 13.9 foi superada a inconstitucionalidade da norma do art. 857º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, deixando de ter razão de ser a jurisprudência constitucional que a declarara quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção à qual fora aposta fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no art. 20º, nº 1 da Constituição da República [AC. do TC nº 274/15, de 12.5].»); o Ac. RL de 11.05.2023, proferido no processo nº19754/22.7T8SNT-A.L1-6, relatado por Adeodato Brotas, aplicou a norma sem a considerar inconstitucional.
2.2. Situação em análise:
A recorrente defendeu que pode deduzir a prescrição nos embargos à execução, por a dedução desta exceção perentória não estar precludida pela falta de dedução de oposição à injunção, por este processo de injunção não garantir os mesmos meios de defesa que as ações declarativas, sob pena de violação do princípio da proibição da indefesa previsto no art.20º da CRP, conforme entende ter sido reconhecido nos dois acórdãos do TC nº388/2013 e nº264/2015 que declararam inconstitucionais com força obrigatória geral as normas dos arts.814º/2 do CPC (de 1961) e 857º/1 do CPC (de 2013).
Numa primeira análise deste objeto e fundamento de recurso, verifica-se que as declarações de inconstitucionalidade dos acórdãos do TC nº388/2013 e nº264/2015 (invocadas como fundamento para defender que a oposição por embargos deve ser admitida, sob pena de violação do princípio da indefesa), incidiram sobre norma anterior e versão de norma anterior à aplicada na decisão recorrida.
De facto, e como decorre dos factos provados (III-1 em referência a I supra) e do regime de direito aplicável (III-2.1. supra): o acórdão do TC nº388/2013 declarou inconstitucional a norma do art.814º/2 do CPC de 1961; o acórdão do TC nº264/2015 declarou inconstitucional a norma do art.857º/1 do CPC na sua versão inicial introduzida pela Lei nº41/2013, de 26.06. (e na interpretação limitativa aí referida); a decisão recorrida rejeitou a receção dos embargos, por ter entendido estarem precludidos os seus fundamentos, com base na versão atual do art.857º/1 do CPC, introduzida pelo art.3º da Lei nº117/2019, de 13.09., entrada em vigor a 1.01.2020 (art.15º), versão efetivamente aplicável, face à data de apresentação do requerimento injunção de 12.04.2022.
Numa segunda abordagem deste objeto e fundamento de recurso, verifica-se que não foram alegados factos concretos que permitissem considerar que a decisão aplicou norma erradamente ou em violação do princípio da proibição da indefesa do art.20º da CRP.
Por um lado, a embargante recorrente, para além de invocar nos embargos fundamentos de defesa que poderiam ter sido invocados em oposição ao requerimento de injunção de 12.04.2022, no qual foram pedidos os respetivos valores agora em execução (prescrição de três das cinco faturas pedidas, falta de fundamento para o pedido de taxas de justiça e de verba não identificada, termo do contrato relativo às faturas pedidas), não alegou factos que permitissem considerar que esta defesa não se encontrava precludida pela falta de oposição à injunção: por não ter sido notificada por alguma das formas previstas nos nº2 a 5 do art.225º do CPC e/ou por não ter sido advertida do efeito cominatório de que a falta de oposição faria precludir os meios de defesa que nela pudessem ser invocados.
Por outro lado, a embargante não suscitou limitações do seu direito de defesa no processo injuntivo: não se opôs à execução com os fundamentos do art.729º/d) do CPC, com referência ao art.696º/e) do CPC («d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º;», que prevê «e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que: i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita; ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável; iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior;»), que protegem satisfatoriamente a defesa em caso de falta de conhecimento do requerimento da injunção e da possibilidade de apresentação de defesa por facto não imputável à parte; não invocou qualquer outro facto concreto que permita considerar que a aplicação da norma do art.857º/1 do CPC na nova redação se revela inconstitucional, por implicar a limitação concreta do direito constitucional de defesa do art.20º da CRP.
Desta forma, improcedem os fundamentos do recurso de apelação.
IV. Decisão:
Pelo exposto, os juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
*
Custas pela recorrente (art.527º/1 do CPC).
*
Guimarães, 19 de setembro de 2024
Assinado eletronicamente pelos juízes integrativos do coletivo
Alexandra Viana Lopes
Pedro Maurício
Maria João Marques Pinto de Matos
[i] Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Almedina, Volume II, Julho de 2018, nota 3- I e II, págs.743 e 744. [ii] Rui Pinto, in obracitada, págs.745 e 746. [iii] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2021 Reimpressão, Almedina, págs.287 e 288. [iv] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição, Março de 2022, Almedina, pág.873.