ARTICULADO SUPERVENIENTE
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
Sumário

I - A superveniência referida no art. 588.º do CPC, diz respeito a factos, e pode ser de dois tipos, superveniência objetiva que se verifica quando os factos que legitimam o oferecimento de novo articulado ocorrem depois de oferecidos os articulados das partes e, por esse motivo, não podiam ter sido alegados nesses articulados, e superveniência subjetiva que ocorre quando os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito, ocorreram antes do oferecimento dos articulados, mas a sua ocorrência só mais tarde veio ao conhecimento da parte a quem aproveitam.
II - E, visando, como referido, apresentar factos supervenientes, o articulado superveniente apenas deve ser permitido para trazer aos autos os factos essenciais (a que alude o art. 5.º, nº 1, do CPC), já que os factos instrumentais, bem como os complementares ou concretizadores dos que as partes hajam alegado, e resultem da instrução da causa, podem ser considerados pelo juiz, pelo que não se justifica um articulado superveniente em relação aos mesmos (art. 5.º, nº 2 do CPC).

Texto Integral

Apelação n.º 915/21.2T8PVZ-A.P1

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO:
A..., S.A., pessoa coletiva nº ..., com sede na Rua ..., ..., ... Lisboa, instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum, contra
B..., S.A., sociedade comercial anónima titular do NIPC ..., com sede na Rua ..., em ..., Valongo. formulando a seguinte pretensão:
a) Ser a ré condenada a concorrer para a demarcação das extremas do seu prédio com os prédios da autora;
b) Se definida e fixada a linha divisória dos prédios identificados, entre si confinantes, correspondente às extremas de cada um deles
c) Ser a ré condenada a restituir à autora a área do(s) prédio(s) que ocupou para além da linha de divisória que vier a ser fixada.

Regularmente citada, a ré apresentou contestação, na qual deduziu a exceção de caducidade do direito à restituição da posse, e deduziu reconvenção, concluindo:
“Termos em que deve a presente acção ser julgada totalmente improcedente, por não provada, devendo a Autora ser condenada no pagamento das custas.
Sem conceder,
Deve o pedido reconvencional ser julgado provado e procedente e, em consequência,
a) ser reconhecido o direito de propriedade da Ré Reconvinte sobre a totalidade do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº ..., inscrito na matriz predial urbana da Freguesia ... sob o artigo ..., com a área de 7.100 m2, e a configuração e delimitações constantes da Planta que integra o doc. nº 11, imóvel esse resultante da anexação das anteriores descrições ..., ... e ..., por o ter adquirido, quer por compra, quer por usucapião, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1289º, 1294º al. a), 1256º e 1259º a 1262º, todos do CC;
b) ser a Autora condenada a reconhecer esse direito, nos moldes peticionados;
c) ser a Autora condenada como litigante de má-fé e, consequentemente, em multa e indemnização condignas, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 542.º e 543.º do CPC.”.

O processo seguiu o seu curso e, já no decurso da audiência de julgamento, veio a Autora apresentar articulado superveniente e requerer a junção de seis documentos, invocando uma situação de superveniência subjetiva.
A Ré, notificada da pretensão da Autora, veio opor-se, concluindo pela inadmissibilidade do articulado superveniente e dos documentos cuja junção se pretende.

Nessa sequência, foi proferido despacho (datado de 07-05-2024), com o seguinte teor:
“1. Do articulado superveniente
Veio a autora juntar articulado superveniente, alegando diversa factualidade a que atribui relevância constitutiva do seu direito, bem como modificativa impeditiva ou extintiva do direito configurado pela ré por via reconvencional.
A ré pugnou pela rejeição de tal articulado.

*
Dispõe o art. 588.º, n.º 1, do CPC que os factos constitutivos modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
O pedido formulado pela autora é um pedido de demarcação, regulado pelos arts. 1353.º e ss. do CC. Não obstante a existência física e assumidamente antiga do tapamento do prédio cuja propriedade reivindica, a autora alega que a delimitação entre os prédios é incerta, porquanto há áreas fora da vedação de que é também proprietária cuja delimitação com prédio propriedade da ré é incerta.
Em reconvenção, a ré reivindica o seu prédio com limite correspondente ao tapamento existente.
A factualidade relevante acaba por consistir na existência do tapamento sem a inerente intenção de delimitação, que habitualmente lhe está associada, a observação dos títulos de aquisição, consideração de actos de posse e seus limites, e outros meios de prova, sem perder de vista os prazos de usucapião, como decorre dos arts. 1353.º a 1355.º, do CC.
Já o n.º 3 do art. 508.º do CPC dispõe que o novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido: a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento; b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia; c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores.
Percorrendo a factualidade ora trazida pela autora dir-se-á que a evolução das áreas registrais (dado não abrangido pelas presunções derivadas do registo), a que se reportam os arts. 16.º e 17.º há muito está introduzida no processo, sendo referida nos arts. 3.º e 5.º da petição, não sendo por isso factualidade superveniente.
Já a evolução dos títulos desde data muito anterior à relevante em termos de usucapião, alegada nos arts. 18.º a 25.º vem mencionada abundantemente no relatório pericial, pelo que a autora tem já conhecimento dela muito antes dos dez dias posteriores à notificação para audiência final. O aditamento destes factos à discussão em plena audiência é intempestivo, nos termos do transcrito art. 508.º, n.º 3, alínea c), do CPC.
O mesmo se diga das desanexações realizadas por C..., Lda., após 1996, já mencionadas no art. 54.º da contestação. De qualquer forma estamos a falar de títulos de aquisição anteriores ao da ré e anteriores ao prazo máximo de usucapião à data da propositura da acção.
No art. 53.º a autora pretende introduzir o histórico cartográfico dos prédios desde 1944. Nos autos foi elaborada uma perícia que contempla tal histórico desde 1957, data muito anterior aos títulos de aquisição de autora e ré, e muito anterior ao prazo relevante em termos de usucapião, pelo que não se considera qualquer efeito constitutivo, modificativo, impeditivo ou extintivo destes factos.
Assim, quer pela irrelevância, quer pela não superveniência, quer pela intempestividade, o articulado junto será rejeitado, nos termos do art. 588.º, n.º 4, do CPC.
*
Pelo exposto, e nos termos do art. 588.º, n.º 4, do CPC, decide-se rejeitar liminarmente o articulado superveniente apresentado pela autora em 17/04/2024.
*
Uma vez que se destinavam à instrução de factos alegados no articulado superveniente apresentado, vai indeferido o aditamento ao rol de testemunhas requerido no mesmo articulado, e vai liminarmente indeferida a prova pericial aí requerida.
*
2. Junção de documentos requerida pela autora em 17/04/2024
A rejeição do articulado superveniente não impede uma autónoma apreciação da junção de documentos requerida na mesma data.
A disciplina sobre a produção de prova documental num processo, e mais concretamente a respeito da sua tempestividade, encontra-se no art. 423.º, do CPC.
Nos termos do n.º 1 deste artigo, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
Em relação à prova documental a lei tem uma opção muito expressa no sentido da sua junção o mais cedo possível, e sobretudo antes da audiência de julgamento, mormente porque é um tipo de prova com potencialidade para suscitar outros actos instrutórios, como incidentes de falsidade, mas sobretudo confrontos com declarações de parte ou depoimentos de testemunhas.
A primeira excepção a este princípio está no n.º 2 deste artigo, nos termos do qual se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
Uma vez que estamos perante requerimento formulado após o início da audiência esta excepção não tem aplicação ao caso concreto.
O n.º 3 deste artigo dispõe ainda que após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
A junção tardia de documento obedece ainda ao princípio geral constante do art. 410.º, do CPC. Ou seja, só serão admitidos documentos com pertinência ao apuramento da factualidade alegada incluída nos temas de prova.
É ainda critério deste tribunal, em aplicação do art. 411.º, do CPC, admitir junções e requisições de documentos extemporâneas segundo o art. 423.º, quando estes assumam uma saliente relevância para o apuramento da factualidade em discussão, ao ponto de ser ponderável a sua requisição oficiosa pelo tribunal, caso tivesse conhecimento da sua existência ou possibilidade de requisição.
O documento n.º 1 é muito anterior aos títulos de aquisição e prazo de usucapião susceptíveis de consideração nestes autos, pelo que não se perspectiva a sua pertinência aos factos em discussão.
Os documentos n.º 2, 4, e 5 são um conjunto de fotografias e plantas a acrescer a várias já juntas pelas partes e incluídas no relatório pericial. Parte das fotografias são duplicados das já juntas pela autora à réplica. Não se demonstra a impossibilidade da sua junção anterior, nem a sua necessidade é suscitada por qualquer circunstância ocorrida após os vinte dias anteriores à audiência. Não se revestem de saliente relevância ao ponto de o tribunal determinar oficiosamente a sua junção.
Os documentos n.º 3 e 6 referem-se exclusivamente à instrução de factos alegados no articulado superveniente, não admitido.
Pelo exposto decide-se não admitir os documentos n.º 1 a 6 juntos pela autora em 17/04/2024 e determinar o desentranhamento do correspondente suporte em papel (fls. 296 316).”.

Não se conformando com esta decisão, veio a Autora interpor o presente recurso que foi admitido como apelação, a subir de imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Apresentou a recorrente, as seguintes conclusões das suas alegações de recurso:
“IV. Por via do despacho recorrido foi a Recorrente notificada da rejeição do articulado superveniente com a referência CITIUS 48648935 apresentado em 20.03.2024 e da junção aos autos dos 6 (seis) documentos.
V. O Tribunal a quo rejeitou liminarmente o articulado por considerar o mesmo irrelevante, intempestivo e pela não superveniência, decisão com a qual a Recorrente não se pode conformar face aos factos em discussão nos presentes autos.
VI. É entendimento da Recorrente que o despacho recorrido viola o disposto nos artigos 6.º, n. º1, 411.º, 413.º e 423.º, n. º3 e 588.º do CPC e 20.º da Constituição da República Portuguesa (doravante “CRP”) devendo ser substituído por outro que admita o articulado superveniente e/ou que admita a junção aos autos dos documentos nos moldes expostos pela Recorrente.
VII. O articulado superveniente apresentado resultou do depoimento prestado pelos Peritos em sede de esclarecimentos na audiência de julgamento de dia 07.11.2023, na qual não conseguiram justificar a área do prédio da Ré/Recorrida e, consequentemente, a alegada sobreposição de prédios das Partes.
VIII. Questionados (ficheiro de áudio “Diligencia_915-21.2T8PVZ_2023_11_07_09_58_38”), os Peritos limitaram-se a referir “não sei” (00:07:51), “eu nunca disse que os terrenos da Ré estão com a área correta.” (00:10:04), “nos prédios da Ré não vi essa coerência (…) mas não se consegue perceber pelas anexações e desanexações como é que chega a uma área final de sete mil e tal metros (…)” (00:17:26).
IX. E, quando questionados como se chega à área de 7.100m2, que não batem certo com a área dos documentos juntos, os Peritos uma vez mais referiram “não sei” (00:21:33); “fizemos o levantamento com base nas evidências do local…” (00:22:47) e “não bate, não é igual” (00:23:57).
X. Atentas as declarações prestadas a Recorrente verificou existir a necessidade de pesquisas junto da Câmara Municipal ..., Conservatória do Registo Predial e Direção Geral do Território por uma justificação sobre a alegada sobreposição dos prédios da Ré e juntar os documentos obtidos com relevância para a boa decisão da causa, o que fez através do articulado superveniente apresentado.
XI. Das pesquisas realizadas resultou que a área registada do prédio da Recorrida, não corresponde à realidade, ao contrário do referido pelos Srs. Peritos, por não considerar a área cedida pela Rua ..., a qual ocupou a área de 1.235 m2 dos prédios, conforme Doc. 4 junto com o articulado superveniente.
XII. Concluindo-se, assim, que o prédio da Recorrida descrito sob o n.º ... da Freguesia ..., concelho de Matosinhos – e que resulta da anexação dos prédios descritos sob o n.º ..., ... e ... todos da Freguesia ..., concelho de Matosinhos -, não tem a área de 7.100 (sete mil e cem) m2, mas sim a área de 5.865 (cinco mil oitocentos e sessenta e cinco) m2 e que, efetivamente, a sobreposição de prédios não existe.
XIII. Facto que, com o devido respeito, e contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, não consta “abundantemente do relatório pericial” nem está explicada em contestação (artigo 54.º da contestação).
XIV. Nos termos do artigo 588.º, n. º1 do CPC: “os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.”
XV. Entendendo-se como factos supervenientes “tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência”, conforme 588.º, n.º 2 do CPC.
XVI. A este propósito, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 1951/07.7TBTVD-A. L1-6, de 22.02.2018, disponível em www.dgsi.pt: “quando se reconheça que a parte desconhecia, sem culpa ou sem negligência grave um facto, e unicamente por tal razão não o alegou – em tempo - no respectivo articulado, é que se deve aceitar não ficar ele precludido, podendo ser atendido e carreado para o objecto do processo através da apresentação pela parte interessada de um articulado superveniente.”
XVII. Estamos perante facto essenciais para a boa decisão da causa – no que concerne à área real do prédio da Recorrida para a ação de demarcação - anteriores – alterações de áreas não registadas, pelo que não publicitadas a terceiros – de que a Recorrente só agora teve conhecimento pelo facto destes atos jurídicos e com influência sobre bens de terceiros por não serem publicitados perante terceiros por via do registo na competente Conservatória do Registo Predial, e que também não foram descobertos pelos Peritos.
XVIII. Assim, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, está provada a superveniência subjetiva, tempestividade do articulado e a relevância do mesmo para a descoberta da verdade. Com efeito, o articulado superveniente da Recorrente deve ser admitido.
Acrescente-se que,
XIX. O Tribunal a quo no despacho de que ora se recorre decidiu não admitir os documentos n.º 1 a 6 juntos pela Recorrente com o articulado superveniente, por entender os mesmos como pouco relevantes e considerar que são cópia de documentos juntos aos autos.
XX. Nenhum dos documentos é cópia de documentos já juntos.
XXI. Os referidos documentos são certidões emanadas pelos órgãos competentes para o efeito, nomeadamente pelo Instituto ... e Câmara Municipal ..., e essenciais para a boa decisão do mérito da causa no que toca às limitações do prédio da Ré, pois são suscetíveis de fazer o Tribunal concluir que o prédio da Ré não tem a área registada, mas sim 5.865m2.
XXII. Sendo certo que o Documento n.º 4, relativo à área expropriada do prédio da Ré, certificado pela Câmara Municipal ..., o qual não se encontra junto ao processo, reveste especial importância para aferir a área do prédio da Recorrida, nomeadamente que o mesmo já não tem a área que a Recorrida alega.
XXIII. Pelo que resulta que os documentos que a Recorrente pretende ver juntos aos autos abalam toda a teoria da Ré/Recorrida de que a área do seu prédio corresponde quase na sua totalidade à área registada.
XXIV. Ao indeferir a junção dos documentos em causa o Tribunal está a limitar o direito à prova que assiste à Recorrente, sendo este um direito fundamental previsto no artigo 20.º da CRP, que implica que as partes tenham liberdade para demonstrar quaisquer factos quando entendam que a sua prova diminuirá a possibilidade de virem a ver improcedente a sua pretensão.
XXV. Nos termos do artigo 413.º do CPC: “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado”.
XXVI. Ao indeferir a junção dos documentos ora em análise o Tribunal a quo limita antecipadamente os elementos suscetíveis de serem valorados aquando da apreciação do mérito da causa, o que a Recorrente não pode aceitar.
XXVII. Dispõe o artigo 423.º, n. º3 do CPC que “é admitida a junção de documentos, até ao encerramento da discussão em 1.ª Instância, cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”.
XXVIII. Neste caso, estamos perante documentos cuja junção apenas se tornou necessária em virtude dos esclarecimentos dos Peritos, na audiência de julgamento de dia 07.11.2023, que não conseguiram identificar o motivo pelo qual existia uma alegada sobreposição dos prédios, em virtude das suas áreas, isto é, após uma “ocorrência posterior”, conforme artigo 423.º, n. º3 do CPC.
XXIX. Ao abrigo dos princípios do inquisitório, expresso no artigo 3.º e 411.º do CPC, do princípio da cooperação consagrado no artigo 266.º do CPC, e do dever de gestão processual previsto no artigo 6.º do CPC, deverá o Tribunal permitir e auxiliar as partes na produção da prova que se afigure necessária ao apuramento da boa verdade da causa e da justa composição do litígio.
XXX. Face ao exposto, deverá o douto Despacho proferido pelo Tribunal de 1.ª Instância ser revogado, devendo ser substituído por outro que admita o articulado superveniente da Autora e/ou admita a junção dos 6 (seis) documentos juntos aos autos, porquanto são imprescindíveis para a justa composição do litígio, o que desde já se alega e requer para todos os efeitos legais.
Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho proferido em conformidade com o exposto e, em consequência, ser substituído por outro que admita o articulado superveniente da Recorrente e/ou a junção aos autos dos documentos nos termos requeridos pela Recorrente.”.

A recorrida apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.

Após os vistos legais, cumpre decidir.
*
FUNDAMENTOS DE FACTO:
Os fundamentos de facto são os que resultam do relatório que antecede.
*
MOTIVAÇÃO DE DIREITO:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do CPC.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, a questão a decidir é saber se deve ser admitido o articulado superveniente e a junção de documentos.
Vejamos.
O art. 588.º do CPC, dispõe que:
1 - Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.
3 - O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido:
a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento;
b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;
c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores.
4 - O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior.
5 - As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta.
6 - Os factos articulados que interessem à decisão da causa constituem tema da prova nos termos do disposto no artigo 596.º.
Como resulta do preceito citado, a superveniência diz respeito a factos, e pode ser de dois tipos, superveniência objetiva que se verifica quando os factos que legitimam o oferecimento de novo articulado ocorrem depois de oferecidos os articulados das partes e, por esse motivo, não podiam ter sido alegados nesses articulados, e superveniência subjetiva que ocorre quando os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito, ocorreram antes do oferecimento dos articulados, mas a sua ocorrência só mais tarde veio ao conhecimento da parte a quem aproveitam.
E, visando, como referido, apresentar factos supervenientes, o articulado superveniente apenas deve ser permitido para trazer aos autos os factos essenciais (a que alude o art. 5.º, nº 1, do CPC), já que os factos instrumentais, bem como os complementares ou concretizadores dos que as partes hajam alegado, e resultem da instrução da causa, podem ser considerados pelo juiz, pelo que não se justifica um articulado superveniente em relação aos mesmos (art. 5.º, nº 2 do CPC).
Posto isto, no caso dos autos, como bem se refere na decisão recorrida, o pedido formulado pela autora é um pedido de demarcação, regulado pelos arts. 1353.º e ss. do Código Civil, sendo que, não obstante a existência física e assumidamente antiga do tapamento do prédio cuja propriedade reivindica, a autora alega que a delimitação entre os prédios é incerta, porquanto há áreas fora da vedação de que é também proprietária cuja delimitação com prédio propriedade da ré é incerta.
Já a ré, em reconvenção, reivindica o seu prédio com limite correspondente ao tapamento existente.
Assim, concordamos com a decisão recorrida quando refere que a factualidade relevante acaba por consistir na existência do tapamento sem a inerente intenção de delimitação, que habitualmente lhe está associada, a observação dos títulos de aquisição, consideração de atos de posse e seus limites, e outros meios de prova, sem perder de vista os prazos de usucapião, como decorre dos arts. 1353.º a 1355.º, do CC.
Ora, apreciando o denominado articulado superveniente apresentado pela autora, constata-se que do mesmo não constam factos supervenientes em qualquer um dos sentidos referidos supra.
A autora alega que:
- “no decurso da primeira sessão da audiência de julgamento, em especial na fase dos esclarecimentos aos Senhores Peritos, ficou claro que o que está em causa é a Autora e a Ré discordarem da localização do limite entre as suas propriedades”;
- a ré não apresenta qualquer prova ou evidência quanto à localização do limite em causa, apenas apresentando dois argumentos, sendo um deles que a área decorrente desse limite era corroborada pela área registada na documentação do seu prédio;
- quanto a esse argumento vem a Autora, através de novos documentos que só agora logrou obter, evidenciar que este argumento também é falso;
- a área dos prédios invocada pela Ré não corresponde aos limites que reclama.
Não se vê qual o facto novo, superveniente, que a autora alega, já que os “factos” acabados de referir constituem o objeto da causa e foram alegados nos articulados da petição inicial e da contestação.
O que resulta é que a autora pretende fazer junção aos autos dos documentos que acompanham o articulado, e constatando que tal junção não seria admissível, pretende juntá-los com o tal articulado.
Como muito bem se diz na decisão recorrida, já transcrita supra, “Percorrendo a factualidade ora trazida pela autora dir-se-á que a evolução das áreas registrais (dado não abrangido pelas presunções derivadas do registo), a que se reportam os arts. 16.º e 17.º há muito está introduzida no processo, sendo referida nos arts. 3.º e 5.º da petição, não sendo por isso factualidade superveniente.
Já a evolução dos títulos desde data muito anterior à relevante em termos de usucapião, alegada nos arts. 18.º a 25.º vem mencionada abundantemente no relatório pericial, pelo que a autora tem já conhecimento dela muito antes dos dez dias posteriores à notificação para audiência final. O aditamento destes factos à discussão em plena audiência é intempestivo, nos termos do transcrito art. 508.º (este artigo é um lapso, sendo o artigo correto o 588.º), n.º 3, alínea c), do CPC.
O mesmo se diga das desanexações realizadas por C..., Lda., após 1996, já mencionadas no art. 54.º da contestação. De qualquer forma estamos a falar de títulos de aquisição anteriores ao da ré e anteriores ao prazo máximo de usucapião à data da propositura da acção.
No art. 53.º a autora pretende introduzir o histórico cartográfico dos prédios desde 1944. Nos autos foi elaborada uma perícia que contempla tal histórico desde 1957, data muito anterior aos títulos de aquisição de autora e ré, e muito anterior ao prazo relevante em termos de usucapião, pelo que não se considera qualquer efeito constitutivo, modificativo, impeditivo ou extintivo destes factos.”.
Das próprias conclusões apresentadas pela autora, nomeadamente, das conclusões VII. e X., resulta que a mesma não pretende alegar factos novos, mas apenas juntar documentos, o que resulta claramente quando diz “VII. O articulado superveniente apresentado resultou do depoimento prestado pelos Peritos em sede de esclarecimentos na audiência de julgamento de dia 07.11.2023, na qual não conseguiram justificar a área do prédio da Ré/Recorrida e, consequentemente, a alegada sobreposição de prédios das Partes.” e “X. Atentas as declarações prestadas a Recorrente verificou existir a necessidade de pesquisas junto da Câmara Municipal ..., Conservatória do Registo Predial e Direção Geral do Território por uma justificação sobre a alegada sobreposição dos prédios da Ré e juntar os documentos obtidos com relevância para a boa decisão da causa, o que fez através do articulado superveniente apresentado.”.
A ocorrer uma situação em que as provas produzidas não se mostrem suficientes para fazer a prova dos factos alegados, a mesma não permite a junção de documentos, quando se mostre ultrapassado o momento próprio para o efeito, e muito menos que se utilize o articulado superveniente para obter esse fim.
Assim, quando na decisão recorrida se diz que quer pela irrelevância, quer pela não superveniência, quer pela intempestividade, o articulado junto será rejeitado, nos termos do art. 588.º, n.º 4, do CPC, nada há a apontar a tal decisão.
E o mesmo vale para a não admissão dos documentos cuja junção a autora pretendia.
O art. 423.º, nº 1 do CPC, dispõe que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
Os nºs 2 e 3 do mesmo preceito preveem exceções a essa regra, dispondo que se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado, e, ainda, que, após esse limite temporal só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
A situação em causa nos autos, integra-se nesta última previsão, já que a requerida junção foi formulada já após o início da audiência de julgamento, pelo que a junção apenas será admissível quando a respetiva apresentação não tenha sido possível até àquele momento, ou se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Não é o caso dos autos.
Todos os documentos em causa podiam ter sido juntos em momento anterior, nomeadamente com os articulados ou nos 20 dias antes da data designada para a audiência de julgamento, por se tratar de documentos já existentes nessa data.
Por outro lado, ao contrário do que a autora pretende, a necessidade da sua junção não resultou de qualquer circunstância ocorrida posteriormente, nomeadamente na sequência dos esclarecimentos prestados pelos senhores peritos na audiência, uma vez que já constava dos autos o relatório pericial, onde os factos objeto da perícia já tinham sido apreciados.
Improcede, assim, o recurso na totalidade.
*
DECISÃO:
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante.

Porto, 2024-09-26
Manuela Machado
Isoleta de Almeida Costa
Ana Luísa Loureiro