PER
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO DE PLANO DE REVITALIZAÇÃO
REJEIÇÃO
NÃO HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL
Sumário

I - Incorre em violação não negligenciável de regras procedimentais relativas à elaboração e apresentação de um plano de recuperação, no âmbito de um PER, o devedor que apresenta um plano que nada esclareça sobre a sua situação patrimonial, financeira e reditícia, que nada esclarece sobre os seus activos, volume de negócios, fluxos financeiros e expectativas de evolução da sua actividade e desses fluxos.
II - Nessas circunstâncias, cabe ao tribunal rejeitar oficiosamente a homologação do plano, sendo irrelevante que o mesmo tenha obtido dos credores a votação necessária à sua aprovação.

Texto Integral

PROC. Nº 5/24.6T8STS.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 7

REL. N.903
Juiz Desembargador Relator: Rui Moreira
1º Adjunto: Juiz Desembargador Ramos Lopes
2º Adjunto: Juíza Desembargadora: Alexandra Pelayo

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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1 – RELATÓRIO
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A..., Lda, veio instaurar o presente processo especial de revitalização, em ordem à superação das suas dificuldades económicas e recuperação.
Em cumprimento do disposto no art. 17.º-F, n.º 1, do CIRE a requerente juntou plano de revitalização.
O credor B..., S.A.R.L. veio opor-se à homologação do Plano, porquanto considera existir violação não negligenciável de normas procedimentais nos termos do artigo 215.º CIRE, violação do disposto nas alíneas d), f) e h) do n.º 2 do artigo 195.º CIRE.
Foi cumprido o contraditório junto de credores e devedora.
A devedora não juntou nova versão de plano, nem apresentou resposta.
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O plano de revitalização apresentado foi votado favoravelmente por credores cujos créditos representam mais de 50% da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, e obteve o voto favorável de mais de 50% dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 a 6 do artigo 17.º-D. Encontra-se, pois, verificada a maioria prevista no artigo 17º-F, nº5, c), pelo que deve ter-se por aprovado o plano de recuperação conducente à revitalização da devedora A..., Lda apresentado nos autos a 05.06.2024.
Com efeito, foram recolhidos votos favoráveis correspondentes a 52,77% dos créditos relacionados com direito de voto, tendo obtido o voto favorável de 62,18% dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto, registando-se apenas votos desfavoráveis correspondentes a 32,10% dos créditos com direito de voto.
O credor B..., S.A.R.L. veio reiterar a pretensão de não homologação do plano de revitalização da devedora, invocando violação não negligenciável de normas procedimentais nos termos do artigo 215.º CIRE e violação do disposto nas alíneas d), f) e h) do n.º 2 do artigo 195.º CIRE.
Foi, então, proferida sentença de não homologação do Plano, por ter sido identificada violação não negligenciável de várias regras que o mesmo deveria ter observado e que o tribunal recorrida teve por não observadas.
É desta decisão que vem interposto recurso, pela devedora, que o terminou formulando as seguintes conclusões:
A. A Recorrente interpõe o presente recurso da douta sentença, datada de 18/07/2024, sob a ref.ª 462336904, proferida pelo douto Tribunal à quo que não homologou o plano, o que fez ao abrigo do art.º 215.º do CIRE, tendo entendido que não foi dado cumprimento ao disposto nas alíneas d), f e h) do nº 2 do art.º 195º do mesmo diploma, fundamento que merece a discordância da recorrente.
B. Antes de mais, faz-se notar que na decisão recorrida não se aponta nenhum vício formal que justifique a afirmação de que ocorreu violação de normas de procedimento, subsistindo apenas a alegada violação não negligenciável das normas atinentes ao conteúdo do plano aprovado.
C. A norma do artigo 216.º do CIRE impõe ao julgador a realização de um juízo de prognose, fazendo a comparação entre a previsível satisfação do direito do credor com e sem plano.
D. No caso em apreço, a Recorrente posiciona-se como empresa de referência no sector da construção e indústrias transformadoras de artigos de mármore e de rochas similares. E tem vindo a desenvolver esforços de comercialização e rentabilização da sua área de atuação, para poder cumprir com os seus credores, o que, aliás, tem vindo a ocorrer durante o PER. A devedora, tal como o apresentou aos credores que, convidados, participaram nas negociações, tem viabilidade financeira, caso o pagamento aos credores seja feito de acordo com o plano que foi aprovado.
E. Ora, sendo a devedora tão-somente proprietária das máquinas que compõem a sua fábrica, tendo como único rendimento o produto da venda dos produtos que comercializa, foi elaborado o Plano de Recuperação que, após negociações com os credores que mostraram interesse nessa negociação, se concluiu ser o mais viável à recuperação da Devedora e ao pagamento dos créditos aos credores.
F. Nesse seguimento, foi solicitado o voto dos credores, tendo o Plano de Recuperação sido devidamente aprovado, dado que obteve uma percentagem de votos positivos que satisfez os requisitos exigidos pelo nº 3 do artigo 17º F e nº 1 do artigo 212º, ambos do CIRE.
G. Estes credores, principalmente os pertencentes à máquina do Estado, AT e Segurança Social, privilegiaram a manutenção e continuação da Devedora em atividade, em vez da sua liquidação e o desmantelamento, e isto sem sacrificarem qualquer parte dos seus créditos e aceitarem o seu pagamento de forma prolongada.
H. Logo, como se pode verificar pelos dados constantes dos autos e pelo supra exposto, não era possível a elaboração do Plano de Recuperação no estrito cumprimento do preceituado na al. d), f) e h) do nº 2 do art. 195º do CIRE, uma vez que, a sociedade não dispõe dos elementos que possibilitam a elaboração nesses termos, pelo que o mesmo não se pode aplicar ao caso concreto.
I. Aliás, a utilização por analogia do disposto no artigo 195º do CIRE, no que respeita ao Plano de pagamentos que é apresentado em sede de Revitalização, salvo melhor opinião, deverá ser feita com muita prudência já que, como resulta claramente da análise do referido artigo, mesmo que não fosse intenção, desde logo existe a inversão da lógica, ou seja, em sede de Insolvência, o Plano é remetido ao processo e só depois de ser aceite é que é disponibilizado aos credores, enquanto no PER só é remetido ao processo, e só se, estiver devidamente aprovado pelos reclamantes com direito a voto.
J. Ademais, e como ficou latente neste processo, sequer se coloca em discussão direitos e privilégios reais sobre o património da devedora, sendo os credores tratados por igual e os votos recolhidos linearmente em função da proposta de pagamento.
K. Desta forma, não se discute quais as posições jurídicas dos credores da insolvência, estando a finalidade bem clara nos próprios princípios orientadores da lei, que permitiu a criação do mecanismo, devendo conter, como refere o nº 2 do art. 195º do CIRE, todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo Juiz, “nomeadamente”.
L. Ora, quando se refere “nomeadamente” entende-se, salvo melhor opinião, que serão os elementos “justa medida” que permitam aos credores ficar esclarecidos e votarem.
M. Não exige que se invente o que não há, tão pouco que se responda a questões que não foram colocadas, como tal, a falta de algum desses elementos não pode, de forma alguma, condicionar um documento que mereceu o voto, sem mais, da larga maioria dos credores, independentemente do seu sentido.
N. Neste caso em apreço, tratando-se de uma atividade que está dependente da carteira de clientes que tem e terá no futuro, seria mera futurologia enganadora efectuar projeções económicas e financeiras, sendo certo que a sua não homologação é sinónimo de destruição.
O. Sendo que, para tentar colmatar tal indefinição utilizou-se uma cláusula de “regresso de melhor fortuna”, fortuna essa que se deseja em benefício de todos.
P. Sendo certo que os credores tinham consciência dessa situação, tendo, no entanto, votado no sentido da aprovação do plano negociado e, finalmente, apresentado, não tendo solicitado, nem proposto, a elaboração de nenhum plano alternativo, porque conhecendo profundamente a situação in casu sabiam que tal não era possível.
Q. Nem tão-pouco tendo, a Credora, B..., S.A.R.L., apresentado qualquer sugestão ou contraproposta, em manifesto desinteresse pela negociação, limitando-se a votar desfavoravelmente a proposta apresentada.
R. Aliás, as alterações efetuadas no Plano de Recuperação final, foram propostas pelos Credores, AT e Segurança Social, não resultam,
S. sequer, de qualquer proposta feita pela Credora B..., S.A.R.L, a qual, diga-se, não está minimamente preocupada com o que se passa neste processo, já que tem a sua dívida garantida e em fase de execução como supra referido.
T. Em suma, não ocorre justificação para a recusa de homologação do plano de recuperação conducente à revitalização da ora recorrente, regularmente aprovado pela maioria dos credores, porquanto não se verifica qualquer violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis (arts. 17º-F, nº 5, e 215º do CIRE).
U. A sentença recorrida violou, nomeadamente, o preceituado nos arts. 17º-A, 17º- F, nº 5 e 195º, todos do CIRE.
V. Assim, impõe-se a revogação da douta decisão proferida, devendo ser substituída por outra que homologue o Plano de Recuperação da sociedade A..., Lda., junto a fls… dos autos, porque aprovado pela maioria dos Credores.
Nestes termos, e nos melhores de direito, que V./Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, em consequência, deve a sentença proferida a 18/07/2024, sob a ref.ª 462336904, ser revogada, e substituída por outra que homologue o Plano de Recuperação da sociedade A..., Lda., junto a fls… dos autos, conforme alegado e concluído, assim se fazendo a costumada e boa… JUSTIÇA!”
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O credor B..., S.A.R.L. apresentou resposta ao recurso, pronunciando-se pela confirmação da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Cumpre apreciá-lo.
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2- FUNDAMENTAÇÃO
Não cabendo a este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
No caso, cumpre decidir se, atenta a aprovação do Plano de recuperação da devedora, pelos respectivos credores, deveria ser homologado, por as circunstâncias do Plano apontadas pelo tribunal recorrido não consubstanciarem violação não negligenciável de regras procedimentais aplicáveis à respectiva elaboração e apresentação.
Na sua decisão, o tribunal atentou nos pressupostos enunciados no relatório que antecede, bem como no conteúdo do Plano de Recuperação votado pelos credores, que consta do seguinte:
“(…)
5. Descrição da situação patrimonial, financeira e rediticia da devedora.
A devedora tem uma carteira de clientes bastante ampla e é largamente reconhecida por clientes, fornecedores e comunidade em geral
Desenvolvendo a sua atividade no sector da construção e indústrias transformadoras de amigos c mármore e de rochas similares, um dos mais penalizados pelo estado da economia nacional longo dos últimos anos, tem uma carteira de clientes que lhe faz pensar que ultrapassadas dificuldades económicas e financeiras que se vivem no nosso país e restante europa tem condições de se tomar uma empresa novamente viável do ponto de vista económico.
6. Quadro Económico e financeiro
A devedora desenvolve a sua actividade no sector da construção civil e indústrias transformadoras de mármore e de rochas similares, um dos mais penalizados pelo desenvolvimento da economia nacional, ao longo dos últimos anos.
7. Plano de revitalização
Considerando o plano de revitalização como forma de recuperar a empresa contém este seguintes orientações
- Limitação do valor dos créditos sobre devedora, quanto a juros
- Condicionamento de reembolso de todos os créditos ás disponibilidades da devedora
- Modificação dos prazos de vencimento dos créditos
8. Reestruturação do passivo e Acordos de pagamentos
Quanto ao Acordo de pagamento e reestruturação de passivo, resulta a seguinte proposta:
Fazenda Nacional e Instituto da Segurança Social, IP

O pagamento aos credores públicos em referência tem em consideração os seguintes elementos
(…)
8.1. - Fazenda Nacional
- Amortização da totalidade da divida em 150 prestações mensais iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação no mês seguinte ao término do prazo previsto no do artigo 17º-D do CIRE, (…)
- Pagamento de juros vencidos calculados de acordo com a taxa de juros de mora aplicáveis às dividas ao Estado e outras entidades públicas
- Garantias Manutenção das garantias constituídas e dispensa de constituição de garantias adicionais (…)
- Não haverá lugar a redução de coimas e custas.
- Não há lugar a qualquer moratória
- Constituição de penhor voluntário sobre todos os bens móveis sitos na sede devedora
- Constituição, dentro do mês seguinte ao termino do prazo previsto no n° 5 ao artigo 17º D do CIRE, caso as garantias oferecidas, após apreciação da sua idoneidade e suficiência, pelo órgão do execução fiscal não se mostrem suficientes de reforço das garantias prestadas, sob pena do disposto no n" 8 do artigo 199º do CPPT
- Ao capital em divida aplicar-se-á a taxa de juros vincendos resultante da aplicação ao disposto nos nºs 3 e 5 do artigo 3º do Decreto-Lei 73/99 do 16/3 o em convergência com a taxa aplicável aos créditos da Segurança Social
Pagamento de todas as dívidas cujo facto tributário seja posterior ao inicio do PER nomeadamente, e na presente data, o PEF nº ... (IRS/DMR de fevereiro de 2024)
Para os efeitos previstos no n³ 1 do Artigo 17º - E determina-se, nos termos da sua parte final, que a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT0.
8.2. - Instituto da Segurança Social
a) A totalidade da dívida reconhecida à Segurança Social no PER será regularizada através de Plano Prestacional, no âmbito da Execução Fiscal em 150 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação até ao final do mês seguinte ao da votação do piano de revitalização;
b) Pagamento de juros vencidos calculados do acordo com a taxa de juros de mora aplicáveis às dividas ao Estado e outras entidades públicas
c) Garantias Manutenção das garantias constituídas e dispensa de constituição de garantias adicionais, nos termos do artigo 199° nº 13 do CPPT
d) As ações executivas pendentes para cobrança de divida â segurança social no âmbito das quais será implementado o plano prestacional não são extintas sendo suspensas nos termos do artigo 194" do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social na sequência da presente autorização e até integral cumprimento do plano de pagamentos autorizado'
9. Credores privilegiados
Aos credores privilegiados com excepção da Segurança Sociai e Autoridade Tributária constantes a lista de credores junta aos autos a amortização da totalidade da divida em 150 prestações mensais, iguais e sucessivas vencendo-se a primeira no prazo de 30 dias apôs o trânsito em julgado da homologação do Plano de Revitalização
10. Créditos garantidos
Os credores com garantia patrimonial/pessoal constantes da lista de credores junta aos autos.
Capitulação do juros vencidos e corridos e outros encargos contados até pagamento integral da divida a taxa de 3,5% ao ano.
A divida será paga no prazo de 20 anos contados a partir da data de trânsito em julgado da sentença da sentença de homologação do Plano.
11. Credores comuns
- Os credores constantes da lista de credores junta aos autos
- Capitalização de juros venados e corridos e outros encargos contados até pagamento integral da divida à taxa de 3,5% ao ano
- A divida será paga no prazo de 20 anos, contados a partir da data de trânsito em julgado sentença da sentença de homologação do Plano,
12. Outras condições
Caso se verifique que a empresa se encontra em melhor situação econômica do que a prevista o presente Acordo e sem prejuízo da não descapitalização da sociedade que tome impossível integral cumprimento do presente acordo e, assim a Revitalização projetada poderá ser equacionada a antecipação total ou parcial dos pagamentos parciais previsto no presente Acordo sempre com respeito pelos limites máximos previsto no presente Acordo rateado pelos credor sem prejuízo da preferência dos novos credores ("melhor fortuna").
- Ficam sem efeito quaisquer outros Acordos de pagamento acordados, com excepção do credor Segurança Social e Autoridade Tributária, relativamente a créditos reclamados no Processo
- Manutenção de garantias avales e penhores existentes durante o período de execução do presente Acordo, sobre a Revitalizada e os seus avalistas, com excepção do credor Segurança Social e Autoridade Tributária, mantendo-se, quanto a estes dois credores as garantias já prestadas até à extinção da totalidade da divida por pagamento.”
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Apreciando o plano em questão, o tribunal apontou-lhe várias insuficiências, que subsumiu ao conceito legal de violação não negligenciável de regras aplicáveis ao conteúdo do Plano. E isso por várias razões, a saber:
1ª- O plano não especifica como a devedora “… irá obter rendimentos através da sua atividade, não apresentando qualquer plano de investimentos, conta de exploração previsional, demonstração previsional de fluxos de caixa pelo período de ocorrência daqueles pagamentos”; não especifica o “… ativo, nada referindo o Plano quanto ao ativo da sociedade, não apresentando qualquer balanço pró-forma, com elementos do ativo e do passivo, ….”.
Entendeu o tribunal que isso configura violação do disposto no art. 17.º-F, n.º 1 h), de conteúdo idêntico à al. d) do n.º 2 do art. 195.º CIRE.
2ª- O plano só refere de forma genérica a situação patrimonial e laboral da empresa, nada referindo em concreto quanto à sua situação patrimonial, financeira e reditícia, quanto aos valores dos ativos da sociedade ou da própria (in)existência de ativos da sociedade.
Entendeu o tribunal que isso configura violação do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 17.º-F CIRE.
3ª- O Plano nada refere quanto ao impacto expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de insolvência (al. f) do n.º 2 do art. 195.º). O plano não refere as consequências para os credores num cenário alternativo de insolvência e eventual subsequente liquidação, pois que nada informa sobre o ativo da sociedade, ficando os credores e o Tribunal sem saber se a sociedade tem ou não ativo suscetível de vir a ser apreendido num cenário de liquidação e insolvência e qual o valor do ativo, impedindo desse modo a tomada consciente de voto quanto à aprovação do plano, por parte dos credores.
Entendeu o tribunal que isso configura violação do disposto na al. f) do n.º 1 do art. 195º do CIRE.
O nº 1 do art. 17º-F do CIRE estabelece com rigor o conteúdo mínimo do plano de recuperação a apresentar aos credores, para que estes possam instruir a sua vontade de o votarem positivamente, sendo caso disso. Dispõe, por isso, que o plano deve conter “pelo menos, as seguintes informações” (aqui se referindo apenas as que relevam para o caso):
b) A descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia da empresa no momento da apresentação da proposta do plano de recuperação, indicando, nomeadamente, o valor dos ativos, e fazendo uma descrição da situação económica da empresa;
h) Os fluxos financeiros da empresa previstos, incluindo designadamente plano de investimentos, conta de exploração previsional e demonstração previsional de fluxos de caixa pelo período de ocorrência daqueles pagamentos, especificando, fundamentadamente, os principais pressupostos subjacentes a essas previsões e o balanço pró-forma, em que os elementos do ativo e do passivo, tal como resultantes da homologação do plano de recuperação, são inscritos pelos respetivos valores.
Para além disso, cabendo aplicar à situação o regime do art. 195º do CIRE, por remissão do nº 7 do mesmo art. 17º-F, deverá o plano conter informação sobre o impacto expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de insolvência.
Como se esclarece no Ac. do TRC de 28/6/2017 (proc. nº 8389/16.3T8CBR.C1, em dgsi.pt), resulta deste regime que “o juiz está vinculado ao dever de controlar a legalidade do plano de revitalização, aprovado pelos credores, devendo recusar, mesmo ex officio, a sua homologação quando, nos termos do ali plasmado, ocorrer violação não negligenciável de regras procedimentais, ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza.”
A par de Carvalho Fernandes e J. Labareda (CIRE Anotado, em anotação ao art. 215º, nota 4, pg. 781) continua esse acórdão a esclarecer que regras procedimentais são todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos procedimentais que nele devem ser dados até que os credores decidam sobre as propostas que lhes foram apresentadas – incluindo, assim, as regras que disciplinam as negociações a encetar entre os credores e o devedor e as regras que regulam a aprovação e votação do plano – e, bem assim, as relativas ao modo como o plano deve ser elaborado e apresentado.”
É óbvia a relevância das informações em questão. A viabilidade de uma empresa só é aferível se, além de se conhecer a sua actividade e a vontade dos seus gerentes ou administradores para continuarem a desenvolvê-la, bem como a existência de mercado para o respectivo resultado, se conhecerem também a sua situação patrimonial, financeira e reditícia, o que inclui saber os seus activos (designadamente stocks de matéria prima e de produto acabado, sendo caso disso), equipamentos e sua condição, a disponibilidade de meios financeiros ou o acesso a financiamento que seja necessário à continuação da actividade. Por isso se justifica o disposto na al. b) do nº 1 do art. 17º-F.
E bem se compreende ser também imprescindível que o plano disponibilize a informação especificada na al. h) do mesmo preceito, referente à previsão do comportamento económico da empresa, no prosseguimento da sua actividade e em cumprimento do plano: “… os fluxos financeiros da empresa previstos, incluindo designadamente plano de investimentos, conta de exploração previsional e demonstração previsional de fluxos de caixa pelo período de ocorrência daqueles pagamentos, especificando, fundamentadamente, os principais pressupostos subjacentes a essas previsões e o balanço pró-forma, em que os elementos do ativo e do passivo, tal como resultantes da homologação do plano de recuperação, são inscritos pelos respetivos valores”.
É incontroverso – como o foi para o legislador - que uma razoável e fiável descrição do que se espera que venha a ser a evolução da empresa seja essencial para a instrução da vontade dos credores quanto à votação do plano.
Por outro lado, a análise conjugada de tais elementos permitirá que o plano demonstre o que constitui necessariamente um dos seus pressupostos: que o resultado da implementação do plano será mais vantajoso para os próprios credores do que a situação que resultaria da sua ausência, designadamente de uma eventual insolvência. É o que refere a al. f) do art. 195º do CIRE.
Referem Carvalho Fernandes e J. Labareda (CIRE Anotado, em anotação ao art. 195º, nota 5, pg. 716). “… a elaboração do plano não tem de obedecer a um modelo estereotipado comum a todas as situações.
Deve é ser preparado em termos de, conforme os casos e as circunstâncias, contenha a análise dos diversos aspetos considerados na lei, exatamente porque se supõe que no necessário para permitir a cabal compreensão das respetivas propostas.”
E, salientando a sua relevância, esclarecem que a circunstância de os credores não apontarem eventuais omissões da informação necessária, não releva para dispensar o correspondente controlo judicial. Referem-no assim: “A solução, porém, não é esta, segundo o que se depreende do art. 215.°. Seja qual for o melhor significado a atribuir a esta norma, sempre resulta que, pelo menos, algumas violações das regras aplicáveis ao conteúdo do plano são determinantes da sua não homologação oficiosa; daí a consequência de os vícios não poderem considerar-se supridos simplesmente pelo facto de ter havido uma manifestação de vontade maioritária dos credores traduzida na aprovação.”
Atentando no plano cuja parte útil acima se transcreveu, é óbvio que as considerações genéricas que ali se descrevem a propósito da situação patrimonial, financeira e reditícia da requerente nenhuma informação útil contêm que permita avaliar a capacidade da empresa para continuar a sua actividade. Apenas invoca a sua carteira de clientes. Não se sabe se tem stocks de matéria prima ou de produto para vender; se tem maquinaria em estado que permita continuar a sua actividade; se tem algum capital ou se precisa de obter financiamentos; se tem créditos sobre clientes. Não dá a conhecer minimamente o volume da sua actividade e se tem perspectivas de a fazer crescer ou se o seu plano passa por, por exemplo, uma especialização em determinado nicho de mercado, descartando outros onde não se consegue impor. Não explica se espera incrementar ou diminuir os seus fluxos financeiros, bem como se espera ganhos que lhe facultem o pagamento das responsabilidades acumuladas. Nem se conhece, sequer por aproximação, o seu activo, para que se possa especular sobre se os seus credores veriam os seus interesses mais acautelados por outra via que não a da implementação deste plano.
Contrariamente ao que alega a ora apelante, a identificação de tais elementos não corresponde a pura “futurologia enganadora”, melhor substituída pela estipulação de uma cláusula de regresso de melhor fortuna. Eles são, isso sim, essenciais, para que se compreenda a situação da empresa, a sua provável evolução e, assim, se é razoável impor a todos os credores – mesmo aos que não tenham integrado a negociação – nº 11 do art. 17º-F do CIRE.
Nestas circunstâncias, só pode concluir-se, em concordância com o tribunal a quo, que o plano apresentado pela requerente, não obstante ter merecido suficiente aprovação por parte dos seus credores, é claramente inadequado, incompleto, inepto para o necessário cumprimento das normas procedimentais tidas por essenciais pelo legislador. A implementação de um plano assim apresentado é uma aposta no desconhecido, uma manifestação de fé sem qualquer alicerce, que o tribunal deve prevenir.
Com efeito, o pendor genérico e omissivo com que se pode legendar o plano sob apreciação resulta na conclusão tirada pelo tribunal recorrido: incumpre as regras previstas nas als. b) e h) do nº 1 do art. 17º-F do CIRE e na al. f) do art. 195º do CIRE.
Tal incumprimento de regras procedimentais aplicáveis à elaboração e apresentação de um Plano de recuperação é relevante, ou seja, não pode ter-se por negligenciável.
Por conseguinte, só pode concluir-se pelo acerto da decisão recorrida, que resta confirmar.
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Sumário:
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3 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em negar provimento à presente apelação na confirmação da decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Registe e notifique.
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Porto, 8 de Outubro de 2024
Rui Moreira
João Ramos Lopes
Alexandra Pelayo