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PROCESSO JUDICIAL DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
CONFIANÇA COM VISTA A FUTURA ADOPÇÃO
DESINTERESSE DOS PROGENITORES
Sumário
- O processo de promoção dos direitos e proteção das crianças e dos jovens em perigo obedece aos referidos princípios consagrados no art.º 4.º, da LPCJP, através de uma intervenção mínima, proporcional e atual, com vista à salvaguarda do interesse superior das crianças. E, se possível, por meio da responsabilidade parental e com prevalência da família. - Não se verifica o pressuposto para a medida de promoção e proteção de confiança à família de acolhimento com vista a futura adoção, de manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança, quando, entre o mais: a) A mãe comparece em 67,27% das visitas programadas e falta injustificadamente a 3 delas, ou seja a 5,45%. E o pai comparece a 41,81% dos encontros; b) Os pais trocam mensagens com a equipa de acompanhamento e manifestaram interesse na situação e vida quotidiana das filhas, revelando satisfação nas fotografias e filmes que recebiam, perguntando “como estão as nossas princesas”, pedindo para lhes darem um beijinho, agradecendo a informação prestada e à família de acolhimento; c) Os pais brincam e vão de encontro às solicitações e atenção das filhas, explorando os brinquedos. Ambos os pais são adequados, sendo a mãe que, em alguns momentos, aparentou mais competência e facilidade na interação com as filhas, comparativamente ao pai. Ainda assim, os pais, em conjunto, têm tentado corresponder, procurando ir de encontro às brincadeiras das filhas, demonstrando manifestações de carinho e afeto para com elas, devolvendo-lhes, inclusive, que gostam muito delas; - São de desconsiderar as opiniões da Assessoria Técnica que, perante a reconhecida evolução favorável do relacionamento entre pais e filhas logo sentencia que: “Pese embora a manifesta disponibilidade que os pais, agora, revelam para estes acompanhamentos, não é garantia da sua real disponibilidade para a mudança, dado que somente quando passou a existir essa exigência por parte do douto Tribunal, os pais mostraram essa adesão” (…) “as mudanças que daí possam advir, não vão ao encontro do tempo útil de MC e MF”.
Texto Integral
Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório.
1.1. Os presentes autos iniciaram-se com o requerimento do Ministério Público para aplicação, a título cautelar, da medida de apoio junto dos pais, pelo período de três meses, relativamente às menores:
- MC, nascida a 24 de Maio de 2020 (…); e
- MF, nascida a 24 de Maio de 2020 (…).
A CPCJ de Lisboa Oriental deliberou no dia 15/3/2021 a medida cautelar de apoio junto dos pais por seis meses por acordo subscrito por estes. Porém, no dia 17/3/2021, o pai comunicou à CPCJ que esteve a falar com a sua doutora e que retirava o seu consentimento.
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1.2. No dia 5/4/2021 foi decidido aplicar a título cautelar a medida de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe, pelo período de 3 meses.
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1.3. No dia 27/7/2021, a Equipa de Assessoria Técnica ao Tribunal informou que a mãe, na sequência de alegada agressão do pai, saiu da casa de morada de família.
Nesse dia foi decidido aplicar a favor das crianças MC e MF a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, a título provisório, por 3 (três) meses, ficando as menores colocadas à guarda e cuidados da instituição. Mais foi decidido que, caso seja possível a integração da Mãe e das crianças em Casa Abrigo, deverá ser privilegiada tal situação. No entanto, se a Progenitora pretender sair, após o seu acolhimento, não poderá fazer-se acompanhar das crianças, sendo estas encaminhadas para Casa de Acolhimento.
Uma vez que a mãe e as menores se deslocaram para Bragança, no dia 5 de Agosto de 2021, a P.S.P. informou que nesse dia se deslocou à casa onde aquelas se encontravam e confirmou que: “na mesma habitação, residem também CP (avó materna das crianças) e AP (tia das crianças); Da avaliação efectuada pelos técnicos da CPCJ e dos Agentes que se deslocaram ao local, verificaram que as crianças em referências se encontravam bem de saúde, em bom estado de higiene e anímico, não se revelando de momento, qualquer estado de perigo para a integridade física ou psicológica das crianças; e, desta forma considerou-se razoável, manter a guarda das crianças aos cuidados da mãe, disponibilizando a CPCJ de Bragança o apoio necessário”.
Nessa sequência, no dia 13/8/2021, foi decidido rever a medida cautelar, substituindo a medida de acolhimento residencial pela medida de apoio junto dos pais, na pessoa da progenitora, nos termos e com os fundamentos do despacho de 5 de abril de 2021.
Entretanto, a mãe regressou a Lisboa, para junto do pai.
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1.4. No dia 20/10/2021 e na sequência da indicação da Equipa de Assessoria Técnica ao Tribunal da SCML, foi decidido:
1. Aplicar, a título cautelar, a medida de acolhimento familiar em benefício das crianças, sendo de acolhimento residencial até e enquanto não for identificada família para o efeito.
2. Determinar que se solicite, com urgência, a indicação de família/instituição à equipa de gestão de vagas.
3. Nomear a EATTL como entidade responsável pelo acompanhamento da execução da medida, a quem se solicita relatório de acompanhamento dentro de 2 meses para efeitos de revisão da medida, sendo-o relativo à situação vivencial das crianças, projeto de vida e alternativa à promoção e proteção, altura em que será designada data para as audições.
As menores foram acolhidas por uma família.
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1.5. Os pais foram ouvidos no dia 2/6/2022, tendo ambos declarado, entre o mais, que aceitam a medida proposta pela EATTL e a intervenção da “Prochild”, assumindo o compromisso de que irão colaborar com estas equipas.
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1.6. No dia 19/12/2022, a EATTL informou das visitas dos pais às menores e considerou que: “Tal como referido em Informação ao Processo enviada anteriormente, sente esta equipa que a intervenção junto destes pais está a ocorrer sobre a premissa errada, no sentido em que os mesmos continuam sem reconhecer os motivos do acolhimento das duas crianças, as suas fragilidades parentais, assim como não admitem haver violência doméstica no seio do casal”.
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1.7. No relatório de perícia médico-legal de psicologia de 27/2/2023, a Sra. Perita Médica concluiu que: “Considera-se importante o acompanhamento do sistema familiar, com particular incidência no trabalho da relação do casal parental, não só para melhor compreender as atitudes dos mesmos perante as suas filhas, como para fomentar atitudes parentais que acolham a evolução salutar destas crianças num ambiente familiar nutritivo”.
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1.8. A mãe apresentou alegações em que defendeu possuir as competências parentais necessárias. Durante aproximadamente um ano e seis meses, foi a mãe que cuidou das filhas, até o momento em que lhe foram retiradas por razões alheias a seu comportamento.
As crianças devem ser entregues a sua progenitora, aplicando-se a medida prevista no art.39º, da LPCJP, ou seja “apoio junto aos pais,” complementado com um programa de educação parental.
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1.9. A Ilustre Defensora oficiosa da menor MC defendeu a salvaguarda das menores.
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1.10. O Ministério Pública pugnou pela aplicação da medida de promoção e proteção de confiança à família de acolhimento com vista à adoção.
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1.11. Procedeu-se ao debate judicial. No decurso do mesmo, no dia 7/7/2023, foi proferido o seguinte despacho:
“Proferidas as alegações finais e tendo em conta as várias soluções plausíveis para a questão decidenda, considerando o interesse dos pais na concretização de mudanças efetivas na sua situação vivencial com vista à reintegração familiar das filhas; no compromisso assumido em juízo de que estão disponíveis para beneficiar de terapia familiar e de apoio psicológico em ordem a se capacitarem para a reintegração das crianças MC e MF; considerando ainda a prematuridade das crianças e o facto de as mesmas serem gémeas sendo aventado pelos pais que o atraso do seu desenvolvimento poderá ser decorrente das várias otites serosas de que padeceram e que comprometeram a sua audição e até eventualmente o seu equilíbrio e que o facto de serem prematuras pode, por si só, justificar o atraso que evidenciavam à data da retirada das crianças e da sua colocação na família de acolhimento, o Tribunal entende, por não se julgar suficientemente esclarecido, que será de reabrir a audiência para produção de prova complementar. Assim, ao abrigo do disposto do art.º 607 n.º 1 do CPC, determino a produção de prova complementar, suspendendo o debate judicial por um período de 3 (três) meses, com vista a que os autos estejam munidos dos seguintes elementos probatórios: --- 1. Oficie à NATT-PP para a realização de prova complementar, devendo juntar relatório decorridos que sejam dois meses e meio, avaliando a disponibilidade destes pais para alterarem comportamentos em ordem a se constituírem no futuro como alternativa para as filhas, solicitando, com muita urgência: --- a) O encaminhamento urgente dos pais para terapia familiar, preferencialmente na (…), atendendo às diligências já realizadas com vista ao acionamento deste apoio. --- b) O encaminhamento urgente da mãe para beneficiar de apoio psicológico, na instituição “mais igualdade”, em face das declarações da mesma, prestadas hoje em audiência, que assumiu o compromisso de comparecer em consulta e atendendo às diligencias já realizadas com vista ao acionamento deste apoio; --- 2. Oficie à creche que as crianças frequentaram, desde 5 de setembro de 2021 até à colocação na família de acolhimento, CAI (…), solicitando informações sobre o estádio de desenvolvimento das crianças àquela data, se as mesmas tinham um desenvolvimento adequado à idade ou revelavam atrasos; se sim quais, e se esses atrasos se podiam atribuir à falta de estímulo no ambiente familiar onde estavam inseridas; quem habitualmente assegurava as recolhas e entregas das crianças; se as mesmas eram assíduas, se compareciam com sinais de estarem assegurados os cuidados básicos; se os pais eram colaborantes com a equipa educativa. --- 3. Oficie ao Centro (…) solicitando informações sobre o acompanhamento de saúde das crianças (v.g. regularidade das consultas; adesão dos pais às orientações do pessoal médico); estádio de desenvolvimento das crianças, se revelavam atrasos, se sim quais, e as possíveis causas”.
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1.12. No dia 14/7/2023 o Núcleo de Assessoria Técnica ao Tribunal comunicou ao tribunal o seguinte:
“Vimos, pela presente, informar o douto Tribunal que F e J, pais das crianças suprarreferidas, solicitaram junto da UAACAF/SCML, que as suas visitas às filhas fossem intensificadas, e momentos de convívio com elas na presença de outros familiares, concretamente a avó e duas tias paternas. Tal como é do conhecimento do douto Tribunal, volvidos 19 meses em que MC e MF se encontram em acolhimento familiar, sem que os pais reconhecessem, até à data, qualquer situação de perigo e, consequentemente, qualquer capacidade ou vontade de mudança para os debelar e que foram enunciados por este NATT-PP junto do casal, e, paralelamente, uma intervenção inviabilizada pela postura dos pais, não teve esta equipa outra alternativa se não propor um projeto de vida alternativo à família biológica. Efetivamente, os pedidos agora realizados pelo casal, já deveriam ter tido lugar há vários meses, até porque já haviam sido sensibilizados por esta equipa, no passado, sobre essa matéria. Existindo, agora, uma proposta de alteração da Medida de Acolhimento Familiar para a Medida de Confiança à Família de Acolhimento com Vista à Adoção, os pais fazem os movimentos que deveriam ter realizado há vários meses, e que o NATT-PP considera que já não vão ao encontro do tempo útil de MC e MF”.
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1.13. No dia 17/6//2024 foi proferido acórdão que decidiu:
1. Aplicar a favor das crianças MC e MF a medida de promoção e proteção de confiança à família de acolhimento com vista a futura adoção, confiando-as, para o efeito, ao casal constituído por VA e PA, onde já se encontram integradas, até ser decretada a adoção.
2. Nomear como curadora provisória das menores VA e até ser decretada a adoção.
3. Declarar inibidos das responsabilidades parentais das crianças os seus progenitores.
4. Proibir as visitas às crianças por parte dos seus pais e de quaisquer elementos da família biológica.
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1.14. A mãe J interpôs o presente recurso de apelação em que formulou as seguintes conclusões:
1. O objecto do presente recurso é o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, proferido a fls… (datado de 17-06-2024, cuja leitura foi realizada no mesmo dia), designadamente, no segmento que decreta a medida de promoção e proteção de confiança de MC e MF, nascidas aos 24 de Maio de 2020 à família de acolhimento com a qual se encontra, com vista à futura adoção.
2. O âmbito do presente recurso é assim o Acórdão proferido a fls… datado de 17- 06-2027, os factos e a prova, e a aplicação do Direito aos factos.
3. O Acórdão ora em crise não acautela o superior interesse das Menores.
4. O Tribunal a quo desconsiderou, quase por completo, as declarações da Mãe prestadas em sede de debate judicial e as declarações de outras testemunhas.
5. Ainda, o Douto Tribunal a quo violou, entre outras disposições legais, o disposto nos arts. 34.º, 35.º, 38.º-A e 62.º-A da LPCJP, e art. 1978.º do Cód. Civil, no sentido de não ter sido acautelado o superior interesse das Menores.
6. O Tribunal a quo rompeu os laços com a família biológica, em concreto com a Mãe, que se demonstrou ter sido durante largo período de tempo a principal cuidadora e porto de abrigo das menores, violando os princípios da “prevalência da família” e da subsidiariedade da aplicação da medida de promoção e proteção de “confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção”.
7. A Mãe foi durante um largo período de tempo quem alimentou a MC e MF, lhes deu banho, vestiu, que delas cuidou diariamente, em suma, a Mãe foi a principal cuidadora e porto de abrigo das filhas, sendo por isso a sua figura de referência. A Mãe primou pelo desenvolvimento harmonioso da MC e MF.
8. A vinculação das crianças é perante a Mãe, não se podendo conceder que, neste caso, a MC e MF sejam confiadas a família de acolhimento com vista a futura adoção.
O Douto Tribunal a quo deu, erroneamente, como provados, os factos n.º 3.1.20., 3.1.25, 3.1.31., 3.1.49., 3.1.55, 3.1.58, 3.1.64, 3.1.66, 3.1.67, 3.1.89, 3.1.91, 3.1.96, 3.1.98, 3.1.125, 3.1.129. 3.1.130.
10. As crianças foram retiradas de casa dos pais no dia 5/11/2021, e após essa data a primeira visita dos pais deu se no dia 16/11/2021, após inúmeras tentativas dos pais junto as técnicas responsáveis com o objetivo de rever as filhas. O lapso de tempo de 11 dias logo após serem retiradas de casa, sem a visita dos pais não assegura a integridade emocional dessas crianças, sem nenhuma explicação plausível por parte da equipa técnica.
11. A Mãe sempre buscou as crianças a porta nos dias das visitas, e sempre preocupou em primeiro lugar com o bem estar das filhas.
12. O momento de visita entre mãe e filhas era de muitas brincadeiras e prazeroso para as crianças e para a mãe, razão pela qual as crianças saíam felizes dos momentos de visita.
13. A Mãe compreende quando há riscos para a integridade física ou emocional das crianças, no entanto ela tem consciência que as filhas nunca tiveram em ambiente de risco em casa.
14. As crianças R, J, S e T, foram acolhidos na Casa de Acolhimento (…), porque moravam numa cassa arrendada com a Mãe, o senhorio pediu a casa para uso próprio, ou seja a progenitora ficou sem habitação.
15. O filho mais velho R, tem dificuldade em aceitar o atual companheiro da mãe, pois para o filho R, ninguém poderia ocupar o lugar do seu pai biológico. A mãe nunca deixou que faltasse alimentação aos filhos.
16. As gémeas respondiam quando chamadas pelo nome, também sempre direcionaram o olhar para os adultos quando estavam em casa dos progenitores. A mudança de comportamento nas gémeas foi devido a brusca retirada das crianças da casa dos pais e devido ao lapso de onze dias seguintes a essa retirada sem que as crianças voltassem a ver os pais, facto que as técnicas nunca conseguiram explicar ao longo de todo o processo.
17. A mãe sempre ofereceu uma alimentação completa e equilibrada para as filhas, sopa, fruta, e havia começado a introduzir a alimentação semelhante a da família. A primeira família de acolhimento em depoimento junto ao tribunal a quo relatou que as gémeas comiam de tudo quando chegaram e estavam muito bem cuidadas e bem vestidas.
18. MC e MF nasceram a 36 semanas, prematuras e oriundas de uma gravidez gemelar, sendo natural que os marcos de desenvolvimento aconteçam mais tarde num prematuro. Além disso as gémeas sofrem de quadros de otites médias agudas de repetição, o que pode acarretar algum atraso na linguagem. Quanto a socialização, não espera se outro comportamento das crianças que foram retiradas da casa dos pais abruptamente.
19. A mãe efetuou queixas contra o companheiro entretanto, no decorrer de todo o processo, a Mãe sempre negou a veracidade do teor das queixas, referiu que tinha o objetivo de conseguir apoio, nomeadamente uma casa camararia devido ao facto da sua família viver no Norte e estar sozinha em Lisboa.
20. Os pais sempre foram preocupados com o estado de saúde das filhas, inclusive porque as gémeas apresentam crises recorrentes de otite.
21. A mãe sempre conseguiu fazer com que as brincadeiras fossem divertidas para ambas, sempre conseguiu gerir bem os momentos de visitas.
22. A J é seguida em consultas de psicologia na estrutura Lisboa+lgualdade pela Drª (…), desde outubro de 2023, tendo auferido de 21 consultas até a data do relatório 21-05-2024, que consta do processo a fls. 848 em que refere: “A J é assídua às consultas, tem um discurso coerente e organizado,… A paciente apresentou inicialmente como objetivo para o seu acompanhamento, melhorar a qualidade da relação com o atual companheiro e, diminuir a impulsividade que surge no contexto do conflito conjugal…
As principais preocupações trazidas à consulta têm sido: - A situação das filhas gémeas e a possibilidade de "ficar sem elas e nunca mais as ver" cit. Tem sido trabalhado em consulta as várias possibilidades de desfecho desta situação e a forma menos dolorosa de aceitar as decisões que vierem a ser tomadas, acreditando que, a melhor decisão será para o bem maior das meninas, no entanto, a J acredita na possibilidade de reaver as filhas e de poder desempenhas o seu papel de boa mãe e cuidadora, tal como faz com o seu filho mais novo. A situação vivida pelos quatro filhos em Bragança, após a morte a avó, reconhecendo que "eles viam na avó uma mãe e agora estão sozinhos" cit. Tem falado com eles e receia que não estejam bem aos cuidados da tia, no entanto, já informou o tribunal desta situação e disponibilizou-se para o que for necessário”.
23. A Mãe nunca pretendeu que as visitas cessassem, sendo um momento muito feliz para mãe e filhas.
24. Dando-se assim cumprimento ao estatuído no art. 640.º, n.º 1 do Cód. de Processo Civil, aplicado ex vi art. 126.º do LPCJP, cumpre ainda referir que o Douto Tribunal a quo considera que as crianças usufruíam de momentos de brincadeira com os pais, sendo então as visitas um momento prazeroso para os quatro, interagindo entre ambos através dos brinquedos existentes na sala ou, por vezes os pais levaram plasticina para brincar com as filhas, o que era do agrado destas”.
25. Que a mãe declarou que apresentou queixas junto das autoridades policiais em momentos de zanga do casal, mas não por ter sido vítima, apenas para poder obter benefícios, como uma casa camarária, já que estava sozinha em Lisboa, sem apoio de familiares”.
26. A progenitora, J, tem atualmente 34 anos, 9º ano de escolaridade e desde agosto de 2022, que iniciou funções como empregada de limpeza no (…). Do seu certificado de registo criminal nada consta”.
27. As crianças nasceram com 36 semanas de gestação, de parto natural, sendo habitualmente seguidas em pediatria e também em otorrino, por terem um quadro de otites recorrentes, tendo sido sujeitas a intervenção cirúrgica no início deste ano”.
28. Os pais têm como rendimentos a prestação social para a inclusão (PSI) atribuída ao progenitor, no valor aproximado de €867,00, a que acresce o salário da progenitora, no valor mensal de €690,00, pagando de renda o valor de €302,00, vivendo atualmente sem dificuldades financeiras”.
29. Vivem numa casa camarária, de tipologia T2, com boas condições.
30. No decurso das visitas ambos os pais são adequados, procurando corresponder e ir de encontro às brincadeiras das filhas, demonstrando manifestações de carinho e afeto para com elas, devolvendo-lhes, inclusive, que gostam muito delas.
31. A Mãe demonstrou nos presentes autos que ama e se preocupa com suas filhas, MC e MF, e que quer voltar a ser a sua principal cuidadora e porto de abrigo. A Mãe tem competências parentais para receber a confiança e guarda das filhas.
32. Em sede de debate judicial, a Mãe proferiu, designadamente, as seguintes expressões: − “ Meu filho nunca quis nenhum homem ao pé de mim a não ser o pai, ou era o pai ou não era ninguém.” (rotações 00:20 do seu depoimento); − “O que fazia com as meninas? Como era o seu dia a dia”? (instâncias da Meritíssima Juiz a rotações 00:33) –“De manhã dava leitinho, depois ao meio da manhã dava uma frutinha, ao meio dia dava o almoço, a sopa, mais uma frutinha, depois era o lanche, jantar, mas entretanto brincávamos com elas ou então íamos para a sala ou estávamos no quarto, punha-as a ver televisão ou punha bonecos no chão.” (rotações 00:33 do seu depoimento);
− “De vez em quando temos nossas discordâncias como todo casal, mas já conseguimos falar um com o outro e resolver as nossas divergências sem insultos, gritos altos, isso já não temos.” (rotações 00:40 do seu depoimento); − “eu consigo estar sozinha com elas, eu consigo que elas brinquem, não como declararam, que eu faço as meninas brincarem o mesmo jogo, isso não acontece. As duas até procuram brincar comigo ao mesmo tempo, eu até lhes sugiro, vá, vamos primeiro brincar com uma e depois brinco com outra, assim eu consigo gerir …” (rotações 01:11 do seu depoimento); − “Meu maior sonho nesse momento é ter minhas filhas comigo” (rotações 01:15 do depoimento da Mãe); − “As meninas foram de férias com a minha sogra um mês, as minhas cunhadas prepararam o aniversário para as meninas de um ano, elas iam lá muitas vezes.” (rotações 01:48 do seu depoimento); − “As vezes chegamos a dizer que era nossa vontade que fosse mais tempo ou outra visita, mas dizíamos que era com tempo, tudo ao seu tempo.” (rotações 01:51 do seu depoimento) Continuação do depoimento da mãe no dia 02-04-2024: − “Eu nunca vi que o senhor F tratasse mal os meus filhos”. (rotações 01:08 do seu depoimento). − “Eu fui para Lisboa porque meu senhorio pediu a casa para usufruto próprio, eu andei a procura de casas para alugar mais perto dos meus filhos e não encontrei, fui para Lisboa, estávamos também no processo da casa camararia”( rotações 01:20 do seu depoimento). − “Eu enquanto mãe acho que evolui bastante”( rotações 02:10 do seu depoimento)
33. Tal como consta do depoimento da senhora SM, cuidadora da 1ª FA, que teve as crianças aos seus cuidados de 5.11.2021 a 23.12.2021 referiu o seguinte: - “Demos o segundo prato, eu lembro que foi peixinho, tanto a MC quanto a MF comeram lindamente”…(rotações 00:21 do seu depoimento) − “eu acho que eram crianças perfeitamente normais para a idade que tinham, dezoito meses”.( rotações 00:22 do seu depoimento) − “Eram duas bebés bem tratadas, pele hidratada, para quem tem pele atópica eram crianças que tinham a pele bastante hidratada”. ( rotações 00:23 do seu depoimento) − “Posso dizer que fiquei muito admirada da forma como vinham vestidas…, elas chegaram bem, eram crianças que podiam ser os nossos filhos”.(rotações 00:24 do seu depoimento). − “A nível emocional, não acho que foram crianças sofridas, ou seja, crianças vítimas de maus tratos de qualquer forma” …( rotações 00:25 do seu depoimento) − “Elas quando saíram da nossa casa , elas estavam a interagir lindamente, elas estavam a comer sopa, segundo prato e fruta”.(00:44 do seu depoimento.
34. A Mãe impugna a decisão do Douto Tribunal a quo tomada sobre a matéria de facto, uma vez que foi produzida prova por declarações de parte da Mãe em termos tais que se impunha decisão diversa da decisão que se tomou. O Tribunal a quo não retirou as devidas conclusões das declarações prestadas pela Mãe e a primeira família de acolhimento.
35. Dando cumprimento ao estatuído no art. 639.º do Cód. de Processo Civil, aplicado ex vi art. 126.º da LPCJP, cumpre referir que ao ter decidido como decidiu, o Douto Tribunal a quo violou, com a devida vénia, as regras legais vertidas nos arts. 34.º, 35.º, 38.º-A e 62.º-A da LPCJP, e art. 1978.º do Cód. Civil, uma vez que se considera que a decisão ora em crise não acautela o superior interesse das crianças MC e MF.
36. Atento a previsão e estatuição presente nos arts. 34.º, 35.º, 38.º-A e 62.º-A da LPCJP, e art. 1978.º do Cód. Civil, impunha-se que o Douto Tribunal a quo tomasse uma decisão diametralmente oposta à que tomou, ou seja, atribuir a confiança e guarda da MC e da MF à Mãe, que se mostra uma opção viável para esse efeito.
37. O Douto Tribunal a quo, em função da prova carreada para os autos, deveria ter interpretado e aplicado os arts. 34.º, 35.º, 38.º-A e 62.º-A da LPCJP, e art. 1978.º do Cód. Civil, no sentido de fixar junto da Mãe a confiança e guarda das Menores MC e MF, não no sentido inverso, o que sucedeu, decidindo no sentido de decretar a medida de promoção e proteção de confiança das Crianças à família de acolhimento com a qual se encontra, com vista à futura adoção.
38. No caso sub iudice não estão preenchidos os requisitos para que seja aplicada a medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção, que tem natureza subsidiária a todas as outras, e é a última ratio em sede de processos de promoção e proteção.
39. O Douto Tribunal a quo deveria sim ter dado primazia aos princípios da intervenção mínima e da prevalência da família, no sentido de não se destruir os laços biológicos já existentes com a Mãe, que foi durante muito tempo a principal cuidadora e porto de abrigo da MC e MF.
40. Por tudo o que ficou dito, e dando cumprimento ao disposto nos arts. 639.º e 640.º do Cód. de Processo Civil, aplicados ex vi art. 126.º da LPCJP, cumpre referir que todos os factos carreados para os autos, em função da prova por declarações de parte (declarações da Mãe e da cuidadora da primeira família de acolhimento) já produzida nos autos, impunha-se que o Douto Tribunal a quo tomasse uma decisão em sentido inverso daquela que tomou, ou seja, deveria, com a devida vénia, ter atribuído a confiança e guarda da MC e MF à Mãe, violando, com a decisão tomada, o disposto, pelo menos, nos arts. 34.º, 35.º, 38.ºA e 62.º-A da LPCJP, e art. 1978.º do Cód. Civil, uma vez que se considera que a decisão posta em crise não acautela o superior interesse e crescimento harmonioso da MC e da MF.
41. Razões estas pelas quais outra opção não resta à ora Apelante que não seja peticionar aos Venerandos Juízes Desembargadores desta Relação, a revogação do Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, que decretou a medida de promoção e proteção de confiança de MC e MF, nascidas aos 24 de Maio de 2020 à família de acolhimento com a qual se encontra, com vista à futura adoção.
42. Nestes termos, o Douto Acórdão ora em crise deverá ser substituído por outro que decrete a medida de promoção e proteção de confiança de MC e MF, junto dos pais, na pessoa da Mãe.
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1.15. O pai F também interpôs recurso de apelação em que conclui da seguinte forma:
1. O Douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, proferido a fls… (datado de 17 de junho de 2024), decreta a favor das crianças MC e MF, a aplicação de medida de promoção e proteção de confiança à família de acolhimento com vista a futura adoção.
2. O âmbito do presente recurso é assim a decisão proferida no Acórdão proferido a fls … datado de 17-06-2024 os factos e prova, e a aplicação do Direito aos factos.
3. A decisão proferida no Douto Acórdão ora em crise não acautela o superior interesse do Menor.
4. O Tribunal a quo desconsiderou, quase por completo, as declarações do pai prestadas em sede de debate judicial e prova produzida.
5. Ainda, o Douto Tribunal a quo violou, entre outras disposições legais, o disposto nos arts. 34.º, 35.º, 38.º-A e 62.º-A da LPCJP, e art. 1978.º do Cód. Civil, no sentido de não ter sido acautelado o superior interesse das crianças MC e MF.
6. O Tribunal a quo rompeu os laços com a família biológica, que se demonstrou ter sido cuidadora e porto de abrigo das crianças MC e MF, violando os princípios da “prevalência da família” e da subsidiariedade da aplicação da medida de promoção e proteção de “confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção”.
7. O pai e a mãe eram os cuidadores das crianças MC e MF, relação que consistia em afeto e carinho, não descurando os cuidados e a sua segurança.
8. O pai em conjunto com a mãe, providenciaram sempre os cuidados de alimentação, higiene, vestuário, saúde, carinho e proteção das crianças até ao momento da retirada das menores para serem confiadas às duas famílias de acolhimento.
9. As crianças, apresentaram-se sempre bem cuidadas, em termos de higiene e vestidas de forma adequada, ao momento em que estiveram confiadas aos progenitores, todos os técnicos, creche, e família alargada confirmaram estes factos.
10. Igualmente enquanto viveram com os pais, as crianças, demonstravam ser tranquilas, bem-dispostas, sem evidenciar comportamento suscetível de indiciar maus tratos emocionais ou físicos por parte dos progenitores.
11. Enquanto as crianças viveram com os pais, seguiram o regime alimentar adequado para a idade, a sua estatura e peso estavam dentro dos parâmetros da normalidade para a idade, conforme se depreende da avaliação da pediatra que as seguia.
12. As preferências alimentares que as crianças demonstraram em ambiente de acolhimento familiar, resulta claramente do desconforto que sentiram com o afastamento dos pais, mudança do espaço e de rotinas, as substâncias adocicadas geram maior conforto, e era isso que as crianças procuravam, assim devendo ser entendido.
13. O pai, não obstante, a sua condição física (incapacidade de 70%), nunca poupou esforços para assegurar os cuidados e os seus deveres para com as suas filhas, nomeadamente em momentos que o seu relacionamento com a mãe das crianças era conturbado, o que sucedeu por curto período, negando sempre que alguma vez tenha exercido violência física ou psicológica sobre a mãe.
14. As crianças MC e MF, durante um curto espaço de tempo, sofreram o corte na relação existente com os seus pais, momento da retirada a 5 de novembro de 2021, foram impedidas de estabelecer contato com os pais até ao dia 16 de novembro de 2021, fato causador de sofrimento para as crianças e pais. As crianças sofreram com o afastamento da família biológica e quando começaram a estabelecer uma relação de confiança e segurança com os cuidadores da primeira família de acolhimento, ocorreu novamente um corte na relação estabelecida com esta família, para passarem a integrar uma nova família de cuidadores, o que se verificou no dia 23 de dezembro de 2021, mantendo-se com esta família até ao momento.
15. Durante o período de quarenta e oito dias, as crianças foram sujeitas, durante onze dias de corte de vinculação com os seus pais e ao corte da relação de confiança e segurança que estabeleceram com a primeira família de acolhimento, facto gerador de alteração do comportamento das crianças e retrocesso do seu desenvolvimento motor, que não foi objeto de pronuncia por parte do Tribunal a quo.
16. As equipas não fizeram uma correta avaliação das crianças à data da execução da medida de acolhimento, nem enquanto permaneceram com a primeira família de acolhimento, avaliam as crianças tendo em consideração o desenvolvimento e comportamento reportado pela segunda família de cuidadores, querendo fazer crer que esse comportamento resulta de negligência por parte dos pais na estimulação do crescimento das crianças, e sobre a sua conduta e caracterização das emoções expressadas pela crianças na segunda família, justificam serem resultado do sofrimento das crianças com os conflitos familiares. Nas alegações escritas pelo Ministério Público, que antecedem o debate judicial, houve omissão da transição das crianças para duas famílias de acolhimento.
17. As crianças, não atingem todas ao mesmo tempo os parâmetros de desenvolvimento, os médicos por norma, sinalizam a situação por forma a vigiar o desencadear do desenvolvimento, alertam os pais ou cuidadores, aconselham a estimular as crianças, foi o sucedido com a MC e MF, por norma esse acompanhamento vigiado acontece até aos dois anos de idade, se a criança com dois anos não consegue permanecer em pé, aí sim, é preocupante e os médicos encaminham as crianças para consultas de especialidade ou terapia, não era o caso de MC e MF.
18. O depoimento do pediatra que acompanha as crianças MC e MF, só avalia as crianças após o segundo acolhimento, valia por aquilo que viu, sem termo de comparação com o estado das crianças anteriormente.
19. As crianças MC e MF foram transportadas e conduzidas às duas famílias de acolhimento, sem qualquer pertence próprio de conforto, sem transmissão informação sobre a alimentação seguida, medicação, rotinas, como era habitual adormecerem e sem caderneta de saúde.
20. As crianças, que até então viviam adaptadas ao seu meio familiar, quando transitam para a segunda família não suportaram o sofrimento e a insegurança com sucessivas alterações do espaço, rotinas, alimentação e ausência de qualquer referência, por isso se justifica a apatia, choros exuberantes, não permanecerem de pé, não ajudarem ao vestir “faziam corpo morto”, permanentemente em movimento de autoconsolo, não olhar para o adulto, não responder ao nome, relatos proferidos pela cuidadora V da segunda família de acolhimento e constantes dos relatórios das equipas técnicas.
21. As crianças e os pais foram separados, durante onze dias, sem qualquer informação sobre o seu estado, com preocupação acrescida por estavam constipadas, razão pela qual não iam à creche, que estavam a frequentar ainda em fase de adaptação.
22. A vinculação das crianças MC e MF é perante os pais, não se podendo conceder que, neste caso as crianças sejam confiadas a família de acolhimento para adoção, receia o pai que as crianças voltem a sofrer com uma nova adaptação a uma família adotante.
23. As crianças mantêm uma boa relação com os pais, chamam-nos de Mamã e Papá e com eles vivenciam momentos de ternura e carinho.
24. Da observação direta das crianças com os pais realizada em Tribunal, é possível observar a qualidade daqueles momentos, contrariando o que as equipas técnicas transmitiam sobre os mesmos, nomeadamente as crianças protelam a saída com a cuidadora no fim do convívio, ignoram a presença da cuidadora na sala, a criança que brinca com o pai, utiliza bonecos de tamanho pequeno para recriar a família, juntando os bonecos dizendo os nomes, sendo o boneco que a representa, por ela colocado entre os pais, correspondendo a um boneco bebé, pelo que não é compreensível que o Tribunal e os técnicos não compreendam estes sinais, que são a forma de a criança expressar sentimentos, sem ainda conseguir fazê-lo através da linguagem.
25. O casal tem mais um filho, de nome AM, irmão da crianças, nascido a 27-08-23, foi instaurado a pedido da gestora do processo de MC e MF – cfr. relatório datado de 26/10/23, com insistência constante do relatório datado de 23/11/23, ambos juntos a estes autos, refere “Voltamos a reforçar junto do Tribunal que, no parecer desta equipa o filho do casal, AM, nascido a 27.08.2023, deve ter a decorrer, a seu favor, processo de promoção e proteção”. Sendo assim a ação promoção e proteção a favor de MC e MF, foi estendida ao seu irmão a requerimento do Ministério Público, e declarada aberta a fase instrutória desde 30/11/2023, data de notificação Citius à patrona do Progenitor, no Apenso A, referência 430910464, estando ainda estes autos a reunir elementos probatórios, contribuindo para tal “(…) a família não se encontra a beneficiar de um acompanhamento de proximidade no âmbito das competências parentais (…) como tal não é possível avaliar eventuais comprometimentos para o exercício da parentalidade.” último parágrafo pág. 11, relatório social NATT-PP, junto ao Apenso A.
26. A medida de acolhimento familiar, é aplicada na sequência de factos ocorridos em 25/07/21, entretanto a relação entre o casal foi restabelecida, normalizou, viviam em harmonia, vindo a medida a ser decretada a 20/10/2021, sendo executada a 5/11/2021, decorreram dois meses e vinte dias, entre os factos que deram origem à medida e à sua execução. Acresce que somente a 2-06-2022, é dado cumprimento ao disposto no artº 85º da LPCJP e assinado acordo de promoção e proteção para a medida de acolhimento familiar – cfr. resulta do relatório do douto Acórdão.
27. A origem do processo de promoção e proteção a favor das crianças, resulta de indícios de violência doméstica do casal, esses indícios consistem em queixas que a progenitora apresentou nas entidades competentes.
28. A progenitora apresentava as queixas, voltava a casa, pedia desculpa ao companheiro, que sempre a perdoou, alegando ser a mãe dos seus filhos, e compreender o seu sofrimento por não poder acolher os filhos fruto da relação do anterior companheiro, de que foi vítima de violência doméstica, tendo passado por quatro casas abrigo.
29. O progenitor nega a violência doméstica, nunca exerceu violência física ou emocional à mãe dos seus filhos, admite que tenham problemas de conjugalidade, por isso concordaram com a equipa Prochild fazerem Terapia de Casal na (…), aguardavam pela marcação, quando são surpreendidos, pela proposta de alteração da medida de acolhimento familiar, por uma medida de colocação para adoção, vindo a saber mais tarde, que a Equipa cessava o seu acompanhamento e que (…), recusava igualmente trabalhar com o casal, atento a descrição feita do casal pela Equipa àquela Instituição prestadora do serviço de Terapia.
30. A equipa Prochild decidiu afastar-se, alega que durante ano e meio o casal, continuava a recusar existência de violência doméstica, sendo que o Tribunal e a gestora do processo não asseguraram a sua substituição, decorrendo o debate judicial, com um período de suspensão por 3 meses, há um ano.
31. A equipa Prochild, composta por assistente social e psicólogos, não demonstrou ter capacidade técnica para lidar com este casal e procurar compreender em que consistia a negação da violência doméstica.
32. A gestora do processo, durante o período de suspensão do debate judicial, não conseguiu colocação para Terapia Familiar, decretada pelo Tribunal à quo, com intensificação de convívios com as crianças.
33. A terapia do casal só iniciou no final do mês maio de 2024, entretanto os pais já tinham realizado inscrição em local recomendado pela gestora do processo, com a indicação que os pais assumiriam o custo da terapia.
34. Consta dos autos de promoção e proteção a favor da criança AM, as condições atuais dos progenitores, e igualmente a proposta da medida de confiança da criança aos pais, com anuência dos pais em frequentar terapia de casal, acompanhamento das capacidades parentais.
35. O pai acredita ter todas as condições necessárias para acolher as suas duas filhas MC e MF, poder reunificar a família e dar a conhecer o irmão de ambas e voltarem a restabelecer dos contatos, com a avó e tias, conforme é desejo de todos.
36. O pai está disposto a trabalhar melhor as suas competências, o que está a fazer neste momento no processo de promoção e proteção a favor do seu filho AM.
37. A relação entre o casal, melhorou bastante desde que a mãe é acompanhada por consultas na especialidade de psicologia, e o pai após longa espera de vaga está também agora a iniciar consultas de psicologia.
38. A pai impugna a decisão do Douto Tribunal a quo tomada sobre a matéria de facto, uma vez que foi produzida prova em termos tais que se impunha decisão diversa da decisão que se tomou. O Tribunal a quo não retirou as devidas conclusões das da prova carreada para os autos, e desvalorizou os requerimentos apresentados. Fixou-se “cegamente” na versão dos fatos apresentados pelos técnicos, na maior parte assentes em apreciações desvirtuadas da realidade.
38. Dando cumprimento ao estatuído no art. 639.º do Cód. de Processo Civil, aplicado ex vi art. 126.º da LPCJP, cumpre referir que ao ter decidido como decidiu, o Douto Tribunal a quo violou, com a devida vénia, as regras legais vertidas nos arts. 34.º, 35.º, 38.º-A e 62.º-A da LPCJP, e art. 1978.º do Cód. Civil, uma vez que se considera que a decisão ora em crise não acautela o superior interesse das crianças MC e MF.
39. Atento a previsão e estatuição presente nos arts. 34.º, 35.º, 38.º-A e 62.º-A da LPCJP, e art. 1978.º do Cód. Civil, impunha-se que o Douto Tribunal a quo tomasse uma decisão diametralmente oposta à que tomou, ou seja, atribuir a confiança e guarda das crianças aos pais, que se mostra uma opção viável para esse efeito.
40. O Douto Tribunal a quo, em função da prova carreada para os autos, deveria ter interpretado e aplicado os arts. 34.º, 35.º, 38.º-A e 62.º-A da LPCJP, e art. 1978.º do Cód. Civil, no sentido de fixar junto dos pais a confiança e guarda das crianças MC e MF, não no sentido inverso, o que sucedeu, decidindo no sentido de decretar a medida de promoção e proteção de confiança das crianças à família de acolhimento com a qual se encontram, com vista à futura adoção.
41. No caso sub iudice, não estão preenchidos os requisitos para que seja aplicada a medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção, que tem natureza subsidiária a todas as outras, e é a última ratio em sede de processos de promoção e proteção.
42. O Douto Tribunal a quo deveria sim ter dado primazia aos princípios da intervenção mínima e da prevalência da família, no sentido de não se destruir os laços biológicos já existentes com os pais.
43. Por tudo o que ficou dito, e dando cumprimento ao disposto nos arts. 639.º e 640.º do Cód. de Processo Civil, aplicados ex vi art. 126.º da LPCJP, cumpre referir que todos os factos carreados para os autos, em função da prova já produzida nos autos, impunha-se que o Douto Tribunal a quo tomasse uma decisão em sentido inverso daquela que tomou, ou seja, deveria, com a devida vénia, ter atribuído a confiança e guarda das crianças aos pais, violando, com a decisão tomada, o disposto, pelo menos, nos arts. 34.º, 35.º,38.º-A e 62.º-A da LPCJP, e art. 1978.º do Cód. Civil, uma vez que se considera que a decisão posta em crise não acautela o superior interesse e crescimento harmonioso das crianças MC e MF.
44. Razões estas pelas quais outra opção não resta ao ora Apelante que não seja peticionar aos Venerandos Juízes Desembargadores desta Relação, a revogação da decisão constante do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, que decretou a medida de promoção e proteção de confiança das crianças MC e MF, nascidas aos 24 de maio de 2020 à família de acolhimento com a qual se encontram, com vista à futura adoção.
45. Nestes termos, o Douto Acórdão ora em crise deverá ser substituído por outro que decrete a medida de promoção e proteção de confiança da MC e MF junto dos pais.
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1.16. A Digna Magistrada do Ministério Público sustentou que o Tribunal a quo fez uma correta análise e valoração da prova produzida. Concordando-se com cada passo lógico da motivação de facto e de Direito do douto Acórdão ora recorrido, mais não se oferece senão remeter integralmente para a mesma.
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1.18. As questões a decidir estão delimitadas pelas conclusões dos recorrentes e centram--se no seguinte:
- Impugnação da matéria de facto; e,
- Verificação dos requisitos para a medida de confiança à família de acolhimento com vista à futura adopção.
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2. Fundamentação.
2.1. Impugnação da matéria de facto.
O artigo 640.º, do Código de Processo Civil, impõe ao recorrente o dever de obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/1/2022 sintetizou a orientação jurisprudencial aí seguida, ao referir que: “No que diz respeito ao enquadramento processual da rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, o Supremo Tribunal de Justiça considerou no acórdão de 3/12/2015, proferido no processo n.º 3217/12.1 TTLSB.L1.S1 (Revista-4.ª Secção), que se o Tribunal da Relação decide não conhecer da reapreciação da matéria de facto fixada na 1.ª instância, invocando o incumprimento das exigências de natureza formal decorrentes do artigo 640.º do Código de Processo Civil, tal procedimento não configura uma situação de omissão de pronúncia. No mesmo acórdão refere-se que o art.º 640.º, do Código de Processo Civil exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permitem pôr em causa o sentido da decisão da primeira instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados. Acrescenta-se que este conjunto de exigências se reporta especificamente à fundamentação do recurso não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art.º 640.º, n.ºs 1e 2 do CPC. Por fim, conclui-se que versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados. A propósito do conteúdo das conclusões, o acórdão de 11-02-2016, proferido no processo n.º 157/12.8 TUGMR.G1.S1 (Revista) – 4.ª Secção, refere que tendo a recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna (Cfr. no mesmo sentido acórdãos de 18/02/2016, proferido no processo n.º 558/12.1TTCBR.C1.S1, de 03/03/2016, proferido no processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, de 12/05/2016, proferido no processo n.º 324/10.9 TTALM.L1.S1 e de 13/10/2016, proferido no processo n.º 98/12.9TTGMR.G1.S1, todos da 4.ª Secção). No que diz respeito à exigência prevista na alínea b), do n.º 1, do art.º 640.º do Código de Processo Civil, o acórdão de 20-12-2017, proferido no processo n.º 299/13.2 TTVRL.C1.S2 (Revista) - 4ª Secção, afirma com muita clareza que quando se exige que o recorrente especifique «os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida», impõe-se que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos” – disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 417/18.4T8PNF.P1.S1.
O inconformismo dos recorrentes foi concretizado relativamente aos seguintes factos julgados provados na sentença: 3.1.20. À data de 10.12.2021 apenas tinham ocorrido dois convívios entre as crianças e a mãe e um com pai, sendo o primeiro convívio no dia 16.11.2021 e o segundo a 24.11.2021. Após essa data, os pais vieram a testar positivo à COVID-19 e, dados os constrangimentos decorrentes da situação epidemiológica, não ocorreram nesse período outros convívios, pese embora tenham, naquela data, ficado definidos convívios semanais com a supervisão e apoio da equipa "Prochild", para ocorrerem no espaço do Centro (…). 3.1.25. A progenitora, a quem competia ir recolher as crianças à entrada, quando eram entregues pela família de acolhimento, dada a incapacidade física do progenitor, nem sempre o conseguia fazer, dada a resistência que as crianças manifestavam de sair do colo da cuidadora da família de acolhimento, verbalizando, quando foi ouvida no debate, que não conseguia lidar com o choro das crianças naquela situação concreta. 3.1.31. Ao longo do tempo da visita, com a duração de uma hora, vão-se apercebendo do fim do encontro e elas próprias já se organizam para sair, manifestando contentamento por voltarem ao convívio com a cuidadora da Família de Acolhimento, a V. 3.1.49. A progenitora recusa ter sido vítima de violência doméstica, havendo uma incompreensão de que a dinâmica familiar é disfuncional e desvalorizando os comportamentos agressivos do companheiro. 3.1.55. As crianças R, S, J e T, nessa sequência, foram acolhidos na Casa de Acolhimento (…), a 25 de novembro de 2019, sendo reportado falta de prestação de cuidados de alimentação e supervisão parental, grave negligência e exposição a episódios de violência doméstica pelo companheiro F, que havia integrado aquele agregado a partir de fevereiro de 2019, de forma intermitente, mais aos fins de semana, mas que passou a viver com a progenitora na primavera desse ano. 3.1.58. No âmbito do mesmo PPP, o R e a S foram ouvidos e verbalizaram que assistiram a diversos episódios agressivos do F para com a mãe, no período de fevereiro de 2019 a novembro de 2019, quando viveram juntos em Ovar, tendo o R verbalizado que também foi vítima de comportamentos agressivos do F para consigo. 3.1.64. As crianças MC e MF, à data do acolhimento, não estabeleciam contacto ocular com o adulto, nem respondiam pelo nome, tendo um desenvolvimento psicomotor no limite inferior da normalidade para a idade. Na Unidade de Saúde onde as crianças eram seguidas, Dr. (…), a pediatra que seguiu as crianças em consultas regulares foi a Dra. (…). Foi aconselhada estimulação motora por parte dos pais (fls. 399 a 401 e 685). 3.1.66. As crianças, no início de novembro de 2021, conforme o relato da primeira família de acolhimento junto a fls. 706 e que aqui se dá pro reproduzido “tinham muita dificuldade em mastigar e chupavam a comida da colher. A MC recusava tudo o que não fosse adocicado, tendo que se misturar a sopa e prato com a fruta. A MC também não deixava a colher "entrar na boca", apenas conseguíamos encostar a colher aos lábios para que ela "chupasse a comida". Bebiam lindamente pelo biberon. No decorrer destas semanas ambas comem muito melhor (...) 3.1.67. As crianças passaram a ser seguidas por um pediatra particular, Dr. (…), desde os 18 meses de idade, que as viu em consulta em janeiro de 2022, e que observou, nesse contexto, que as crianças revelavam "algum atraso em aspetos específicos do neuro desenvolvimento, nomeadamente na aquisição da marcha e linguagem, socialização, dependência significativa de "écrans" no contexto de frustração e birras. 3.1.89. A 19.12.2020, no RIAV - Campus da Justiça, SEIVD de Lisboa, dando notícia de que havia sido vítima de violência doméstica, tendo uma relação de namoro com F há dois anos, com quem coabita, alegando que é vítima há um ano e meio de "violência psicológica, social, económica e física; tendo o primeiro episódio ocorrido em (…), na presença dos filhos uterinos; que o suspeito é dependente de álcool e que as agressões surgem quando este se encontra ébrio que o mesmo profere expressões como "puta os teus filhos estão na instituição por tua causa", "vai para o pé dos pinantes", 'não tens onde cair morta", se fores embora não levas as minhas filhas"; que o denunciado queria que a declarante deixasse de falar com a sua mãe, proferindo as seguintes palavras "escolhe: ou eu ou a tua mãe"; que pelas 04h00 o suspeito a colocou fora de casa, afirmando que se a escolha era a sua mãe não tinha de estar na casa que era sua. Que a declarante ficou à chuva e frio à porta de casa, com as filhas gémeas de 6 meses dentro de casa, com o suspeito embriagado, a aguardar que este a deixasse de novo entrar, o que apenas aconteceu pelas 08h00. Que entrando em casa quis por termo à relação e dirigindo-se ao quarto para fazer as malas o suspeito ajoelhou-a no chão, agarrou-lhe no cabelo, arrastando-a pela residência, e desferiu-lhe vários murros na cabeça e uma chapada na cara. Declarou que "basta o olhar do denunciado para se sentir apavorada, chegando muitas vezes a ficar em pânico, sem saber o que fazer" (fis. 751 a 761). 3.1.91. A 26.07.2021, no RIAV - Campus da Justiça, SEIVD de Lisboa, dando notícia de que havia sido vítima de violência doméstica no dia anterior, pelas 19h30m, em que o denunciado regressou a casa num estado visível de estar completamente ébrio, que ao solicitar explicações pelo estado ébrio, o companheiro tornou-se extremamente agressivo e começou a agredir violentamente a vítima, com empurrões, puxões de cabelos, murros e pontapés na zona da cabeça. Que no momento em que o denunciado foi à casa de banho aproveitou para fugir da residência deixando os seus pertences no local, bem como as filhas menores, uma vez que estava extremamente assustada e com medo que o suspeito a voltasse a agredir. Que foi acolhida por uma amiga. A depoente indica que o suspeito fuma haxixe todos os dias. No dia 26.07.2021 com apoio das autoridades policiais a progenitora deslocou-se à habitação de onde retirou as crianças e os seus bens pessoais, sendo transportada pela policia para a casa da amiga, MP, em (…) (fls. 766 a 776). 3.1.96. A 01.05.2022 a progenitora apresenta nova queixa contra o progenitor, alegando que esta a chama de "puta" "os teus filhos estão na instituição por tua causa", "vai para o pé dos pinantes", "não tens onde cair morta , se não tirares a queixa vou-te fazer a vida negra e as nossas filhas vão também para a instituição" e "um dia destes vais morrer nas minhas mãos". Que no dia, ao comunicar ao suspeito que iria a Bragança, para visitar os filhos que estavam aí numa instituição, visto ser dia da mãe e por já não contactar com os filhos presencialmente há cerca de um ano, o suspeito adotou uma postura agressiva, elevando o tom da voz e proferiu as seguintes expressões "vais é ter com o teu ex-namorado" e "ele vai espetar-te na cona e no cu e esporrar-te a cara , não é nada que eu já não tenha feito". Nessa data declara que estava sentada na cama e que o suspeito, enquanto proferia impropérios, ia aproximando-se da mesma, num ato de defesa e por estar com receio de ser agredida pelo suspeito, agarrou com uma das mãos no pescoço do suspeito e em ato contínuo empurrou o mesmo. Declara que o denunciado é dependente de drogas. (As. 784 a 791). 3.1.98. A progenitora, a 14.11.2022, volta a fazer queixa, declarando que no dia, às 22.30, quando já se encontrava na residência vinda do trabalho, o companheiro iniciou uma discussão sem motivo aparente, começando de imediato a injuriar a declarante com as seguintes expressões : "vaca, puta" e que lhe deu uma bofetada no lado direito da face. Que o denunciado ainda tentou agarrá-la, tendo-se conseguido refugiar no quarto. Relata que o companheiro se encontrava alcoolizado, devido ao forte odor a álcool e por se encontrarem 15 garrafas de cerveja em cima da mesa da cozinha (fls. 804 a 809). Chamada para prestar declarações a 23.01.2023 declarou que não o pretendia fazer. 3.1.125. No mês de setembro de 2023, os pais estiveram presentes nos convívios com as filhas nos dias 5, 8, 11,13, 18, 22, 25 e 27 de setembro. No dia 11/9, a MC esteve adoentada, menos ativa e mais parada. Os pais tiveram dificuldade em gerir esta situação e pediram para a família de acolhimento (FA) a ir buscar, tendo esta acabado por ficar até ao final do encontro e, os pais, acabaram por tranquilizar. 3.1.129. Os encontros dos dias 18 e 20 de outubro, tiveram 30 minutos extra, como forma de compensação. Pelo menos, em duas visitas, a mãe esteve presente sozinha na visita, e, nessas alturas, manifestou dificuldades em estar com. as meninas sozinha, tentando que fizessem as mesmas brincadeiras e os mesmos jogos, simultaneamente, dado que lhe causava alguma confusão que cada uma fizesse uma coisa diferente, ficando atrapalhada quando cada uma queria a mãe junto de si, "Isto com as duas é difícil! (...) uma quer uma coisa e a outra quer outra, não é fácil" (Cit.). Mesmo que cada uma estivesse tranquila a brincar, sem pedir a sua presença, a mãe ficava inquieta e preocupada, tentando que as duas fizessem a mesma atividade simultaneamente. 3.1.130. Nessas duas visitas, não foi necessário avisar o término da visita, pois numa, dez minutos antes, a mãe começou a arrumar, pedindo a ajuda das filhas. Noutra, vinte minutos antes do seu término, a mãe começou a arrumar os brinquedos, "para adiantar serviço" (Cit.). Também no dia 20.10.2023, estava previsto a visita terminar pelas 17horas (tempo de compensação de ausência), mas pelas 16h30 os pais, por iniciativa própria, arrumaram todos os brinquedos e fizeram as despedidas e, pelas 16h40, chamaram a técnica, pois deram a visita por terminada. Os pais terminaram a visita pelas 16h50.
Desde já se adianta que ambos os apelantes encararam com demasiada ligeireza o cumprimento do ónus legal quanto à impugnação da matéria de facto, pois limitaram-se a indicar um conjunto de factos; a dizer que não concordam com a decisão que os julgou provados; e a referir que “foi produzida prova por declarações de parte da Mãe em termos tais que se impunha decisão diversa da decisão que se tomou” – conclusão 35 da recorrente. Ou que “o Tribunal a quo não retirou as devidas conclusões da prova carreada para os autos, e desvalorizou os requerimentos apresentados” – conclusão 38.
Os recorrentes apenas observaram formalmente o ónus primário quanto à impugnação da matéria de facto, o que evita a rejeição liminar do conhecimento dessa questão. Porém, seria francamente expectável que tivessem feito um esforço sério para alicerçarem criticamente as razões subjacentes a tal impugnação, considerando a importância do caso, a circunstância de impugnarem factos plenamente provados por documentos autênticos (vg. as sucessivas queixas apresentadas pela progenitora contra o progenitor e o teor das declarações que as suportam; a veracidade dessas declarações é uma questão distinta e que vai além do objecto dos presentes autos) ou a relevância da impugnação de factos julgados provados que, à partida, até os favorecem (vg. 3.1.49.).
De qualquer forma sempre se dirá que não se reconhece às declarações da mãe J - seja pelo seu teor, interesse pessoal ou razão de ciência - a virtualidade de abalar a convicção da abundante prova documental já indicada na decisão recorrida. A argumentação da recorrente J chega ao cúmulo de pretender que se considere o teor das suas declarações na audiência para contrariar o teor das suas próprias declarações nos vários inquéritos instaurados contra o pai. Nada se alcança que permita afastar o juízo quanto a demonstração desses factos, nomeadamente que a mãe J não prestou tais declarações em sede de inquérito. O mesmo se alcança relativamente à restante matéria que se mostra devidamente documentada e quanto aos factos concretamente apurados, pelo que se desatende in totum a impugnação de ambos os apelantes.
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3. Foi julgado provado que:
3.1.1, As crianças MC e MF nasceram a 24 de maio de 2020, ambas filhas de F e de J.
3.1.2. Os presentes autos de promoção e proteção foram instaurados a 01 de abril de 2021, por requerimento do Ministério Público, sendo/ logo na p.i„ peticionada a aplicação de uma medida cautelar, de apoio junto dos pais,
3.1.3. A situação das crianças havia sido sinalizada à CPC Oriental pela PSP, a 28.12.2020, na sequência de atos enquadráveis no crime de violência doméstica, na presença das crianças, por denúncia da progenitora relativamente ao progenitor.
3.1.4. No dia 15 de março de 2021 foi deliberada medida cautelar de apoio junto dos pais, pelo período de 6 meses e assinado acordo de promoção e proteção tendo tido como subscritores os progenitores e as técnicas da CPCJ.
3.1.5. No dia 22 de março de 2021, foi revista a medida cautelar de apoio junto dos pais, tendo a CPCJ, na sequência da retirada de consentimento, por parte do progenitor, enviado o processo para intervenção judicial, ao abrigo do disposto no art. 118, 1 c) da LPCJP.
3.1.6. Recebidos os autos em juízo, no dia 5 de abril de 2021, foi aplicada medida cautelar de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe, por decisão do tribunal, pelo período de 3 meses.
3.1.7. No dia 09 de junho de 2021 a progenitora não compareceu na reunião agendada com a EATTL, tendo para tanto alegado ter tido uma entrevista de trabalho, sem, contudo, conseguir justificar tal ausência.
3.1.8. No dia 25 de julho de 2021 a progenitora saiu da casa onde residia com o progenitor, por volta das 20h00, na sequência de uma alegada agressão física perpetrada pelo seu companheiro tendo ido para a habitação de uma amiga, nos arredores de Lisboa.
3.1.9. Nessa data as crianças ficaram aos cuidados do pai, o qual manifestou junto da técnica da UDIP «não ter capacidade para manter as filhas com ele durante muito tempo, referindo ainda que a família não pode dar apoio na prestação de cuidados às crianças».
3.1.10. No dia 27 de julho de 2021, foi deliberada pelo tribunal, a substituição da medida anteriormente aplicada por medida cautelar de acolhimento residencial, a título provisório por 3 meses, com fundamento em que a progenitora declara que pretende ir para uma Casa de Abrigo com as filhas e que não tem então condições habitacionais para cuidar das crianças, estando provisoriamente em casa dessa amiga.
3.1.11. No dia 04 de agosto de 2021, apurou-se que a progenitora mudou a residência para Bragança, e com o apoio da avó das crianças e de uma tia materna, encontrava-se a assegurar os cuidados básicos das meninas.
3.1.12. A medida de acolhimento residencial aplicada a título cautelar, a que se alude em 3.1.10, não chegou a ser executada, por se estar a aguardar informação de vaga em casa de acolhimento adequada.
3.1.13. Em 13 de agosto de 2021, em face da informação de que as crianças estavam em Bragança, na casa da avó materna, com os cuidados básicos assegurados, não estando as crianças sujeitas aos fatores de risco resultantes do contexto relacional disfuncional dos progenitores, substituiu-se a medida de acolhimento residencial pela medida de apoio junto dos pais, na pessoa da progenitora.
3.1.14. Em 07 de setembro de 2021, a progenitora, ao ser contactada por telefone, pelos serviços da segurança social, para marcação de entrevista, informou que já não se encontrava a residir em Bragança desde há três semanas, tendo regressado a Lisboa com as filhas, encontrando-se a residir novamente com o companheiro.
3.1.15. O M.P. propôs, a 20.10.2021, a medida de acolhimento familiar das crianças e, na impossibilidade de vaga, a medida de acolhimento residencial.
3.1.16. No dia 20 de outubro de 2021, foi deliberado pelo tribunal, a substituição da medida cautelar vigente para uma medida de colocação, por haver novo risco da exposição das crianças a um ambiente familiar de violência doméstica e em face da falta de colaboração e recusa ativa à intervenção por parte da progenitora. Nessa data foi aplicada a medida proposta, a qual foi executada a 05.11.2021, tendo a MC e a MF integrado uma família de acolhimento.
3.1.17. A 27.12.2021 é dirigida informação aos autos de que as crianças transitaram no dia 23.12.2021 para outra família de acolhimento, por a primeira família ter deixado de ter condições para a execução da medida.
3.1.18. A 02.06.2022 foram tomadas declarações aos pais e, prosseguindo os autos para conferência, foi aplicada, por acordo, a medida de acolhimento familiar, pelo prazo de um ano, com a obrigação de os pais se envolverem na intervenção técnica, colaborando com esta, tendo como objetivo a promoção de convívios com as crianças e o estabelecimento de relações afetivas seguras, a avaliação diagnóstica das suas competências e a promoção das suas competências parentais.
3.1.19. Desde 05 de novembro de 2021 que as crianças se encontram aos cuidados de uma família de acolhimento, inicialmente ao cuidado da família (…), até 23.12.2023 e, por motivos de saúde do elemento masculino deste casal, transitaram para a família constituída por VA, selecionados como família de acolhimento por decisão de 6.09.2021. Esta família é integrada por três crianças/ jovens, os mais velhos, de 17 e 12 anos, filhos de um dos elementos do casal, e o de 5 anos de idade, filho comum do casal. 3.1.20. À data de 10.12.2021 apenas tinham ocorrido dois convívios entre as crianças e a mãe e um com pai, sendo o primeiro convívio no dia 16.11.2021 e o segundo a 24.11.2021. Após essa data, os pais vieram a testar positivo à COVID-19 e, dados os constrangimentos decorrentes da situação epidemiológica, não ocorreram nesse período outros convívios, pese embora tenham, naquela data, ficado definidos convívios semanais com a supervisão e apoio da equipa "Prochild", para ocorrerem no espaço do Centro (…).
3.1.21. Os progenitores iniciaram então a intervenção com a Equipa "Prochild UIF/SCML", no desenvolvimento das competências pessoais, sociais e parentais, mas também, no que diz respeito à mediação dos encontros familiares entre pais e filhas, intervenção que apenas cessou no final de abril de 2023, quando a equipa, em conjunto com a equipa do NATT-PP, concluiu que não havia condições para a reintegração familiar, vindo propor a medida de confiança à família de acolhimento com vista à futura adoção.
3.1.22. Os convívios ocorriam, então, no horário definido por acordo com os pais, das 10:00 às 11:00 horas, sendo que havia também sido combinado com os pais existir um momento prévio ao encontro, cerca de meia hora antes, para falarem e prepararam os pais e um momento posterior ao encontro familiar, para debaterem em conjunto e analisarem o modo como havia decorrido o encontro, com vista ao desenvolvimento das suas capacidades parentais.
3.1.23. Esses momentos de capacitação parental não foram aproveitados na íntegra, porque os progenitores chegaram muitas vezes em cima da hora do encontro e, após a realização da visita, queriam logo ir embora, não permitindo assim que fosse feita a intervenção da "Prochild" para a promoção das suas competências.
3.1.24. O progenitor não realizou visitas desde dezembro até final do mês de fevereiro. 3.1.25. A progenitora, a quem competia ir recolher as crianças à entrada, quando eram entregues pela família de acolhimento, dada a incapacidade física do progenitor, nem sempre o conseguia fazer, dada a resistência que as crianças manifestavam de sair do colo da cuidadora da família de acolhimento, verbalizando, quando foi ouvida no debate, que não conseguia lidar com o choro das crianças naquela situação concreta.
3.1.26. Desde abril de 2022 e até meados do ano de 2023, nos encontros familiares, denotava-se uma grande dificuldade na separação das crianças da Família de Acolhimento, em particular quando se encontrava presente a figura feminina, as crianças choravam e ficavam em descontrolo emocional, o que só era ultrapassado com a presença da cuidadora VA, na sala da visita, permanecendo esta alguns minutos até as crianças se acalmarem.
3.1.27. Na presença dos pais, após se aquietaram, as crianças usufruíam de momentos de brincadeira, sendo então as visitas um momento prazeroso para os quatro.
3.1.28. Durante os convívios, os pais e as crianças costumam brincar, interagindo entre ambos através dos brinquedos existentes na sala ou, por vezes os pais levaram plasticina para brincar com as filhas, o que era do agrado destas.
3.1.29. À data atual e, desde há cerca de um ano, que as crianças já não reagem com choro à despedida da cuidadora VA, aceitando separar-se desta com mais tranquilidade.
3.1.30. Na hora da despedida as crianças não demonstram qualquer desconforto com a separação dos pais, antes pelo contrário, por vezes não cumprimentam os pais no início e vão-se embora sem se despedir. 3.1.31. Ao longo do tempo da visita, com a duração de uma hora, vão-se apercebendo do fim do encontro e elas próprias já se organizam para sair, manifestando contentamento por voltarem ao convívio com a cuidadora da Família de Acolhimento, a VA.
3.1.32. Em grande parte dos convívios familiares, e em especial até meados do ano de 2023, observou-se que os pais competiam entre si para demonstrar que são bons pais, reclamando a atenção dos técnicos para verem como eles estavam a conseguir interagir adequadamente com as filhas.
3.1.33. Desde o início dos encontros que a MF foi quem demonstrou mais resistência à separação da família de acolhimento; a MC demonstrou mais facilidade em se envolver na dinâmica com os pais.
3.1.34. A MF é mais próxima da mãe e a MC é mais próxima do pai, verificam-se duas díades, normalmente brincam quase sempre em separado.
3.1.35. No Verão de 2022, em ordem a trabalhar as competências parentais, tendo em vista a reunificação familiar, a equipa "Prochild' optou pela intensificação dos convívios, quer com a alteração do espaço onde os mesmos ocorriam, quer em acrescentar a hora de almoço.
3.1.36. Nos meses de novembro e dezembro de 2022, agendaram-se os seguintes contactos:
- 02.11.2022, das 09h15 às 12h00: Encontro Familiar;
- 03.11.2022, das 09h15 às 10h: Sessão Parental; das 10h00 às 11h00: Encontro
Familiar;
- 09.11.2002, das 9h15 às 12h00: Encontro Familiar;
- 10.11.2022, das 09h15 às 10h: Sessão Parental; das 10hOO às 11h00: Encontro
Familiar;
- 15.11.2022, das 09h15 às 12h00: Encontro Familiar;
- 17.11.2022, das 09h15 às 10h: Sessão Parental; das 10h00 às 11h00: Encontro
Familiar;
- 23.11.2022, das 09h15 às 12h00: Encontro Familiar;
- 24.11.2022, das 09h15 às 10h: Sessão Parental; das 10h00 às 11h00: Encontro
Familiar;
- 30.11.2022, das 9h15 às 12h: Encontro Familiar.
- 07.12.2022, das 9h30 às 11h30: Encontro Familiar;
- 15.12.2022, das 9h30 às Ilh30: Encontro Familiar;
- 22.12.2022, das 9h30 às Ilh30: Encontro Familiar.
3.1.37. Pese embora o Plano de Contactos tivesse sido comunicado aos pais mensalmente, os mesmos não o cumpriram de forma assídua, nem pontual.
3.1.38. Entre novembro de 2021 e novembro de 2022, ocorreram 37 Encontros Familiares entre pais e crianças, dos 55 agendados.
3.1.39. Dos 18 encontros que não ocorreram, 15 foram cancelados pelos pais e apenas 3 pela família de acolhimento, sendo estes cancelamentos justificados pelo estado de saúde das crianças.
3.1.40. Dos 37 encontros que se realizaram, a mãe esteve presente em todos e o pai esteve presente em 23 dos mesmos.
3.1.41. Estiveram, igualmente, agendados 32 Sessões Parentais, das quais se realizaram apenas 19.
3.1.42. Houve diversos encontros em que os progenitores solicitaram terminar o mesmo mais cedo do que o horário previsto, alegando a alteração ao horário de trabalho da mãe, realizar diligências na (…), realização de exames médicos, etc.)."
3.1.43. Ao longo do período da intervenção da "Prochild" observou-se o agudizar da competitividade entre os progenitores, procurando cada um demonstrar qual seria o mais apto e as fragilidades da relação conjugal também comprometeram o trabalho da capacitação parental.
3.1.44. Como exemplo, em alguns dos convívios que foram realizados no jardim do Campo Grande, a progenitora brincou, criando momentos prazerosos entre a mãe e as filhas. No entanto, o progenitor diz ter-se sentido discriminado pois, devido à sua dificuldade de locomoção, não pode participar nos convívios com o mesmo envolvimento da mãe, reagindo agressivamente para com a equipa.
3.1.45. O pai, nas visitas no exterior, alega sentir-se discriminado, não percebendo que as necessidades das crianças têm de ser priorizadas, e fica numa atitude muito reativa, de grande zanga com a equipa.
3.1.46. Os progenitores recusam-se a reconhecer os motivos que levaram à retirada das crianças e ao acolhimento familiar e continuam muito centrados nesse tema, negando qualquer situação de violência doméstica.
3.1.47. A progenitora recusou o encaminhamento para um processo terapêutico que tenha como princípio o ser vítima, apenas no decurso do debate judicial, quando prestou declarações a 07.07.2023, aceitou ser seguida em consultas de psicologia, o que passou a ocorrer desde outubro de 2023, na estrutura "Lisboa+Igualdade", com a periodicidade semanal.
3.1.48. A progenitora é assídua às consultas, tendo beneficiado de 21 consultas à data de 21.05.2024, e desenvolveu uma relação de confiança com a terapeuta que a segue, Dr.ª (…).
3.1.49. A progenitora recusa ter sido vítima de violência doméstica, havendo uma incompreensão de que a dinâmica familiar é disfuncional e desvalorizando os comportamentos agressivos do companheiro.
3.1.50. Declara em juízo e perante o INML e as técnicas que seguiram o casal, que apresentou queixas junto das autoridades policiais em momentos de zanga do casal, mas não por ter sido vítima, apenas para poder obter benefícios, como uma casa camarária, já que estava sozinha em Lisboa, sem apoio de familiares.
3.1.51. A progenitora tem mais quatro filhos de um relacionamento anterior, de um companheiro de que foi vítima de violência doméstica: o R, de 17 anos, a S, de 14 anos, o J, de 11 anos, e o T de 7 anos.
3.1.52. A progenitora e estas quatro crianças viveram em três Casas de Abrigo, inicialmente em (…) depois em (…) e posteriormente em (…).
3.1.53. Em dezembro de 2018 a progenitora e as crianças regressam a (…) onde alugam uma casa.
3.1.54. Em benefício destas crianças foi aplicada, no âmbito do PPP n.º 1030/17.9 T8BGC que atualmente corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, Juízo Local Cível, J2, uma medida de apoio junto da mãe, mas vem reportado que estas se mantinham em situação de perigo, reconhecendo a progenitora, nas declarações que prestou no debate nestes autos que "não tinha mão nos filhos", "que eram crianças muito problemáticas"; "que saiam pela janela da casa para a rua, por vezes descalços e sem que lhe obedecessem".
3.1.55. As crianças R, S, J e T, nessa sequência, foram acolhidos na Casa de Acolhimento (…), a 25 de novembro de 2019, sendo reportado falta de prestação de cuidados de alimentação e supervisão parental, grave negligência e exposição a episódios de violência doméstica pelo companheiro F, que havia integrado aquele agregado a partir de fevereiro de 2019, de forma intermitente, mais aos fins de semana, mas que passou a viver com a progenitora na primavera desse ano.
3.1.56. Após o acolhimento, desde 06.07.2022 as crianças R, S, J e T, filhas da progenitora, integraram a casa da avó paterna, tendo-lhes sido aplicada a medida de apoio junto de outro familiar, no âmbito do PPP n.2 1030/17.9T8BGC que atualmente corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, Juízo Local Cível, J2.
3.1.57. As crianças R, S, J e T, em especial desde julho de 2022 e até ao presente, têm mostrado pouca disponibilidade para manter contactos com a progenitora, recusando o R e a S os contactos telefónicos com a mãe, sendo que existe um grave conflito intrafamiliar e a progenitora alega que a avó paterna dificulta os contactos.
3.1.58. No âmbito do mesmo PPP, o R e a S foram ouvidos e verbalizaram que assistiram a diversos episódios agressivos do F para com a mãe, no período de fevereiro de 2019 a novembro de 2019, quando viveram juntos em (…), tendo o R verbalizado que também foi vítima de comportamentos agressivos do F para consigo.
3.1.59. O R e a S verbalizaram ter receio do companheiro da progenitora, não querendo viver junto da mãe por ser um ambiente agressivo e que lhes causa "medo".
3.1.60. O pai destas crianças encontra-se detido desde março de 2023 no Estabelecimento Prisional de (…).
3.1.61. A avó paterna faleceu recentemente, há cerca de um mês, estando as crianças desde então aos cuidados de uma tia paterna, perspetivando-se que possam fazer períodos de férias junto da progenitora, na casa desta e do companheiro em Lisboa.
3.1.62. Os progenitores, nas declarações que prestaram na fase de instrução e no decurso do debate judicial, negam sempre a existência de violência ou agressão física e consideram as discussões como "normais".
3.1.63. Até ao início do debate, não se identificando uma vontade genuína de beneficiar de um trabalho terapêutico da conjugalidade em terapia familiar, a (…), para onde foram encaminhados para terapia, entendeu que não havia condições para iniciar o processo da terapia.
3.1.64. As crianças MC e MF, à data do acolhimento, não estabeleciam contacto ocular com o adulto, nem respondiam pelo nome, tendo um desenvolvimento psicomotor no limite inferior da normalidade para a idade. Na Unidade de Saúde onde as crianças eram seguidas, Dr. (…), a pediatra que seguiu as crianças em consultas regulares foi a Dra. (…). Foi aconselhada estimulação motora por parte dos pais (fls. 399 a 401 e 685).
3.1.65. Conduzidas pela mãe, a última consulta ocorreu a 30 de setembro de 2021, data em que nenhuma das crianças se mantinha de pé, mesmo com apoio (fls. 705). 3.1.66. As crianças, no início de novembro de 2021, conforme o relato da primeira família de acolhimento junto a fls. 706 e que aqui se dá pro reproduzido “tinham muita dificuldade em mastigar e chupavam a comida da colher. A MC recusava tudo o que não fosse adocicado, tendo que se misturar a sopa e prato com a fruta. A MC também não deixava a colher "entrar na boca", apenas conseguíamos encostar a colher aos lábios para que ela "chupasse a comida". Bebiam lindamente pelo biberon. No decorrer destas semanas ambas comem muito melhor (...)
3.1.67. As crianças passaram a ser seguidas por um pediatra particular, Dr. (…), desde os 18 meses de idade, que as viu em consulta em janeiro de 2022, e que observou, nesse contexto, que as crianças revelavam "algum atraso em aspetos específicos do neuro desenvolvimento, nomeadamente na aquisição da marcha e linguagem, socialização, dependência significativa de "écrans" no contexto de frustração e birras.
3.1.68. Conforme declara "Progressivamente com melhoria no desenvolvimento psicomotor considera, na informação junta a fls. 687 datada de 30.12.2023, que com três anos e meio, que têm um desenvolvimento completamente normal, com crescimento estaturo-ponderal adequado, salienta apenas quadro de otites médias agudas de repetição".
3.1.69. F, tem atualmente 39 anos, a classe de escolaridade e encontra-se reformado por invalidez.
3.1.70. Aos 27 anos teve um acidente de viação, do qual resultou encarceramento de ambos os membros inferiores e TCE frontal (embate contra vidro), ficando a sofrer de paraparésia espástica dos membros inferiores, e sendo reformado por invalidez, com uma incapacidade de 60%, por dificuldades de locomoção, recorrendo por vezes ao auxílio de canadianas.
3.1.71. Tem queixas de perda súbita da capacidade de marcha, associadas a perda de força muscular e alterações da sensibilidade/proprieceção.
3.1.72. No episódio de urgência ocorrido a 15.11.2022 no Hospital de Santa Maria, conforme relato de fls. 241/242 para o qual se remete, declara ser fumador desde os 13 anos de idade, tendo chegado a fumar três maços por dia e fumando então 1 maço e meio e ter sido consumidor de cocaína e haxixe,
3.1.73. Nas análises efetuadas no IML a 03.11.2022 foram detetados no sangue resultados positivos de "confirmação qualitativa e quantitativa de canabinóides no sangue por LC/MS-MS (UPLC-TQD) e na urina.
3.1.74. Do seu certificado de registo criminal consta dois crimes de injúria agravada, praticados a 06.06.2019, e um crime de resistência e coação sobre funcionário, praticado a 23.06.2019, tendo sido condenado no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, no processo n.º 146/19,1GBOVR, a 10,032021, em 450 dias de multa substituída por 450 horas de trabalho. (fls. 227/228),
3.1.75. A 18.03.2023, por volta das 19h00, J encontrava-se à porta de casa sem chave. Ao ligar para o companheiro narrando o sucedido e pedindo a sua ajuda, compreendeu que este se encontrava numa festa com amigos e que não tinha como propósito sair da festa para vir em seu auxílio, pelo que a progenitora optou por solicitar o arrombamento da porta pelos bombeiros, com o auxílio das autoridades policiais.
3.1.76. Nessa sequência, por volta das 20h20m, quando os agentes policiais estavam a terminar o serviço, redigindo os documentos necessários à formalização da ocorrência e liquidação do valor devido, no interior da habitação, chega ao local o progenitor, que se encontrava visivelmente ébrio e que se dirigiu aos agentes num tom de voz agressivo, afirmando que não tinha dado autorização para entrarem na sua casa.
3.1.77. Num comportamento impulsivo, recusando ouvir os agentes policiais e a sua mulher, optou por amassar os papeis e os atirar para o chão, ao mesmo tempo que dizia, em tom alto e agressivo, dirigindo-se aos agentes "estou-me a lixar para o vosso trabalho! Não vos deixei entrar na minha casa! A minha mulher não manda aqui, por isso não podem entrar, vocês polícias não valem nada e não tenho medo! Podem-me prender caralho".
3.1.78. Teve uma relação de coabitação, aos 30 anos, que durou dois anos e meio e da qual resultou o nascimento de uma filha, E, atualmente com 7 anos de idade, com quem o progenitor praticamente não mantém contactos, visitando-a esporadicamente, nunca tendo vindo a sua casa passar fins-de-semana ou férias e nem sequer ainda conheceu o irmão germano, o AM, nascido a 27.08.2023.
3.1.79. Da avaliação psicológica efetuada ao progenitor, a 07.12.2022, relatório datado de 27.02.2023, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta como conclusão:
«Sobressai uma organização da personalidade pautada por impulsividade, extroversão e auto-centramento. O examinando, embora sociável, poderá apresentar superficialidade nas interações sociais ou assumir posturas mais apelativas.
O examinando poderá sentir-se, de algum modo prejudicado, sendo possível a existência de sentimentos de suspeição e ressentimento aspeto que, a par com possível dificuldade em realizar qualquer mudança, pela dificuldade de desprender-se ou separar-se do que viveu, poderá dificultar o aceitar de novas soluções e perspetivas face à parentalidade. F afirma identificar-se maioritariamente com um estilo parental responsivo, que valoriza a estimulação da criança, estimulação do meio e sua autonomia, atribuindo importância à interação familiar. Revela procurar a valorização de estratégias de diálogo e comunicação. Não obstante, importa clarificar que face ao padrão de personalidade observado (impulsividade, suspeição e autocentramento), o examinando poderá evidenciar atitudes menos flexíveis na relação com as suas filhas, com possível controlo excessivo e monitorização negativa das crianças, podendo não dar espaço à intimidade destas.
O examinando parece apresentar uma conceção da vida familiar pautada pelos valores da autoridade parental e pela obrigação infantil de obediência e bom comportamento, podendo apresentar uso pontual de práticas não adequadas, mas não abusivas. Importa destacar a possível presença de crenças disfuncionais acerca do seu eu, que poderão tornar-se vulnerabilidades pessoais que poderão assumir particular expressão no contexto de intimidade. O examinando justifica a existência de denúncia de violência doméstica, como estratégia utilizada com o intuito de contornar o sistema para obtenção de ganhos secundários (habitação alternativa). Este movimento revela fraca capacidade adaptativa e frágil discernimento.
Importa destacar a presença de fatores de risco e proteção que poderão dificultar ou facilitar a parentalidade no presente contexto familiar. Como fatores de risco, são de destacar: dificuldades no relacionamento familiar (existência de possível relação conflituosa entre os examinandos), existência de gestações sucessivas, isolamento social e dependência física, bem como frágil situação socioeconómica do agregado familiar, a par com ocorrência de alegada tentativa de violação e sentimento de desproteção por parte da examinanda.
Como fatores de proteção destaca-se relação positiva com o seu núcleo familiar materno, a referida boa recetividade das crianças aos progenitores, bem como enquadramento profissional e atribuição de pensão social por incapacidade permanente para o trabalho.
O examinando nega a ocorrência de agressões entre o casal, minimiza os contornos da possível ocorrência de discussões entre estes e justifica o recurso às autoridades policiais como sendo uma procura de ajuda social eu e a minha esposa, quando nos zangamos, para ficar em algum lugar, tem de fazer uma queixa, só ajudam se for acionado algum apoio através da queixa. " (sic)].
O examinando atribui a responsabilidade da sua atual situação a fatores externos, sem reconhecimento das possíveis fragilidades do casal e apresentando soluções pouco estruturadas e pensadas para a situação presente.
Concluindo que será necessária uma recentralização do casal parental nas necessidades, interesses e receios das suas filhas possibilitando desta forma o estabelecimento de um quotidiano familiar e social estável. Foi observado um discurso algo polarizado, com pouco discernimento sobre a sua responsabilidade na situação atual, em que o sistema é visto como único responsável pela retirada das crianças do seio».
3.1.80. O progenitor é acompanhado pela UDIP desde 2004, no âmbito da atribuição da prestação social para a inclusão, sendo dependente do apoio de terceiros para a realização de algumas rotinas, como seja a aquisição de alimentos e transporte dos mesmos para o domicílio, dada a sua incapacidade física.
3.1.81. Os progenitores conheceram-se nas redes sociais, estando juntos desde fevereiro de 2019.
3.1.82. A progenitora, J, tem atualmente 34 anos, o 9.º ano de escolaridade e desde agosto de 2022, que iniciou funções como empregada de limpeza no (…).
3.1.83. Ainda viveu em acolhimento residencial, desde os 7 aos 15 anos de idade.
3.1.84. Com 17 anos saiu de casa e foi residir com o seu ex-companheiro, com quem viveu em união de facto, durante 10 anos, de quem teve 4 filhos e de que foi vítima de violência doméstica, conforme se aludiu em 3.1.51,
3.1.85. Do seu certificado de registo criminal nada consta.
3.1.86. Da avaliação psicológica efetuada à progenitora, a 07.12.2022, relatório datado de 24.02.2023, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta como conclusão que:
«J traduz uma pessoa que, apresenta um padrão evasivo, com hipervigilância e marcada desconfiança. J poderá apresentar como características a ansiedade, sendo suscetível e suspeitosa. Apresenta um perfil de dependência e sensibilidade, de possível submissão, a par com limitada auto-confiança.
Poderá estar presente significativa reserva em partilhar informação, mesmo quando esta informação se poderá expressar no seu próprio interesse.
O impacto destas características poderá revelar-se na existência de dificuldades relacionais, com pouca capacidade de reflexão critica sobre as suas emoções e sobre os seus comportamentos, o que poderá afetar e limitar o exercício da parentalidade, bem como fragilidade ao nível do estabelecimento de vínculos afetivos, pelo que serão de equacionar intervenções psicoterapêuticas junto da mesma, por forma a desenvolver as suas competências parentais, sociais e pessoais bem como prevenindo possível situação de risco para as crianças. Também de referir que são observados, com elevação significativa, sinais de ansiedade e medo persistente que poderão decorrer da alegada tentativa de violação vivenciada, pelo que se torna, também por esta razão, importante a resposta psicoterapêutica.
J não aparenta apresentar crenças legitimadoras do uso da violência física enquanto estratégia educativa e valida práticas educativas adequadas. Reconhece fragilidades na gestão, aquando do acompanhamento dos seus quatro filhos, porém apresenta pouco discernimento sobre possíveis fragilidades no presente, sendo atribuídas implicações apenas à sua jovem idade na época.
Apresenta preocupação pelos seus filhos, bem como intenção de quebrar o possível padrão de institucionalização, almejando ["(...) gostava muito da minha família de volta, os meus filhos também, sermos uma família estável, é o que eu mais gostava” (sic)], sem apresentar perspetivas de mudança.
Importa destacar a presença de fatores de risco e proteção que poderão dificultar ou facilitar a parentalidade no presente contexto familiar. Como fatores de risco, são de destacar: dificuldades no relacionamento familiar (existência de possível relação conflituosa entre os progenitores) com histórico de relação com prevalência de violência doméstica por parte da examinanda, existência de gestações sucessivas, isolamento social e parca/frágil relação com os seus familiares, bem como frágil situação socioeconómica dos examinandos, apar com ocorrência de alegada tentativa de violação e sentimento de desproteção.
Como fatores de proteção destaca-se relação positiva com o seu, bem como a referida boa recetividade das crianças aos progenitores, bem como enquadramento profissional.
A examinanda nega a ocorrência de agressões entre o casal, minimiza os contornos da possível ocorrência de discussões entre o casal e justifica o recurso às autoridades policiais como sendo uma procura de ajuda social [”(como a única hipótese de ajudarem as pessoas é fazer uma denúncia eu acabo por fazer denúncia para me ajudarem nunca chegamos a agressões, aqueles insultos exuberantes. "(sic)].
Apresenta uma postura algo evasiva, sem reconhecimento das possíveis fragilidades do casal e apresentando soluções pouco estruturadas e pensadas para a situação presente
J reconhece algum isolamento, motivado pelo afastamento da sua área anterior de residência eu não tenho cá ninguém, sou do norte. " sic]. A rede de suporte familiar e social parece resumir-se à família do seu companheiro (sogra e cunhadas), o que pode colocar a examinanda numa situação de maior vulnerabilidade e dependência, não obstante refere existir uma muito boa convivência com as mesmas.»
3.1.87. Relativamente à dinâmica familiar e conjugar, enquanto casal, os progenitores apresentaram períodos em que manifestaram proximidade, porém, existiram outros em que verbalizavam descontentamento em relação ao outro e situações de conflito.
3.1.88. A progenitora apresentou queixas relativas a episódios de agressividade de que foi vítima e perpetrados pelo seu atual companheiro, pai das crianças. 3.1.89. A 19.12.2020, no RIAV - Campus da Justiça, SEIVD de Lisboa, dando notícia de que havia sido vítima de violência doméstica, tendo uma relação de namoro com F há dois anos, com quem coabita, alegando que é vítima há um ano e meio de "violência psicológica, social, económica e física; tendo o primeiro episódio ocorrido em Ovar, na presença dos filhos uterinos; que o suspeito é dependente de álcool e que as agressões surgem quando este se encontra ébrio que o mesmo profere expressões como "puta os teus filhos estão na instituição por tua causa", "vai para o pé dos pinantes", 'não tens onde cair morta", se fores embora não levas as minhas filhas"; que o denunciado queria que a declarante deixasse de falar com a sua mãe, proferindo as seguintes palavras "escolhe: ou eu ou a tua mãe"; que pelas 04h00 o suspeito a colocou fora de casa, afirmando que se a escolha era a sua mãe não tinha de estar na casa que era sua. Que a declarante ficou à chuva e frio à porta de casa, com as filhas gémeas de 6 meses dentro de casa, com o suspeito embriagado, a aguardar que este a deixasse de novo entrar, o que apenas aconteceu pelas 08h00. Que entrando em casa quis por termo à relação e dirigindo-se ao quarto para fazer as malas o suspeito ajoelhou-a no chão, agarrou-lhe no cabelo, arrastando-a pela residência, e desferiu-lhe vários murros na cabeça e uma chapada na cara. Declarou que "basta o olhar do denunciado para se sentir apavorada, chegando muitas vezes a ficar em pânico, sem saber o que fazer" (fis. 751 a 761).
3.1.90.0 progenitor foi ouvido sobre estes factos a 04.03.2021 e negou os mesmos, afirmando que houve uma discussão por ele ter trocado uns "sms" com outra pessoa e que a progenitora fez a denúncia por "vingança". 3.1.91. A 26.07.2021, no RIAV - Campus da Justiça, SEIVD de Lisboa, dando notícia de que havia sido vítima de violência doméstica no dia anterior, pelas 19h30m, em que o denunciado regressou a casa num estado visível de estar completamente ébrio, que ao solicitar explicações pelo estado ébrio, o companheiro tornou-se extremamente agressivo e começou a agredir violentamente a vítima, com empurrões, puxões de cabelos, murros e pontapés na zona da cabeça. Que no momento em que o denunciado foi à casa de banho aproveitou para fugir da residência deixando os seus pertences no local, bem como as filhas menores, uma vez que estava extremamente assustada e com medo que o suspeito a voltasse a agredir. Que foi acolhida por uma amiga. A depoente indica que o suspeito fuma haxixe todos os dias. No dia 26.07.2021 com apoio das autoridades policiais a progenitora deslocou-se à habitação de onde retirou as crianças e os seus bens pessoais, sendo transportada pela polícia para a casa da amiga, MP, em (…) (fls. 766 a 776).
3.1.92. A 16.08.2021 a progenitora dirige ao inquérito uma exposição, expressando a vontade de retirar a queixa, afirmando que foi um ato isolado, e que "nos amamos muito um ao outro e temos duas filhas, fruto desse amor...)".
3.1.93. A 29.10.2021 dirige novo email indagando a situação do processo, "eu quero suspender o processo porque estou muito bem com o meu marido, eu amo-o muito e temos duas meninas lindas, já regressei a minha casa em Lisboa".
3.1.94. A 16.11.2021, ouvida em declarações, diz que pretende desistir da queixa.
3.1.95. A 17.11.2021 foi proferido despacho de arquivamento, por ausência de elementos probatórios, uma vez que a própria ofendida se votou ao silêncio e que não existem testemunhas dos alegados factos. 3.1.96. A 01.05.2022 a progenitora apresenta nova queixa contra o progenitor, alegando que esta a chama de "puta" "os teus filhos estão na instituição por tua causa", "vai para o pé dos pinantes", "não tens onde cair morta , se não tirares a queixa vou-te fazer a vida negra e as nossas filhas vão também para a instituição" e "um dia destes vais morrer nas minhas mãos". Que no dia, ao comunicar ao suspeito que iria a Bragança, para visitar os filhos que estavam aí numa instituição, visto ser dia da mãe e por já não contactar com os filhos presencialmente há cerca de um ano, o suspeito adotou uma postura agressiva, elevando o tom da voz e proferiu as seguintes expressões "vais é ter com o teu ex-namorado" e "ele vai espetar-te na cona e no cu e esporrar-te a cara , não é nada que eu já não tenha feito".
Nessa data declara que estava sentada na cama e que o suspeito, enquanto proferia impropérios, ia aproximando-se da mesma, num ato de defesa e por estar com receio de ser agredida pelo suspeito, agarrou com uma das mãos no pescoço do suspeito e em ato contínuo empurrou o mesmo. Declara que o denunciado é dependente de drogas. (As. 784 a 791)
3.1.97. O progenitor também compareceu no RIAV- Campus da Justiça, para apresentar queixa contra a progenitora, relativa ao episódio ocorrido a 01.05.2022, declarando que esta lhe apertou o pescoço, ao mesmo tempo que lhe disse "metes-me nojo". F diz ainda já ter sido agredido física e verbalmente por J em situações anteriores, sendo chamado de "incapacitado, deficiente, inútil para a sociedade", derivado da sua condição física, tendo sido também empurrado e que a mesma já lhe retirou a bengala, da qual necessita para se mover (fls. 793 a 800).
A 20.05.2022 ambos declaram que as coisas se encontram bem entre o casal. 3.1.98. A progenitora, a 14.11.2022, volta a fazer queixa, declarando que no dia, às 22.30, quando já se encontrava na residência vinda do trabalho, o companheiro iniciou uma discussão sem motivo aparente, começando de imediato a injuriar a declarante com as seguintes expressões : "vaca, puta" e que lhe deu uma bofetada no lado direito da face. Que o denunciado ainda tentou agarrá-la, tendo-se conseguido refugiar no quarto. Relata que o companheiro se encontrava alcoolizado, devido ao forte odor a álcool e por se encontrarem 15 garrafas de cerveja em cima da mesa da cozinha (fls. 804 a 809).
Chamada para prestar declarações a 23.01.2023 declarou que não o pretendia fazer.
3.1.99. A 13.12.2023 foi proferido despacho de arquivamento nesse inquérito (464/22.1POLSB) que incorporou estas três últimas queixas, por ausência de prova. (fls.
812 a 817)
3.1.100. Foi ainda efetuada denúncia, a 01.03.2023, contra o progenitor, por TC, por factos alegadamente praticados por este no restaurante "O farol", no dia 28.02.2023, às 23h45m, sendo o lesado funcionário do estabelecimento declarando que o denunciado o havia ofendido verbalmente e ameaçado, estando ébrio, tendo ainda partido um prato e dois copos.
3.1.101. Os progenitores beneficiam de terapia familiar desde 2 de maio de 2024, no projeto (…), com a Dra. (…), em sessões com a periodicidade semanal.
3.1.102. Quanto ao trabalho relativo às competências pessoais, sociais e parentais, foram agendadas 32 sessões, às quais os pais faltaram a 13.
3.1.103. Conforme se refere no relatório de acompanhamento da EATTL, elaborado em 06.03.2023, «a maioria das sessões parentais ocorridas não cumpriram os objetivos, foi centrada na incompreensão do pai sobre os motivos do acolhimento, com este a expressar a sua zanga, ameaçando não estar disponível para participar em mais encontros familiares, ou afirmando que o tempo da mãe com as meninas era maior que o do pai, verbalizando não aceitar a intervenção enquanto não percebesse o que era preciso ser mudado, impossibilitando, desta forma, qualquer desenvolvimento e intervenção no âmbito das suas competências parentais».
3.1.104. Em consequência dessa intervenção foi possível observar que os pais continuam a não identificar fragilidades, quer na relação conjuga', quer no âmbito das suas competências parentais.
3.1.105. Em setembro de 2023, na sequência do despacho proferido a 11.08.2023, os contactos entre pais e filhas foram de novo intensificados, e definiu-se que passariam a existir dois encontros familiares por semana, um à terça e outro à quarta, com a duração de uma hora.
3.1.106. Quanto ao trabalho relativo às competências pessoais, sociais e parentais, foram agendadas 32 sessões, às quais os pais faltaram a 13.
3.1.107. No que diz respeito à família alargada, destaca-se a ausência de verdadeiro apoio familiar, pese embora os pais afirmem que o têm. O que se constata na realidade, é que em momento algum a família alargada se constituiu como suporte aquando das diversas ruturas do casal, nem tão pouco entraram em contacto com os serviços para obter informações das gémeas ou para solicitar visitas.
3.1.108. Atualmente a MF e a MC são crianças curiosas, «revelam-se crianças ávidas para a aprendizagem, solicitam a atenção do adulto e concretizam demonstrações de afeto, apresentando, desta forma, um sentimento de segurança para com o outro que gostam de brincar (...) mostram-se ávidas por explorar o meio ambiente que as rodeia (...) sociáveis e que gostam de interagir com os pares e adultos. Durante as visitas domiciliárias, procuram a atenção da equipa técnica, com quem mostram vontade de brincar, através dos desenhos e brincadeiras simbólicas» (cit. in informação da UAACAF/SCML).
3.1.109. No mesmo relatório é referido que «as crianças estão bem-adaptadas à FA, criaram laços afetivos com os cuidadores (VA), bem como com os seus filhos. Ao longo do tempo de permanência nesta FA, têm-se revelado crianças felizes e seguras, quer com os cuidadores, quer com outros membros próximos da rede de amigos e da família alargada».
3.1.110. A relação entre a família biológica e a família de acolhimento atualmente é boa.
3.1.111. As crianças nasceram com 36 semanas de gestação, de parto natural, sem complicações.
3.1.112. As crianças atualmente reagem bem aos convívios, brincam no contexto das visitas com os progenitores, a quem tratam por "mãe" e "pai", mas sem os reconhecerem como "pai" e "mãe", ou sequer como figuras de referência, designadamente nunca perguntam por estes na sua ausência, não mostram frustração quando não se concretizam as visitas, tendo integrado o programa das visitas como uma rotina, sem um especial significado.
3.1.113. As crianças são calmas e bem-dispostas, reagem de forma positiva à interação com os adultos e com as crianças da família de acolhimento, assim como do equipamento infantil que frequentam.
3.1.114. São crianças saudáveis, sendo habitualmente seguidas em pediatria e também em otorrino, por terem um quadro de otites recorrentes, tendo sido sujeitas a intervenção cirúrgica no início deste ano.
3.1.115. Os pais têm como rendimentos a prestação social para a inclusão (PSI) atribuída ao progenitor, no valor aproximado de € 867,00, a que acresce o salário da progenitora, no valor mensal de € 690,00, pagando de renda o valor de € 302,00, vivendo atualmente sem dificuldades financeiras.
3.1.116. Vivem numa casa camarária, de tipologia T2, com boas condições de habitabilidade, e que denota estar limpa e organizada.
3.1.117. O progenitor, após a suspensão do debate, manifestou vontade de beneficiar de acompanhamento psicológico, mas foi necessário ativar os cartões de saúde da SCML, para poder usufruir dos serviços de apoio psicológico nas unidades de saúde da SCML, concretamente, para a Unidade de Saúde (…), tendo iniciado essas consultas no passado dia 28.05.2024.
3.1.118. As visitas atualmente têm-se realizado com uma periodicidade bissemanal, com a supervisão da UAACAF/SCML, sendo reportado que por regra apenas um dos progenitores consegue realizar a visita, efetuando as visitas em separado para um dos membros do casal poder prestar cuidados ao filho mais novo, AMr, o qual ainda não se encontra integrado em equipamento de infância, por ausência de vaga.
3.1.119. No decurso das visitas ambos os pais são adequados, procurando corresponder e ir de encontro às brincadeiras das filhas, demonstrando manifestações de carinho e afeto para com elas, devolvendo-lhes, inclusive, que gostam muito delas.
3.1.120. Nos convívios que ocorreram de maio de 2023 até à data atual, tem sido possível observar que as crianças já não manifestam tantas dificuldades em se despedir da família de acolhimento, para passar para os convívios com os pais, tendo deixado de ser necessário, desde outubro de 2023, que a cuidadora VA fique na sala da visita no Início.
3.1.121. A cuidadora VA declara que, de manhã, quando não bebem leite (para evitar vomitarem no percurso de automóvel), as crianças já sabem que há visita e começam logo a fazer algumas birras, com mais dificuldades nas rotinas, reveladoras de uma maior instabilidade e desorganização, situação que tem vindo a ser esbatida, ao longo do tempo.
3.1.122. Na perspetiva dos pais, estas visitas têm decorrido "muito melhor, melhor de sempre, saímos daqui de alma cheia " (sic).
3.1.123. Na despedida das filhas, os pais são sempre colaborantes, têm a preocupação de ir arrumando os brinquedos, com a participação das crianças, e corresponderem aos ritmos/ interesses das filhas. Elogiam as filhas e ficam felizes com as suas capacidades e desenvolvimento.
3.1.124. As meninas, quando as visitas terminam, aceitam bem, e facilmente se despedem dos pais, saindo tranquilas da visita. Quando chegam perto dos cuidadores, rapidamente se agarram a eles, pedem colo e mimos. 3.1.125. No mês de setembro de 2023, os pais estiveram presentes nos convívios com as filhas nos dias 5, 8, 11,13, 18, 22, 25 e 27 de setembro. No dia 11/9, a MC esteve adoentada, menos ativa e mais parada. Os pais tiveram dificuldade em gerir esta situação e pediram para a família de acolhimento (FA) a ir buscar, tendo esta acabado por ficar até ao final do encontro e, os pais, acabaram por tranquilizar.
3.1.126. Em outubro, os pais estiveram presentes nos dias 11, 13, 18, 20 e 25. A FA foi para Espanha com as crianças de 4 a 8 de outubro, como previamente acordado. O encontro de dia 4 manteve-se e pediu-se a substituição e antecipação do encontro de sexta (dia 8), para segunda-feira (dia 2), por forma a compensar a ausência das meninas. Porém, os pais não puderam, alegando que a mãe tinha consulta de psicologia nesse dia. Na quarta-feira, dia 4, dia de partida para Espanha, os pais faltaram, justificando que não perceberam que esse encontro se mantinha, dada a viagem das meninas.
3.1.127. Por forma a compensar a ausência das crianças naqueles dias, ficou combinado que, nos dias 11 e 13 de outubro, os encontros seriam estendidos a mais meia hora, para compensar a ida a Espanha.
3.1.128. Neste encontro, de dia 11, a mãe acabou por não usufruir dos 30 minutos extra, acabando por sair mais cedo do encontro, pese embora, inicialmente, tenha confirmado a sua disponibilidade para estar mais tempo presente com as filhas. 3.1.129. Os encontros dos dias 18 e 20 de outubro, tiveram 30 minutos extra, como forma de compensação. Pelo menos, em duas visitas, a mãe esteve presente sozinha na visita, e, nessas alturas, manifestou dificuldades em estar com as meninas sozinha, tentando que fizessem as mesmas brincadeiras e os mesmos jogos, simultaneamente, dado que lhe causava alguma confusão que cada uma fizesse uma coisa diferente, ficando atrapalhada quando cada uma queria a mãe junto de si, "Isto com as duas é difícil! (...) uma quer uma coisa e a outra quer outra, não é fácil" (Cit.).
Mesmo que cada uma estivesse tranquila a brincar, sem pedir a sua presença, a mãe ficava inquieta e preocupada, tentando que as duas fizessem a mesma atividade simultaneamente.
3.1.130. Nessas duas visitas, não foi necessário avisar o término da visita, pois numa, dez minutos antes, a mãe começou a arrumar, pedindo a ajuda das filhas. Noutra, vinte minutos antes do seu término, a mãe começou a arrumar os brinquedos, "para adiantar serviço" (Cit.). Também no dia 20.10.2023, estava previsto a visita terminar pelas 17horas (tempo de compensação de ausência), mas pelas 16h30 os pais, por iniciativa própria, arrumaram todos os brinquedos e fizeram as despedidas e, pelas 16h40, chamaram a técnica, pois deram a visita por terminada. Os pais terminaram a visita pelas 16h50.
3.1.131. Na visita de 25.10.2023, compareceu somente o pai. Como habitual, as crianças só entraram na sala com a cuidadora. O pai foi informado que, 62 feira seguinte, as filhas, na visita, necessitavam de lanchar, questionando-se se queria ser este a trazer o lanche ou se preferiam que a FA os trouxesse. O pai de imediato transmitiu ser melhor a FA a enviar os lanches, justificando que não fazia ideia do que as crianças gostavam ou podiam lanchar.
3.1.132. Apenas na sequência dessa visita os pais se mostraram proativos procurando saber junto da FA quais os alimentos que as crianças podem e gostam de comer, e atualmente providenciam, às vezes, por levar lanche para as filhas.
3.1.133. Por apenso aos presentes autos está a correr termos processo de promoção e proteção a favor de AM, nascido a 27.08.2023, na qual vem proposta medida de apoio junto dos pais, estando ainda esses autos a reunir elementos probatórios.
*
3.2. A questão a verificação dos pressupostos para a medida de promoção e proteção. Enquadramento jurídico.
O tema central de ambas as apelações é a verificação dos pressupostos para a medida de promoção e proteção de confiança à família de acolhimento com vista a futura adoção, sendo que ambos os pais se opõem à mesma e sustentam que se decrete a medida de promoção e proteção de confiança de MC e MF, junto dos pais. A recorrente J ainda acrescenta, confusa e contraditoriamente, que a confiança será junto dos pais e na pessoa da Mãe. Obviamente, em abstracto, uma menor apenas poderá ser confiada a ambos os pais ou a um deles. Do pedido de ambos os recorrentes desde logo se destaca que ambos reconhecem a necessidade de ser decretada uma medida de promoção e protecção e não simplesmente a entrega dos menores aos pais e o arquivamento do processo. E do pedido da mãe resulta contradição, ambiguidade e hesitação ao aludir à confiança das menores aos pais e logo acrescentar “na pessoa da Mãe”. A confusão dos recorrentes é, em parte, compreensível e justificada pelos respectivos comportamentos.
O art.º 2.º da Declaração Universal dos Direitos da Criança consagra o princípio do direito da criança a desenvolver-se física, intelectual, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse superior da criança.
Além disso, “a criança precisa de amor e compreensão para o pleno e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade. Na medida do possível, deverá crescer com os cuidados e sob a responsabilidade dos seus pais e, em qualquer caso, num ambiente de afecto e segurança moral e material; salvo em circunstâncias excepcionais, a criança de tenra idade não deve ser separada da sua mãe. A sociedade e as autoridades públicas têm o dever de cuidar especialmente das crianças sem família e das que careçam de meios de subsistência. Para a manutenção dos filhos de famílias numerosas é conveniente a atribuição de subsídios estatais ou outra assistência” – idem, art.º 6.º. E a criança deve ser protegida contra todas as formas de abandono, crueldade e exploração, e não deverá ser objecto de qualquer tipo de tráfico – art.º 9.º.
Tais princípios foram renovados na Convenção sobre os Direitos da Criança, particularmente nas seguintes disposições: - Artigo 3.º: 1. Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança. 2. Os Estados Partes comprometem-se a garantir à criança a protecção e os cuidados necessários ao seu bem-estar, tendo em conta os direitos e deveres dos pais, representantes legais ou outras pessoas que a tenham legalmente a seu cargo e, para este efeito, tomam todas as medidas legislativas e administrativas adequadas. - Art.º 9.º: 1. Os Estados Partes garantem que a criança não é separada dos seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança. Tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de, por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança ou no caso de os pais viverem separados e uma decisão sobre o lugar da residência da criança tiver de ser tomada. - Art.º 18.º: 1. Os Estados Partes diligenciam de forma a assegurar o reconhecimento do princípio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança. A responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe primacialmente aos pais e, sendo caso disso, aos representantes legais. O interesse superior da criança deve constituir a sua preocupação fundamental. 2. Para garantir e promover os direitos enunciados na presente Convenção, os Estados Partes asseguram uma assistência adequada aos pais e representantes legais da criança no exercício da responsabilidade que lhes cabe de educar a criança e garantem o estabelecimento de instituições, instalações e serviços de assistência à infância.
A protecção das crianças também mereceu consagração na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente no seu art.º 69.º: 1. As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições. 2. O Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal. 3. É proibido, nos termos da lei, o trabalho de menores em idade escolar.
A promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral, foi objecto de regulação por meio da Lei n.° 147/99, de 01 de Setembro (LPCJP - Lei de Proteccão de Crianças e Jovens em Perigo), sendo de salientar os seguintes princípios orientadores da intervenção, com especial pertinência no presente caso, conforme o disposto no artigo 4.º:
A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo
obedece aos seguintes princípios:
a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;
c) Intervenção precoce - a intervenção deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida;
d) Intervenção mínima - a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo;
e) Proporcionalidade e atualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;
f) Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem;
g) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante;
h) Prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável.
O art.º 34.° da LPCJP estabelece ainda que: As medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo, adiante designadas por medidas de promoção e proteção, visam: a) Afastar o perigo em que estes se encontram; b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral; c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.
As medidas de promoção e proteção tem, tendencialmente, uma duração limitada – art.ºs 60.º e 61.º.
Importa igualmente considerar que o art.º 1978.º, do Código Civil – que expressamente regula as situações necessárias à confiança com vista a futura adoção, por força do disposto no art.º 38.º-A, da LPCJP –, dispõe o seguinte: 1 - O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:
(…) d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança; e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança. 2 - Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança. 3 - Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças.
(…)
As situações de perigo para a criança, assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças, foram enumeradas no artigo 3.º, n.º 2, da LPCJP:
Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:
a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;
b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;
e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.
h) Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional.
*
3.3. A questão da subsunção em face dos factos objectivos que se comprovaram.
O acórdão recorrido considerou expressamente que a situação é enquadrável nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 1978.º, do Código Civil. O que é genericamente rebatido em ambas as alegações de recurso.
Vejamos em primeiro lugar a situação prevista na alínea e): “Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança”.
Verificou-se o desinteresse de ambos os pais? Esse desinteresse é manifesto? Na afirmativa, como se manifestou? Nos três meses que precederam o pedido de confiança? E o desinteresse compromete seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos?
A decisão recorrida aponta que, dos 55 encontros previstos, a mãe esteve presente em 37 deles e o pai esteve presente em 23 deles. Porém, cumpre notar que foi justificada a falta de comparência em 15 dos 18 encontros. Ninguém discutiu a bondade das justificações apresentadas e que se prendem com compromissos laborais, doença ou outro tipo de diligência. A decisão recorrida nota que a mãe cumpriu com pouco mais de metade das sessões. Para sermos matematicamente mais rigorosos, diremos que a mãe compareceu em 67,27% (37:55) ou pouco mais de dois terços das sessões. E que faltou injustificadamente a 3 delas, ou seja a 5,45%. O pai nitidamente revelou menor empenho do que a mãe, pois compareceu a 41,81% dos encontros. Nenhum dos pais alcançou um “score” perfeito de 100% em termos de comparência. Não obstante, as taxas de comparência ainda assim revelam interesse e não desinteresse de ambos os pais, de forma mais marcada no caso da mãe e como sempre se evidenciou ao longo do processo.
A presença física dos pais junto dos filhos é, inquestionavelmente, a forma por excelência de evidenciar o seu interesse ou desinteresse. Mas não é a única e o tribunal não pode ignorar as informações fidedignas que chegaram ao processo sobre o interesse revelado pelos pais, e especialmente pela mãe. Basta atentar que, na sessão do debate realizada no dia 5/7/2023, o tribunal determinou que fossem apresentadas as mensagens do grupo de “WhatsApp” da Prochild, que integram ambos os pais, rececionadas no mês de março de 2022. E, no dia 10/7/2023, a Equipa ProChild_UIF remeteu esses elementos ao tribunal – vd. ref.ª 36500481. Além de diversas queixas e diatribes do pai, dessas mensagens é perceptível que os pais manifestaram interesse na situação e vida quotidiana das filhas, revelando satisfação nas fotografias e filmes que recebiam, perguntando “como estão as nossas princesas”, pedindo para lhes darem um beijinho, agradecendo a informação prestada e à família de acolhimento.
Há que ter igualmente em especial consideração o referido princípio da actualidade (no momento em que a decisão é tomada – art.º 4.º, da LPCJP) e a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes (art.º 611.º, do Código de Processo Civil). Quanto a este aspecto, cumpre salientar que no dia 7/7/2023, já depois de proferidas as alegações e quando se perspectivava o encerramento do debate judicial, o tribunal decidiu produzir prova complementar, considerando, entre o mais, “o interesse dos pais na concretização de mudanças efetivas na sua situação vivencial com vista à reintegração familiar das filhas; no compromisso assumido em juízo de que estão disponíveis para beneficiar de terapia familiar e de apoio psicológico em ordem a se capacitarem para a reintegração das crianças MC e MF”. Como é evidente, o interesse dos pais na concretização de mudanças efetivas na sua situação vivencial com vista à reintegração familiar das filhas não se confunde com o efectivo interesse dos pais pelos filhos. Porém, é um indicador da vontade dos pais assumirem plenamente as suas responsabilidades perante as filhas e que mereceu a atenção do tribunal.
No seguimento da decisão de 7/7/2023, chegaram aos autos informações relevantes, nomeadamente do Núcleo de Assessoria Técnica ao Tribunal (ref.ª 3687212) quanto à assiduidade dos pais nas visitas nos meses de Julho e Agosto. Aliás, se não ocorreram mais visitas foi por razões geralmente estanhas aos pais (a visita foi desmarcada pela família de acolhimento, porque ambas as crianças estavam doentes e com febre; os convívios foram desmarcados, devido às JMJ; nasceu o filho, AM, a 27.09.2023, e a mãe encontrava-se, ainda, em convalescença; não aconteceram visitas, porque a família de acolhimento esteve de férias). Isto é, os pais efectivamente corresponderam ao propósito anteriormente manifestado de participarem na vida das suas filhas. Apesar do número de visitas ter sido limitado, importa sublinhar que os pais também estão condicionados por circunstâncias alheias à sua vontade, nomeadamente as que advém da execução da medida cautelar adoptada. Também se nota que naquela data não se evidenciou progresso quanto a outras medidas de apoio aos pais por razões alheias aos mesmos (a Casa (…) não deu resposta; aguarda-se resposta do projeto Esfera; a mãe J foi encaminhada para o Lisboa + Igualdade - Espaço de Atendimento a Vítimas de Violência Doméstica e de Género, fez triagem e poderá permanecer em lista de espera).
A Directora do Centro de Acolhimento Infantil (…) informou que no brevíssimo período que as crianças aí estiveram (Outubro de 2021) não foram identificadas fragilidades ao nível dos cuidados básicos, nomeadamente no que diz respeito ao vestuário e à higiene pessoal – cfr. ref.ª 37114288 de 27/9/2023.
No dia 27/10/2023, o Núcleo de Assessoria Técnica ao Tribunal informou que: “Sobre os convívios, as visitas têm-se realizado com uma periodicidade bissemanal, com a supervisão da UAACAF/SCML, mantendo-se a qualidade e dinâmicas das mesmas, semelhantes ao documentado no passado. Porém, na perspetiva dos pais, estas visitas têm decorrido “muito melhor, melhor de sempre, saímos daqui de alma cheia ” (sic). Transmitiram que têm recebido muitas fotografias e vídeos das filhas, o que os tem deixado tranquilos sobre o desenvolvimento e bem-estar de MC e MF. De acordo com a UAACAF, os pais brincam e vão de encontro às solicitações e atenção das filhas, explorando os brinquedos. Ambos os pais são adequados, sendo a mãe que, em alguns momentos, aparentou mais competência e facilidade na interação com as filhas, comparativamente ao pai. Ainda assim, os pais, em conjunto, têm tentado corresponder, procurando ir de encontro às brincadeiras das filhas, demonstrando manifestações de carinho e afeto para com elas, devolvendo-lhes, inclusive, que gostam muito delas”.
Mas o Núcleo de Assessoria Técnica logo sentenciou que: “Pese embora a manifesta disponibilidade que os pais, agora, revelam para estes acompanhamentos, não é garantia da sua real disponibilidade para a mudança, dado que somente quando passou a existir essa exigência por parte do douto Tribunal, os pais mostraram essa adesão. (…) Por consequência, o NATT-PP mantém a sugestão elaborada em março p.p. [que propôs a Confiança à Família de Acolhimento com Vista à Adoção], não considerando que o tempo de resposta de Terapia de Casal e do acompanhamento psicológico dos pais se coadunam com o tempo de MC e MF, que já se encontram numa medida de colocação há 23 meses, perfazendo dois anos no próximo dia 5 de novembro. (…) O que parece a este Núcleo, é que o pais aprenderam a interagir com as filhas num contexto muito específico e estável, que não se coaduna com aquilo que ocorre em interações pais/filhos que acontecem em meio natural de vida (a mãe, para conseguir responder, precisa que as crianças tenham a mesma brincadeira em simultâneo; o pai não consegue, por exemplo, assumir uma interação espontânea de cumprimento às filhas, fora do contexto habitual de interação). Assim, prevê-se que, alargando contactos para fora deste contexto específico e controlado, os pais deixem de ser capazes de corresponder ajustadamente, situação que resultará num aumento de ansiedade e numa maior reatividade face às crianças, como já correu durante esta intervenção, colocando, novamente, as filhas numa situação de perigo”.
Isto é, objectivamente, os pais cumpriam com as suas obrigações e interagiram favoravelmente com as filhas durante as visitas. Mas a Sra. Gestora do Núcleo de Assessoria Técnica ao Tribunal considerava que, fora deste contexto, se prevê que os pais deixem de ser capazes de corresponder ajustadamente. Mas não concretiza os factos objectivos que justificam tal previsão negativa, admitindo-se que sejam os que motivaram a intervenção inicial do tribunal (centrada na medida de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe, pelo período de 3 meses) aliada à estranheza e relativa separação entre os pais e as filhas resultante o período de confiança destas a uma família de acolhimento.
O relatório do Núcleo de Assessoria Técnica ao Tribunal datado de 31/1/2024 (ref.ª 38346281) é paradigmático do esforço desse serviço para conduzir à medida de confiança das menores com vista à adopção, com ostensiva desconsideração pelo referido princípio da prevalência da família.
Confirma que os pais têm comparecido a quase todas as visitas agendadas e que trazem chocolates e comida para oferecerem às filhas. Refere que as crianças “ainda demonstravam ter receio” dos pais. Mas o relatório é mais opinativo do que consubstanciado em factos e evidencia contradições. Indica que, aquando das visitas, se verifica uma clara angústia de separação da cuidadora VA. E logo relaciona essa ansiedade com o receio dos pais. Porém, não esclarece porque relaciona tal comportamento das crianças com o receio dos pais e não com a estranheza e o desconforto das crianças perante a situação de longa separação dos pais, em função da medida cautelar que foi adoptada. Porém, também refere que as crianças perguntavam pelos chocolates aos pais ou questionavam imediatamente o que lhes tinham trazido. Ou seja, segundo aí se opina, as crianças revelavam simultaneamente receio dos pais e interesse pelos chocolates ou por outras coisas que os mesmos lhes presenteiam nas visitas. Ora, geralmente, uma criança que tem um genuíno receio de um adulto não costuma ir perguntar-lhe por chocolates ou por outras coisas. O relatório não esclarece as razões para estes comportamentos contraditórios, limitando-se à opinião da Sra. Gestora do Núcleo de Assessoria Técnica.
Mas refere ainda que:
- Apesar de notadas algumas dificuldades iniciais, tem sido mais fácil às crianças dirigirem-se aos pais, e cumprimentarem-nos;
- Ao nível da afetividade, ambos os pais são afetivos e carinhosos com as filhas; e,
- Nas brincadeiras com as filhas, os pais revelam prazer em estar com elas, sendo muitas vezes as crianças que lideram a visita, porém, regra geral, brincam uns com os outros.
Não obstante a manifesta evolução favorável das vistas dos pais e do interesse destes pelas suas filhas, o Núcleo de Assessoria Técnica ao Tribunal centra a sua atenção na apologia da cuidadora de acolhimento e considera que “os pais continuam a não ser sentidos pelas crianças como suficientemente seguros, continuando as gémeas a percecionar a cuidadora como a sua figura de referência”. E acertadamente conclui que “os pais aprenderam a estar com as filhas e a brincar com elas, ainda que em esforço e por tempo limitado. Porém, importa referir que brincar é diferente de cuidar, continuando a ser evidente a angústia e a incapacidade de resposta dos mesmos nesta última esfera”. Porém, estando os pais separados das filhas na sequência da medida cautelar e apenas realizando breves visitas semanais ou bi-semanais de uma hora não se alcança como é que aqueles possam exibir desenvolvidamente perante a equipa de acompanhamento todas as demais competências. O período em que os pais estão com as filhas é necessariamente de convívio e, considerando a jovem idade destas, de brincadeira.
O Núcleo de Assessoria Técnica ao Tribunal mantém a aposta na confiança das menores com vista à adopção e logo “considera que ambos os pais não conseguirão corresponder às necessidades básicas e emocionais das filhas, ao ponto de não as colocar em situação de perigo”. Porém, novamente essa opinião não é consubstanciada em factos concretos. E por último, acrescenta que, “claramente, são importantes para a evolução e estabilização da dinâmica familiar, porém, continuamos a reiterar que as mudanças que daí possam advir, não vão ao encontro do tempo útil de MC e MF” (…) “Não há indicadores de que estes pais venham a conseguir satisfazer, de forma adequada, as necessidades físicas e emocionais de MC e MF, e promover o seu bem-estar, não correspondendo a manutenção desta espera ao superior interesse das crianças”.
E este foi o ponto que o Núcleo de Assessoria Técnica ao Tribunal esteve mais perto de afirmar que a situação tem evoluído favoravelmente, mas, por mais que os pais se esforcem, jamais conseguirão promover o bem-estar das filhas. E vem em linha com a comunicação de 14/7/2023 do Núcleo de Assessoria Técnica ao Tribunal que manifesta indiferença e irrelevância perante as solicitações dos pais para que as visitas às filhas fossem intensificadas e existissem igualmente momentos de convívio com elas na presença de outros familiares, concretamente a avó e duas tias paternas. Aí se refere que não teve “esta equipa outra alternativa se não propor um projeto de vida alternativo à família biológica”. Porém, é ao Juiz que compete dirigir o processo e não ao Núcleo de Assessoria Técnica ao Tribunal. O Juiz é quem decide e tem que assumir essa responsabilidade. O processo foi inicialmente direcionado para a implementação da medida de apoio junto dos pais e acabou por ser direcionado para a confiança das crianças com vista à adopção por iniciativa e impulso do Núcleo de Assessoria Técnica ao Tribunal. Até ao encerramento do processo, compete ao juiz adoptar as medidas tidas por convenientes em face das finalidades previstas na lei.
O relatório de acompanhamento psicológico da mãe de 21/5/2024 (ref.ª 435814095) evidencia igualmente que a mãe denota esforço pessoal para comparecer às consultas e procurar apoio. Revela igualmente interesse, preocupação e ansiedade quanto à situação das suas filhas e à perspectiva de “ficar sem elas e nunca mais as ver”. Como é evidente, esta informação contradiz frontalmente a ideia de manifesta falta de interesse pelas filhas, sufragada na decisão recorrida. O que poderá existir em abstracto é a violação de deveres dos pais, seguida eventualmente de preocupação, remorso e ansiedade quando os mesmos são confrontados com a intervenção estatal. Mas isso são conceitos e realidades distintas, que mereceram diferenciação no citado art.º 1978.º, do Código Civil.
Tudo considerado, a conclusão em como os pais revelaram manifesto desinteresse pelas filhas, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, é de afastar.
É evidente que existem algumas dificuldades no relacionamento aquando das visitas, mas isso é expectável em todas as situações em que as crianças de tenra idade são separadas dos pais e que não compreendem o que se está a passar. Em termos de vivência familiar, a separação dos pais é um acontecimento anómalo e potencialmente perturbador para todos e, em especial, para as crianças. Estranho seria que as crianças e os adultos reagissem com total normalidade a essa separação nos momentos das visitas. E a própria decisão recorrida reconheceu que “a intervenção junto dos pais para capacitação parental e apoio às visitas familiares não aconteceram logo no dia seguinte, a 06.11.2021, mas apenas 10 dias depois, a 16.11.2021, tempo que reputamos como excessivo para crianças tão pequenas”.
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3.4. Vejamos agora a situação prevista na alínea d): Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança.
Afigura-se inegável que os pais são um casal problemático, que evidencia características e dinâmicas preocupantes e que justificam a intervenção para promoção dos direitos e proteção das duas menores, à luz do citado art.º 3.º, da LPCJP. Porém, a legitimidade para a intervenção não se confunde com os pressupostos para a confiança com vista à adopção.
Os perigos existem e são reais, sob a forma de sujeição das menores, de forma direta e indireta, a comportamentos dos pais que potencialmente afetam a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional, nomeadamente conflitos conjugais.
A mãe J evidencia dificuldades de relacionamento e de competências, que é antecedida pela prévia intervenção institucional relativamente aos 4 irmãos mais velhos das menores (R, S, J e T, a quem foi aplicada a medida de apoio junto de outro familiar).
O pai F apresenta-se como a parte mais fraca, problemática e que compromete a estabilidade familiar, nomeadamente em termos de consumos de álcool e canabinóides. Revela pouca auto-estima ou capacidade de autocrítica.
Tudo isto acaba por gerar sucessivos conflitos entres ambos os pais, que perturbam a vivência familiar. Apesar de serem referenciadas várias situações de violência doméstica, as mesmas acabam por não ser esclarecidas, geralmente por desistência de queixa por parte da mãe J. De qualquer forma, é inegável que o relacionamento entre os pais foi pautado por episódios de conflito familiar.
O comportamento do F no dia 18.03.2023 perante os agentes da polícia é ilustrativo da sua capacidade para causar perigo grave para a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento de qualquer pessoa (vd. 3.1.75. e 3.1.76.). E pela forma como o F se comporta perante os agentes da polícia já podemos antever a forma como se comporta em casa. Por conseguinte, a argumentação trazida pelo F nas doutas alegações de recurso revela-se, em larga medida, idealizada, insubstanciada, contrariada pelos factos provados, centrada em aspectos sentimentais e não na realidade, na legalidade ou no sentimento social dominante.
O F é o elemento mais fraco e perturbador da vida das suas filhas, por escolha do próprio.
A dinâmica familiar revelou-se conturbada e terá motivado a saída de casa da mãe no dia 25/7/2021. A finalidade do processo rapidamente se direccionou da aplicação, a título cautelar, da medida de apoio junto dos pais, pelo período de três meses, para a medida de acolhimento familiar em benefício das crianças, sendo de acolhimento residencial até e enquanto não for identificada família para o efeito, conforme despacho proferido no dia 20/10/2021.
O que motivou este despacho foi a indicação dessa medida cautelar pela Equipa de Assessoria Técnica enviada 5 dias antes. E esta equipa invoca a falta de colaboração da mãe e a manutenção das menores à situação de perigo. Que perigo era este e em que se baseava não é esclarecido nessa comunicação da Equipa de Assessoria Técnica. Porém, esta Equipa já tinha informado os autos no dia 3/8/2021 que o pai manifestou telefonicamente que recebe cerca de 50 mensagens por dia que a mãe foi para Bragança com as menores e está numa residência junto da avó materna, sem nenhumas condições para dormir e garantir o seu sustento e o das meninas, referindo passar forme e estarem a dormir em colchões. A mãe ameaçava cometer suicídio.
Em suma: os pais F e J zangaram-se; a J saiu de casa e acabou por levar as filhas para Bragança; o F – inconsolado ou desfeiteado – pinta um quadro tenebroso junto da Equipa de Assessoria Técnica; esta Equipa informa o tribunal e logo se direcciona a solução para a medida de acolhimento familiar em benefício das crianças.
Sucede, porém, que este panorama se baseia em informações que são, em larga medida, falsas. Esta falsidade evidencia-se por meio de vários elementos, tais como:
- A informação prestada pelo Presidente da CPCJ de Bragança no dia 4/8/2021: “Da avaliação efectuada pelos técnicos da CPCJ e dos Agentes que se deslocaram ao local, verificaram que as crianças em referências se encontravam bem de saúde, em bom estado de higiene e anímico, não se revelando de momento, qualquer estado de perigo para a integridade física ou psicológica das crianças; e, desta forma considerou-se razoável, manter a guarda das crianças aos cuidados da mãe, disponibilizando a CPCJ de Bragança o apoio necessário”. O que logo motivou a decisão de 13/8/2021, de rever a medida cautelar, substituindo a medida de acolhimento residencial pela medida de apoio junto dos pais, na pessoa da progenitora;
- A circunstância da mãe ter regressado com as menores para junto do pai. Recorde-se que ambos os pais se tinham recriminado mutuamente, mas independentemente do que suscitou a briga, aparentemente, os factos não assumiram uma gravidade que impedisse a reconciliação; ou,
- A anteriormente referida informação da Directora do Centro de Acolhimento Infantil (…) no que diz respeito às condições das crianças (vestuário e à higiene pessoal) em Outubro de 2021 – cfr. ref.ª 37114288 de 27/9/2023.
O que se evidencia nos autos é um casal com repetidos episódios de disfuncionalidade, que legitimou o requerimento inicial para a aplicação de uma medida de apoio junto dos pais, pelo período de três meses.
Os pais têm rendimentos modestos (€ 867 + € 690), mas que permitem a sua subsistência. Dispõem de uma casa com condições de habitabilidade, que denota estar limpa e organizada – cfr. 3.1.115. e 3.1.116.
Existe uma vinculação afectiva entre pais e filhas; há interesse dos pais relativamente aos seus filhos e a mãe evidencia ansiedade com a possibilidade de perder essa ligação por decisão do tribunal. Ambos reiteraram o propósito de colaborar com as finalidades do presente processo. Em termos gerais, cumpriram minimamente com as obrigações que lhes foram impostas pelo tribunal. Com a ameaçadora perspectiva da confiança das filhas para a adopção reiteraram e redobraram os esforços para observar as recomendações e determinações do tribunal. O pais F e a J têm feito acompanhamento psicológico. Os pais e as crianças poderão beneficiar dessa e de outras medidas de apoio que lhes sejam facultadas em tempo oportuno.
Como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-02-2023: ”(..) o pressuposto comum da aplicação da medida de confiança é a inexistência ou o sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação, apresentando-se as hipóteses previstas nas diversas alíneas do n.º 1 como situações meramente indiciária.
(…) Neste sentido, a doutrina maioritária tem vindo a consolidar o entendimento de que não basta concluir-se pela verificação de uma das situações descritas nas diferentes alíneas do n.º 1 do artigo 1978.º do CC; para além disso, haverá que comprovar se as mesmas traduzem, em concreto, inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação, apresentando-se as hipóteses previstas nas diversas alíneas do n.º 1 como situações meramente indiciárias da sua verificação. No mesmo sentido, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27-05-2021 (proc. 2389/15.8T8PRT-D.P1.S1) e de 23-06-2022 (proc. n.º 23290/19.0T8LSB.L1.S1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
(…) Acrescenta o mesmo Acórdão, com relevância para a apreciação do caso dos autos, convocando o entendimento constante do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-02-2014 (proc. n.º 1035/06.5TBVFX-A. L1-2), consultável em www.dgsi.pt, o seguinte: “Ainda que se considere que o “comprometimento sério dos vínculos afectivos próprios da filiação”, referido no corpo do art. 1978.º, n.º1 CCiv, é o verdadeiro requisito da confiança com vista a futura adopção, apenas indiciado ou presumido pelas previsões das diversas alíneas citadas do normativo, é necessário salientar que esses vínculos afectivos não se constituem como uma abstracção, isto é, “não basta que haja relação afetiva entre pais e filhos, é necessário que esta assuma a natureza de verdadeira relação pai/mãe – filho, com a inerente auto-responsabilização do progenitor pelo cuidar do filho, por lhe dar orientação, estimulá-lo, valorizá-lo, amá-lo e demonstrar esse amor de forma objetiva e constante, de molde que a própria criança encare o progenitor como referência com as referidas caraterísticas; pais são aqueles que cuidam dos filhos no dia a dia, são aqueles que cuidam da segurança, da saúde física e do bem estar emocional das crianças, assumindo na íntegra essa responsabilidade” – disponível na base de dados da DGSI, processo n.º377/18.1T8FAF.P1.S1.
No presente caso, de momento, não se alcança da factualidade apurada a inexistência ou o sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação. Como já se referiu, é evidente que os pais protagonizaram alguns episódios de conflito (nunca plenamente esclarecidos em vista da inconsequência das queixas) e que revelam comportamentos potencialmente perturbadores do bem-estar das suas filhas e que justificam a intervenção estatal. Não é de prever a pronta e fácil dissipação de todos os factores de risco que foram apontados, particularmente considerando as personalidades evidenciadas pelos pais e a experiência com os outros 4 filhos da J. A adesão e a consistência da participação dos pais terá que ser trabalhada e os mesmos terão que demonstrar o nível de colaboração e empenho que só emergiu com a ameaça da confiança das filhas com vista à adopção. O pai F deverá ser especialmente acompanhado por evidenciar comportamentos de risco (consumo de álcool e canabinóides) que comprometem o cumprimento dos seus deveres parentais. A falta de capacidade de autocrítica do F gera dúvidas sobre a sua capacidade para mudar de comportamentos. Eventualmente, se o F persistir em protagonizar episódios perturbadores da vida familiar, será de equacionar o seu afastamento no processo educativo das suas filhas.
Os pais F e J evidenciam uma dinâmica familiar complexa e, por vezes, disfuncional. Não é de prever que as preocupações que motivaram a instauração do processo se dissipem rapidamente, até porque o apoio aos pais tem tardado a ser efectivado. O essencial é que os factores de risco para as crianças sejam atenuados ou eliminados de forma adequada e proporcional.
Mas a finalidade do processo também não é solucionar os problemas de relacionamento entre os pais, muito embora essa questão tenha evidentes reflexos no bem-estar das suas filhas. O processo obedece aos referidos princípios consagrados no art.º 4.º, da LPCJP, através de uma intervenção mínima, proporcional e atual, com vista à salvaguarda do interesse superior das crianças. E, se possível, por meio da responsabilidade parental e com prevalência da família.
À luz desses princípios e do que se evidenciou até ao momento, não se encontra fundamento para impor a medida de confiança das crianças com vista à adopção, sendo que esta obedece a critérios de legalidade e não de oportunidade.
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3.5. Na sequência da decisão de 20/10/2021, as menores têm estado sujeitas à medida de acolhimento familiar. Não se encontram razões bastantes para prolongar longamente tal medida, particularmente em vista da falência do projecto de confiança com vista à adopção.
Pelas razões acima indicadas, entende-se que as circunstâncias particulares do caso impõem que seja retomado com rapidez o projecto inicial dos autos, centrado na medida no meio natural de vida, de apoio aos pais – art.º 39.º, da LPCJP.
Ambos os pais têm participado nas medidas de apoio que lhes foram proporcionadas e manifestaram intenção de colaborar com o tribunal e as demais instituições envolvidas. Como já se referiu, os pais só têm a ganhar com os tais apoios, nomeadamente em termos de acompanhamento psicológico.
Por outro lado, as crianças vivem separadas dos pais há quase 3 anos e há todo o interesse em proceder à sua reintegração no núcleo familiar com brevidade, mas com a necessária preparação e adaptação, nomeadamente em termos de reatamento e reforço dos interrompidos contactos com os pais e visitas à sua casa, bem como da necessidade de cuidado e acompanhamento pedagógico das crianças (vg. creche ou infantário) considerando que a mãe se encontra a trabalhar e o pai possuí limitações físicas.
Também importa acompanhar a situação dos pais, em termos sociais, económicos e habitacionais e a capacidade dos mesmos para reatarem a vivência diária com as suas filhas, alertando-os para a necessidade de cumprirem escrupulosamente os seus deveres.
Por conseguinte, é adoptada a medida de apoio aos pais com plenos efeitos a partir do próximo dia 27 de Novembro, data em que cessará a medida de acolhimento familiar.
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4. Decisão:
4.1. Pelo exposto, acordam em:
a) Julgar procedentes as apelações e revogar o acórdão recorrido que aplicou a favor das crianças MC e MF a medida de promoção e proteção de confiança à família de acolhimento com vista a futura adoção;
b) Declarar imediatamente cessada a proibição de visitas às crianças por parte dos seus pais e de quaisquer elementos da família biológica; e,
c) Aplicar a medida de apoio aos pais com plenos efeitos a partir do próximo dia 27 de Novembro, data em que cessará a medida de acolhimento familiar.
4.2. Com vista à pronta implementação da medida referida na antecedente alínea b), determinar a imediata remessa de certidão ao tribunal a quo, com vista a promover a preparação e adaptação, nomeadamente em termos de reatamento e reforço dos interrompidos contactos entre as crianças e os pais; bem como visitas à sua casa, com a intervenção dos serviços de técnicos; e o eventual acompanhamento pedagógico das crianças.
4.3. Informe a Unidade de Adoção, Apadrinhamento Civil e Acolhimento Familiar, como solicitado.
4.4. Não são devidas custas.
4.5. Notifique.
Lisboa, 26 de Setembro de 2024
Nuno Gonçalves
Teresa Pardal
Adeodato Brotas