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PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ANTECIPAÇÃO DE JUÍZO SOBRE A CAUSA PRINCIPAL
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Sumário
1- Mesmo considerando as providências de natureza antecipatória logo vemos que o pedido formulado: “a condenação da requerida a ver reconhecida a ilicitude da resolução dos contratos celebrados entre as partes”, não configura uma qualquer medida de natureza cautelar. 2- Não se vislumbra assim que o pedido formulado permita à requerente alcançar qualquer tipo de tutela que é apanágio das providências cautelares.
Texto Integral
Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
S…, LDA. (“Requerente” ou “S…”), com sede em Antas, Outeiro Seco, veio nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 366.º e ss. do Código de Processo Civil intentar providencia cautelar comum, com inversão do contencioso, contra:
SIV…, S.A.,com sede na Rua …, nº2 Vila Nova de Gaia;
Peticionando a condenação da requerida ver reconhecida a ilicitude da resolução dos contratos celebrados entre as partes.
Alega que a requerida resolveu o contrato por falta de colocação, pela requerente, de um carregador eléctrico:
- a requerente não se recusa a colocar tal carregador mas ainda não tinha tido disponibilidade financeira para o fazer;
- o contrato anteriormente celebrado não previa a exigência de tal carregador;
- a obrigação de instalação de carregador elétrico para o exterior resultou da alteração dos standards de qualidade previstos nos contratos, o que se tratou de uma alteração unilateral que não admitiu acordo da requerente.
- defende estarmos perante uma revogação contratual ilícita porque sem justa causa ou caso assim não se entenda, perante uma situação de abuso de direito.
- com a resolução dos contratos a requerente ficou impedida de exercer a sua actividade o que levará ao despedimento dos empregados e à sua insolvência.
Foi a requerida devidamente notificada para querendo, deduzir oposição, o que fez.
Aceitando, na essência, a factualidade descrita pela requerente vem alegar:
I - a inadmissibilidade legal da providência cautelar:
a) defendendo que o que a requerente pretende é uma antecipação de tutela e não uma tutela cautelar; “a requerente deduz pretensões características de uma ação declarativa – maxime, a declaração de ilicitude de uma resolução contratual (cfr. artigo 817.º CC) – e que corresponde, em termos práticos, a uma verdadeira antecipação da tutela pretendida na ação principal”.
b) não se verifica a exigida aparência do direito –fumus boni iuris –pois os contratos celebrados e já juntos preveem que os padrões/standards de qualidade possam ser adaptados pela Requerida, mediante cumprimento de um pré-aviso de quatro meses, o que foi feito.
II –incumprimento do contrato pela requerente
Em 2022 a requerida começou a instar a requerente sobre a necessidade de instalação do carregador eléctrico exterior, tendo de novo instado em 2023, sem que a requerente tenha procedido à instalação em falta, acabando por se justificar com a falta de condições económicas; em 22/1/2024 a requerida concedeu um prazo de limite que findava a 25/3/2024, não tendo sido o carregador colocado até essa data.
III- do perigo na demora
Com a resolução dos contratos de oficina autorizada das marcas Audi e Volkswagen, a Requerente apenas fica impedida de proceder à reparação de veículos automóveis das marcas Audi e Volkswagen dentro do período de garantia e ao abrigo de ações de chamada preventivas, bem como de ostentar as aludidas marcas, ou seja, a Requerente não está impedida de manter e reparar veículos automóveis de quaisquer outras marcas, e não está impedida sequer de manter e reparar veículos automóveis das marcas Audi e Volkswagen cuja intervenção não resulte de uma ação de chamada preventiva.
Foi proferido despacho que declarou improcedente a providência por falta de requisitos legais.
Entendeu-se que a pretendida declaração de ilicitude da resolução contratual não se integra na natureza dum procedimento cautelar.
Mais se entendeu que não estão alegados factos susceptíveis de integrar o exigido “perigo da demora”.
Foram dados como assentes os seguintes factos:
1. A requerente dedica-se à comercialização de automóveis e acessórios, manutenção e reparação de veículos cfr. doc.1;
2. A requerida dedica-se à importação e exportação de viaturas automóveis de passageiros e de carga, motores, peças sobresselentes e sua distribuição; o exercício da indústria de aluguer de viaturas automóveis sem condutor; a compra e venda de viaturas automóveis novas e usadas, assim como de peças, acessórios e outros produtos e serviços promocionais das marcas representadas; a prestação de serviços de logística, de reparação e de manutenção de viaturas automóveis; a formação profissional de quadros técnicos e comerciais, a promoção de centros de aprendizagem técnico-profissional e a prestação de serviços de consultoria técnica e ainda o exercício da atividade de intermediação de crédito (documento n.º 2 junto ao requerimento inicial);
3. Requerente e a requerida estabeleceram relações comerciais a partir do ano de 2000, com a assinatura de um contrato de concessão para a venda de viaturas comerciais e para a venda de viaturas de passageiros de marca Volkswagen e de um contrato europeu de oficina autorizada;
4. Tendo mais tarde, celebrado contratos de oficina autorizada referentes aos produtos da marca Volkswagen, em 2003, e da marca Audi, em 2007;
5. Requerente celebrou com a requerida, a 30.11.2018, dois contratos europeus de oficina autorizada para a prestação de serviços de manutenção e de reparação, incluindo trabalhos relacionados com garantia legal, garantia voluntária e goodwill, assim como trabalhos no âmbito das medidas de campo (ações de chamada à oficina, medidas de serviço) em veículos automóveis e outros produtos das marcas Audi e Volkswagen incluindo a venda de peças originais (documentos n.ºs 3 e 4);
6. Que, conforme, resulta das respetivas cláusulas 18, entraram em vigor a 01.04.2020, tendo duração indeterminada.
7. A 13.08.2019, antes da entrada em vigor dos contratos supramencionados, a requerida enviou a todos os seus distribuidores, entre os quais, a requerente, a circular 106/DGERALVW/2019, com o assunto “Novos Contratos de Vendas e de Serviço Volkswagen Standards para Mobilidade Elétrica Instalações/Infraestruturas/Competências de reparação” (documento n.º 5);
8. Através da mesma, a requerida deu conhecimento aos seus distribuidores da entrada em vigor, a 31.01.2020, dos novos standards de mobilidade elétrica a serem cumpridos no âmbito dos novos contratos de vendas e de serviços Volkswagen, que teriam que ser cumpridos, sob pena de as oficinas não poderem ser autorizadas a exercer a sua atividade.
9. Em 31.08.2023, a requerente recebeu uma comunicação da requerida, da qual se extrai o seguinte excerto:
“Na sequência da auditoria realizada a 24 de abril de 2023, verificou-se o não cumprimento de determinadas disposições estabelecidas nos Standards da Marca.
As não conformidades detectadas foram anotadas no relatório da auditoria, já são do V. conhecimento, o qual originou um detalhado plano de ações de melhoria.
Não foi evidenciado a implementação das medidas destinadas à eliminação das não conformidades referidas no Plano de Melhorias, até à data estabelecida e acordada para o cumprimento das mesmas.
Nesta circunstância, efetuaremos até ao dia 29 de Outubro de 2023 uma “Auditoria de Repetição”, que cobrirá os pontos referenciados no Plano de Melhorias da auditoria” (documento n.º 10).”
10. Em 30.10.2023, a requerente recebeu uma advertência para o cumprimento das disposições estabelecidas nos Standards da Marca necessários à correção das inconformidades verificadas na auditoria realizada a 24.04.2023, documento n.º 11;
11. A requerida resolveu os contratos celebrados com a requerente enviadas para a sede desta, a 15.04.2024, com fundamento na violação da cláusula 23 dos contratos (documentos n.º 21 e 22);
12. Estipula o n.º 1 da cláusula 21 do contrato europeu de oficinal autorizada para a marca Audi, celebrado com a requerida:
“O presente contrato pode ser rescindido com justa causa, sem pré-aviso, mediante declaração escrita que cumpre os requisitos formais do Artigo 24.
O Fornecedor pode, designadamente, fazê-lo se:
13. 1. A Oficina Autorizada não cumprir um ou vários Padrões de Qualidade estipulados no Anexo 1 ou no Anexo 7 ou uma outra obrigação fundamental decorrente do presente contrato;”, vide (documento n.º 3”.
13. Bem como o n.º 3 da cláusula 23 do contrato europeu de oficinal autorizada para marca Volkswagen, celebrado com a requerida:
“3. Em conformidade com os princípios acima indicados, ao Importador é conferido o direito à rescisão com justa causa especialmente quando, a) a Oficinal Autorizada não cumpre um ou vários Standards de Qualidade estipulados no Anexo 1 ou uma outra obrigação fundamental decorrente do presente contrato;” (documento n.º 4);
14. A requerente informou a requerida de que não reconhece qualquer direito desta à resolução dos contratos (documento n.º24);
Da decisão proferida interpôs a requerente o presente recurso, alegando, com as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu declarar improcedente, por falta de verificação dos requisitos legais, a providência requerida pela recorrente contra a recorrida.
B. A decisão objeto do presente recurso deve ser revogada,
C. Pois consubstancia uma violação dos artigos 362.º, 363.º, n.º 1, 370.º, n.º 1 e 371.º, n.º 1, todos do CC, dos artigos 367.º, n.º 1 e 607.º, n.º 4, ambos do CPC, e do artigo 20.º da CRP;
D. Na medida em que desconsidera factos que foram demonstrados pelos recorrentes com relevância para a boa decisão da causa,
E. E interpreta erradamente o direito aplicável ao caso concreto.Violação do disposto nos artigos 362.º, 363.º, n.º 1, 370.º, n.º 1 e 371.º, n.º 1, do CC, nos artigos 367.º, n.º 1 e 607.º, n.º 4, do CPC e no artigo 20.º da CRP.
F. Através da decisão recorrida, o Tribunal de primeira instância conheceu do mérito do procedimento cautelar interposto pela recorrente.
G. Atentas as posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados, a recorrente entende que a prova da factualidade controvertida não se compadece com o acervo documental que já se insere nestes autos,
H. Acresce ainda o facto do Tribunal de primeira instância ter ignorado a prova oferecida pela recorrente e alicerçado a sua decisão em documentos juntos pela recorrida,
I. Impondo-se a produção de prova adicional, quer mediante declarações de parte, quer através do depoimento de testemunhas;
J. E ainda que sejam dados por provados factos confessados pela recorrida na respetiva oposição, conforme previsto no artigo 574.º, n.º 2 do CPC.
K. Mediante o procedimento cautelar (com inversão do contencioso), a recorrente pretende (i) a declaração da ilicitude da resolução dos contratos operada pela recorrida e (ii) a manutenção dos referidos contratos em vigor.
L. Para tanto, a recorrente fundamenta ser titular de um direito à manutenção do contrato porquanto a sua resolução assentou num alegado incumprimento contratual que sempre foi do conhecimento da recorrida - mesmo antes da entrada em vigor do contrato – e que, em rigor, se traduziu numa impossibilidade objetiva de cumprimento.
M. Sendo, por aqui evidente, que a posição da recorrente assenta em factualidade que apenas pode ser provada em sede de audiência final, mediante declarações de parte e depoimentos de testemunhas,
N. O que foi desconsiderado pelo Tribunal a quo, que fez um uso errado da faculdade prevista no artigo 367.º, n.º 1, do CPC, o qual foi, assim, objeto de violação;
O. A recorrente concede que a sentença objeto do presente recurso, na parte em análise, pode ser entendida como estando a coberto do dever de gestão processual – com sede legal no artigo 6.º, n.º 1, do CPC.
P. No entanto, a decisão recorrida colide com os princípios da igualdade, contraditório, da aquisição processual dos factos e com a admissibilidade de parte da prova oferecida pela recorrente,
Q. Pelo que se impõe concluir que a mesma é suscetível de impugnação.
R. Acresce que, o juízo do julgador sobre a concretização do conceito “quando necessário”, previsto no n.º 1 do artigo 367.º do CPC, traduz um poder-dever do juiz,
S. No sentido de que aquele tem, por um lado, a faculdade de determinar ou não a produção de prova, e, por outro lado, a obrigação de ordenar as diligências de prova quando tal se mostre necessário para o apuramento da verdade e para a justa composição do litígio;
T. É certo que o direito à prova não é um direito absoluto, mas reconduz-se a uma importante derivação do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, conforme previsto no artigo 20.º da CRP;
U. Entendimento diverso feriria o artigo 367.º, n.º 1, do CPC, do vício de inconstitucionalidade - quando interpretado no sentido de que o juiz pode, sem mais, decidir prescindir da produção de prova em sede de audiência final -,
V. Principalmente quando uma tal opção não é precedida de auscultação das partes relativamente à relevância dos meios de prova que pretendem produzir, naquela sede;
W. Flui do exposto que se impunha, ao abrigo dos artigos 367.º, n.º 1, do CPC e
20.º da CRP ou a realização da audiência final para produção da prova requerida pelas partes, ou, pelo menos, a auscultação das partes sobre a possibilidade de ser proferida decisão final após a fase dos articulados;
X. A decisão recorrida deve ser, assim, revogada e substituída por outra que ordene a baixa dos autos à primeira instância para produção da prova requerida pelas partes nos respetivos articulados.
Y. Caso assim não se entenda, a recorrente entende que não foram considerados elementos de direito e facto suscetíveis de alterar a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância pelo que se impõe a sua revogação e substituição por outra que decrete a providência requerida.
Impugnação da decisão relativa à matéria de facto (artigo 640.º do CPC)
Z. A recorrente entende que, ao decidir como decidiu, o tribunal a quo ignorou factos alegados e provados pela recorrente, com relevância para a causa, que inquinam a validade da resolução operada pela recorrida.
AA. Assim, com relevância para a causa, deveriam ter sido julgados como provados, integrando o respetivo elenco:
i. Através da comunicação enviada a 13.08.2019, a recorrida deu conhecimento à recorrente da obrigação de instalação de uma estação de carregamento com uma potência de carga mínima de 11kW AC e de 22kW DC na área exterior das oficinas autorizadas, (facto provado pelo documento n.º 5, junto com o requerimento inicial);
ii. A obrigação identificada teria de ser atempadamente cumprida, sob pena de, a partir de 01.04.2020, as concessões e vendas e as oficinas autorizadas ficarem privadas de exercer a sua atividade (facto provado pelo documento n.º 5, junto com o requerimento inicial);
iii. Na data de entrada em vigor dos contratos de oficina autorizadas, a 01.04.2020, a recorrida sabia que a recorrente ainda não tinha adotado qualquer medida para ir ao encontro dos novos padrões/standards de qualidade (facto admitido por confissão no artigo 64.º da oposição):
iv. Não obstante, a recorrida aceitou que os contratos entrassem, de facto, em vigor e começassem a produzir efeitos em 2020 (facto admitido por confissão no artigo 64.º da oposição):
v. Na auditoria realizada à recorrente, a 14.06.2021, a recorrida concluiu pela inexistência de quaisquer desconformidades no cumprimento dos standards de qualidade pela recorrente,
concretamente na inobservância do requisito relativo à instalação da estação de carregamento elétrico no exterior da oficina (facto provado pelo documento n.º 6, junto com o requerimento inicial);
vi. No relatório de auditoria, à data produzido, a recorrida classificou o quesito “Ponto(s) Exterior(s) de carregamento” como “fullfilled” (facto provado pelo documento n.º 6, junto com o requerimento inicial);
vii. A 21.06.2021, às 16:57, a representante legal da recorrente, CR, remeteu um email ao funcionário da recorrida, FC, a explicar que não era possível a instalação de um carregador elétrico para o exterior, com a potência pretendida, por falta de infraestrutura energética naquela área geográfica com potência suficiente para o efeito (facto provado pelo documento n.º 7, junto com o requerimento inicial);
viii. A 16.05.2022, a recorrida realizou nova auditoria à recorrente, tendo identificado, como inconformidade, a falta de instalação de um carregador elétrico para o exterior com potência de 22 kw (facto provado pelo documento n.º 8, junto com o requerimento inicial);
ix. A 24.04.2023, a recorrida realizou nova auditoria à recorrente e concluiu novamente que a recorrente não tinha instalado ponto de carregamento exterior (facto provado pelo documento n.º 9, junto com o requerimento inicial);
x. A 22.11.2023, pelas 23:59, o legal representante da recorrente, CR, enviou ao funcionário da requerida, LS, um email do qual se extrai o seguinte excerto:
“na sequência da realização da última auditora de qualidade realizada nas nossas instalações oficiais no passado dia 24-04-2023 foi corretamente apontado pelo auditor a ausência de carregador no exterior, para veículos elétricos – carregador que tem de cumprir o mínimo de 11kW AC (corrente alternada) e 22 kW DC (corrente contínua).
Infelizmente, este investimento ainda não nos foi possível realizar dado o enquadramento do fornecimento da corrente elétrica disponível na zona em que a S… se localiza.
Atualmente, a corrente disponível atinge os 22 kW AC, mas não DC. Para que tal seja possível será necessário um investimento próximo dos 50.000€ (PT onera próximo de 30.000€ adicionando a caixa de transformação que ronda os 20.000€).
Perante este investimento preocupa-nos o facto da S… não reunir condições de serviço que o consiga amortizar dentro dos próximos 5 a 10 anos.
Paralelamente, temos conhecimento que a câmara municipal local tem planeado investimento no que refere ao fornecimento de eletricidade na zona industrial de Chaves, não foi contudo anunciado data oficial.
Considerando o exposto, a S… pretende colocar à vossa melhor avaliação desta situação informando de antemão que está interessada, e disponível, para investir de imediato na instalação de um carregador elétrico exterior – no parque de estacionamento – com a potência que poderá até atingir os 22 kw AC (corrente alternada), uma vez que é o tipo de corrente atualmente disponível. Assim que a corrente contínua esteja disponível, através do investimento da câmara com a instalação do PT, efetuaremos o upgrade logo que nos permitam.” (facto provado pelo documento n.º 12, junto com o requerimento inicial);
xi. A 04.12.2023, pelas 09:41, o funcionário da recorrida, LS, respondeu ao email do legal representante da recorrente, CR, nos termos que ora se reproduzem:
“Bom dia,
Os standards e diretivas das marcas são elementos fundamentais para garantirmos que os nossos clientes encontram, na nossa Rede, o nível de serviço exigido.
No conjunto dos requisitos obrigatórios, a eletrificação assume uma relevância estratégica.
Assim, não podemos aceitar como argumento suficiente para o não cumprimento de uma norma a dificuldade em realizar o investimento.” (facto provado pelo documento n.º 13, junto com o requerimento inicial);
xii. A 11.12.2023, pelas 11:09, o legal representante da recorrente, CR, respondeu ao email de LS, nos seguintes termos:
“ - A S… representa, com muito esforço e dedicação, a Audi e a VW nesta região de Trás-os-Montes ao longo destes 22 anos;
- Como é do seu conhecimento, pois é um Transmontano, esta região é muito dispersa, pobre e desertificada;
- Nos últimos anos perdeu mais de 30.000 habitantes, o que se depreende pelo número de passagens nas nossas oficinas: uma média de 3/dia.
- Estes últimos anos têm sido muito difíceis para todos, mas só em conjunto é que vamos conseguir continuar a lutar pelas marcas que representámos.
- A S… nunca se negou a colocar um carregador elétrico no exterior, informamos de que não tínhamos potência e que estamos em contacto com a Câmara de Chaves a tratar deste assunto.
- Já solicitamos à EDP valores para a colocação de um PT nesta zona industrial: estamos a aguardar para apresentar o orçamento à Câmara Municipal de Chaves pois estamos a falar em valores aproximados aos 50.000€, mas queremos ter um orçamento real, pois sendo uma zona industrial é da responsabilidade da Câmara.
Onde havia uma verba para a região de Trás-os-Montes para postos elétricos, energias renováveis… e tudo ficou bloqueado face à situação política do país.” (facto provado pelo documento n.º 14, junto com o requerimento inicial);
xiii. A 09.01.2024, pelas 12:13, o legal representante da recorrente, CR enviou email ao funcionário da recorrida, LS, de onde se extrai o seguinte excerto:
“- Pensamos não terem percebido, ou não nos explicamos bem, o que transmitimos no nosso email de 11.12.2023:
-Não nos negamos a colocar um carregador no exterior - Como já informamos a S… já tem orçamentos do carregador elétrico para o exterior da Moon, TotalEnergie e Hiberdrola
- Mas não é possível colocar um carregador no exterior sem potência
- Estamos numa Zona Industrial e a responsabilidade de colocar aqui potência é da Câmara.
- Estamos a aguardar o orçamento (que será um valor aproximado de 50.000€), para o PT por parte da EDP para apresentar a Câmara.
- Não podemos pagar tal quantia.
- A Camara tinha uma verba para a região para: energias renováveis, carregadores elétricos, mas com a queda do governo, tudo ficou parado.
- O aparelho que a S… pode coloca é o que já anteriormente se informou:
Instalação de um carregador no exterior com potência que poderá atingir 22 kw AC (Corrente alternada).” (facto provado pelo documento n.º 15, junto com o requerimento inicial);
xiv. A 22.01.2024, a recorrida enviou à recorrente a uma advertência de incumprimento contratual concedendo-lhe o prazo de 60 dias para proceder à instalação do carregador elétrico exterior com a potência de 22 kw DC.
xv. A 25.03.2024, pelas 17:07, a legal representante da recorrente, CR enviou um email ao funcionário da recorrida, LS, do qual se reproduz o seguinte excerto:
“- No seguimento da correspondência referente a auditoria das marcas passamos a informar V. Exas. de que já colocamos no GAMS as evidências referentes ao carregador elétrico para o exterior.
- O nosso PARCEIRO escolhido foi a ATLANTE.
O posto de carregamento para o exterior tem a referência HYPERCHARGERHYC150 conforme standards das marcas a ser fornecido pela empresa ATLANTE.
Anexamos características e ficha técnica.
É importante frisar que a Atlante instalará a versão deste carregador com uma saída em AC para além das duas DC (na ficha técnica aparece como um opcional)” (facto provado pelo documento n.º 17, junto com o requerimento inicial);
xvi. A 04.04.2024, pelas 08:19, o funcionário da recorrida, LS, respondeu ao email da legal representante da requerente, nos seguintes termos:
“No dia 22 de janeiro de 2024, enviámos uma carta (em anexo, rececionada por vós a 25/01/2024) concedendo excecionalmente uma extensão de 60 dias para o integral cumprimento de um plano de ação, neste caso relacionado com a colocação de um carregador para veículos elétricos.
No dia 25 de março, último dia do prazo concedido, foi-nos enviado o email infra e foi por Vós colocada uma alegada evidência no sistema GAMS.
Ora, pelo que podemos constatar, foi colocada no GAMS uma digitalização de um catálogo de um carregador. Não se trata sequer de uma nota de encomenda com uma data de instalação.
Não temos assim evidência que nos permita encerrar o plano de ação.” (facto provado pelo documento n.º 17, junto com o requerimento inicial);
xvii. No dia seguinte, às 16:25, a legal representante da recorrente, CR, enviou em resposta ao email do funcionário da recorrida, LS, um email contendo em anexo o contrato que havia sido celebrado com a Atlante Infra Portugal, S.A., com sede no Centro Empresarial … Lisboa, NIPC …, para a instalação do carregador elétrico (facto provado pelo documento n.º 18, junto com o requerimento inicial);
xviii. A recorrente arrendou uma área do imóvel onde se encontram as suas instalações à Atlante Infra Portugal, S.A. que, por sua vez, utilizaria a mesma para prestar serviços de carregamento rápido de veículos elétricos, assegurando todas as despesas relacionadas com as infraestruturas necessárias para o efeito. (facto provado pelo documento n.º 19, junto com o requerimento inicial);
xix. A 09.04.2024, por email enviado às 16:35, a legal representante da recorrente, CR, informou o funcionário da recorrida, LS, que o carregador demoraria, de acordo com as previsões da Atlante, seis meses a ser instalado (facto provado pelo documento n.º 20, junto com o requerimento inicial).
BB. Os factos supra indicados são de enorme relevância para a prolação de uma decisão de mérito sobre a presente causa, na medida em que deles se se retira que:
a) Na data de entrada em vigor dos contratos celebrados com a recorrente, a recorrida sabia que aquela não dispunha do carregador elétrico no exterior, incumprindo assim os standards comunicados a 13.08.2019;
b) Até 2023, a recorrida praticou atos que criaram na recorrente a expectativa de que lhe não seria aplicável a obrigação de instalação do carregador para o exterior, pelo menos, enquanto não tivesse as infraestruturas energéticas para o efeito;
c) Até 2023, a recorrida aceitou que a recorrente não reunia as condições necessárias para a instalação do carregador elétrico no exterior;
e) A recorrida ignorou as provas apresentadas pela recorrente, a 04.04.2024 e a 09.04.2024, de que a instalação do carregador já havia sido contratualizada;
CC. Sendo parte desses factos extraídos da prova documental junta pela recorrente, cuja genuinidade não foi impugnada pelo recorrida, mal andou o tribunal a quo ao não os julgar indiciariamente provados;
DD. Impõe-se, pois, concluir pela existência de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, pelo que a sentença sub judice deve ser revogada e substituída por outra que altere a decisão sobre os pontos da matéria de facto nos termos acima enunciados.
Julgamento da matéria de direito
Da admissibilidade legal do procedimento cautelar
EE. A decisão sob recurso fundamentou a improcedência da providência requerida pela recorrente com a inadmissibilidade legal do procedimento cautelar.
FF. A Recorrente não sufraga o entendimento do Tribunal a quo na medida em que o mesmo desconsidera o seu direito à manutenção do contrato e aos efeitos que dele decorrem como sendo passível de tutela cautelar.
GG. O que expressamente contraria o artigo 362.º do CPC e, por conseguinte, a jurisprudência dos Tribunais superiores.
HH. A recorrente visou, através providência cautelar em crise, obter uma tutela de carácter antecipatório com inversão do contencioso a fim de proteger o seu direito à manutenção do contrato celebrado com a recorrida que havia sido objeto de resolução.
II. Para tanto, a recorrente requereu que, em sede de providência cautelar, fosse declarada a ilicitude da resolução contratual operada pela recorrida.
JJ. O que não é incompatível com a natureza do procedimento cautelar e nem determina a sua inadmissibilidade legal.
KK. Requerer a declaração da ilicitude da resolução, em sede cautelar, é o único meio de que a recorrente dispõe para conseguir a manutenção dos efeitos do contrato celebrado com a recorrida.
LL. Isto porque cessando com a resolução o contrato celebrado com a recorrida, não poderá enquanto esta subsistir, a recorrente fazer-se valer do pressuposto do fumus boni iuris a fim de ver o seu direito à manutenção do contrato reconhecido.
MM. As providências cautelares, são conservatórias se visam acautelar o efeito útil da ação principal, assegurando a permanência da situação existente, e são antecipatórias se visam a antecipação da realização do direito que previsivelmente será reconhecido na ação principal e será objeto de execução.
NN. Mesmo quando a providência cautelar constitui antecipação do direito a declarar em definitivo, como é o caso dos autos, não se pode falar em esvaziamento da ação pois esta providência, e a sua manutenção, está sempre dependente da declaração definitiva da existência, ou não, do direito.
OO. Não obstante o pedido de inversão do contencioso formulado pela recorrente, é evidente do teor da providência requerida que a recorrente pretende acautelar o seu direito à manutenção do contrato violado pela recorrida.
PP. Visando a antecipar o reconhecimento desse mesmo direito através da declaração da ilicitude da resolução.
QQ. Assim, a sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que admita a providência cautelar requerida pela recorrente.
Quanto à aparência do direito
RR. Os procedimentos cautelares são um instrumento processual destinado a proteger de forma eficaz os direitos subjetivos ou outros interesses juridicamente relevantes.
SS. Sendo requisitos da sua procedência, a probabilidade séria da existência do direito invocado, o receio fundado (em termos objetivos) de lesão grave e irreparável ou de difícil reparação e a adequação da providência à situação de lesão iminente.
TT. Tendo em consideração o supra alegado a respeito das circunstâncias em que a resolução dos contratos celebrados com recorrente foi operada pela recorrida é forçoso concluir pela respetiva ilegalidade e, consequentemente pela existência de um direito da recorrente sobre a recorrida de manutenção do contrato.
UU. A ser verdade que até abril de 2024, a recorrente não logrou proceder à instalação do carregador elétrico com a potência requerida pela recorrida no exterior da sua oficina, igualmente verdade é que tal facto nunca foi desconhecido da recorrida.
VV. Que ainda assim aceitou que os novos contratos europeus de oficina autorizada com a recorrente entrassem em vigor, nunca a tendo interpelado ou colocado em crise os fundamentados elencados pela recorrente para a falta de instalação do carregador até abril de 2023.
WW. A recorrente crê que, com a presente providência, e com os elementos probatórios juntos, ficou provada e demonstrada, não apenas a probabilidade, como também a efetiva existência do seu direito à manutenção dos contratos celebrados com a recorrida.
XX. Ao resolver os contratos com fundamento na falta de instalação do carregador elétrico, a recorrida atuou em manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
YY. Com efeito, aquando da celebração dos contratos em crise com a recorrente, a recorrida bem sabia que não era possível instalar os carregadores exteriores, por as suas instalações se encontrarem numa zona geográfica que não tem infraestruturas energéticas para a instalação de um carregador elétrico com potência de 22kW DC.
ZZ. Não tendo tal facto sido motivo de oposição ou impedimento à celebração
dos contratos sob sindicância.
AAA. Nem objeto de qualquer reclamação pela recorrida.
BBB. O que criou na recorrente a expectativa de que as obrigações contratuais derivadas dos contratos se mostravam integralmente cumpridas e de que, em nenhum momento, seria operada uma resolução com aquele fundamento.
CCC. Tal expectativa veio a ser reiterada na execução daqueles contratos ao longo do tempo.
DDD. Para mais, o incumprimento da obrigação não decorre de qualquer ação ou omissão culposa da recorrente.
EEE. Como já exposto, a falta de instalação do carregador decorre da impossibilidade da sua instalação de acordo com os critérios estabelecidos pela requerida.
FFF. Tendo a recorrente atuado diligentemente no sentido de ultrapassar as aquelas dificuldades.
GGG. Ainda que assim não fosse, sempre se diga que o cumprimento daquela obrigação acessória acarreta custos desproporcionais à recorrente.
HHH. Neste sentido, consagra o artigo 762.º, n.º 2 que “[n]o cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa-fé.”
III. Da referida disposição legal, nomeadamente do princípio da boa-fé contratual, é possível extrair o ideário de uma “impossibilidade relativa”, de onde resulta a inexigibilidade da prestação em caso de difficultas praestandi.
JJJ. Para mais, a obrigação a que a recorrida recorre para fundamentar a resolução é uma obrigação acessória e não essencial, a qual não pode consubstanciar um fundamento de resolução.
O fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao Direito
KKK. Em relação ao periculum in mora, a recorrente logrou provar que a sua atividade depende dos contratos celebrados com a recorrida, como esta bem sabe.
LLL. Com efeito, e como dado por provado, a atividade da recorrente foi, durante vinte e três anos, única e exclusivamente, de concessão e oficina autorizada das marcas Volkswagen e Audi.
MMM. Não sendo razoável que, a curto prazo, a recorrente possa alterar o seu plano de negócios ou desenvolver qualquer outra atividade.
NNN. Pelo que a resolução dos contratos resultará, de forma inevitável, na insolvência da recorrente, com o despedimento dos seus oito funcionários.
OOO. Levando uma empresa com mais de 20 anos de atividade a encerrar portas, sem qualquer fundamento atendível.
PPP. Pelo que resultará para a recorrente uma lesão grave e de difícil reparação.
QQQ. Por tudo isto, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a providência cautelar requerida pela recorrente.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que ordene a baixa dos autos à primeira instância para realização de audiência final.
Caso assim não se entenda, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que julgue procedente a providência cautelar requerida pela recorrente.
Contra-alegou a recorrida pugnando pela manutenção da decisão.
Nada obsta ao conhecimento do recurso.
Comecemos por salientar que os factos dados como assentes, na decisão recorrida, tiveram apenas em vista aferir da adequação do procedimento para deles retirar a sua desadequação e indeferir a providência.
Não visou a decisão de facto o apuramento de toda a factualidade que já se podia considerar assente (face aos documentos juntos e não impugnados) pois tal apuramento mostrava-se desnecessário para o julgamento que se veio a fazer – a pretensão não se enquadrar numa providência cautelar.
Para além disso também se entendeu não estar verificado o perigo na demora. Quanto à idoneidade da providência para alcançar a pretensão deduzida – declaração de ilicitude da resolução contratual, com inversão do contencioso –
Seguimos aqui o Ac. desta Relação de 11/7/2013, proferido no proc. 462/13.6TVLSB.L1-2cuja fundamentação de direito nos permitimos acompanhar:
«Como em comentário ao citado art.º 381º, n.º 1, do Código de Processo Civil, refere Lopes do Rego,estabelece-se naquele normativo, “de forma expressa, que a instrumentalidade típica dos procedimentos cautelares tanto pode envolver o decretamento de uma providência conservatória, como o de uma providência antecipatória dos efeitos da decisão de mérito. As providências conservatórias visam manter inalterada a situação de facto que pré-existe à acção, tomando-a imune à possível ocorrência de eventos prejudiciais. As providências antecipatórias visam obstar ao prejuízo decorrente do retardamento na satisfação do direito ameaçado, através de uma provisória antecipação no tempo dos efeitos da decisão a proferir sobre o mérito da causa”, de que o procedimento é sempre dependência, cfr. art.º 383º, n.º 1, do Código de Processo Civil (o realce a negrito é nosso).
Esta dicotomia não era expressa na lei anterior, mas, como anotam Lebre de Freitas A. Montalvão Machado, Rui Pinto, já o Projecto de Directiva para a Aproximação do Direito Processual Civil da União Europeia, para ela apontava, ao indicar, no seu art.º 10.1.2, como fins das medidas cautelares, "a salvaguarda e a regulação provisória da situação de facto", a "antecipação provisória, total ou parcial, da pretensão litigiosa" e a "antecipação provisória da execução", vd. as suas alíneas a), b) e c).
Referindo estes autores que “Por providência antecipatória entende-se aquela que antecipa a decisão ou uma providência executiva futura, sem prejuízo de, no primeiro caso, poder também antecipar, de outro modo, a realização do direito acautelado.”.
E podendo tais providências antecipatórias ser providências cautelares nominadas ou inominadas.
Assinalando Teixeira de Sousaque “a composição provisória realizada através das providências cautelares pode prosseguir uma de três finalidades: ela pode justificar-se pela necessidade de garantir um direito, de definir uma regulação provisória ou de antecipar a tutela pretendida ou requerida. No primeiro caso, tomam-se providências que garantem a utilidade da composição definitiva; no segundo as providências definem uma situação provisória ou transitória; no terceiro, por fim, as providências atribuem o mesmo que se pode obter na composição definitiva”.
Fazendo decorrer tal provisoriedade “quer da circunstância de elas (providências) corresponderem a uma tutela que é qualitativamente distinta daquela que é obtida na acção principal de que são dependentes (…), quer da sua necessária substituição pela tutela que vier a ser definida nessa acção.”.
E considerando, em sede de instrumentalidade da providência, que “objecto da providência cautelar não é a situação jurídica acautelada ou tutelada, mas, consoante a sua finalidade, a garantia da situação, a regulação provisória ou a antecipação da tutela que for requerida no respectivo procedimento. Esta verificação é clara quando a providência visa garantir um direito ou regular provisoriamente uma situação: distinta do exercício judicial de um direito é a solicitação de uma garantia ou de uma regulação transitória até à sua apreciação definitiva. Mas essa distinção também se justifica quando a providência cautelar antecipa a tutela jurisdicional: neste caso, o objecto da providência não é a situação cuja tutela se antecipa, mas a própria antecipação da tutela para essa situação.”.
A propósito das providências antecipatórias explana Abrantes Geraldes que “As medidas deste tipo excedem a natureza simplesmente cautelar ou de garantia que caracteriza a generalidade, das providências, ficando a um passo das que são inseridas em processo de execução para pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou prestação de facto positivo ou negativo.”.
Integrando-se “Dentro deste núcleo de medidas cautelares (…) a restituição provisória da posse, os alimentos provisórios e o novo procedimento cautelar (…) arbitramento da reparação provisória (…) a entrega da coisa móvel e cancelamento de registo de coisa abarcada pelo regime de locação financeira (…)”.
E “Em qualquer destes casos se constata que as providências decretadas não se limitam a assegurar o direito que se discute na acção principal nem tão pouco a suspender determinada actuação, garantindo-se, desde logo e independentemente do resultado a alcançar na acção principal, um determinado efeito que acaba sempre por ter carácter definitivo”.
Não estando “afastada a possibilidade de através de providências cautelares não especificadas se poder alcançar também uma medida com efeitos antecipatórios da decisão definitiva, uma vez que o art.º 381º prevê expressamente tal possibilidade".
Já Sónia Teixeirasustentando que diversamente das medidas conservatórias, “verdadeiramente instrumentais face à acção principal (…) as medidas antecipatórias (…) actuam de forma diferente, pois consomem o pedido material, uma vez que o antecipam.”.
Embora reconheça que “Contudo mesmo neste caso, há quem entenda que este tipo de medida provisória nunca consumiria a decisão final, dado que apenas altera um estado de facto provisoriamente, não a situação jurídica em si mesma, que só será alterada e definida após a sentença final.”.
3. Em todo o caso, ponto é que como refere Abrantes Geraldes, “Os efeitos produzidos por este género de providências cautelares não deixam de surpreender e de, eventualmente, provocar em quem tem de decidir, algum temor quanto aos riscos derivados de uma injusta decisão cautelar.”.
E “esse risco aumenta exponencialmente quando se está perante medidas cautelares de carácter antecipatório.”.
“Apesar disso as consequências foram assumidas pelo legislador depois de ter ponderado os diversos interesses em confronto”.
Havendo que “assumi-lo sem rodeios -, o sistema convive com a possibilidade de ser adoptada uma medida cautelar causadora de prejuízos ao requerido que, a final, se revela inadequada, sem que exista, de facto, a possibilidade de ser ressarcido dos prejuízos causados.”.
Procurando obviar-se a tais consequências, confere-se ao juiz a possibilidade de “Sempre que o julgue conveniente em face das circunstâncias (…) mesmo sem audiência do requerido, tornar a concessão da providência dependente da prestação da caução adequada pelo requerente.”, vd. art.º 390º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
…
Vejamos, ainda, a propósito das medidas antecipatórias, a posição defendida por Rita Lynce, «A aceitação generalizada das providências cautelares antecipatórias para garantia da tutela judicial efetiva do requerente, todavia, não afasta as reticências colocadas relativamente aos eventuais efeitos definitivos que aquelas possam provocar, tornando inútil a futura ação principal. Ainda que a hipótese de o risco de irreversibilidade se converter em dano para o requerido seja residual, não justificando, por isso, o afastamento da figura da tutela cautelar antecipatória, a simples possibilidade de tal acontecer não pode ser desconsiderada, podendo inclusive chegar a considerar-se que legitima a negação da providencia cautelar antecipatória em certos casos concretos. (...)
Do exposto se pode concluir que a colocação das providências cautelares antecipatórias em igualdade de condições com as medidas de natureza conservatória não pode ser linear. Mesmo que as providências de natureza conservatória também possam implicar ingerência de igual gravidade na esfera jurídica do requerido e produzir efeitos irreversíveis, nunca se traduzirão na atribuição ao requerente de utilidade equivalente aquela que apenas poderia obter por sentença final, transitada em julgado. Por esta via se permite alcançar, através de um meio precário e com uma margem de erro considerável, um resultado próprio de meios judiciais de cognição plena de que resultam decisões definitivas. As considerações expostas exigem que a eventual aceitação de providências cautelares de conteúdo antecipatório dependa de uma reflexão profunda e atenta sobre os respetivos efeitos e consequentes riscos, tarefa que já levamos a cabo. É agora o momento de avaliar, tendo como premissa o facto de que não pode aceitar -se este tipo de conteúdo cautelar com a mesma facilidade com que se aceita a tutela cautelar de conservação, muito embora a sua admissibilidade, como princípio, não deva ser posta em causa.» [“A tutela Cautelar Antecipatória no Processo Civil Português”, Universidade Católica, Lisboa, 2016, pp. 437-438]
Mesmo considerando as providências de natureza antecipatória logo vemos que “a condenação da requerida a ver reconhecida a ilicitude da resolução dos contratos celebrados entre as partes”, não configura uma qualquer medida de natureza cautelar.
Da declaração de ilicitude não decorre qualquer efeito prático para a requerente, a nível de actuação cautelar.
Não poderá, por via dessa declaração, obter o repristinar do contrato, o que parece ser essa a sua pretensão.
No âmbito das relações comerciais as partes são livres de resolver os contratos. Essa resolução pode é ser ilícita e se o for, então, a parte contrária tem apenas direito a ser indemnizada pelo prejuízo decorrente dessa resolução.
Se uma das partes não quer manter o contrato não vemos que haja maneira de o manter em vigor.
Assim, a fazer fé nas alegações da requerente, o mais que poderá alcançar é uma indemnização pelos danos, a obter em sede própria, ou seja, em sede de acção declarativa.
Não se vislumbra assim que o pedido formulado permita à requerente alcançar qualquer tipo de tutela que é apanágio das providências cautelares.
Acresce que o decretamento de uma providência cautelar depende sempre da verificação de fundado receio de lesão grave e irreparável ou de difícil reparação do direito –art.º 362.º,1 CPC.
Não foram alegados factos donde se possa concluir que os danos sofridos e a sofrer pela requerente, em resultado da resolução ilícita, não possam ser reparados pela requerida.
Assente que o direito da requerente será apenas um direito a ser indemnizada, só se justificaria uma providência destinada a salvaguardar esse mesmo direito, ou seja, só se a requerida estivesse em situação económica de fazer perigar o direito à indemnização (matéria que não foi alegada), sendo providências adequadas o arrolamento ou o arresto.
Pelo exposto acorda-se em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela requerente.