ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
PENSÃO DE ALIMENTOS
Sumário

I - As circunstâncias supervenientes que permitem a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais tanto podem ser relativas à pessoa dos progenitores ou dos menores, como objectivas.
II - O aumento do custo de vida desde Fevereiro de 2022 - início da guerra na Ucrânia - até ao presente, constitui, conjugado com o não correspondente aumento dos rendimentos disponíveis aos agregados familiares, uma circunstância superveniente capaz de alterar o valor da pensão alimentar fixada.
III - Em última análise, a fixação de um novo valor ao obrigado à pensão, também ele acometido pelo aumento do custo de vida, levará, na impossibilidade de cumprimento, à intervenção estatal de apoio.

Texto Integral

Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
Em 15/7/2022, H, nos autos m.id., veio requerer a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais contra F, também nos autos m.id., relativamente às filhas menores do casal, N, nascida a 02/06/2017 e de L, nascida a 29/11/2018, pedindo, a final, que face à conjuntura económica em que actualmente se vive e ao aumento significativo dos preços, se aumente o valor da pensão de alimentos a cargo do progenitor, para quantia não inferior a €125,00 para cada menor.
Citado o requerido para alegar o que tivesse por conveniente, o mesmo nada aduziu.
Designada data para conferência de pais, nos termos do disposto no artigo 35º do RGPTC, não foi possível chegar a acordo.  Nessa sede, dispensou-se a audição técnica especializada, tendo sido os progenitores notificados para alegações. 
Os progenitores apresentaram alegações, tendo a requerente renovado os argumentos do seu requerimento inicial, concluindo nos mesmos termos e o requerido invocado a inexistência de fundamento para a alteração pedida e, sem conceder, em caso de procedência do pedido de alteração que a pensão deverá ser fixada no valor de 70,00 € mensais para cada criança.
Após instrução, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, e em 10.01.2024 foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta:
Em face de todo o exposto, julga-se parcialmente procedente, por provada, a presente acção e, em consequência, altera-se a regulação das responsabilidades parentais das menores N e L, fixada por sentença de 05.07.2011 nos autos apensos, no tocante a alimentos (cláusulas 14 e 17) nos seguintes termos:  
“14- O pai pagará a título de pensão de alimentos a quantia mensal de € 80,00 (oitenta euros) para cada menor, até ao dia 08 do mês seguinte, através de transferência bancária para a conta bancária da progenitora”. 
17- A pensão de alimentos será actualizada todos os anos no mês de Fevereiro, de acordo com o índice de preços no consumidor (total geral nacional) fixado para o ano anterior, ocorrendo a primeira atualização em Fevereiro de 2025”. 
São devidas custas a cargo da requerente e do requerido, na proporção de metade para cada um deles (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário. 
Fixo como valor da causa 30.000,01 € (trinta mil euros e um cêntimo) (cfr. artigos 303.º e 306.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil)”.
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Inconformada, a progenitora interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1. Por Sentença proferida nos presentes autos, foi julgada, por parcialmente procedente, a presente acção e consequentemente, alterou-se a regulação das responsabilidades parentais das menores N e L, no tocante a alimentos. 
2. No tocante a alimentos (cláusulas 14 e 17) ficou fixado que: “(…)
3. (…)[1] 
16. O Tribunal fez constar da decisão recorrida, como sendo assente, que se verificou uma alteração superveniente das circunstâncias, por sua vez, legitimadora do pedido de alteração, nos termos do disposto no Art. 42.º, n.º 1 do RGPTC. 
17. A Requerente/Recorrente, requereu a alteração do montante dos alimentos fixados a favor das filhas, tendo alegado que, com a actual conjuntura económica e “escalada” dos preços deixou de conseguir assegurar as necessidades das menores com o valor da pensão fixada a favor de cada uma dela – sem prejuízo de a pensão, à data respectiva, se cifrar em € 65,52 para cada Criança. 
18. O Tribunal considerou estar demonstrada a insuficiência do valor da pensão, para a progenitora assegurar as necessidades das menores (vd. pág. 11 da Sentença recorrida). 
19. O Tribunal considerou também, que na pendência dos autos, o progenitor ficou desempregado, embora tendo salientado que, foi o próprio quem rescindiu o seu contrato de trabalho, ainda que invocando questões de saúde. 
20. O Tribunal recorrido, por julgar adequado e equilibrado, fixou uma pensão de alimentos a favor de cada uma das menores a quantia mensal de 80,00€ (…). 
21. Deve considerar-se o vertido no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 2022-03-17 (Processo n.º 1598/21.5T8VCT.G1), nos termos do qual, pese embora a mãe das Crianças, ainda que desempregada, tenha ficado obrigada a pagar a cada um dos seus filhos menores, residentes com o pai, a pensão alimentar mensal de € 120,00 (cento e vinte euros).
22. Considerando que a pensão, se havia actualizado para o montante de 65,52€ para cada menor, em Julho de 2023, tal equivale a dizer que, por força da Sentença recorrida, ocorreu um aumento de €14,48 para cada menor (€80,00 - € 65,52 = € 14,48). 
23. Salvo o devido respeito por melhor opinião, o valor correspondente ao aumento (€14,48 para cada menor) continua a revelar-se manifestamente insuficiente para cobrir a totalidade das despesas de alimentação, higiene, vestuário e calçado, que a Recorrente tem com as Menores, conforme tentou provar em sede de julgamento. 
24. Face a toda a factualidade provada e constante da Sentença recorrida, deve a decisão proferida ser substituída por outra, que fixe a titulo de alimentos a favor de cada uma das menores, uma quantia mensal não inferior a 120,00€ (cento e vinte euros). 
25. Foram violadas as disposições constantes dos arts. 2003.º e 2004.º do Código Civil”.
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Contra-alegou o progenitor e recorreu subordinadamente, formulando a final as seguintes conclusões:
I. Conforme referido, na decisão recorrida, a única circunstância superveniente, por referência à data de 5 de julho de 2021 - data na qual foi homologado o acordo das responsabilidades parentais das menores -  “respeita  ao aumento do custo de vida. “
II. A Requerente não invoca outras circunstâncias das quais resulte a necessidade de alterar os alimentos então fixados.
III. A Recorrente recebe (…)
IV. O Requerido tem um valor em despesas (…).
V. Não foi apurado o valor que a Requerente despende em alimentação com, mas filhas menores.
VI. A Requerente aufere ainda um subsídio pago pelo Ministério da Educação (...).
VII. A  Recorrente tem uma situação económica mais favorável que o Requerido, e  em clara conformidade com o disposto no artigo 2004º do Código Civil, a fixação da medida da prestação de alimentos far-se-á por meio da ponderação do binómio necessidade de quem requer os alimentos / possibilidade de quem os deve prestar.
VIII. Resulta do artigo 42º, nº 1, do RGPTC, que a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais (para além do incumprimento por ambos os progenitores, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada atenta a redação do n.º 1 do art.º 42.º do RGPTC), só pode ter por fundamento a existência de circunstâncias supervenientes (objetivas ou subjetivas) que justifiquem ou tornem necessária essa alteração. Conforme se realçou no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 08.06.2017 (rel. Maria dos Anjos Nogueira).       
IX. Contudo, no seu requerimento de alteração ao regime homologado em 5 de julho de 2021, a Requerente não alega quaisquer circunstâncias supervenientes que tornem necessário proceder a essa alteração, conforme exige o disposto no artigo 42.º, n.º 1 da Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro, nem mesmo consegue provar o valor que depende em alimentação mensal com as filhas menores. – factos provados sob o ponto 10.
X. O Tribunal “a quo” dando como assente que se retira da factualidade provada que houve uma “alteração superveniente das circunstâncias” com base nos pontos nº 19 e 20 da matéria de facto dada como provada, dá como provado matéria do conhecimento geral, sendo facto notório o aumento dos produtos aí mencionados, situação que não se verifica apenas para a Requerente, mas para todos nós.
XI. A matéria  dada como provada - …”Deixaremos como assente, desde já, que se retira da factualidade provada que se verificou uma alteração superveniente das circunstâncias legitimadora do pedido de alteração formulado, à luz do disposto no artº. 42º, nº. 1 do RGPTC (cfr. factos 19 e 20 dos factos provados)” não pode levar o Tribunal a concluir pela alteração relevante das circunstâncias supervenientes que afeta diretamente as  menores, e, em que se fundou a presente alteração das Responsabilidades Parentais, e, em consequência, o valor  das prestações alimentares em causa.
XII. Um facto geral e abstrato que não demonstra de forma inequívoca a sua relação de causalidade com a alteração pretendida pela Requerente e do impacto direto na vida das menores.
XIII. Verifica-se, assim, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando a factualidade dada como provada na sentença é insuficiente para fundamentar a solução de direito, como sucedeu.
XIV. Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito, ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adotada.
XV. Atualmente, e de acordo com as atualizações anuais dos índices de inflação publicado pelo I.N.E., o Requerido paga a quantia mensal de €65,52 como pensão alimentar a cada uma das filhas menores.
XVI. O facto de as menores terem atualmente 6 e 5 anos de idade não consubstancia, de per si, nenhuma circunstância superveniente que possa fundamentar a alteração ao regime de alimentos fixado.
XVII. Além disso, sempre que existem despesas extraordinárias com as menores que o Requerido tem suportado metade do seu custo.
XVIII. O aumento do custo de vida verificado último ano que a Requerente alega no seu requerimento igualmente se reflete nas despesas do Requerido, nomeadamente com as atualizações anuais dos índices de inflação publicados pelo I.N.E. a que a pensão alimentar das menores está sujeita, bem como no seu contrato de arrendamento.
XIX. O pedido de alteração da prestação alimentícia, para mais do dobro, com base no aumento do custo de vida não configura uma alteração superveniente que não estivesse acautelado no Acordo das Responsabilidades Parentais elaborado e aceite por ambas a partes no ano anterior de 2021.
XX. Face ao que ficou provado, não pode deixar de considerar-se infundado o pedido de alteração porquanto não se mostra concretamente alegada factualidade superveniente e relevante, suscetível de consubstanciar ou justificar essa alteração.
XXI. O Requerido, embora, sem conceder, aceita o aumento do valor da pensão para os € 70,00 que, não sendo indiferente às necessidades das suas filhas, poderá entregar a título de alimentos mensalmente”.
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Em contra-alegações, o Ministério Público pronunciou-se pelo bem fundado da sentença.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil - a questão a decidir no recurso principal é a de saber se a pensão alimentar deve ser aumentada para cento e vinte e cinco euros por cada menor, em vez de apenas para oitenta euros por cada menor ou se, no recurso subordinado, não deve ser aumentada.
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III. Matéria de facto
O tribunal de primeira instância proferiu a seguinte decisão em matéria de facto:
IV.1- Factos Provados:
1-A Requerente e o Requerido, são pais das menores N, nascida a 02.06.2017 e de L, nascida a 29.11.2018.
2- Por sentença de 05.07.2021, proferida no Processo de Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais, que correu termos sob o Apenso B foi homologado o acordo relativamente às Responsabilidades Parentais das menores N e L, nos termos do qual: 
Residência:  1) As menores N e L ficam aos cuidados e a residir com a mãe, sendo as responsabilidades parentais, nas questões de particular importância, exercidas por ambos os progenitores - artº 1906º, nº1 do Código Civil.-  Visitas: 2) No primeiro mês, o requerente, quinzenalmente, vai buscar as menores N e L ao sábado, por volta das 10 horas e entrega-a na casa da mãe às 19h desse dia;  3) No dia seguinte (domingo), vai novamente buscar as menores a casa da progenitora (por volta das 10 horas) e entrega-a aí por volta das 19 horas.  4) No segundo mês, quinzenalmente, as visitas do pai com as menores serão feitas com pernoita: O pai vai buscar as menores no sábado de manhã (por volta das 10 horas) a casa da requerida e entregá-las aí no domingo as 19 horas; 5) No terceiro mês e quinzenalmente, o pai vai buscar as menores à 6ª feira, à creche (ao final do dia), e entregá-las no domingo por volta das 19 horas em casa da requerida. 6) Após este período de 3 meses, as visitas do pai às menores serão feitas quinzenalmente, indo o pai buscar as menores à creche à sexta-feira e entregando-a no domingo em casa da requerida. --- Igualmente, às 4ªs. feiras, o pai vai buscar as menores à creche para lanchar e jantar e entrega-a em casa da mãe antes das 21h.  7) O pai poderá contactar e visitar as filhas sempre que quiser e puder, mediante acordo prévio com a mãe.  Dias Festivos/ Férias e Aniversários: 8) As menores N e L passarão alternadamente com a mãe e o pai as épocas festivas, estipulando desde já que no ano de 2021, as menores passarão o dia 24 de Dezembro com a mãe e o dia de Natal (25 de Dezembro) com o pai, que as poderá ir buscar a partir das 11.00H. Por sua vez, no dia 31 de Dezembro, as menores passarão o dia com o pai e o dia 1 de Janeiro com a mãe que as poderá ir buscar igualmente às 11.00 horas. 9) Na Páscoa, no ano de 2022, as menores passarão a 6ª Feira Santa com o pai e o Domingo com a mãe, alternando de ano para ano. 10) As Menores N e L repartirão as férias de acordo com as pausas profissionais do pai e da mãe, passando 15 dias de férias de Verão com cada um, em moldes a acordar entre ambos. 11) Caso o período de férias do pai e da mãe coincidam, o período de férias será equitativo, repartido por ambos os progenitores, para tanto, deverão comunicar entre si, com a antecedência de pelo menos 2 meses, quais são os períodos que pretendem passar com as filhas. 12) No dia de aniversário das menores, estas farão uma refeição com cada um dos progenitores em sistema de alternância, podendo, no entanto, estes acordar de maneira diferente. 13) No dia de aniversário de cada um dos progenitores, as menores N e L, passarão o dia com o aniversariante, sem prejuízo do horário escolar.  --- As menores passarão ainda, com cada progenitor o Dia da Mãe e o Dia do Pai, sem prejuízo do horário escolar.
-   Pensão de Alimentos e despesas:
14) O pai pagará a título de pensão de alimentos para o sustento e manutenção das filhas a quantia mensal de € 60,00 (sessenta euros) para cada menor, totalizando a quantia de €: 120,00 (cento e vinte euros) até ao dia 08 do mês seguinte, através de transferência bancária.
15) Todas as despesas médicas e medicamentosas, não cobertas pela Segurança Social, despesas escolares, mensalidades, (livros, materiais escolares no início do ano e infantário), serão pagas por ambos os progenitores na proporção de 50% cada um; as atividades extracurriculares serão pagas nos mesmos moldes, desde que ambos os progenitores estejam de acordo.
16) Estas despesas deverão ser apresentadas pelo progenitor mês que forem efetuadas, com documento fiscalmente relevante, devendo as mesmas ser pagas com a mensalidade respeitante ao mês seguinte.  
- Caso as despesas não sejam exigidas num determinado mês, não poderão ser exigidas nos meses subsequentes.  
17) A pensão de alimentos será atualizada todos os anos, de acordo com o índice de preços no consumidor (total geral nacional) fixado para o ano anterior, ocorrendo a primeira atualização em Julho de 2022.
3- O valor da pensão actualizou-se para o montante de 60,78 € para cada menor em Julho de 2022.  
4- O valor da pensão actualizou-se para o montante de 65,52 € para cada menor em Julho de 2023. 
5- A requerente vive com as filhas N e L e com um outro filho menor, de 13 anos de idade.  
6- A requerente está desempregada, recebendo a prestação de Rendimento Social de Inserção, no valor de 522,78 €.  
7- Para além da pensão das menores, a requerente recebe o abono de família das mesmas no valor de 100,00 € mensais e o abono de família do outro filho, no valor de 50,00 € mensais.  
8- As crianças beneficiam da acção social escalão A, correspondente a um subsídio pago pelo Ministério da Educação para pagamento de material escolar e refeições escolares.  
9- A requerente apresenta as seguintes despesas mensais fixas:   - renda: 5,55 €; - água, gás e luz: 80,67 €;  - passe da requerente e filhas: 40,00 €;   - passe do outro filho menor: 16,00 €;   - seguro de saúde: 34,90 €;   - telecomunicações: 74,54 €. 
10- A requerente despende valor variável, não apurado, com alimentação, vestuário e calçado das menores.  
11- O requerido tem pago as pensões de alimentos das filhas e a comparticipação nas despesas das menores, apresentadas pela requerente.  
12- O requerido trabalhava na construção civil para a sociedade …, Ldª., recebendo o salário mensal bruto de 760,00 € mensais e líquido de 676,40 €.  
13- O requerido vive em casa arrendada pagando uma renda mensal de 262,14€.  
14- O requerido apresenta, ainda, as seguintes despesas mensais fixas: - água, gás e luz: 93,00 €; - transportes- passe: 40,00 €; - telecomunicações: 58,99 €; - pensão de alimentos das filhas. 
15- O requerido despende valor variável, não apurado, com alimentação e vestuário.  
16- O requerido rescindiu o seu contrato de trabalho, com efeitos a 30 de Abril de 2023, com invocação de motivos de saúde.  
17- O requerido está desempregado, não recebendo subsídio de desemprego.
18- O requerido é asmático, vendo o seu problema de saúde agravado ao trabalhar na construção civil. 
19- Nos últimos meses, os produtos básicos de alimentação, nomeadamente, a carne, o peixe, as frutas e verduras, o óleo e o azeite, bem como o leite, iogurtes, queijo e fiambre e até os cereais, têm sofrido aumentos.  
20- Está a ser cada vez mais difícil, a Requerente conseguir suportar os custos com a alimentação das Crianças. 
21- A Requerente tem tentado reduzir, ao máximo, o valor das compras inerentes ao cabaz alimentar, sempre que necessita de ir ao supermercado. 
22- Tenta comprar bens alimentares mais económicos e apenas quando os produtos se encontram em promoção, por forma a aproveitar os preços mais baratos.
23- A Requerente vê-se na contingência de ter que substituir a carne de vaca por carne de frango, por ser mais barata. 
24- No mês de Dezembro de 2022, a Requerente suportou com a alimentação, quantia não inferior a € 260,00. 
25- Entre o dia 1 e o dia 5 do mês de Janeiro de 2023, a Requerente já despendeu com a alimentação, quantia não inferior a € 42,00. 
26- Por força do frigorifico que possuía, se ter avariado, a Requerente teve que proceder à aquisição de um novo frigorifico combinado, em prestações, pelo qual irá suportar o montante mensal de € 25,00, a partir de 18/01/2023 a 18/12/2024. 
IV.2-Factos Não provados:  
Com interesse para a decisão da causa não resultaram quaisquer factos não provados. 
IV.3- Motivação da Matéria de Facto (…)[2]
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IV. Apreciação
Centra-se a questão a resolver, tanto no recurso principal como no subordinado, em saber se a pensão fixada às menores deve ser mantida ou alterada, e neste caso, para quanto.
A sentença discorreu em sede de fundamentação de Direito:
“Dispõe o art. 42º, n.º 1 do RGPTC, sob a epígrafe “Alteração de regime”, que: “Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais”. A regulação do exercício das responsabilidades parentais abarca, no essencial, quatro áreas: (…) e, os alimentos a prestar por esse progenitor, que compreendem tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do menor (cfr. art. 2003º do Cód. Civil).
No caso vertente, o exercício das responsabilidades parentais das menores N e L foi, oportunamente, regulado nos autos apensos.
A requerente, por via da presente acção e fundada nas suas crescentes dificuldades, atendendo ao aumento do custo de vida, pretende ver alterado o valor da pensão fixada para o montante de 125,00€ a favor de cada uma das menores.
Deixaremos como assente, desde já, que se retira da factualidade provada que se verificou uma alteração superveniente das circunstâncias legitimadora do pedido de alteração formulado, à luz do disposto no artº. 42º, nº. 1 do RGPTC (cfr. factos 19 e 20 dos factos provados). 
(…)
A obrigação de alimentos compreende tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação dos menores (cfr. art. 2003º do Cód. Civil).
A obrigação em causa recai sobre ambos os progenitores: por um lado, os artigos 1874º, 1878º, nº 1 e 1885º, nº 1, todos do Cód. Civil, referindo-se aos deveres de auxílio e assistência entre pais e filhos, não distinguem se estes estão ou não confiados à guarda e cuidados de um ou de outro dos progenitores; por outro lado, o princípio da igualdade dos cônjuges (cfr. art. 36º, nº 3 da C.R.P.) não pode deixar de apontar nesse sentido.
A obrigação de alimentos (…), é estabelecida atendendo às necessidades do credor e às possibilidades do devedor, daí que a respectiva decisão seja proferida rebus sic stantibus: o surgir, o permanecer e o variar dos alimentos estão sempre ligados às situações subjectivas das respectivas partes - cfr. arts. 2004º e 2012º ambos do Cód. Civil.
Na determinação das necessidades do menor deve atender-se ao padrão de vida dos necessitados, à ambiência familiar, social, cultural e económica a que estão habituados e que seja justificável pelas possibilidades de quem está obrigado a prestar os alimentos. A medida da obrigação de alimentos devida ao menor deve ser fixada, não em função do mínimo indispensável à satisfação das necessidades vitais do menor, mas ao montante necessário à satisfação adequada das necessidades com o sustento, habitação, vestuário, instrução e educação “inerentes à sua idade, as suas condições físicas e mentais, as suas aspirações etc…” (cfr. Guilherme de Oliveira, in Manual de Direito da Família, página 365).
No caso concreto, vem a requerente requerer a alteração do montante dos alimentos fixados a favor das filhas, com a alegação de que com a actual conjuntura económica e “escalada” dos preços deixou de conseguir assegurar as necessidades das menores com o valor da pensão fixada a favor de cada uma delas. Pensão essa, actualmente, no valor de 65,52 € para cada criança. 
Desde logo, se dirá que a situação invocada pela requerente também se repercutiu, necessariamente, na situação económica do progenitor, enquanto consumidor de bens.
Contudo, não se pode deixar de reconhecer que o valor dos alimentos que foram fixados em 2021 se quedou aquém do valor mínimo (na ordem dos 100,00€) que este Tribunal tem entendido como adequado em situações similares como a dos autos, mesmo estando em causa duas menores (factor a considerar face à repercussão que o pagamento de pensões a vários filhos tem no orçamento do devedor). Tal consideração surge, agora, reforçada face à factualidade provada, estando demonstrada a insuficiência do valor da pensão para a progenitora assegurar as necessidades das menores. O que, também, o progenitor reconheceu, uma vez que se manifestou no sentido de poder aumentar a pensão para o valor de 70,00 € mensais para cada criança.
Sucede que, na pendência dos autos, o progenitor ficou desempregado (sem deixar de notar que foi o próprio que rescindiu o seu contrato de trabalho, ainda que invocando questões de saúde).  Tem-se partilhado do entendimento que a circunstância do progenitor não residente não auferir rendimentos não é impeditiva do Tribunal fixar alimentos (não se podendo até excluir a possibilidade de um progenitor ainda que em situação de inactividade ou de reclusão ter património susceptível de assegurar ou garantir os alimentos fixados ou poder vir a adquiri-lo). Mesmo que se encontre em situação de desemprego ou de inactividade, encontra-se o Requerido obrigado a acautelar a sobrevivência do descendente (cfr. arts. 1878º e 2009º, nº 1, al. c) do Cód. Civil e artº 36º da Constituição da República Portuguesa), não sendo admissível, em caso algum, a desresponsabilização do progenitor no cumprimento desta obrigação de alimentos, comprometendo injustificadamente a satisfação das necessidades mais básicas e elementares do filho. Por parcos que sejam os rendimentos dos progenitores, estes terão de partilhá-los com os filhos, não podendo as necessidades daqueles prevalecer sobre as dos menores. A necessidade de o menor ver assegurada a sua sobrevivência constitui um bem fundamental que terá de prevalecer sobre outros direitos do progenitor. 
O citado art. 2004º do Cód. Civil compreende um critério de fixação do montante alimentício, não operando a exclusão dessa mesma obrigação. O que significa que, independentemente da averiguação da situação concreta dos progenitores (cfr. art. 2004º do Cód. Civil), deverá ser fixada uma pensão alimentícia que, pelo menos, garanta a sobrevivência dos menores.
De outro modo, estaria franqueado o caminho para desonerar os progenitores de prover pelo sustento dos descendentes (bastaria, para tanto, que, aquando da averiguação da sua situação económica, se despedissem temporariamente do emprego ou se ausentassem da sua residência habitual).
Por outro lado, impõe-se fazer uma interpretação actualista do artigo 2004º do Cód. Civil, em consonância com os motivos que deram origem à criação do “Fundo de Garantia dos Alimentos” (cfr. arts. 1º, 2º e 3º, nºs 3 e 4 da Lei nº 75/98, de 19/11, e arts. 2º, nºs 1 a 3, 3º, nºs 1 a 3, 4º, nºs 1 e 2 e 9º, nº 1 do Dec. Lei nº 164/99, de 13/05), uma vez que constitui pressuposto da fixação de prestação a pagar por aquele “Fundo”, a existência prévia de uma decisão judicial que fixe a obrigação de alimentos e um quantum, que se considere razoável, mesmo sem se conhecerem os reais proventos do Requerido.
A Jurisprudência tem-se manifestado no sentido da fixação da prestação de alimentos a cargo do progenitor não residente, mesmo sendo desconhecido o seu paradeiro e a sua situação económica, ou mesmo encontrando-se este desempregado - v.d., neste sentido, por todos, Ac. RL, de 23/11/00; Ac. RC, de 13/03/01; Ac. STJ, de 27/09/2011, Proc. nº 4393/08.3; Ac. RL, de 28/06/2007, Proc. nº 4572/2007-8; Ac. RG, de 20/10/2011, Proc. nº 56/11.0TBGMR; e Ac. RL nº 6890/2005-6, de 13/10/05 e Ac.do STJ de 15.05.2012, todos, disponíveis na Base de Dados da DGSI, www.dgsi.pt), afirmando-se, inclusive, no citado Acórdão da Relação de Coimbra, de 13/03/01, que: “o facto de não ser possível apurar o rendimento anual global do devedor dos alimentos, não significa, por isso, não dever o Tribunal fixar qualquer quantia a título de alimentos, já que assim se estaria também a beneficiar indevidamente o requerido que conhecedor da acção se desligou do trabalho que então desempenhava e se ausentou para parte incerta”.  A este respeito com total pertinência colhe chamar à colação o douto Acórdão da Relação do Porto de 16.12.2020, disponível em www.dgsi.pt onde se lê “Desde logo importa salientar que a simples situação de desemprego não afasta a obrigação de prestar alimentos. Assim, a situação de desemprego não dispensa o progenitor de cumprir a obrigação de alimentos, a qual deve ser calculada atenta a sua capacidade de trabalhar e de auferir rendimentos. Ou seja, na definição da medida dos alimentos devidos ao menor, cabe adequar os mesmos aos meios de quem houver de prestá-los. Para o efeito, e para além do valor dos rendimentos auferidos pelo devedor no preciso momento em que são fixados, há que considerar todas as circunstâncias que de forma global rodeiam o mesmo, tal como a sua capacidade laboral, a detenção de bens patrimoniais, a fonte do seu sustento e a sua condição social. Por outro lado, não pode ser esquecido que o mesmo tem o dever de activamente diligenciar no sentido de exercer uma actividade profissional que lhe permita satisfazer o dever a que está vinculado (…)”.
Deste modo, pelas razões expostas, se entende que o facto do progenitor se encontrar, de momento, desempregado não deve obstar à alteração da pensão de alimentos, cuja necessidade se verifica.
Assim, deverá ser fixado o montante da pensão em função de critérios gerais objectivos quanto ao custo de vida e de critérios concretos e objectivos quanto às necessidades do menor e da capacidade do obrigado a alimentos trabalhar e ganhar dinheiro, tendo-se, por referência, quanto a este o salário mínimo nacional. 
No caso dos autos, para apuramento das necessidades mensais das menores, tomar-se-á em consideração a sua quota-parte nas despesas mensais comuns do agregado, que se provaram, bem como as despesas inerentes à sua educação, saúde, vestuário e calçado, não concretamente apuradas, mas estimadas, em função da respectiva idade (6 e 5 anos de idade). 
Relativamente, às condições económicas do requerido, as mesmas são modestas, à semelhança do que sucede com a requerente, agravadas quanto ao primeiro, pelo facto de se encontrar desempregado e suportar uma renda de habitação no valor de 264,14 €. Nota-se, a esse respeito, que o encargo com a renda da habitação (que hoje em dia consome parte relevante do orçamento familiar das famílias) da requerente é, apenas, de 5,55 €.  Também, há que considerar que para além da pensão de alimentos o progenitor está obrigado ao pagamento na proporção de metade de “Todas as despesas médicas e medicamentosas, não cobertas pela Segurança Social, despesas escolares, mensalidades, (livros, materiais escolares no início do ano e infantário), serão pagas por ambos os progenitores na proporção de 50% cada um; as atividades extracurriculares serão pagas nos mesmos moldes, desde que ambos os progenitores estejam de acordo” (cfr. cláusula 15ª do acordo vigente) .O que o mesmo tem cumprido, como se provou (cfr.facto 11 dos factos provados). 
Aqui chegados, tudo ponderado, julga-se adequado e equilibrado fixar a título de alimentos a favor de cada uma das menores a quantia mensal de 80,00 € (…).  A prestação de alimentos agora fixada será objecto de actualização anual em Fevereiro de cada ano, de acordo com a variação positiva do índice de preços no consumidor (total geral) relativa ao ano anterior, ocorrendo a primeira actualização em Fevereiro de 2025”. (fim de citação).
Primeira observação de ordem metodológica: abordaremos primeiro o recurso subordinado porque a questão que encerra é a de saber se a pensão não deve ser alterada. Se respondermos negativamente então abordaremos o recurso principal cuja questão é saber quanto é que a pensão deve ser aumentada.
Segunda observação: - não foi impugnada a decisão sobre a matéria de facto, pelo que as considerações que o recorrente subordinado faz relativamente aos factos provados não os afectam. Invoca o mesmo que o tribunal deu “como provado matéria do conhecimento geral, sendo facto notório o aumento dos produtos aí mencionados”, o que em nada belisca a possibilidade do mesmo facto ser considerado, mesmo a entender-se que os factos públicos e notórios não carecem de alegação e prova. É irrelevante a sua consignação em termos de facto, porque serão considerados na mesma, mas por isto mesmo, também não é caso para os retirar do elenco dos factos provados.
Invoca o recorrente que “XI. A matéria dada como provada - …”Deixaremos como assente, desde já, que se retira da factualidade provada que se verificou uma alteração superveniente das circunstâncias legitimadora do pedido de alteração formulado, à luz do disposto no artº. 42º, nº. 1 do RGPTC (cfr. factos 19 e 20 dos factos provados)” não pode levar o Tribunal a concluir pela alteração relevante das circunstâncias supervenientes que afeta diretamente as menores, (…)”, tendo este tribunal de fazer a elementar correcção de que o “dito facto” não foi consignado como facto, trata-se de uma evidente conclusão de direito que a sentença produziu no lugar próprio, o da fundamentação de Direito.
Mais invoca o recorrente subordinado que “XII. Um facto geral e abstrato que não demonstra de forma inequívoca a sua relação de causalidade com a alteração pretendida pela Requerente e do impacto direto na vida das menores” e que “XIII. Verifica-se, assim, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando a factualidade dada como provada na sentença é insuficiente para fundamentar a solução de direito, como sucedeu”.
O que o recorrente quer com esta alegação não é seguramente que este tribunal anule o julgamento e determine ao tribunal recorrido a ampliação da decisão sobre a matéria de facto, por duas razões, a primeira porque se o fosse, teria de o ter pedido, a segunda porque a eventual ampliação poderia ser resolvida contra si. Trata-se, nestas conclusões do recurso, e assim abordaremos, apenas de saber se a sentença podia decidir como decidiu em função dos factos que julgou provados.
Para o recorrente subordinado, o aumento do custo de vida, nem mesmo associado ao natural aumento da idade das menores, não constitui alteração superveniente das circunstâncias que justifique a alteração do regime, ou, no máximo, concede aumentar a pensão de cada menor para €70,00 mensais, ou seja, mais 10 euros do que estava e menos €4,48 do que foi fixado. 
Não concordamos: o normal aumento do custo de vida até pode ser contemplado com um pensamento de compensação pela actualização anual. Mas a evolução dos últimos anos, que se sente muito frequentemente, e não só ano a ano, não assegura que o valor da actualização anual compense o aumento de preços, ou seja, comparando o padrão dos anos anteriores e posteriores à eclosão da guerra na Ucrânia em Fevereiro de 2022 e ao fim das restrições pandémicas, antes a evolução era gradual e paulatina, pelo menos no que respeita a combustíveis e alimentação, e depois o aumento dos preços foi excepcional e sucedeu-se a um ritmo muito acentuado primeiro e persistindo em subida. É, com menos especificação, é certo, o que consta do facto provado “19 - Nos últimos meses, os produtos básicos de alimentação, nomeadamente, a carne, o peixe, as frutas e verduras, o óleo e o azeite, bem como o leite, iogurtes, queijo e fiambre e até os cereais, têm sofrido aumentos”. Repare-se que o facto se reporta à alegação da petição inicial, interposta ainda em 2022 e por isso haviam corrido meses desde o início da guerra referida. O facto provado 20 – “Está a ser cada vez mais difícil, a Requerente conseguir suportar os custos com a alimentação das Crianças” reveste um certo carácter conclusivo, da dedução dos aumentos sub facto 19 aos rendimentos da recorrente provados, mas não deixa de retratar um facto, porque poderia haver outras hipóteses, designadamente de ajuda de terceiros, que aliviassem a dificuldade da recorrente. 
Além destes factos, é público e notório, aqui sim, que o custo de vida nas grandes cidades e sobretudo em Lisboa e Vale do Tejo, ou dito de outro modo, nas periferias de Lisboa, é dos mais elevados do país e que existem inúmeras famílias dependentes de ajuda, quer estatal quer social. Estamos claramente perante uma circunstância excepcional, no caso superveniente ao tempo de fixação dos €60,00 iniciais. Se considerarmos aquele aumento, logo se torna claro que a actualização, que levou as pensões ao valor actualizado unitário (conforme factos provados) de poucos mais cêntimos além de €65,00, não é minimamente susceptível, na sua divisão pelos dias do mês e pelos diversos produtos essenciais à alimentação, e provavelmente só até mesmo à alimentação em sentido estrito, não considerando outras necessidades básicas, de compensar os aumentos, sobretudo quando pensamos em 2024, data em que a sentença foi proferida – na realidade, entre os €125,00 e os €60,00/€65,00, parece claro que o tribunal de primeira instância considerou ficar a meio termo, ou dito de outro modo, que cerca de €20,00 compensariam os meses de Fevereiro de 2022 a Janeiro de 2024, grosso modo, dois anos, o que dá, em termos simplistas, €10,00 por ano para compensar os aumentos extraordinários de preços em cada ano.
Note-se finalmente que a alteração superveniente de circunstâncias que justificam uma alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais, no caso concreto relacionáveis com a pensão alimentar, não se limita às alterações de ordem subjectiva, relativas aos obrigados/beneficiários, mas abrange igualmente alterações de ordem objectiva.
Mas o aumento atinge também o obrigado, o recorrente subordinado. Claro que sim, mas isso nada tem a ver com a legalidade duma alteração, antes com a medida da alteração.
Em suma, não vemos qualquer razão para que o valor das pensões não possa ser alterado, improcedendo o recurso subordinado.
Custas pelo recorrente subordinado, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que beneficie – artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil. 
*
Do recurso principal:
Qual então a medida de alteração? Se o custo de vida aumentado afecta todos, o recorrido principal também, será que, em respeito à lógica que acabamos de enunciar, a medida de aumento é zero?
É verdade que nos factos provados se consignou que o recorrido principal está desempregado e que tem dificuldade de saúde em arranjar emprego na mesma área, por sinal uma das áreas em que nos últimos anos tem havido ampla oferta de trabalho. É também verdade, e secundamos toda a fundamentação jurídica da sentença que supra transcrevemos, a jurisprudência tem sido muito clara a fixar pensões alimentares mesmo quando os respectivos obrigados não têm quaisquer rendimentos, o que é feito pela petição de princípio do superior interesse dos menores apoiado na evidência de que os mesmos não se sustentam a si próprios e na evidência de que precisam de se alimentar, em sentido amplo, para crescerem, e pela subsequente consideração de que, incumbindo ao Estado defender os cidadãos, e especificamente apoiar as famílias, como resulta dos artigos 63º e 67º a 69º da Constituição da República Portuguesa, existem mecanismos de exercício desta defesa, a saber, a instituição pela Lei nº 75/98 de 15 de Novembro do asseguramento das prestações por parte do Estado, conforme resulta do estabelecido no artigo 1º da mesma Lei: “1 - Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da obrigação. (…)” e da criação pelo artigo 6º da mesma Lei do “Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores” cuja regulamentação se mostra feita pelo DL n.º 164/99, de 13 de Maio.
É muito claro o preâmbulo deste Decreto-Lei, no qual se lê: “A Constituição da República Portuguesa consagra expressamente o direito das crianças à protecção, como função da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral (artigo 69.º). Ainda que assumindo uma dimensão programática, este direito impõe ao Estado os deveres de assegurar a garantia da dignidade da criança como pessoa em formação a quem deve ser concedida a necessária protecção. Desta concepção resultam direitos individuais, desde logo o direito a alimentos, pressuposto necessário dos demais e decorrência, ele mesmo, do direito à vida (artigo 24.º). Este direito traduz-se no acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna. (…)” (sublinhado nosso).
Deste mecanismo resulta que a fixação de um valor de pensão é pressuposto prévio essencial à convocação do Fundo a pagar quando o obrigado não pague, por não ter rendimento, ou por deixar de o ter. Por isto, independentemente de se apurarem factos em concreto que logo evidenciam que o obrigado não tem condições para suportar o valor de pensão fixado, deve o valor adequado – o essencial à alimentação dos menores – ser fixado.
Ultrapassada esta questão – de saber se em função dos rendimentos líquidos provados do progenitor o aumento das pensões devia ser de 0% - trata-se apenas de perceber se o valor de €80,00 fixado pela decisão recorrida é adequado ou se deve aumentar-se cada pensão para €120,00 (em lugar dos €125,00 que a recorrente pediu no requerimento inicial, tendo reduzido o valor nas alegações de recurso).
Repara-se que dos iniciais sessenta para cento e vinte, estamos a dobrar, e mesmo considerando os sessenta e cinco, ficamos dez euros abaixo do dobro. O custo da alimentação, estritamente, e um pouco mais além, em vestuário, produtos de limpeza para casa e roupa, produtos de higiene pessoal, aumentou nessa percentagem nos dois anos e sete meses que nos separam do início da guerra? Não cremos que o aumento, em termos globais (uns produtos terão aumentado mais outros menos) relativamente a esses produtos tenha sido nessa proporção.
Se olharmos para o rendimento da recorrente, já incluídas as pensões, e descontarmos as suas despesas provadas, ficamos com pouco mais de seiscentos euros. O aumento concedido pela sentença é de, relativamente ao valor actualizado, cerca de trinta euros. Se ponderarmos, por um lado, que as crianças beneficiam de apoio escolar a nível de alimentação, se ponderarmos que as crianças têm quase oito e quase sete anos de idade, que existe mais um filho residente, menor (cuja idade não sabemos), se ponderarmos ainda que em cada mês surgem despesas não previstas, seja por exemplo porque é preciso comprar um xarope para a tosse, ou porque um par de sapatos se estragou, temos que reservar algum montante para isto. Se considerarmos assim, para alimentação estrita, quatrocentos euros mensais, e se pensarmos então em cem euros mensais para cada filha menor, este valor suporta as refeições necessárias (imaginemos, sete pequenos almoços, sete jantares e dois almoços por semana para cada filha, multiplicados por quatro semanas)? Claro que o custo destas refeições é inferior ao que seria necessário individualmente porque as refeições são preparadas, em parte, para o conjunto das pessoas. Os cem euros situam-se, pensamos, no limiar mínimo possível.
Por outro lado, as vantagens da manutenção da sentença resultam ainda, conforme o tribunal recorrido considerou, do valor de oitenta euros se conciliar ainda com os rendimentos do progenitor, e representar, relativamente ao que o mesmo se dispôs a ceder, apenas mais vinte euros mensais para as duas filhas, o que permite esperar pelo cumprimento voluntário, evitando-se a delonga do recurso aos procedimentos para efectivação de apoio estatal em função de incumprimento do progenitor.
Propendemos assim à manutenção da sentença recorrida, considerando o recurso principal improcedente.
Tendo nele decaído, é a recorrente principal responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC – sem prejuízo de apoio judiciário de que beneficie.
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V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso principal e ao recurso subordinado, e em consequência em manter a sentença recorrida.
Custas do recurso principal pela recorrente principal e do recurso subordinado pelo recorrente subordinado, sem prejuízo de apoio judiciário de que beneficiem.
Registe e notifique.

Lisboa, 26 de Setembro de 2024
Eduardo Petersen Silva
António Santos
Gabriela de Fátima Marques
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[1] Até à conclusão 16ª a recorrente transcreve os factos provados 1, 4, 5, 6, 7, 9 e 26, 10, 19, 20, 21, 22, 23 e 25.
[2] Não tendo sido impugnada a decisão sobre a matéria de facto é irrelevante consignar a motivação.