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CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DE GRUPO
DEVER DE INFORMAR
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
RESPONSABILIDADE CIVIL
OMISSÃO
DECLARAÇÃO INEXACTA
Sumário
- No âmbito de um contrato de seguro de grupo, relativamente à definição dos sujeitos do dever de informação e consequências do incumprimento deste, o regime específico previsto na Lei nº. 72/2008, de 16/04-RJCS, afasta, por incompatibilidade, a aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais, enunciado genericamente no DL nº. 446/85, de 25/10; - Assim sendo, a solução consagrada neste regime de cláusulas contratuais gerais para o incumprimento do dever de informação – exclusão das cláusulas relativamente às quais não foi cumprido tal dever -, não se mostra adequada ou conforme com a configuração jurídica do contrato de seguro: o qual prevê uma consequência diversa da exclusão das cláusulas não comunicadas: a responsabilização civil do tomador do seguro (o artº. 79º); - Os artigos 25.º e 26.º do RJCS distinguem as omissões ou inexatidões dolosas das omissões ou inexatidões negligentes. O artigo 25.º do RJCS regula um caso de «dolo-vício», que tem como consequência a necessidade da verificação da dupla causalidade exigida nos artigos 253.º e 254.º do CC: o dolo tem de ser causa do erro do segurador e o erro tem de ser essencial, sendo a causa da anulabilidade do contrato de seguro.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I. O relatório
G… intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra OCIDENTAL – COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE VIDA, S.A., peticionando a condenação da ré:
-a liquidar ao Millennium BCP, o capital ainda em dívida, relativo ao contrato de mútuo celebrado, desonerando a autora dessa responsabilidade;
-a pagar à autora todos os valores que esta pagou, desde o mês de abril do ano de 2020 e, ainda os que liquidar até que a ré satisfaça o pedido anterior, junto do Millennium BCP no âmbito do contrato de mútuo referido, acrescido dos juros calculados à taxa legal em vigor, contabilizados desde abril do ano 2020
-a reembolsar à autora o prémio referente ao seguro de grupo associado ao referido contrato de mútuo, pela autora pago a partir da data da morte, acrescido dos juros calculados à taxa legal em vigor, contabilizados desde abril de 2020, até trânsito em julgado da decisão que puser fim à presente demanda. Alega, em síntese, a autora, que celebrou, juntamente com o seu falecido marido, CA um contrato de mútuo com o Millennium BCP. Na sequência do sobredito contrato, foi celebrado, com a ré, um contrato de seguro de vida, no qual figura como beneficiário o Millennium BCP e através do qual a ré garante o pagamento integral das prestações mensais do mútuo em caso de morte de algum dos mutuários. CA faleceu em 31 de março de 2020, porém, a ré recusou o pagamento com fundamento em existência de doença pré-existente, não comunicada pelo segurado.
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Após citação, a ré apresentou contestação, impugnando os factos alegados pela autora e invocando, ainda, que CA, ao celebrar o contrato de seguro com a ré, praticou omissões e fez declarações não condizentes com a realidade, as quais alteraram a apreciação do risco, e que, caso fossem conhecidas da ré, seriam decisivas na não aceitação do contrato de seguro pela ré. Tais declarações tornaram nulo e de nenhum efeito o contrato de seguro. Conclui, pedindo a absolvição do pedido.
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Foi proferido despacho saneador que fixou o valor da causa, o objeto do litígio e os temas da prova.
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Foi realizada a audiência de julgamento, com integral observância do formalismo legal.
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Na sentença final, foi proferida decisão com o seguinte conteúdo: Por todo o exposto, julga-se a presente ação totalmente improcedente, por não provada e, em consequência absolve-se a ré, OCIDENTAL – COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS DE VIDA, S.A, do peticionado pela autora, G…
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Inconformada, a autora G… interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso da douta sentença, que versa sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos dos artigos 638º nº7 e 640º do CPC e, a qual julgou a ação interposta pela Autora totalmente improcedente e, por via disso, absolveu o Réu do pedido nela formulado porquanto não “no caso em apreço, o falecido marido da autora compreendeu as cláusulas do contrato e conhecia as doenças de que padecia à data da sua celebração, pelo que não podia ignorar que a comunicação da sua real situação de saúde era essencial para a avaliação do risco”. Segundo o douto Tribunal, outra conclusão não se poderá extrair se não a de que se verificou uma causa de exclusão da cobertura do seguro, não podendo a Recorrida ser constituída na obrigação de indemnizar. 2. Segundo o douto Tribunal, outra conclusão não se poderá extrair se não a de que se verificou uma causa de exclusão da cobertura do seguro, não podendo a Recorrida ser constituída na obrigação de indemnizar. 3. não pode a ora Recorrente concordar com tal veredito uma vez que, em modesta opinião, fez prova suficiente dos factos por si alegados. 4. toda a prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento conjugada com os documentos juntos aos autos é suficiente para suportar uma decisão diferente, no sentido de ser a ação interposta pela Autora julgada totalmente procedente por totalmente provada. 5. Afigura-se ao Recorrente que a decisão proferida não representa uma correta aplicação dos factos ao direito, demonstrando-se a mesma injusta. 6. A douta sentença mal andou ao dar como não provados os factos constantes da sentença e consequentemente ter proferido decisão no sentido de julgar a ação totalmente improcedente. 7. Para tanto, basta analisar-se o depoimento de parte da Autora, bem como, das testemunhas arroladas, testemunhas estas que declararam de forma unânime as limitações de que padecia o falecido. 8. No entender do douto Tribunal não foi produzida prova suficiente para firmar a convicção de que a Autora e o seu falecido marido não compreenderam as clausulas contratuais do contrato de seguro celebrado ou até que delas chegaram a ter qualquer conhecimento. 9. Mais referindo, o douto Tribunal, no que diz respeito ao depoimento de parte da Autora, que este se revelou confuso e contraditório. 10. analisando-se as declarações da Recorrente, entendemos que, em nada o seu depoimento é contraditório e confuso, outrossim, bastante esclarecedor no que às questões aqui em crise diz respeito. 11. A mesma afirma, por diversas vezes, que em momento algum lhe foram realizadas quaisquer questões de saúde, limitando-se a assinar e a rubricar o que lhes terá sido solicitado. 12. Justifica que por mais que tivesse consciência que estaria a celebrar um seguro de vida, desconhecia que poderiam ser-lhe feitas questões de saúde, ademais, porquanto teriam ainda sediado naquele banco o seu crédito habitação. 13. Mas, ao contrário do que é produzido na douta sentença, no que diz respeito às regras da experiência no ato de celebração de um seguro, cumpre sempre referir que, a ausência de quaisquer questões é a regra e não a exceção, pelo que, é bastante verosímil que a Autora, mesmo sabendo estar a celebrar um contrato de seguro de vida, não estranhasse a ausência de quaisquer questões fosse a que título fosse. 14. Uma vez que assim é, não poderá o douto Tribunal a quo entender, que por este facto, o seu depoimento é incoerente e antagónico. Pois, nos dias de hoje, ao contrário do que seria de esperar, cada vez é mais frequente situações idênticas às dos presentes autos. Sem que, para tanto, as partes envolvidas estejam devidamente informadas e consciencializadas. 15. Aliado a este facto, haverá sempre de se ter em conta a fraca instrução da Recorrente e do seu falecido Marido que apenas detêm o 2º ano de escolaridade. 16. Em face disto, entende a Recorrente que em nenhum momento o seu depoimento foi incoerente, antagónico, contraditório ou confuso. Muito pelo contrário, bastante esclarecedor das realidades que se praticam, hoje em dia. 17. Haverá ainda de se ter em conta pelo Tribunal e ainda no que diz respeito ao depoimento de parte da Autora, mais propriamente, o contante da adesão ao Seguro de Vida, cujo documento se encontra junto aos autos. 18. Onde declaram os tomadores do seguro ter conhecimento de que a apreciação e aceitação do risco proposto poderá ficar dependente da realização de exames médicos e/ou Exames Auxiliares de Diagnóstico. 19. O que nunca terá sido realizado pela Recorrida. 20. Outrossim, atestou a Recorrida que após as devidas averiguações, aquela pessoa é elegível e está apta para beneficiar daquele seguro de vida. Ainda que, ao contrário do que é por si declarado, nada faça para confirmar e/ou saber se aquelas declarações correspondem à realidade. 21. O que não se concebe. 22. Não assegura nenhum dever de informação/esclarecimento, nem tampouco verifica, nem por si nem pelo seu intermediário, a concreta apreensão das clausulas que submete para adesão a outrem. 23. Duvidas não restam que a Apelante e o seu falecido Marido não foram devidamente informados relativamente ao contrato de seguro que subscreveram, pois, em nenhum momento, estando consciencializados das consequências das suas omissões, o teriam realizado sem mais. 24. E é exatamente este o sentido que se poderá depreender do depoimento de parte da Autora ao contrário do que é sustentado pelo douto Tribunal na sentença proferida. 25. Ainda assim, no que diz respeito à fraca compreensão do falecido para a compreensão das clausulas, caso estas tivessem sido devidamente reportadas e explicadas, ou até para que estes tivessem a consciência do dever de declarar qualquer patologia, cumpre analisar o depoimento das testemunhas AP e JL. 26. Depoimentos estes que, no entender da Recorrente, comprovam que o douto Tribunal a quo mal andou no que diz respeito à falta de compreensão e limitações do falecido. 27. Apesar de ser referido na sentença que o depoimento desta testemunha se afigurou coerente e circunstanciado, refere o Tribunal a quo que, do seu depoimento, não se retira que o falecido não conseguisse compreender o conteúdo e alcance do clausulado que assinou, isto porque, “lido o questionário médico constante da proposta de adesão, declarou que o falecido conseguiria perceber as perguntas”. 28. Verdade é que, em nenhum momento foi lido o questionário médico ao contrário do que é suportado pelo douto tribunal, apenas foi lida à Testemunha uma das questões constante daquele questionário médico. 29. Assim, e uma vez que este depoimento foi tido como coerente e circunstanciado, deveria o douto Tribunal o ter valorado. E se assim fosse nunca poderia ter dado como não provado que “A Autora e o seu falecido marido não compreenderam as cláusulas contratuais subscritas.” 30. Pois, se por um lado nunca delas tiveram conhecimento conforme se expôs, mesmo que o tivessem tido, em face das limitações e da falta de literacia, nunca poderiam ter compreendido o sentido e alcance das clausulas ali em crise. 31. Tal foi também reiterado e corroborado pela Testemunha JL, que conviveu bastante com o falecido antes da sua morte. 32. Não concebe a Apelante a posição manifestada pelo douto Tribunal a quo quando refere que o falecido marido compreendeu as cláusulas do contrato e conhecia as doenças de que padecia à data da sua celebração, pelo que, não podia ignorar que a comunicação da sua real situação de saúde era essencial para a avaliação do risco. 33. O douto Tribunal a quo não levou na devida consideração os depoimentos das testemunhas cujos depoimentos se supra transcreveu, os quais, dado o ser teor, só poderiam levar a que a Mmª Juiz tivesse decidido de forma totalmente diversa da decidida na presente lide. 34. Mormente que a conduta das partes, Recorrente e falecido Marido, foi totalmente negligente pois não foram corretamente informados nem tampouco esclarecidos do sentido e alcance do contrato que assinaram. 35. Sendo, portanto, de imputar a culpa apenas e tão só à Recorrida, não se podendo considerar que atuaram, Recorrente e falecido Marido, com dolo. 36. Dúvidas não restam, em face de tudo quanto exposto, que o falecido Marido da Autora nada sabia em relação aos aspetos essenciais do contrato e suas exclusões. 37. Nem tampouco pela Recorrida foi assegurado, a concreta apreensão das cláusulas que foram alegadamente submetidas à adesão. Sendo, assim, de considerar a conduta da Recorrente e do seu falecido Marido totalmente negligente. 38. E, assim sendo decorrido está o prazo de 2 anos imposto pelo artigo 188º nº 1 do Decreto-Lei nº 72/2008 de 16/04. 39. Estará a Ré a invocar uma situação de doença preexistente após os 2 anos previstos na cláusula de incontestabilidade de aplicação imperativa. 40. Outrossim, nunca se poderia julgar a ação totalmente improcedente, uma vez que, em virtude do contrato celebrado, a Recorrida obrigou-se a pagar o capital seguro verificado que fosse o evento respeitante ao risco coberto abrangido pela cobertura, designadamente a morte ou invalidez dos Segurados. 41. Uma vez verificada e atestada a morte, a Recorrida fica automaticamente vinculada a pagar ao Millennium BCP, 100% do capital seguro, in casu, o valor correspondente ao contrato de mútuo. O que não se sucedeu. 42. A Apelante não está, nem poderiam estar, de acordo com a convicção formulada pelo Tribunal a quo nomeadamente no que diz respeitos aos factos dados como provados, e, ainda, relativamente aos factos dados como não provados. 43. Porquanto entende que os factos dados como não provados encontram-se totalmente provados com a produção de prova realizada em sede de audiência de discussão e julgamento. 44. Bem sabe a Recorrente que não é qualquer declaração inexata ou reticente que desencadeia a possibilidade de anulação do seguro, é indispensável que a inexatidão influa na existência e condições do contrato, E, é necessário, ainda, que exista uma conduta dolosa, conduta esta que de todo se verifica no presente caso. 45. Assim sendo, e uma vez que a conduta foi totalmente negligente, a omissão em que estes incorreram não tornou inválido (nulo ou anulável) o contrato de seguro. 46. Pelo que, no entender da Recorrente, constituiu-se a obrigação de indemnizar. 47. Pelo que a douta sentença preferida violou o disposto no artigo 188º nº 1 do DL 72/2008 de 16/04. 48. Deverão, assim, as alíneas, a), b), c) e d) dos factos não provados ser dados como provados, requerendo-se, desde já, a V.Exa. que se digne a alterar a factualidade destas alíneas de factos não provados para provados. 49. Bem como, deverão os números 11 e 18 dos factos provados ser dados como não provados, devendo alterar-se aquela factualidade nesse sentido. 50. Em face de tudo quanto exposto, não pode, a Recorrente, conformar-se com a sentença proferida, tanto mais porquanto entende que a mesma deveria ter sido proferida noutro sentido. 51. Por tudo quanto ora vertido, requer a Recorrente a procedência do presente Recurso, revogando-se a sentença proferida, com as devidas e legais consequências, alterando-se ainda a factualidade das alíneas melhor descritas supra de factos não provados para provados, bem como, os números supra elencados de factos provados para não provados 52. E, consequentemente, ser a ação julgada totalmente procedente por provada.
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A ré AGEAS PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. contra-alegou, propugnando pela improcedência da apelação.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida de imediato, em separado e efeito meramente devolutivo.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir. *
II. O objecto e a delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
-impugnação relativa à decisão da matéria de facto;
- declarações inexactas e omissões do segurado no acto de calebração do contrato de seguro;
- omissões ou inexactidões dolosas/negligentes e consequências jurídicas para o contrato de seguro celebrado.
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III. Os factos
Receberam-se da 1ª instância os seguintes factos provados e não provados:
Factos provados:
1) A autora e o seu falecido marido, CA, celebraram, com o Millennium BCP, um contrato de mútuo, com o n.º …, no valor de 12.947,12 €.
2) A ré celebrou com o Millennium BCP, na qualidade de tomador de seguro e com a autora e o falecido CA, como pessoas seguras e aderentes, um contrato de seguro de vida associado ao contrato de mútuo, titulado pela Apólice …, com capital seguro de 12.754,81 € e data de adesão em 11 de janeiro de 2018.
3) Através do sobredito contrato de seguro a ré obrigou-se ao pagamento ao Millenium BCP, da totalidade do valor em dívida no contrato de mútuo em caso de morte de CA.
4) Na proposta de subscrição do seguro, CA respondeu negativamente às seguintes questões: “Tem algum antecedente de doença manifestada ou diagnosticada, ou toma ou tomou algum medicamento de forma regular, ou foi hospitalizado ou sujeito a biópsia, intervenção cirúrgica (excluindo cesariana, adenoides, apêndice e litíase/pedra da vesicula sem sequelas), está ou esteve de baixa por doença ou acidente (exceto baixa por maternidade/paternidade) por período superior a 15 dias?”.
5) Da proposta de seguro assinada por CA consta a seguinte declaração: “Declaro que respondi ao questionário clínico com todo o rigor e verdade não tendo omitido qualquer facto relevante, pelo que das mesmas não consta qualquer inexatidão, designadamente por falta de diligência, cuidado ou atenção no preenchimento do questionário clínico.
Tomo ainda conhecimento que o presente questionário faz parte integrante da proposta de adesão acima identificada e que as declarações inexatas ou reticentes ou a omissão de factos, tornam o pedido de adesão nulo e sem qualquer efeito, exonerando o Segurador da obrigação de pagamento de qualquer indemnização”.
6) A proposta de adesão foi assinada e rubricada por CA ao longo de suas diversas páginas.
7) Em 31 de março de 2020 faleceu CA.
8) Do certificado de óbito n.º … consta que como causa da morte “enfarte agudo miocárdio, cardiopatia isquémica com antecedentes de EAM e depressão moderada da função sistólica; doença arterial periférica, HTA, diabetes mellitus, dislipedemia”.
9) Em 1996, CA sofreu enfarte agudo do miocárdio e foi submetido a cirurgia de revascularização miocárdica.
10) Na data referida no ponto 2, CA padecia de diabetes, hipertensão arterial e dislepedemia (colesterol alto), tomando medicação.
11) O falecido sabia que padecia das doenças elencadas no ponto anterior e tomava medicação para tratamento das mesmas.
12) A autora comunicou à ré o óbito de CA, solicitando o acionamento da apólice, tendo a ré aberto o Processo de sinistro com a referência ….
13) Em 2 de setembro de 2020 a ré remeteu carta à autora com o seguinte teor: “(…) somos a informar que procedemos à exclusão da Pessoa Segura do Contrato de Seguro de Vida (…) uma vez que aquando da sua celebração terem sido omitidas e proferidas declarações inexatas, as quais eram essenciais e significativas para a apreciação e aceitação do risco. Nestas condições verificámos que a Pessoa Segura não declarou a patologia que era portadora e que foi diagnosticada em data anterior à celebração do contrato de seguro”.
14) Em 18 de setembro de 2020, a autora, por intermédio do seu mandatário forense, remeteu carta à ré contestando a decisão.
15) Em 20 de setembro de 2020, a ré respondeu, mantendo a decisão.
16) Em 18 de setembro de 2020, a autora, por intermédio do seu mandatário forense, enviou missiva à ré, juntando relatório médico do falecido e solicitado o acionamento da apólice e pagamentos devidos.
17) Em 23 de outubro de 2020, a ré comunicou à autora a reiteração da posição anteriormente assumida.
18) A ré não teria celebrado o contrato de seguro se conhecesse o circunstancialismo descrito nos pontos 9, 10 e 11.
19) À data do óbito, o valor do mútuo por pagar era de 8.554,56 €.
Factos não provados:
A) A Autora e o seu falecido marido não compreenderam as cláusulas contratuais subscritas.
B) À data da celebração do contrato, a ré tinha conhecimento do estado de saúde do falecido CA.
C) Desde da data do óbito de CA até à data de propositura da presente ação a autora pagou a quantia de 7.243,62 € a título de prestações devidas no âmbito do contrato de mútuo.
D) A autora pagou o prémio referente ao seguro de grupo associado ao referido contrato de mútuo *
A impugnação da matéria de facto.
Dispõe o art. 662º n.º 1 do Código de Processo Civil que A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Nos termos do art. 640º n.º 1 do mesmo Código, quando seja impugnada a matéria de facto deve o recorrente especificar, sob pena de rejeição, os concretos factos que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O n.º 2 do mesmo preceito concretiza que, quanto aos meios probatórios invocados incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso. Para o efeito poderá transcrever os excertos relevantes. Em contrapartida, cabe ao recorrido o ónus de apontar os meios de prova que infirmem essas conclusões do recorrente, indicar as passagens da gravação em que se funda a sua defesa, e caso assim o entenda, transcrever os excertos que considere importantes, tudo isto sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
A lei impõe assim ao apelante específicos ónus de impugnação da decisão de facto, sendo o primeiro o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, o qual implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, tendo como ponto de partida a totalidade da prova produzida em primeira instância.
Acresce que muito embora se imponha o recorrente o ónus de indicar os concretos pontos da matéria de facto que entende deverem ser alterados, e o sentido de tal alteração, o Tribunal não está vinculado a optar entre alterar a decisão no sentido pugnado pelo recorrente ou manter a mesma tal como se encontra, antes goza de inteira liberdade para apreciar a prova, respeitando obviamente os mesmos princípios e limites a que a 1ª instância se acha vinculada.
Não obstante, haverá que ter presente que enquanto que a primeira instância toma contacto direto com a prova, nomeadamente os depoimentos e declarações de parte, e os depoimentos das testemunhas, com a inerente possibilidade de avaliar elementos de comunicação não verbais como a postura corporal, as expressões faciais, os gestos, os olhares, as reações perante as demais pessoas presentes na sala de audiências, etc., a Relação apenas tem acesso ao registo áudio dos depoimentos, ficando, pois privada de todos esses elementos não verbais da comunicação que tantas vezes se revelam importantes para a apreciação dos referidos meios de prova.
Por outro lado, como bem aponta o Ac. desta Relação, de 21/06/2018 (Ondina Alves), proc. 18613/16.7T8LSB.L1-2, “nunca é de mais relembrar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial. De harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais. Nos termos do disposto, especificamente, no artigo 396.º do C.C. e do princípio geral enunciado no artigo 607º, nº 5 do CPC, o depoimento testemunhal é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência – v. sobre o conteúdo e limites deste princípio, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A livre apreciação da prova em processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII (1984), 115 e seg. A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr. a este propósito ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 435-436. É certo que, com a prova de um facto, não se pode obter a absoluta certeza da verificação desse facto, atenta a precariedade dos meios de conhecimento da realidade. Mas, para convencer o julgador, em face das circunstâncias concretas, e das regras de experiência, basta um elevado grau da sua veracidade ou, ao menos, que eassa realidade seja mais provável que a ausência dela. Ademais, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto visa apreciar pontos concretos da matéria de facto, por regra, com base em determinados depoimentos que são indicados pelo recorrente. Porém, a convicção probatória, sendo um processo intuitivo que assenta na totalidade da prova, implica a valoração de todo o acervo probatório a que o tribunal recorrido teve acesso – v. neste sentido, Ac. STJ de 24.01.2012 (Pº 1156/2002.L1.S1)”.
Tem sido entendido que, ao abrigo do disposto no citado art. 662º, a Relação tem os mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. Donde, deve a Relação apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido e na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Neste sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 287: O actual art. 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos nºs 1 e 2, als. A) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.
No que respeita à observância dos requisitos constantes do citado artigo 640º, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» (Ac. STJ de 01/10/2015 (Ana Luísa Geraldes); Ac. STJ de 14/01/2016 (Mário Belo Morgado); Ac. STJ, de 19/2/2015 (Tomé Gomes); Ac. STJ de 22/09/2015 (Pinto de Almeida); Ac. STJ, de 29/09/2015 (Lopes do Rego) e Acórdão de 31/5/2016 (Garcia Calejo), todos disponíveis na citada base de dados.
No que tange especificamente à impugnação da decisão de convicção negativa – factos não provados -, veja-se o Ac. do STJ de 15/2/2018 (Tomé Gomes), com a seguinte síntese: VI. No caso em que vem impugnado apenas um juízo probatório negativo, convocando-se diversos depoimentos prestados nessa sede com argumentação crítica sobre a valoração feita pela 1.ª instância e questionamento da credibilidade dada às testemunhas da A. em detrimento das da R., complementada ainda pela transcrição desses depoimentos com indicação do dia da sessão de julgamento em que foram prestados, do ficheiro de que consta a respetiva gravação e das horas e tempo de duração, tal como ficou consignado em ata, tem-se por observado o nível de exatidão suficiente do teor dessas gravações suscetíveis de relevar para a apreciação do caso, à luz do preceituado no artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC.
Para além disso, qualquer alteração à decisão relativa à matéria de facto adoptada na 1ª instância, tem em comum um pressuposto: a relevância da alteração para o mérito da demanda.
Nesse sentido, vejam-se os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 15/12/2016 (Maria João matos) e desta Relação de 26/09/2019 (Carlos Castelo Branco), ambos disponíveis em www.dgsi.pt: Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.).
No caso que ora cumpre apreciar, entendemos que a recorrente cumpriu adequadamente os requisitos previstos no art. 640º do CPC.
Vistos estes pressupostos, analisemos, pois, a impugnação.
Questiona a recorrente o julgamento da matéria de facto relativamente: aos pontos11 e 18 dos factos provados, os quais são:
11) O falecido sabia que padecia das doenças elencadas no ponto anterior e tomava medicação para tratamento das mesmas.
18) A ré não teria celebrado o contrato de seguro se conhecesse o circunstancialismo descrito nos pontos 9, 10 e 11. e às alíneas, a), b), c) e d) dos factos não provados, a saber:
A) A Autora e o seu falecido marido não compreenderam as cláusulas contratuais subscritas.
B) À data da celebração do contrato, a ré tinha conhecimento do estado de saúde do falecido CA.
C) Desde da data do óbito de CA até à data de propositura da presente ação a autora pagou a quantia de 7.243,62 € a título de prestações devidas no âmbito do contrato de mútuo.
D) A autora pagou o prémio referente ao seguro de grupo associado ao referido contrato de mútuo.
Iniciando pelo facto 11 (provado).
Da acta da audiência final consta: Considerando o depoimento de parte da autora resultou um fato suscetível de consubstanciar uma confissão relevante para efeitos do artigo 463º, nº 1 CPC aplicável por via do artigo 466º nº 2, do mesmo código procedendo-se então a seguinte assentada: 1) A Autora confessou o artigo 6º da contestação – A proposta datada de 11/01/2018 encontra-se assinada e rubricada pelo falecido ao longo de suas diversas páginas. 2) Resultou confessada a primeira parte do ponto 10º da contestação – O falecido conhecia as circunstâncias clínicas que padecia: diabetes, hipertensão e colesterol alto e que tomava medicação para o efeito.
Desta forma, atenta confissão judicial escrita da autora, à qual deve ser atribuído a força probatória plena que resulta do art. 358º nº 1 do CPC, tal facto foi dado, e bem, como provado.
Passando para a análise do facto 18, o qual foi dado como assente com base no teor dos depoimentos testemunhais de AF, médico que presta serviços à ré em regime de avença, e de MS, gestora de sinistros na seguradora ré.
Quanto à prova testemunhal, a sua valoração pressupõe a avaliação da credibilidade de cada testemunha e depois a ponderação dos elementos comprováveis ou não pelo seu depoimento. A prova testemunhal é valorada pela forma do depoimento, pela sua congruência interna, razão de ciência, isenção e comportamento.
A testemunha AF apenas teve intervenção no processo após o óbito de CA ser participado à ré. Nesta sequência, analisou o certificado de óbito e o processo clínico do falecido concluindo que o mesmo padecia de vários factores de risco cardiovasculares, concretamente, diabetes, hipertensão com complicações e colesterol elevado, tendo ainda apurado que sofrera um enfarte agudo do miocárdio numa idade bastante jovem.
Por seu turno, a testemunha MS, gestora de sinistros na seguradora ré, explanou que, na fase da contratação, a avaliação de risco é efetuada pelo departamento médico da ré, da qual a testemunha AF faz parte, quando são declaradas patologias clínicas nos questionários médicos constantes das propostas de adesão. No caso em apreço, tal avaliação de risco não foi efectuada porquanto no questionário médico não foram declaradas quaisquer patologias.
Pelo que, com base em tais depoimentos, afigura-se lógica e congruente a conclusão do Tribunal recorrido no sentido da positividade do facto 18, no qual se plasmou que a ré não teria celebrado o contrato de seguro se tivesse conhecimento do real estado clínico do falecido marido da autora.
No que tange à factualidade não provada.
Sobre a matéria temos o depoimento de parte da autora e os depoimentos das testemunhas JL, amigo do falecido, e AP, marido de uma sobrinha do falecido marido da autora.
O depoimento de parte e as declarações de parte consubstanciam meios de prova, com regime processual diferente, embora ambos decorram da prestação de depoimento pela própria parte: ao depoimento de parte reportam-se os arts. 452º a 465º do CPC, o qual visa a confissão de factos alegados pela parte contrária e só pode ser requerido por esta; às declarações de parte reporta-se art. 466º, as quais têm por objeto a matéria alegada pela própria parte e só podem ser requeridas por esta.
Atendendo a que, segundo a acta da audiência final, a autora prestou depoimento de parte, não pode este servir de meio de prova para factos que lhe são favoráveis, com os que constam da factualidade não assente.
No que diz respeito aos depoimentos das supra identificadas testemunhas, constata-se que os mesmos incidiram, sobretudo, sobre as competências cognitivas do falecido, sem que tivessem revelado qualquer conhecimento directo da factualidade controvertida dada como não assente e, reforçamos o que consta da sentença recorrida quanto: ao facto não provado B, não foi produzida qualquer prova de que a ré tivesse conhecimento da situação clínica do falecido à data da celebração do contrato provando-se inclusivamente que se tivesse conhecimento de tal situação, teria recusado a sua celebração (Cfr. Facto provado n.º 19). Relativamente aos factos não provados C e D a autora não produziu qualquer prova. Com efeito, tendo a autora alegado tais factos, recaia sobre si o ónus de provar o pagamento da quantia de 7.243,62 € a título de prestações devidas no âmbito do contrato de mútuo desde o óbito do marido, assim como comprovar o pagamento do prémio do seguro celebrado (sic).
Em face do exposto, decidir-se-á julgar totalmente improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
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IV. O mérito do recurso
O Direito
Estabilizado o quadro factual do litígio, cumpre agora analisar juridicamente a pretensão da recorrente, à luz do mesmo.
Os pedidos deduzidos pela autora têm por base a celebração, com a ré, de um contrato de seguro de vida em que o Banco Millenium BCP figura como tomador de seguro e o falecido CA, marido da autora, é segurado.
O seguro dos autos foi celebrado em 23 de Janeiro de 2012, sendo-lhe aplicável o Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pela Lei nº 72/2008, de 16 de Abril (RJCS).
No caso em apreço, está em causa um contrato de seguro de grupo, o qual, de acordo com a definição plasmada no artigo 76.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril “cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar”.
Com efeito, o banco Millenium BCP é o tomador do seguro, a autora e seu falecido marido são os segurados cujo risco de vida é tutelado e que estão ligados ao tomador de seguro por um vínculo distinto do de segurar, no caso, um contrato de mútuo.
O seguro de grupo pode ser contributivo ou não contributivo (Cfr. Artigo 77.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril). No caso dos autos é contributivo, porquanto os segurados suportam o pagamento do prémio.
A especificidade do contrato de seguro de grupo é a sua formação, que se reparte em dois momentos distintos – primeiramente o segurador e o tomador de seguro celebram um contrato - e, posteriormente, ocorre a adesão dos segurados, passando a existir uma relação trilateral.
Do exposto, resulta que o conteúdo do contrato de seguro é elaborado num momento à adesão, pelo que os segurados se limitam a aderir ao clausulado. Assim, para além dos deveres de informação gerais a cargo do segurador, consagrados nos artigos 18.º a 21.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, nos seguros de grupo recaem sobre o tomador de seguro e sobre o segurador os deveres de informação consagrados no artigo 18.º do mesmo Decreto-Lei.
É sabido que a declaração inicial do risco, a cargo do tomador do seguro ou segurado (ou, como no caso, pessoa segura/aderente), na fase pré-contratual tendente à celebração do contrato de seguro em geral, está detalhadamente regulada nos arts. 24.º e segs. do dito RJCS, prescrevendo os arts. 25.º e 26.º, respetivamente, quanto a omissões ou inexatidões dolosas ou negligentes, nesse âmbito, daquele tomador do seguro tratando-se, pois, de um domínio onde assume papel essencial o princípio da boa-fé.
O princípio da boa-fé contém determinadas exigências objetivas de comportamento impostas pela ordem jurídica, exigências essas de razoabilidade, probidade e equilíbrio de conduta, moldando um certo modo de atuação dos sujeitos, considerado conforme à boa-fé, que pode o próprio legislador plasmar nos preceitos da lei positiva.
Bom exemplo deste tipo de concretização da boa-fé por via legislativa é actualmente constituído pela disciplina legal atinente à fase pré-contratual em matéria de contrato de seguro, salientando-se agora, para além de deveres do segurador, os deveres do tomador do seguro ou segurado, deveres estes, de proteção, de lealdade e informação, de cujo encadeamento decorre que são estabelecidos com base no princípio da boa-fé, estando pressupostas exigências de transparência e de justiça contratual, bem como de proteção da confiança das partes (cfr. arts. 18.º a 23.º, quanto aos deveres do segurador, e 24.º a 26.º, quanto aos deveres do tomador do seguro ou segurado, todos do aludido RJCS).
Sobre o segurador os deveres de informação consagrados no artigo 18.º do mesmo Decreto-Lei, verificada a matéria de facto, constata-se que não se provou que a autora e o seu falecido marido não tenham compreendido o teor do clausulado que assinaram, (facto não provado A) pelo que se tornam inúteis considerações adicionais quanto aos deveres de informação da seguradora ré.
Ainda que assim não se entendesse, e na senda do entendimento com o qual concordamos do Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-10-2021I (cfr. sumário), acentuamos: num contrato de seguro de grupo contributivo, conforme legal imposição – o nº. 1, do artº. 4º, do DL nº. 176/95 e o nº. 1 do artº. 78º, da Lei nº. 72/2008 (salvo, no regime deste diploma, se o próprio contrato prever que tal dever de informação seja assumido pelo segurador, conforme o nº. 5 do mesmo normativo) -, incumbe ao tomador do seguro a obrigação de comunicar aos aderentes as cláusulas do contrato (coberturas, exclusões, obrigações e direitos em caso de sinistro e posteriores alterações), pelo que, salvo as expressas obrigações da seguradora inscritas no nº. 5, do artº. 4º, do DL nº. 176/95 e nº. 4, do artº. 78º, da Lei nº. 72/2008, não sendo cumprida tal obrigação pelo tomador, este incumprimento não é oponível à seguradora, para o efeito de se haver por excluída do contrato determinada cláusula. Efectivamente, no âmbito de um contrato de seguro de grupo, relativamente à definição dos sujeitos do dever de informação e consequências do incumprimento deste, o regime específico previsto no DL nº. 176/95 (ao qual sucedeu o implementado na Lei nº. 72/2008, de 16/04), afasta, por incompatibilidade, a aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais, enunciado genericamente no DL nº. 446/85, de 25/10. Destarte, a solução consagrada neste regime de cláusulas contratuais gerais para o incumprimento do dever de informação – exclusão das cláusulas relativamente às quais não foi cumprido tal dever -, por força do prescrito nas alíneas a) e b), do artº. 8º, daquele diploma, não se mostra adequada ou conforme com a configuração o contrato de seguro de grupo, para além de não ser a que resulta do estatuído nos artºs. 4º daquele DL nº. 176/95 e 78º da Lei nº. 72/2008, os quais prevêem uma consequência diversa da exclusão das cláusulas não comunicadas – no caso do DL nº. 176/95, a imposição ao tomador de suportar a parte do prémio correspondente ao segurado (o nº. 3 do artº. 4º); no caso da Lei nº. 72/2008, a responsabilização civil do tomador do seguro (o artº. 79º) (Ac. proferido no proc. 23832/17.6T8LSB.L1-2, versão integral em www.dgsi.pt).
Efectivamente, afastando-se no caso concreto a aplicabilidade do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, no que se reporta à definição dos sujeitos do dever de informação e consequências do incumprimento deste, não pode impor-se a responsabilização civil do tomador de seguro (Millennium BCP), uma vez que este não é parte na presente acção.
Como supra pincelámos, o art. 24.º, n.º 1 do RJCS estatui um dever geral de informação pelo tomador ou segurado (o aqui marido da autora) quanto às circunstâncias relevantes para a apreciação do risco.
Os artigos 25.º e 26.º do RJCS distinguem as omissões ou inexatidões dolosas, das omissões ou inexatidões negligentes.
No campo do incumprimento doloso, há que distinguir o dolo enquanto modalidade de culpa e o dolo enquanto vício da vontade: o dolo-culpa constitui um elemento subjetivo de uma ação ou omissão, que corresponde ao juízo feito pelo agente em determinada atuação, encontrando-se patente no n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil; o dolo-vício contrapõe-se ao erro simples, ou seja, aos casos em que a declaração negocial se formou «com algum desvio em relação ao que se queria dizer por ter assentado em pressupostos ou informações insuficientes ou incorretas, mas sem que tenha havido intenção do declarante de provocar tal situação», nos termos dos artigos 247.º, 251.º e 252.º do CC.
O artigo 25.º do RJCS regula um caso de «dolo-vício», o que tem como consequência a necessidade da verificação da dupla causalidade exigida nos artigos 253.º e 254.º do CC: o dolo tem de ser causa do erro do segurador e o erro tem de ser essencial, sendo a causa da anulabilidade (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 04-11-2021, proferido no proc. 4017/18.0T8GMR.G1).
Logo, para anular o contrato, o segurador terá de demonstrar que o dolo o conduziu ao erro e que, se conhecesse o erro, não teria celebrado o contrato.
No caso em análise, provou-se que: (1) o falecido marido da autora compreendeu as cláusulas do contrato e conhecia as doenças de que padecia à data da sua celebração, pelo que não podia ignorar que a comunicação da sua real situação de saúde era essencial para a avaliação do risco; (2) as patologias de que CA padecia, foram, de acordo com o certificado de óbito junto aos autos, causa do seu decesso; (3) finalmente, ficou demonstrado que a ré não teria, em circunstância alguma, celebrado o contrato de seguro se conhecesse os antecedentes clínicos e as patologias de que o falecido CA padecia.
Em face do exposto, logrou a seguradora/recorrida demonstrar que houve dolo do segurado na não comunicação da sua real situação de risco, pelo que opera a anulabilidade do contrato de seguro arguida pela ré, estando esta exonerada do pagamento da prestação a que estava vinculada.
Em face desta conclusão, encontram-se prejudicadas outras questões relacionadas com a aplicação do regime da incontestabilidade previsto no art. 188º do RJCS, bem como do pagamento de outras importâncias reclamadas pela autora, considerando que não se deram como assentes os factos da al. C) D).
Desta forma, improcederá totalmente a presente apelação.
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V. A decisão
Pelo exposto, os Juízes da 6.ª Secção da Relação de Lisboa acordam:
-na improcedência total da impugnação sobre a decisão relativa à matéria de facto;
-na improcedência total da apelação e na manutenção da decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
João Manuel Cordeiro Brasão
Gabriela de Fátima Marques.
Nuno Luís Lopes Ribeiro.