I. O erro material da decisão ocorre quando o juiz escreveu coisa diversa da que queria escrever, não coincidindo o teor do que que se escreveu com o que o que se tinha em mente exarar.
2. Por lapso manifesto entende-se aquele que de imediato resulta do próprio teor da decisão, em termos que, de modo flagrante e sem necessidade de elaboradas demonstrações, logo revelem que só por si a decisão teria de ser diferente da que foi proferida.
MBM/JES/JG
Ré: Promotora do Ensino Profissional para o ....
a) Reconhecer que a autora e a ré celebraram um contrato de trabalho por tempo indeterminado, com início em 01.10.2007 e que produziu os seus efeitos até 01.09.2020, condenando-se a ré a reconhecê-lo;
b) Reconhecer que a partir de 05.11.2021 a autora se encontra no nível remuneratório II.3 da Tabela III, anexa ao C.C.T. supra identificado, condenando-se a ré a reconhecê-lo;
c) Condenar a ré a pagar à autora a quantia que se vier a liquidar no âmbito do incidente a instaurar, nos termos preceituados no artigo 358.º, n.º 2, do C.P.C., quanto ao diferencial remuneratório entre o valor pago a partir de 05.11.2021 e o valor devido por via do C.C.T., apurado em consonância com o supra exposto, sendo tal quantia acrescida de juros de mora;
d) Condenar a ré a pagar à autora a quantia que se vier a liquidar no âmbito do incidente a instaurar, nos termos preceituados no artigo 358.º, n.º 2, do C.P.C., quanto aos créditos laborais supra identificados, referentes ao período compreendido entre 01.01.2007 e setembro de 2020, sendo tal quantia acrescida de juros de mora;
e) Julgar improcedentes os demais pedidos formulados pela autora.
2. Interposto recurso de revista per saltum, foi proferido acórdão que, concedendo parcialmente a revista, revogou as alíneas b) e c) da condenação operada pela sentença, mantendo-se, em tudo o mais, a mesmo sentença.
3. A Ré veio requerer a retificação de erros materiais de que alegadamente padecerá este acórdão, invocando, fundamentalmente:
– Foi decidido revogar as als. b) e c) do dispositivo da sentença recorrida, referentes à contagem do tempo de serviço da recorrida para efeitos de progressão na carreira e à determinação do correspetivo nível na tabela salarial, nos termos da C.C.T. aplicável.
– Segundo a fundamentação do acórdão, à luz do disposto no art. 8.º, n.º 11, do C.C.T., aplicável, “o trabalho da Autora para a recorrente só ganhou relevo para efeitos de contagem de tempo de serviço a partir de 5 de novembro de 2021 […]”.
– Afirma-se no aresto que “deverá ser reconhecido que a Autora se encontrou a partir de 05.11.2021 no nível remuneratório II.2 da Tabela III, anexa ao CCT em causa”.
– Tal afirmação, contraposta à argumentação que a precede, surge como uma impossibilidade matemática, uma vez que a Tabela III, anexa à C.C.T. em causa, estabelece 7 anos de serviço como o limiar de acesso ao nível II.2.
– Ou seja, se o trabalho da Autora para a Recorrente só ganhou relevo para efeitos de contagem do tempo de serviço a partir de 5 de novembro de 2021 e o nível II.2 da Tabela III pressupõe um mínimo de 7 anos completos de serviço, não se afigura matematicamente possível que, a partir dessa data, aquela se encontre no nível II.2 da Tabela III.
– Facilmente se constata que a autora está inserida no nível II.1 da Tabela III.
4. A Autora respondeu, pugnando pelo indeferimento do requerido, dizendo, em síntese:
– A requerente esqueceu o nº 7 do artigo 8º da C.C.T., segundo o qual “para efeitos de acesso e progressão nos vários níveis de vencimento conta-se o tempo de serviço prestado anteriormente no mesmo estabelecimento de ensino ou em estabelecimento de ensino pertencente à mesma entidade patronal”.
– Daqui resulta que tem que ser objeto de contagem para efeitos de posicionamento na tabela de vencimentos o tempo de serviço já prestado anteriormente junto da Ré, sendo que ficou provado que a Autora desenvolveu consecutivamente a atividade junto da Ré por mais de 13 anos.
Cumpre decidir.
Refere-se no Ac. de 11.05.2022 (Proc. nº 6947/19.3T8LSB.L1.S1), desta Secção Social, em linha com a generalidade da jurisprudência e doutrina: “Não há que confundir o erro material da decisão com o erro de julgamento: naquele, o juiz escreveu coisa diversa da que queria escrever, não coincidindo o teor da sentença ou despacho, do que que se escreveu, com o que o juiz tinha em mente exarar (quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real); neste, o juiz disse o que queria dizer, mas decidiu mal, decidiu contra lei expressa ou contra factos apurados”; “Erro material ou lapso é a inexatidão ou omissão verificada em circunstâncias tais que é patente, através dos outros elementos da sentença ou até do processo, a discrepância com os dados verdadeiros e se pode presumir por isso uma divergência entre a vontade real do juiz e o que ficou escrito”; “A admissibilidade de requerer retificações explica-se por se tratar de alterações materiais que não modificam o que ficou decidido”.
Ou seja, “um erro ou lapso material só pode ser retificado, ao abrigo do artigo 614.º do CPC, se, ao ler o texto, logo se deteta que existe erro, resultando claro o que efetivamente se quis escrever” (Ac. do STJ de 05.09.2023, Proc. nº 359/10.1TVLSB.L1.S1, 1ª Secção).
É patente que in casu não se configura qualquer situação suscetível de ser rotulada como erro material, entendido nos termos expostos, nem, tão pouco, mais latamente, qualquer lapso manifesto, entendido como aquele que de imediato resulta do próprio teor da decisão, em termos que, de modo flagrante e sem necessidade de elaboradas demonstrações, logo revelem que só por si a decisão teria de ser diferente da que foi proferida (cfr. Ac. do STJ de 14.03.2006, Proc. 05B3878). Com feito, neste âmbito, reafirma-se, impõe-se sempre que estejam em causa “erros cognoscíveis que resultam do próprio contexto da sentença, não podendo interferir com a substância nem com a fundamentação da decisão, devendo tais erros ser ostensivos, evidentes ou manifestos, resultando de forma clara da simples leitura da decisão ou dos termos que a antecedem” (Ac. do STJ de 28.09.2022, Proc. nº 3538/17.7T8AVR.P1.S1, 6ª Secção).
Ao invés, constata-se que a requerente, através do recurso ao mecanismo processual em apreço, visou, no fundo, a alteração do julgado, o que é legalmente inadmissível (cfr. art. 613.º, nº 1, do CPC).
Improcede, pois, o peticionado.
Custas pela Ré/requerente.
Lisboa, 25.09.2024
Mário Belo Morgado (Relator)
José Eduardo Sapateiro
Julio Manuel Vieira Gomes