PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO (PEAP)
HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE PAGAMENTO
APROVAÇÃO PELA MAIORIA DOS CREDORES
RECUSA OFICIOSA
VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL DE NORMAS
INSOLVÊNCIA ACTUAL
Sumário


O juiz deve apreciar as condições de recurso ao instituto pré-insolvencial que constitui o PEAP, não devendo homologar o acordo, ainda que aprovado pela maioria dos credores, se do alegado na p.i. e do plano apresentado resulta que o devedor está em situação de insolvência atual.

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO.

AA, divorciado, titular do Cartão de Cidadão n.º ..., válido até 24/02/2031, emitido pela República Portuguesa, NIF ...32, residente na Rua ..., ..., Freguesia ..., ..., Concelho ..., veio intentar Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP).
Admitido liminarmente, foi nomeado administrador provisório.
Feitas as notificações e publicações legais, a Srª. Administradora (AJP) veio juntar a lista de créditos provisória.
A AJP veio requerer a prorrogação do prazo para encetar negociações.
Foi junto pelo requerente o Plano de Pagamento.
Veio o credor reclamante “Banco 1..., S.A.”, apresentar voto contra e requerer a não homologação do plano, nos termos e com os fundamentos seguintes:
“Conforme dispõe o n.º 1 al. a) do artigo 216º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE) que deve ser recusada a homologação a pedido do credor que demonstre que “a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano”.
O plano em discussão previa o perdão de 40% do valor de capital, com perdão total de juros e carência de 12 meses.
Conforme consta da reclamação de créditos, junta aos presentes autos, a ora Credora detém garantia real sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial ... com n.º ...32, cujo valor comercial é suficiente para liquidar o valor em dívida. Pelo que, salvo merecido respeito, não pode a ora Credora aceitar um perdão de 40% do capital. O acordo é indubitavelmente prejudicial à ora Credora.”
Igual posição apresentou o credor “Banco 2..., S.A.”, com os seguintes argumentos:
“Nos termos da parte final do artigo 222.º-F, n.º 5 do CIRE, ao processo especial para acordo de pagamento é aplicável, designadamente, o disposto nos seus artigos 215.º e 216.º.
Por seu turno, preceitua o artigo 215.º do mesmo diploma legal que “O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência (…) no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza (…)”.
Ora, analisado o processo como um todo e o acordo de pagamento em particular, ressalta que o Devedor está em situação de insolvência actual (e já estava, aquando da apresentação a este processo), e não em situação de insolvência iminente.
Vejamos:
Cotejado o teor da lista de créditos publicada apura-se que o Devedor está em incumprimento perante todos os seus credores, Incumprimento esse que há longos anos se verifica: a título de exemplo, o crédito do credor BB, que decorre de uma letra não paga vencida no ido ano de 2017, ou o crédito do Banco 2..., em incumprimento há mais de dez anos.
É, pois, patente que o Devedor não consegue honrar as suas obrigações há vários anos.
Acresce que, lido e relido o acordo de pagamento, não se percebe se, e quais, os rendimentos auferidos pelo Devedor.
Na verdade, no aludido acordo, o Devedor limita-se a referir que irá relançar a actividade agroflorestal e agropecuária e desenvolver actividade no âmbito do alojamento local, pretendendo, para o efeito, rentabilizar os imóveis de que é proprietário.
Pode-se, portanto, retirar que o Devedor não aufere no presente rendimentos regulares alguns e espera vir a obter rendimentos com actividade (agroflorestal e agropecuária) que, segundo o mesmo informa, toda a vida desenvolveu – e que, manifestamente, não lhe permitiu satisfazer os seus compromissos, daí estar em falta para com os seus credores há longos anos!
Alega ainda o Devedor estar “com dificuldades em cumprir com as suas responsabilidades”, mas, na verdade, o mesmo mostra-se, e desde há muito, absolutamente impossibilitado de as satisfazer,
O que igualmente resulta demonstrado pelo facto de, depois de há anos nada pagar aos seus credores, vir ainda, pelo próprio acordo de pagamento, solicitar um acrescido período de carência e um muito significativo perdão.
Nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º1 do CIRE, “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.
O Devedor, lamentavelmente, não está em situação de insolvência iminente, passível ainda de recuperação. Pelo contrário, a sua situação de insolvência é actual, o que já se verificava aquando da apresentação a este processo.
Não deverá, portanto, e por este motivo, ser homologado o acordo de pagamento apresentado, pois que o processo especial para acordo de pagamento é dirigido ao devedor que se encontre em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, mas em que a dita situação ainda seja susceptível de recuperação.
Não pode é ser utilizado quando o devedor esteja em situação de insolvência actual, como é o caso,
Configurando, assim, o recurso a este processo um uso totalmente abusivo do mesmo e, por conseguinte, violador das normas aplicáveis ao seu conteúdo.
Afigura-se-nos, ainda, ser inexequível o acordo de pagamento apresentado.
Com efeito, já acima invocamos a explicação perfeitamente vaga contida no plano acerca do modo como poderão ser obtidos rendimentos para o cumprir.
Ao que acresce o facto de, no acordo de pagamento, o Devedor se referir, no plural, a prédios urbanos e rústicos, onde supostamente irá desenvolver as actividades que refere.
Ocorre, porém, que na petição inicial o Devedor relaciona um único prédio rustico.
É certo que, apesar de quanto ao mesmo ser omissa a petição inicial, temos conhecimento de que o Devedor é, efectivamente, proprietário de um prédio urbano,
No qual, contudo, tem a sua residência, pelo que não se concebe que venha a ser utilizado para efeitos das actividades que almeja prosseguir.
Neste ponto, cumpre até salientar que estamos em crer que o presente processo mais não foi do que o expediente encontrado para evitar a venda do imóvel em causa, o qual é, certamente, o património mais relevante do Devedor.
De facto, havendo o imóvel em questão sido penhorado em processo executivo, foi o mesmo colocado à venda mediante leilão electrónico, pelo valor base de € 250.756,00, a iniciar em 27.06.2023 e terminar em 12.09.2023 – cfr. auto de penhora, decisão de venda e notificação do agendamento do leilão que ora se juntam como docs.n.ºs 1 a 3.
Significa isto, portanto, que o Devedor se apresentou ao presente processo especial para acordo de pagamento escassos dias após o início do mencionado leilão electrónico, o que, imediatamente, importou a suspensão daquela execução e o cancelamento do leilão em curso.
Legítimas dúvidas, pois, se levantam quanto à exequibilidade do plano, pois que não se percebe como, quando e por que meios serão desenvolvidas as actividades referidas pelo Devedor e com base nas quais sustenta o seu acordo de pagamento,
Actividades essas que, aliás, requerem investimentos, desde logo com os necessários licenciamentos,
Pelo que é perfeitamente imperceptível como irá o Devedor lograr gerar os rendimentos necessários à sua subsistência e, simultaneamente, ao cumprimento do acordo de pagamento por si proposto,
O qual, pela sua duração, prolongar-se-á até que o Devedor atinja a provecta idade de 72 anos!
Por tudo o exposto, afigura-se-nos claro ser inexequível o acordo de pagamentos apresentado, o que, igualmente, deverá importar a recusa da sua homologação, no caso de vir a ser aprovado.”
Juntou documentos.

*
Foi, pela Srª. AJP, apresentado o resultado da votação do plano apresentado pelos devedores, sendo o seu resultado de aprovação, nestes termos:

“1. O total de créditos relacionados com direito a voto é de 563.211,35€.
2. Emitiram competente voto quanto ao plano de recuperação, credores que representam o capital de 543.480,06€.
3. Votaram favoravelmente, os credores que representam 311.623,24€
4. Os votos ultrapassam o quórum constitutivo de um terço do total dos créditos relacionados que é de 187.737,12€ (563.211.35€:3).
5. Os votos favoráveis são superiores a dois terços do total dos votos emitidos que é de 207.748,83€(311.623,24x2:3).
6. Os votos favoráveis, representam 55,33%. dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto contidos na lista de créditos a que se referem os n.os 3 e 4 do artigo 222.º-D;.
Atento o exposto, requer-se a V.ª EX.ª a homologação do plano de pagamento.”
Juntou os votos enviados, constando, além do mais, os votos desfavoráveis dos dois credores supra mencionados.
*
De seguida foi proferida decisão que concluiu:
“(…)
 Concluídas as negociações foi concedido prazo para votação do plano apresentado pelo Devedor, sendo que, num total de créditos relacionados com direito a voto de 563.211,35€, emitiram competente voto credores que representam o capital de 543.480,06€, tendo-o feito favoravelmente os credores que representam 311.623,24€.---
*
2. 
 Atendendo ao disposto no art.º 222.º-F, n.º 3 do CIRE, resulta pois que, no caso, o plano foi aprovado.---
 Acresce, não ocorrer violação não negligenciável de normas procedimentais ou aplicáveis ao conteúdo do plano que impeçam a sua homologação, não prevendo aquele quaisquer condições suspensivas ou quaisquer atos ou medidas que devem preceder a homologação [art.º 215.º do CIRE aplicável ex vi art. 222.º-F, n.º 5 in fine do mesmo diploma], pese embora tenha sido solicitada a não homologação do plano pelos credores Banco 1..., S.A. e Banco 2..., S.A. [art.º 216.º aplicável ex vi art.º 222.º-F, n.º 3 in fine].---
*
3.
 Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artºs 222.º-F, n.ºs 5 e 6 do CIRE, homologa-se por sentença o acordo de pagamentos apresentado nos autos pelo Devedor AA.---
 A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações [art.º 222.º-F, n.º 8 do CIRE].---
 Custas pelo Requerente, com taxa de justiça reduzida a ½ [art.ºs 222.º-F, n.º 9 e 302.º, n.º 1 do CIRE].---
Valor da ação: o equivalente à alçada da Relação [art.º 301.º do CIRE].--- 
Registe, notifique e publicite.”
*
Inconformadas, vieram o credor Banco 2..., S.A., e o credor Banco 1... S.A., interpor recurso.
Nessa sequência foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo:
“Julga-se procedente a apelação do Banco 2..., S.A., declarando-se nula a decisão recorrida, devendo providenciar-se pela prolação de uma decisão em que a apontada nulidade seja sanada nos termos “supra” indicados.
Em consequência fica prejudicado o conhecimento do mérito da decisão impugnada.”
*
Recebidos os autos, foi proferido o seguinte despacho:
“Em obediência ao determinado pelo TRG e tendo em vista a prolação de nova decisão, antes do mais, por o considerar útil, determina-se que se notifique a AJP para que, expressamente e em 5 dias, se pronuncie quanto aos argumentos expendidos nos pedidos de não homologação do plano apresentados pelos credores Banco 1..., S.A e Banco 2..., S.A..”
A AJP pronunciou-se nestes termos:
“1. Banco 2..., S.A.
Alicerça este credor a sua recusa na aprovação do plano, considerar ser inexequível o acordo de pagamentos apresentado, e no facto do devedor não estar em insolvência eminente mas antes atual.
De facto, em conformidade com a lista de créditos apresentada verifica-se que o devedor está em incumprimento perante todos os seus credores há mais de dez anos.
Mas, adiante-se, que, o incumprimento generalizado das obrigações vencidas não é bastante para se verificar uma situação de insolvência atual. Ter-se-á de considerar que ainda que se verifique o incumprimento de todas as dividas vencidas, se os elementos existentes apontam no sentido da superioridade do ativo sobre o passivo, não se pode afirmar que o devedor se encontra em situação de insolvência atual.
O que certamente será discutível após a não homologação do plano proposto – cfr 222º G do CIRE.
Por sua vez corresponde à verdade, que, do acordo de pagamento, não se extrai se e quais, os rendimentos auferidos pelo devedor, até porque certamente corresponderão a condicionalismos variáveis da Lei da oferta e da procura.
No plano proposto, o devedor refere que irá relançar a actividade agroflorestal e agropecuária e desenvolver actividade no âmbito do alojamento local, pretendendo, para o efeito, rentabilizar os imóveis de que é proprietário.
Por esses motivos o credor Banco 2..., considera vaga a explicação contida no plano acerca do modo como poderão ser obtidos rendimentos para o cumprir, o suporta uma dúvida razoável.
2. Banco 1... S.A.
Baseia a sua recusada na homologação do plano no facto deste, a ser aprovado, a sua situação, ao abrigo do plano, ser previsivelmente menos favorável do que a que adviria na ausência de qualquer plano. Pois, o plano proposto prevê o perdão de 40% do valor de capital, com perdão total de juros e carência de 12 meses.
Ora, tendo este credor garantia real sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial ... com n.º ...32, refere que o seu valor comercial é suficiente para liquidar o valor em dívida.
Como tal não aceita um perdão de 40% do capital, concluído que o acordo é-lhe indubitavelmente prejudicial.
Atentos os motivos invocados, acrescia ao credor Banco 1... (salvo douta e diferente opinião) de ter junto aos autos a avaliação do imóvel sobre o qual incide a sua hipoteca de forma a justificar o valor comercial atual do mesmo.
Entendo que, esta fundamentação para a não homologação do plano parece ser credível.”
*
O Tribunal de imediato proferiu a seguinte sentença:
“(…)
Concluídas as negociações foi concedido prazo para votação do plano apresentado pelo Devedor, sendo que, num total de créditos relacionados com direito a voto de 563.211,35€, emitiram competente voto credores que representam o capital de 543.480,06€, tendo-o feito favoravelmente os credores que representam 311.623,24€.---
*
2.
Atendendo ao disposto no art.º 222.º-F, n.º 3 do CIRE, resulta pois que, no caso, o plano foi aprovado.---
Acresce, não ocorrer violação não negligenciável de normas procedimentais ou aplicáveis ao conteúdo do plano que impeçam a sua homologação, não prevendo aquele quaisquer condições suspensivas ou quaisquer atos ou medidas que devem preceder a homologação [art.º 215.º do CIRE aplicável ex vi art. 222.º-F, n.º 5 in fine do mesmo diploma], pese embora tenha sido solicitada a não homologação do plano pelos credores Banco 2..., S.A. e Banco 1..., S.A. [art.º 216.º aplicável ex vi art.º 222.º-F, n.º 3 in fine].---
Na verdade, o credor Banco 2..., S.A. alicerça a sua recusa na aprovação do plano defendendo considerar ser inexequível o acordo de pagamentos apresentado, e no facto do devedor não estar em insolvência eminente mas antes atual.--
Por sua vez, o credor Banco 1..., S.A. baseia a sua recusa na homologação do plano defendendo que este, a ser aprovado, prevendo o perdão de 40% do valor de capital, com perdão total de juros e carência de 12 meses, ser-lhe-á manifestamente mais desfavorável, na medida em que, tendo este credor garantia real sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial ... com n.º ...32, o seu valor comercial será suficiente para liquidar o valor em dívida.---
Vejamos.---
O processo especial para acordo de pagamento destina-se a permitir ao devedor, que não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento.---
Ora, tal como sucede no PER, será inadmissível o recurso ao PEAP por credor em situação de insolvência atual, podendo o juiz recusar a homologação do acordo de pagamento aprovado quando o processo revelar inequivocamente e inelutavelmente tal situação. Mister é, contudo, que se trate de uma situação de evidente e comprovada insolvência, dada a inadequação do processo para uma análise finalística da situação económico-financeira do devedor.---
Não definindo o Código o que pode entender-se por insolvência “iminente”, tratar-se-á necessariamente de um estado anterior à insolvência, o que nos remete para a noção de insolvência, definida pelo n.º 1 do art.º 3.º CIRE como a situação “do devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”. Assim, a insolvência iminente é a situação em que é possível prever/antever que o estará impossibilitado de cumprir as suas obrigações num futuro próximo, designadamente quando se vencerem estas obrigações.---
Contudo, não é o incumprimento, ainda que generalizado das suas obrigações vencidas, que carateriza a situação de insolvência, mas a “impossibilidade de cumprimento”, impossibilidade esta que não se reporta ao conceito de incumprimento tal como é definido pelo direito civil. O termo impossibilidade é mais económico-financeiro do que técnico jurídico, reportando-se à falta de meios económicos, nos quais se incluem as possibilidades de financiamento que, uma vez mobilizadas, permitiriam fazer face às suas obrigações vencidas assegurando a sua viabilidade económica. Tal como a doutrina vem entendendo, o incumprimento é um facto, enquanto a insolvência é um estado ou uma situação patrimonial do devedor.---
O estado de insolvência exige um plus em relação ao incumprimento: enquanto este se refere a uma só obrigação individualmente considerada, a insolvência tem em consideração o património do devedor, assumindo um carater geral. Enfim, o que releva para o “estado” de insolvência não é o incumprimento das obrigações vencidas, em si mero facto, mas antes a impossibilidade de o devedor as vir a cumprir, simplesmente porque não tem meios. O incumprimento de uma ou mais obrigações só tem importância na estrita medida em que resulte da situação de insuficiência do ativo para fazer face ao passivo vencido. O incumprimento aparece como uma manifestação externa da situação de ruína financeira – é a impossibilidade de pagar e não o incumprimento em si, o elemento essencial da insolvência.---
Acresce que a homologação do Plano deve ser recusada pelo juiz, entre outras situações previstas na lei, quando tal haja sido solicitado por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos autos e desde que o requerente demonstre, em termos plausíveis que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.-
Para efeitos de aferir sobre a prova da situação prevista é necessário realizar um juízo de prognose, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele, ou seja, relativamente a determinado credor, em confrontar a situação que para o mesmo resulta da execução do acordo de pagamento aprovado, nomeadamente quanto a valores e prazos de pagamento e aquela situação em que previsivelmente se encontraria em caso de prosseguimento do processo sem qualquer acordo.---
Feita esta exposição, e atendendo aos argumentos avançados pelo credor Banco 2..., S.A. para pedir a não homologação do plano, sendo certo que se, por um lado, em conformidade com a lista de créditos apresentada, se conclui que o devedor está em incumprimento perante todos os seus credores há mais de dez anos, e se, por outro lado, do acordo de pagamento não se extrai em concreto quais os rendimentos auferidos pelo devedor, o certo é que o mesmo se propõe a relançar a actividade agroflorestal e agropecuária, bem como a desenvolver actividade no âmbito do alojamento local, pretendendo, para o efeito, rentabilizar os imóveis de que é proprietário.---
Neste contexto, entende pois o Tribunal que a situação do Devedor não só não corresponde a uma insolvência actual, como se adivinha a possibilidade (e vontade) de o mesmo fazer face aos compromissos com os credores nos termos do plano entretanto apresentado nestes autos.---
Por sua vez, atendendo aos argumentos avançados pelo credor Banco 1..., S.A. para pedir a não homologação do plano, afigura-se-nos que caberia ao mesmo juntar aos autos a avaliação do imóvel sobre o qual incide a sua hipoteca de forma a justificar o valor comercial atual do mesmo, assim permitindo ao Tribunal fazer um juízo de prognose quanto ao alegado prejuízo para si em concreto decorrente da homologação do plano.---
*
3.
Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artºs 222.º-F, n.ºs 5 e 6 do CIRE, homologa-se por sentença o acordo de pagamentos apresentado nos autos pelo Devedor AA.---
A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações [art.º 222.º-F, n.º 8 do CIRE].---
Custas pelo Requerente, com taxa de justiça reduzida a ½ [art.ºs 222.º-F, n.º 9 e 302.º, n.º 1 do CIRE].---
Valor da acção: o equivalente à alçada da Relação [art.º 301.º do CIRE].---
Registe, notifique e publicite.”
*
Inconformada, o credor Banco 2..., S.A. e o credor Banco 1... S.A. interpuseram recurso.

Nessa sequência foi proferida decisão sumária com o seguinte dispositivo:
“Decide-se declarar nula a sentença recorrida, por falta absoluta de especificação dos seus fundamentos de facto, com a consequente devolução dos autos ao Tribunal a quo, por forma a que a sentença recorrida seja por ele fundamentada de facto.
Fica prejudicada a apreciação do mérito da decisão.”
*
Recebidos os autos, o Tribunal a quo proferiu a seguinte sentença:
“...
3.
Com interesse para a decisão a proferir, resultam da documentação trazida aos autos os seguintes factos:---
3.1. Em 10 de Julho de 2023, AA apresentou-se a PEAP.-
3.2. De acordo com o teor da respectiva petição inicial, AA tinha a correr termos contra si, pelo menos, 5 acções executivas no âmbito das quais os credores públicos (ISS e a AT) reclamaram créditos. ---
3.3. Da lista provisória de credores junta aos autos pela AJP resulta um passivo no montante de € 501.058,10, constando como créditos de natureza garantida o montante de € 301.519,48 e os restantes de natureza comum e sob condição.---
3.4. O crédito do Instituto de Segurança Social reclamado em 2019 no processo n.º 2296/17.... ascendia a € 3.046,12 e respeita a contribuições para o respectivo Regime de Segurança Social, referentes a meses desde ../../2010 a Fevereiro de 2014.---
3.5. O incumprimento do Devedor perante o Recorrente Banco 1... data de 2016.---
3.6. O crédito do credor BB decorre de uma letra não paga vencida em 2017.---
3.7. O incumprimento do crédito do Banco 2..., S.A. remonta há mais de dez anos.---
3.8. AA indica na petição inicial um único bem imóvel, qual seja, o prédio rústico sito em ..., Freguesia ..., Concelho ..., inscrito na matriz predial rústica com o artigo ...94 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...94, que se encontrava em venda no processo executivo n.º 2296/17.... pelo valor base de € 139.440,00.---
3.9. O credor Banco 1..., S.A. detém garantia real sobre um outro imóvel não indicado pelo Devedor e que se encontra na sua esfera patrimonial, qual seja o prédio urbano, composto de casa de 2 pisos com logradouro, sito no Lugar ..., Freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...32 e inscrito na respectiva matriz urbana sob o n.º ...05, que se encontrava à venda no processo executivo n.º 379/16.... em que é exequente o Condomínio ... Sito Rua ..., ... ... com o valor base de € 250.756,00.---
3.10. AA não aufere actualmente rendimentos regulares, confessando na exposição prévia do plano estar em situação de desemprego.--
3.11. AA alicerça todo o Plano apresentado na expectativa de vir a obter rendimento com o relançamento da sua atividade agroflorestal e agropecuária, e ainda no desenvolver atividade no âmbito do alojamento local com a rentabilização dos imóveis de que é proprietário.---
3.12. O plano, publicado em 07.11.2023, ora em crise, prevê o perdão de 40% do valor de capital, com perdão total de juros e carência de 12 meses para todos os Credores.-
3.13. Foram apresentados três votos contra, designadamente por Banco 3..., da Banco 2... e do Banco 1..., S.A., tendo os dois últimos credores requerido expressamente a não homologação do plano.---
*
4.
o credor Banco 2..., S.A. alicerça a sua recusa na aprovação do plano defendendo considerar ser inexequível o acordo de pagamentos apresentado, e no facto do devedor não estar em insolvência eminente mas antes atual.---
Por sua vez, o credor Banco 1..., S.A. baseia a sua recusa na homologação do plano defendendo que este, a ser aprovado, prevendo o perdão de 40% do valor de capital, com perdão total de juros e carência de 12 meses, ser-lhe-á manifestamente mais desfavorável, na medida em que, tendo este credor garantia real sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial ... com n.º ...32, o seu valor comercial será suficiente para liquidar o valor em dívida.---
Vejamos.---
O processo especial para acordo de pagamento destina-se a permitir ao devedor, que não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento.---
Ora, tal como sucede no PER, será inadmissível o recurso ao PEAP por credor em situação de insolvência atual, podendo o juiz recusar a homologação do acordo de pagamento aprovado quando o processo revelar inequivocamente e inelutavelmente tal situação. Mister é, contudo, que se trate de uma situação de evidente e comprovada insolvência, dada a inadequação do processo para uma análise finalística da situação económico-financeira do devedor.---
Não definindo o Código o que pode entender-se por insolvência “iminente”, tratar-se-á necessariamente de um estado anterior à insolvência, o que nos remete para a noção de insolvência, definida pelo n.º 1 do art.º 3.º CIRE como a situação “do devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”. Assim, a insolvência iminente é a situação em que é possível prever/antever que o estará impossibilitado de cumprir as suas obrigações num futuro próximo, designadamente quando se vencerem estas obrigações.---
Contudo, não é o incumprimento, ainda que generalizado das suas obrigações vencidas, que carateriza a situação de insolvência, mas a “impossibilidade de cumprimento”, impossibilidade esta que não se reporta ao conceito de incumprimento tal como é definido pelo direito civil. O termo impossibilidade é mais económico-financeiro do que técnico jurídico, reportando-se à falta de meios económicos, nos quais se incluem as possibilidades de financiamento que, uma vez mobilizadas, permitiriam fazer face às suas obrigações vencidas assegurando a sua viabilidade económica. Tal como a doutrina vem entendendo, o incumprimento é um facto, enquanto a insolvência é um estado ou uma situação patrimonial do devedor.---
O estado de insolvência exige um plus em relação ao incumprimento: enquanto este se refere a uma só obrigação individualmente considerada, a insolvência tem em consideração o património do devedor, assumindo um carater geral. Enfim, o que releva para o “estado” de insolvência não é o incumprimento das obrigações vencidas, em si mero facto, mas antes a impossibilidade de o devedor as vir a cumprir, simplesmente porque não tem meios. O incumprimento de uma ou mais obrigações só tem importância na estrita medida em que resulte da situação de insuficiência do ativo para fazer face ao passivo vencido. O incumprimento aparece como uma manifestação externa da situação de ruína financeira – é a impossibilidade de pagar e não o incumprimento em si, o elemento essencial da insolvência.---
Acresce que a homologação do Plano deve ser recusada pelo juiz, entre outras situações previstas na lei, quando tal haja sido solicitado por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos autos e desde que o requerente demonstre, em termos plausíveis que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.--
Para efeitos de aferir sobre a prova da situação prevista é necessário realizar um juízo de prognose, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele, ou seja, relativamente a determinado credor, em confrontar a situação que para o mesmo resulta da execução do acordo de pagamento aprovado, nomeadamente quanto a valores e prazos de pagamento e aquela situação em que previsivelmente se encontraria em caso de prosseguimento do processo sem qualquer acordo.---
Feita esta exposição, e atendendo aos argumentos avançados pelos credores Banco 2..., S.A. e Banco 1..., S.A. para pedir a não homologação do plano, é, desde logo, certo que, em conformidade com a lista de créditos apresentada, o Devedor está em incumprimento perante todos os seus credores há vários anos, sendo ainda que, do acordo de pagamento se extrai que o mesmo não aufere actualmente quaisquer rendimentos – admitindo mesmo encontrar-se em situação de desemprego – e propondo-se, apenas, relançar a actividade agroflorestal e agropecuária, bem como a desenvolver actividade no âmbito do alojamento local, pretendendo, para o efeito, rentabilizar os imóveis de que é proprietário. Ou seja, o Devedor, que não aufere rendimentos alguns, espera vir a obter rendimentos com actividade (agroflorestal e agropecuária) que, segundo o mesmo informa, toda a vida desenvolveu, e que, manifestamente, não lhe permitiu satisfazer os seus compromissos, daí estar em falta para com os seus credores há longos anos.---
Alega, ainda, o Devedor estar “com dificuldades em cumprir com as suas responsabilidades”, quando, na verdade, o mesmo se mostra, e desde há muito, absolutamente impossibilitado de as satisfazer, o que igualmente resulta demonstrado pelo facto de, depois de há anos nada pagar aos seus credores, vir ainda, pelo próprio acordo de pagamento, solicitar um acrescido período de carência e um muito significativo perdão.---
Ora, atendendo ao disposto no citado art.º 3.º, n.º 1 do CIRE, conclui-se que o Devedor não está em situação de insolvência iminente, passível ainda de recuperação; pelo contrário, a sua situação de insolvência é actual, o que já se verificava aquando da apresentação a este processo.---
Pelo exposto, entendemos – agora e melhor ponderados os elementos factuais constantes do autos – que não deverá ser homologado o acordo de pagamento apresentado, pois que o processo especial para acordo de pagamento é dirigido ao Devedor que se encontre em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, mas em que a dita situação ainda seja susceptível de recuperação, não podendo ser utilizado quando o devedor esteja em situação de insolvência actual, como é o caso, configurando, assim, o recurso a este processo um uso totalmente abusivo do mesmo e, por conseguinte, violador das normas aplicáveis ao seu conteúdo.---
Acresce, ainda, que se mostra ser inexequível o acordo de pagamento apresentado, designadamente pela explicação vaga ali contida acerca do modo como poderão ser obtidos rendimentos para o cumprir, para além do facto de o Devedor se referir, no plural, a prédios urbanos e rústicos, onde supostamente irá desenvolver as actividades que refere, quando, na respectiva petição inicial, se limitou a relacionar um único prédio rustico, sendo assim legítimas as dúvidas que se levantam quanto à exequibilidade do plano, pois que não se percebe como, quando e por que meios serão desenvolvidas as actividades referidas pelo Devedor e com base nas quais sustenta o seu acordo de pagamento, actividades essas que, aliás, requerem investimentos, desde logo com os necessários licenciamentos, sendo, em absoluto, imperceptível como irá o Devedor lograr gerar os rendimentos necessários à sua subsistência e, simultaneamente, ao cumprimento do acordo de pagamento por si proposto.---
*
5.
Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artºs 222.º-F, n.ºs 5 e 6 do CIRE, decide-se não homologar o acordo de pagamentos apresentado nos autos pelo Devedor AA.---
Custas pelo Requerente [art.ºs 222.º-F, n.º 9 e 302.º, n.º 1 do CIRE].---
Valor da ação: o equivalente à alçada da Relação [art.º 301.º do CIRE].---
Registe, notifique e publicite.---
*
Notifique-se o AJP para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos o parecer previsto pelo art.º 222.º-G, n.º 3 do CIRE.”
*
Inconformado, veio o requerente AA interpor recurso apresentando alegações com as seguintes
-CONCLUSÕES- ...“

I. OBJETO DO RECURSO.
1.
O presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual decidiu, em suma, não homologar o plano de pagamento apresentado pelo devedor, por se verificar uma situação menos favorável para um certo credor, do que a que interviria na ausência de qualquer plano.
....4.De forma muito breve não se entende a decisão do Tribunal a quo, o qual decide não homologar o plano de pagamento.
5.
Veja-se que o Tribunal a quo decidiu - duas vezes - homologar o (mesmo) plano de pagamento apresentado pelo devedor, tendo agora proferido uma 3ª decisão totalmente diversa das outas e bem assim recusar homologar o plano de pagamento.
...
III.DO SENTIDO EM QUE, NO ENTENDER DO RECORRENTE, AS NORMAS DEVIAM DE TER SIDO INTERPRETADAS E APLICADAS.
....17.
Neste processo, assim como em todos os PEAP – os credores desempenham o papel decisivo e fundamental: ou consentem no sacrifício dos seus direitos e viabilizam o PEAP ou mantêm-se irredutíveis, caso em que o PEAP não é aprovado e o perigo do devedor ser declarado insolvente se precipitará.
...19.
Cumpre ainda referir que a decisão em causa viola os princípios basilares e orientadores do PEAP: princípio da autonomia e vontade das partes, o princípio da segurança e certeza jurídica e ainda o princípio da igualdade.
20.
Entende o aqui recorrente que foi iminentemente violado o princípio da autonomia e vontade das partes e ainda o da segurança e da certeza jurídica, a partir do momento que não é homologado um plano que foi aprovado pela maioria dos credores e que não padece de qualquer vicio ou irregularidade formal (facto que é dado por assente na sentença ora recorrida);
21.
O mesmo se aplica quanto ao princípio da igualdade, isto porque se tratou de forma diferente os credores do presente processo.
22.
A sentença ora recorrida beneficia dois credores MINORITÁRIOS em detrimento de todos os outros.
23.
Se a maioria dos credores votaram favoravelmente o plano de pagamento, significa, claro está, que o referido plano contempla as suas necessidades e acima de tudo vontades.
Acresce que,
.....28.
São os credores quem têm de pedir explicações ao devedor – no tempo adequado - e não o Tribunal a quo quem tem de se pronunciar sobre o conteúdo do referido plano (desde que cumpra obviamente com as disposições legais exigíveis).
29.
Não pode o Tribunal a quo fundamentar a alegada situação de insolvência atual do devedor com base num plano “vago” e “inexequível”, quando não lhe competente apreciar o conteúdo do plano.
30.
A exequibilidade prática do plano não é, nem deve ser, objeto de apreciação pelo Tribunal a quo, devendo este apenas se limitar a fiscalizar o cumprimento das regras procedimentais. São os credores que decidem se o plano é ou não exequível, pelo que o Tribunal a quo não pode pronunciar-se sobre esta questão sequer – estando em causa um excesso de pronuncia por parte do Tribunal a quo.
Vejamos,
...
..33.
A maioria dos credores aprovou um plano por considerar que o aqui devedor tem meios para o cumprir, aceitando os termos daquele, na sua globalidade.
..35.
Por outro lado, e com respeito pela opinião diversa, parece-nos também que o Tribunal a quo se “cansou” de tentar fundamentar as decisões anteriores, tendo enveredado pelo caminho mais simples: o da Banca.
Vejamos ainda,
36.
No fundo, é o Tribunal a quo que viola o princípio da igualdade (princípio orientador do PEAP, e que foi tido em conta no momento da elaboração do acordo de pagamento) ao não homologar o plano apresentado pelos credores.
37.
Mas mais que isso, e conforme já explanado, tal decisão é violadora do princípio da autonomia da vontade das partes, princípio esse que deverá ser imperativo num processo desta natureza.
38.
Ora, não pode o Tribunal a quo decidir o destino deste processo, que no fundo é contrário àquela que a maioria dos credores entendeu ser as suas vontades, atendendo de forma tão leviana ao pedido de não homologação de um credor, que sendo um credor hipotecário sempre estaria numa situação mais favorável com a liquidação do património.
39.
O credor – Banco 1..., S.A. – argumentou que a forma mais eficaz para obter o pagamento dos seus créditos seria através da liquidação do património.
40.
Todavia, tal forma de pagamento não é compatível com o PEAP, ma vez que este processo, como já se deixou referido, é um processo pré-insolvência, que pretende evitar a liquidação do património do devedor.
41.
Essencialmente, nunca foi vontade credor – Banco 1..., S.A. - participar nas negociações, pois sabia ab initio que podia requerer a não homologação do plano, nos termos do artigo 216º, nº 1, al. a) do CIRE, (cfr. artigo 222º-F, nº2 do CIRE), e que sendo um credor hipotecário, obviamente, estaria sempre numa situação mais favorável com a ausência de qualquer plano, do que com a aprovação e consequente homologação do mesmo.
42.
Ou seja, no fundo, aquilo que Tribunal a quo decidiu – na sentença ora recorrida – é beneficiar um credor minoritário, em detrimento dos restantes, e sobretudo da vontade das partes, e bem assim não homologar um plano, mesmo sabendo que foi este aprovado, pela maioria dos credores.
...44.
Será justo comparativamente com os restantes credores, que procuraram em conjunto com o devedor, chegar a um acordo que melhor satisfaça as suas vontades?
45.
Saberá o Tribunal a quo, melhor que os credores, quais as suas vontades?
46.
Poderá agora, nesta fase processual, alegar o Tribunal a quo, que o aqui devedor está numa situação de insolvência iminente, quando a MAIORIA dos credores aceitou um plano e considerou que aquele tem todas as condições para fazer face às obrigações importas por aquele plano de pagamentos?
Ora,
47.
Em suma, e atento a tudo quanto foi alegado supra, entende o ora recorrente, que não existem motivos para a não homologação do plano de pagamentos, pelo que o Tribunal a quo não interpretou de forma correta o disposto nos artigos 222º-f, nº3 e nº5 e 216º, nº1, al. a) CIRE.
48.
Assim, deverá a ora decisão recorrida ser revogada, e substituída por outra que homologue o plano aprovado pelos credores, atenta a votação e vontade destes, o que expressamente se requer.
Sem prescindir,
49.
Por mera cautela do patrocínio, e na eventualidade de não ser homologado o plano de pagamentos – o que nunca se conceberá – deverá ser declarado ineficaz o acordo, aprovado pela maioria dos credores, quanto ao credor Banco 1..., S.A., produzindo os seus efeitos quanto aos demais credores, uma vez que era a vontade destes.
50.
Ora, a homologação judicial serve para tornar o acordo de pagamento eficaz entre as partes.
51.
Assim, e atenta à argumentação deduzida pelo credor Banco 1.... S.A – e sendo este um credor hipotecário - deverá o plano de pagamentos ser declarado ineficaz quanto a este exato credor, produzindo os seus efeitos quanto aos demais credores.
52.
Isto porque, a declaração de ineficácia do plano de pagamentos, apenas quanto ao Banco 1..., S.A, é uma solução muito menos gravosa, e que acautela (melhor) a vontade das partes, não prejudicando todo os restantes credores, nem colocando em causa todo o trabalho feito com estes.”

Pede que a sentença recorrida seja revogada, e substituída por outra que homologue o plano de pagamentos apresentado pelos devedores, que foi aprovado pela maioria dos credores; subsidiariamente, que a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que homologue o plano de pagamento apresentado pelos devedores, e declarando-se a ineficácia do plano de pagamentos quanto ao Banco 1... S.A.
*
Foram apresentadas contra-alegações pelo Banco 1..., S.A., ....: Pede que se negue provimento ao recurso e se mantenha a decisão recorrida.
...
***
II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos art.ºs 608º, n.º 2, 609º, n.º 1, 635º, n.º 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.
Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir se:
-não deve ser recusada a homologação do plano apresentado nos autos.
***
III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

O Tribunal recorrido assentou na seguinte matéria:
“3.1. Em 10 de Julho de 2023, AA apresentou-se a PEAP.-
3.2. De acordo com o teor da respectiva petição inicial, AA tinha a correr termos contra si, pelo menos, 5 acções executivas no âmbito das quais os credores públicos (ISS e a AT) reclamaram créditos. ---
3.3. Da lista provisória de credores junta aos autos pela AJP resulta um passivo no montante de € 501.058,10, constando como créditos de natureza garantida o montante de € 301.519,48 e os restantes de natureza comum e sob condição.---
3.4. O crédito do Instituto de Segurança Social reclamado em 2019 no processo n.º 2296/17.... ascendia a € 3.046,12 e respeita a contribuições para o respectivo Regime de Segurança Social, referentes a meses desde ../../2010 a Fevereiro de 2014.---
3.5. O incumprimento do Devedor perante o Recorrente Banco 1... data de 2016.---
3.6. O crédito do credor BB decorre de uma letra não paga vencida em 2017.---
3.7. O incumprimento do crédito da Banco 2..., S.A. remonta há mais de dez anos.---
3.8. AA indica na petição inicial um único bem imóvel, qual seja, o prédio rústico sito em ..., Freguesia ..., Concelho ..., inscrito na matriz predial rústica com o artigo ...94 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...94, que se encontrava em venda no processo executivo n.º 2296/17.... pelo valor base de € 139.440,00.---
3.9. O credor Banco 1..., S.A. detém garantia real sobre um outro imóvel não indicado pelo Devedor e que se encontra na sua esfera patrimonial, qual seja o prédio urbano, composto de casa de 2 pisos com logradouro, sito no Lugar ..., Freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...32 e inscrito na respectiva matriz urbana sob o n.º ...05, que se encontrava à venda no processo executivo n.º 379/16.... em que é exequente o Condomínio ... Sito Rua ..., ... ... com o valor base de € 250.756,00.---
3.10. AA não aufere actualmente rendimentos regulares, confessando na exposição prévia do plano estar em situação de desemprego.--
3.11. AA alicerça todo o Plano apresentado na expectativa de vir a obter rendimento com o relançamento da sua atividade agroflorestal e agropecuária, e ainda no desenvolver atividade no âmbito do alojamento local com a rentabilização dos imóveis de que é proprietário.---
3.12. O plano, publicado em 07.11.2023, ora em crise, prevê o perdão de 40% do valor de capital, com perdão total de juros e carência de 12 meses para todos os Credores.---
3.13. Foram apresentados três votos contra, designadamente por Banco 3..., da Banco 2... e do Banco 1..., S.A., tendo os dois últimos credores requerido expressamente a não homologação do plano.”
*
Concretiza-se ainda aqui o conteúdo do plano:

 “1. NOTA PRÉVIA:
A presente proposta de Acordo de Pagamentos contempla um conjunto de medidas que perspetivam e pretendem a revitalização do devedor e, consequentemente, o cumprimento atempado dos seus compromissos, quer os já assumidos, quer os que venha a assumir no âmbito do regular funcionamento da sua atividade económica.

2. IDENTIFICAÇÃO DOS DEVEDORES
PESSOAS SINGULARES: AA
NIF: ...32
Residência: Rua ..., ...,..., ... ...
Natureza Jurídica: Pessoa singular
Atividade Profissional: desempregado
Estado Civil: divorciado

3. HISTORIAL DO REQUERENTE AA.
O requerente AA encontra-se, atualmente, depois de um período de suspensão da atividade, a relançar a sua atividade agroflorestal e agropecuária, e ainda a desenvolver atividade no âmbito do alojamento local.
Pretende o aqui requerente rentabilizar os imóveis de que é proprietário, designadamente, os prédios urbanos através de contratos de arrendamento e ainda de atividade no âmbito de alojamento mobilado para turistas, e os prédios rústicos através de explorações agroflorestais e agropecuários.
Ademais, o aqui requerente dará continuidade à atividade agropecuária e turística, conjuntamente, com o seu filho, num modelo de negócio familiar. Essa atividade será feita com recorrendo à experiência de toda uma vida do requerente no que à atividade agropecuária diz respeito.
O aqui requerente, conjuntamente, com o seu filho pretendiam iniciar a atividade agropecuária em 2020, ano em que se iniciou a pandemia da COVID19, e que gorou os seus planos para dar início a essa atividade.
A maior parte das dívidas do devedor – leia-se, a esmagadora maioria – são, todas elas, assumidas a título pessoal, por diversas razões, e não resultam de qualquer exercício de atividade económica do próprio. Sendo que muitas das dívidas são resultantes de fianças ou avais, garantidas também por outras pessoas. Aliás, veja-se que o aqui devedor assume responsabilidade solidária, sendo certo que o devedor principal tem pago regularmente os seus créditos, o que facilita o cumprimento do plano.
Nunca foi intenção do devedor o incumprimento das obrigações assumidas perante os seus credores.
O devedor é, assim, pessoa singular com dificuldades em cumprir com as suas responsabilidades, facto que o levou a apresentar-se ao PEAP.
Apesar dos constrangimentos, o devedor procura uma solução que satisfaça as partes envolvidas.
Pese embora todas as dificuldades, a verdade é que o devedor, consciente dos problemas, pretende ver aprovado um plano de pagamentos de forma a evitar a entrada em situação de insolvência;
Ademais, o devedor espera poder obter rendimentos que permitiam cumprir com o plano proposto.

4. PERFIL DE CREDORES E EXPLICITAÇÃO DO PLANO DE PAGAMENTOS PROPOSTO
A presente proposta de Acordo de Pagamentos é da responsabilidade do Devedor e visa regularizar o seu passivo. É apresentada para ser votada pelos credores, no exercício do seu direito de voto.
Assume-se que o pagamento, à custa dos rendimentos presentes provenientes e futuros, aos credores reconhecidos no âmbito do presente Processo Especial para Acordo de Pagamentos é, sem dúvida, a melhor e mais vantajosa solução para todos os envolvidos: Credores e Devedor.
Acredita-se que, com a restruturação e consolidação do passivo agora proposta, o devedor terá condições de recuperar o equilíbrio financeiro.
De acordo com a lista de credores reconhecidos, após as reclamações à mesma, verifica-se o seguinte cenário: (…)

5. O PLANO DE PAGAMENTOS:
Face ao exposto, AA, devedor nos autos à margem referenciados e neles melhor identificados, vem apresentar a sua proposta de planos de pagamentos.
5.1 CRÉDITOS COMUNS E GARANTIDOS
Propõe o pagamento dos créditos reconhecidos de natureza comum e garantida, bem como os créditos sob condição, da seguinte forma:
a) Pagamento de 60% do valor do capital reconhecido;
b) Perdão de 100% dos juros vencidos e vincendos;
c) Perdão de 40% do valor do capital reconhecido;
d) Pagamento do valor de 70% do capital reconhecido, em 150 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira um ano após a homologação do plano de recuperação;

6. PRINCÍPIOS DA IGUALDADE
Nos termos do art. 194º do CIRE, “O Plano obedece ao princípio da igualdade dos credores de insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas”.
Esta norma procura evidenciar o princípio da igualdade traduzido no tratamento por igual do que é igual e do tratamento desigual do que é desigual, considerada a devida proporção da desigualdade.
Tendo em conta o plano de pagamentos ora proposto, verifica-se que todos os credores são tratados de forma igual, não havendo qualquer lugar à derrogação deste princípio – justificada ou não.

7. IMPACTO EXPECTÁVEL COM A IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO DE PAGAMENTOS EM
COMPARAÇÃO COM A SUA AUSÊNCIA
Caso não fosse apresentado o plano de revitalização, apenas seria possível o pagamento aos credores, através da liquidação dos seus ativos que não garantiriam um pagamento integral da dívida.
Neste sentido, o cumprimento do Plano nos exatos termos acima indicados permite atingir os objetivos de renegociação das dívidas da devedora, plano este que, regrado nos termos do disposto nos art.192.º e seguintes do CIRE se torna útil, por exequível, uma vez que permite a satisfação de créditos.
Por conseguinte, a não aprovação do plano e a consequente insolvência, ou seja, a liquidação do ativo será obviamente mais prejudicial à generalidade dos credores, dado que com a venda forçada do ativo dos requerentes o produto da liquidação dificilmente se conseguirá obter um valor próximo do ora proposto.

8. PLANO DE PAGAMENTOS VS. INSOLVÊNCIA – Comparativo.
O cenário de revitalização é mais favorável para todos os credores do que a via da insolvência, uma vez que na insolvência apenas alguns credores receberiam parte do seu crédito e os restantes credores não receberiam qualquer valor.

9. CONCLUSÃO
O requerente, AA, está fortemente empenhado em implementar o cenário de viabilização para que possa reembolsar todos os credores que têm vindo a apoiar o devedor.”
***
IV MÉRITO DO RECURSO.

O processo de insolvência é tido como um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores, ou pela forma prevista num plano de insolvência, ou, quando este se não se mostre possível, pela liquidação do património do devedor insolvente e repartição do produto obtido pelos credores –art.º 1º do DL n.º 53/2004 de 18/3 com as respetivas alterações (CIRE) que sucedeu ao anterior CPEREF.
Nos presentes autos está em causa o mecanismo introduzido pelo DL n.º 79/2017 de 30/6 (PEAP -artºs. 222º-A a 222º-J), que visou criar um regime para as pessoas singulares (e pessoas jurídicas não titulares de empresas) paralelo ao que já existia para as empresas (PER –artºs. 17º-A a 17º-J), que se integra num contexto pré-insolvencial (palavras de Catarina Serra, “Lições de Direito de Insolvência”, 2ª edição, págs. 632 e segs., que aqui vamos de seguida e pontualmente citar). Diz a autora, fazendo a correspondência respetiva, que o PEAP corresponde ao regime do PER antes da alteração que este sofreu por via do mesmo diploma, e por isso inclusive poderemos buscar auxílio da doutrina e jurisprudência sobre o velho PER para melhor e adequada interpretação do atual PEAP.
De facto, na alteração operada no Código da Insolvência e Recuperação de Empresas através do Decreto-Lei n.º 79/2017 de 30/6 foi limitada a aplicação do processo especial de revitalização (PER) às empresas -artºs. 1º, n.º 2, e 17º-A a 17º-J do CIRE-, e, em consequência, foi criado para os devedores não empresariais um processo semelhante denominado processo especial para acordo de pagamentos (PEAP) –artºs. 1º, n.º 3, e 222º-A a 222º-J, do CIRE.
A função do PEAP é, conforme decorre do art.º 222º-A, n.º 1, CIRE, permitir ao devedor que, não sendo uma empresa e se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabeleça negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento.
Assinala-se que a diferença em relação ao PER, além dos destinatários, é que aqui, ao contrário do PER, não se exige que o devedor ainda seja suscetível de recuperação (cfr. art.º 17º-A, n.º 1, CIRE).
Para se apresentar a este mecanismo, elenca a mesma autora sete requisitos: o requerimento de abertura do processo (art.º 222º-C, n.º 3, proémio), uma declaração escrita assinada pelo devedor atestando que cumpre o pressuposto do processo (art.º 222º-A, n.º 2), uma declaração escrita em que o devedor e pelo menos um dos seus credores manifestem a vontade de encetarem negociações conducentes à elaboração de acordos de pagamentos, assinado por todos os declarantes e contendo a data da assinatura (artºs. 222º-C, nºs. 1 e 2, e n.º 3, a)), uma lista de todas as ações de cobrança de dívida pendentes contra o devedor, um comprovativo da sua situação profissional ou, se aplicável, situação de desemprego, e uma cópia de cada um dos documentos elencados nas alíneas a), d) e e) do n.º 1 do art.º 24º (cfr. art.º 222º-c, n.º 3, b)).
O regime em questão foi recentemente objeto de nova alteração através da Lei n.º 9/2022 de 11/01 (que transpõe a Diretiva (UE) 2019/1023, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019).
Não estando em causa os trâmites iniciais do processo, encetadas e concluídas as negociações, e apresentado o plano a votação:
-se o mesmo for aprovado unanimemente por todos os credores, e assinado por todos, é remetido para homologação judicial que pode ser proferida ou recusada –art.º 222º-F, n.º 1;
-igualmente sucede se for aprovado sem unanimidade; contudo, neste caso, o plano enviado pelo AJP é de imediato publicado anúncio no portal Citius advertindo da junção do plano e correndo desde a publicação o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações –art.º 222º-F, n.º 2.
No caso, o plano apresentado foi aprovado mas não por unanimidade, e solicitaram a não homologação os credores “Banco 1..., S.A.”, com base no disposto no n.º 1 al. a) do art.º 216º, e o “Banco 2..., S.A.”, neste caso por entender que o recurso ao PEAP não é admissível quando, como é o caso, o devedor está em situação de insolvência atual e não meramente iminente, para além de obstar à homologação o teor vago do plano apresentado.
À decisão a proferir pelo Tribunal, aplica-se o regime estabelecido para o plano de insolvência –título IX do CIRE- em especial os seus art.ºs 215º e 216º -cfr. art.º 222º-F, n.º 5, do CIRE. Assim sendo, o Tribunal vai decidir se deve ou não homologar o plano, podendo a recusa ser oficiosa ou a requerimento de qualquer interessado.
Note-se que esta argumentação do Banco 2... não está prevista no art.º 216º, n.º 1. Mas isso não invalida que o Tribunal a deva apreciar no âmbito dos seus poderes deveres, como melhor e mais à frente justificaremos.
A não homologação oficiosa –artº. 215º CIRE –terá lugar quando se verifique «violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação».
Regras procedimentais são as que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo. Não está em causa qualquer violação desta natureza (formal).
Normas aplicáveis ao seu conteúdo são as respeitantes à parte dispositiva do plano e também as que fixam os princípios a que o plano deve obedecer imperativamente -Ac. da Rel. de Coimbra de 27/6/2017, citado na sentença recorrida. Trata-se de vícios de natureza material que resultam da violação de regras, normas ou princípios a que o plano deve obediência.
Voltando ao âmbito dos poderes-deveres do Tribunal, vejamos a questão sobre o prisma das condições materiais de procedibilidade (palavras usadas no Ac. da Rel. de Coimbra de 13/11/2018 (processo n.º 1535/17.1T8CBR.C2, www.dgsi.pt).
Essa apreciação remete-nos para a prévia determinação da admissibilidade de recurso ao PEAP, e nomeadamente ao facto de não se exigir aqui a possibilidade de recuperação, o que deve ser melhor densificado.
Para o efeito recorremos às palavras do Ac. desta Relação de 31/3/2022 (processo n.º 805/21.9T8VNF.G2, www.dgsi.pt), que destacamos em itálico para melhor identificação da citação: “Como decorre do art.º 1º do CIRE, actualmente e no domínio do “direito da insolvência” são possíveis duas realidades: a situação pré-insolvencial – que a lei caracteriza, em várias disposições – art.º 1º n.º 2 e 3, 17º - A, n.º 1, art.º 222º Aº, n.º 1 - como situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente – e a situação insolvencial.
E, como decorre do mesmo normativo, a essas situações correspondem vias de reacção diferentes: para a situação pré-insolvencial das empresas, o Processo Especial de Revitalização, cujo regime essencial se encontra nos art.ºs 17º A a 17º J do CIRE; para a situação pré-insolvencial do devedor que não seja empresa, o Processo Especial de Acordo de Pagamento, cujo regime essencial se encontra nos art.ºs 222º A a 222º J do CIRE, ainda que, depois, o mesmo contenha um conjunto de remissões para normas do plano de insolvência; não sendo possível nenhuma delas e verificando-se uma situação de insolvência, a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
A atenção que tem vindo a ser dada, ao longo do tempo e de forma crescente à situação de pré-insolvência decorre, em essência, do entendimento de que a insolvência, com a liquidação do património, importa amplas e dificilmente abarcáveis consequências económicas (mesmo no que respeita às pessoas singulares, pois são consumidores e, assim, o sustentáculo de muitas empresas) e sociais.
Se tais consequências puderem ser evitadas, através da recuperação da empresa ou da superação das dificuldades económicas por parte da pessoa singular (a expressão é de Catarina Serra, Lições de Direito da insolvência, 2ª edição, pág. 321) actuadas numa fase de menor gravidade da situação económico-financeira e, portanto, com potencial de reversibilidade, então deve dar-se primazia a essa actuação. (…)
O âmbito objectivo do PEAP é a situação pré-insolvencial, isto é, uma situação económica difícil ou uma situação de insolvência meramente iminente (a sua análise não releva para o presente recurso) e o âmbito subjectivo é o devedor que não seja empresa. Não porque a situação subsequente seja, necessária e inelutavelmente, a insolvência, mas porque ainda não se verifica essa situação.
E porque assim é e porque o seu âmbito subjectivo não é a empresa, mas o devedor que não seja empresa, em essência pessoas singulares, a filosofia deste instrumento jurídico não é a recuperação, que não é aplicável.
Tanto assim é que há uma diferença essencial entre a referida norma do PEAP e a norma relativa ao PER, concretamente o nº 1 do artigo 17º-A ( sublinhado nosso): “O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordos conducente à sua revitalização.
O PEAP, em consonância com o seu âmbito subjectivo, não exige que o devedor seja susceptível de recuperação (vd. Catarina Serra, in ob. cit., pág. 635), como também não exige que o acordo de pagamento seja conducente à revitalização.
Como refere Catarina Serra in Lições de Direito da Insolvência, 2ª edição, pág. 319 “Associar-se, no Direito da insolvência, a recuperação a pessoas singulares ou humanas quale tale não seria – não é – natural. Em matérias como esta, com relevo jurídico-económico, a função de recuperação pressupõe a existência, não de uma actividade humana qualquer, mas de uma actividade económica, em que a prática continua e organizada de determinados actos pelos sujeitos (a empresa) se autonomiza e [os] transcende.”
E mais adiante (pág. 320) conclui: “A empresa e só a empresa é, portanto, susceptível de recuperação.”
A filosofia subjacente ao PEAP é tentar evitar ou prevenir que sobrevenha a insolvência (Leticia Marques Costa, in A insolvência de pessoas singulares, Almedina, pág. 391 e Luís Menezes Leitão, A Recuperação Económica dos Devedores, Almedina, 2ª edição, 2020, pág. 79), com todas as consequências daí advenientes (ainda que na prática se corra o risco, como em tudo, de o instrumento em referência se poder traduzir “num expediente tendente a atrasar a declaração de insolvência” (Leticia Costa, ob. cit. pág. 419).
E evitar ou prevenir significa criar as condições para que o devedor e os credores negoceiem, de boa fé e de forma equilibrada e tentem chegar a um acordo de pagamento (que, considerado em termos amplos, pode ser através da reorganização do pagamento do passivo e/ou da reconfiguração ou reestruturação do mesmo), que permita ao devedor, com tempo, superar as dificuldades, em vez da pura e simples liquidação do património e permita aos credores a satisfação dos respectivos créditos (o que pode muito bem não suceder se houver uma pura e simples liquidação do património, tudo dependendo do valor dos activos face ao valor dos passivos e da graduação dos créditos).
Mas se o PEAP permite ao devedor obter um acordo de pagamento que evite a insolvência, por outro lado, caso aquele acordo não seja obtido (ou não seja homologado) e o devedor se encontre em situação de insolvência, o mesmo corre o risco de não conseguir evitar a declaração de insolvência.
Assim e á semelhança do que sucede com o PER, os credores desempenham o papel decisivo e fundamental: ou consentem (pelo menos momentaneamente) no sacrifício dos seus direitos e viabilizam o PEAP ou mantêm-se irredutíveis, caso em que o PEAP não é aprovado e o perigo do devedor ser declarado insolvente se precipitará (adaptação do afirmado por Catarina Serra, in Lições de Direito da Insolvência, 2ª edição, pág. 39, com referência ao PER).
Aquele acordo obtém-se ou não conforme a declaração de vontade com relevância jurídica dos credores, que terá a configuração (aprovação ou rejeição) que tiver a maioria das declarações de voto individuais emitidas, ou seja, releva a manifestação de vontade colectiva.
Nesta medida referem Carvalho Fernandes e João Labareda in CIRE Anotado, pág. 783, relativamente ao PER, mas aqui aplicável: “ …não poder deixar de se ponderar o facto de a lei propender a pôs nas mãos dos credores a decisão sobre o destino do processo, e, nessa medida, o tribunal deve mostrar generosidade na sindicância da bondade do por eles deliberado, na ponderação de que ninguém melhor do que os credores saberá o modo de mais adequadamente defender os seus próprios interesses.”
Essa generosidade, contudo, não deve ser “cega”, mesmo que isso coloque em causa a vontade maioritária (mas, ainda assim, não absolutamente soberana) dos credores.
Propendemos por isso para a posição que foi seguida já em 13/11/2018, no Ac. da Relação de Coimbra supra citado, no sentido que, uma interpretação que negasse a apreciação jurisdicional das aludidas condições materiais de procedibilidade tornaria praticamente inútil a proclamação da necessidade desses requisitos – pois então seriam sempre os credores quem maioritariamente sobre ele se pronunciariam ao aprovarem ou rejeitarem o acordo. “Pelo que também não nos repugna admitir como conforme ao pensamento do legislador a possibilidade do controlo jurisdicional da verificação de uma situação económica difícil ou de insolvência iminente – o que implica a exclusão de uma insolvência actual - no devedor que lança mão do PEAP.”
Doutro modo, a negar-se essa apreciação, poderíamos ter situações de manifesto abuso de direito (art.º 334º do C.C.) na utilização deste mecanismo, que, muito embora pudessem passar pelo crivo da maioria dos credores, não devem ser admitidas pelo Tribunal.
E foi também essa a posição seguida no Ac. desta mesma Relação de 1/2/2024 (processo n.º 6036/23.6T8VNF.G1, www.dgsi.pt), em que foi relator precisamente o aqui 1º adjunto, e 2º adjunto o aqui também 2º adjunto. E, citando jurisprudência recente, justificou essa posição desta forma, citada em itálico: “O processo é concluso ao juiz, que, apesar da sua natureza urgentíssima não está desonerado de efetuar um controlo perfunctório sobre se os requisitos formais de abertura de PEAP estão preenchidos (v.g. não foi junta a declaração do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores manifestando ser sua vontade encetarem negociações conducentes à elaboração de acordo de pagamento, ou não foram juntos ao processo os documentos previsto na al. b), do n.º 3, do art. 222º-C) e, bem assim, sobre se estão (ou não) preenchidos os requisitos substantivos de recurso a esse processo, ou se ocorrem factos impeditivos do requerente recorrer àquele. Impondo-se que o julgador convide o requerente a suprir as exceções e as omissões formais que sejam sanáveis e que indefira liminarmente o requerimento inicial quando conclua pela manifesta inviabilidade da ação, posto que não é concebível que o juiz (que tem de proferir o despacho nomeando ao requerente administrador judicial provisório para que o processo prossiga os seus legais termos) tivesse de proferir despacho de prosseguimento do PEAP, pondo em movimento a máquina judiciária, quando seja ostensivo não estarem reunidos os pressupostos do recurso ao PEAP[9].
Neste sentido expende Catarina Serra que sempre que ocorrem de forma ostensiva factos impeditivos do direito de usar ou recorrer ao PEAP, ou quando “existe desrespeito manifesto do pressuposto de abertura” desse processo (a pré-insolvência), impõe-se a rejeição liminar do requerimento inicial, porquanto “nunca o valor (formal) da celeridade poderá prevalecer sobre os valores substanciais do processo e prejudicar a observância dos princípios e das regras que os consagram”, adiantando que “não se compreenderia que, com a “conivência” do juiz, um processo pré-insolvencial fosse utilizado em casos  em que, manifestamente” o requerente “não está pré-insolvente (não está ainda pré-insolvente ou, pior, já está insolvente)”. Depois, “a ausência de um prazo legal definido representa, de certa forma, a transferência para o juiz do poder/dever de decidir a duração das diligências dependendo das necessidades concretas. O tempo a dedicar à atividade jurisdicional deve ser aquela que o juiz considere, em cada caso, razoável e adequado, ou seja, aquele que, pese embora a exigência de celeridade, seja o necessário à realização dos fins do processo (“de imediato” como sinónimo de “tão imediatamente quanto possível”). O juiz não terá, com certeza, no PER” (e no PEAP), a possibilidade de empreender uma atividade exaustiva ou sistemática de apreciação dos respetivos pressupostos. Mas também não é isso que se pretende, sob pena de desequilíbrio na direção oposta, ou seja, de uma absoluta desconsideração da celeridade e de outros vetores formais do processo. O dever do juiz é, tão-somente, o de “honrar” a existência de pressupostos, esforçando-se por verificá-los, especialmente quando vêm ao seu conhecimento factos que indicam que eles não se verificam, e de se recusar a pôr em movimento a máquina judiciária sempre que conclua, sem margem para dúvidas, pela sua falta” (sublinhado nosso)[10].  
E no sentido de que o juiz deve indeferir liminarmente o requerimento inicial com que o devedor instaura o PEAP quando da sua alegação ou dos documentos e declarações obrigatórias resultar, de forma clara e manifesta, a situação de insolvência atual do requerente, se tem pronunciado a jurisprudência nacional[11].
Posto isto, conforme antedito, nos termos do art. 222º-A, n.º 1 são requisitos substantivos de recurso ao PEAP que o requerente se encontre numa situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente.”
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Assim sendo, e face aos factos expostos, teremos de averiguar se os mesmos apontam para uma insolvência actual dos devedores, conforme refere o “Banco 2..., S.A.”, e, nesse caso, ao contrário do pretendido pelo recorrente, deve manter-se a decisão de não homologação do plano, por não se verificarem as aludidas condições materiais de instauração do PEAP.
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E para esse efeito, recorremos novamente ao último acórdão citado, por nele nos revermos, para distinguir a situação de insolvência atual da meramente iminente, e ainda da situação económica difícil; o art.º 222º-A, n.º 1, elenca como requisitos substantivos de recurso ao PEAP que o requerente se encontre numa situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente.
“A noção de “situação económica difícil” consta do art. 222º-B, em que se dispõe que: “Para efeitos do presente processo, encontra-se em situação económica difícil o devedor que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito”.
Por sua vez, embora o CIRE não defina o que se entende por “insolvência iminente”, do conceito de insolvência constante do art. 3º, n.º 1 – “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”-, dir-se-á que é iminente a insolvência em que o devedor ainda não atingiu um estado de insolvência atual por não se encontrar impossibilidade de cumprir com a maior parte, ou seja, a maioria das suas obrigações vencidas, por essa situação de impossibilidade caracterizar já o estado de insolvência atual.
Logo, encontra-se em situação de insolvência iminente o devedor que, por falta de liquidez, ainda não se encontra numa situação impeditiva de cumprir com a generalidade (isto é, a maioria ou a maior parte) das suas obrigações vencidas, embora, de acordo com um juízo de prognose objetivo, se anteveja, com elevado grau de probabilidade, que se nada for feito, atento o normal fluir das coisas, face à situação concreta em que se encontra, este irá atingir esse estado de insolvência atual, ficando impossibilitado de cumprir com a maior parte das suas obrigações vencidas por falta de liquidez.
Dito por outras palavras, “a iminência da insolvência caracteriza-se pela ocorrência de circunstâncias que, não tendo ainda conduzido ao incumprimento em condições de poder considerar-se a situação de insolvência já atual, com toda a probabilidade a vão determinar a curto prazo, exatamente pela insuficiência do ativo líquido e disponível para satisfazer o passivo exigível. Haverá, pois, que levar em conta a expectativa do homem médio face à evolução normal da situação do devedor, de acordo com os factos conhecidos e na eventualidade de nada acontecer de incomum que altere o curso dos acontecimentos”[12] (destacado nosso).
Ou, conforme observa Alexandre Soveral Martins, o estado do devedor de insolvência iminente pressupõe uma “ameaça” daquele ficar insolvente. “Mas não basta um medo ou pavor por parte do devedor. É preciso que se trata de uma probabilidade objetiva. Daí que seja necessário efetuar um juízo de prognose, que pode ser auxiliado pela elaboração de um estudo sobre a liquidez do devedor. Será preciso averiguar qual a probabilidade de o devedor não pagar as obrigações vencidas e as obrigações atuais não vencidas quando estas se vencerem. Se for mais provável que isso venha a acontecer do que a hipótese contrária, há insolvência iminente. Isto, evidentemente, se a insolvência de que se trata é a prevista no art. 3º, n.º 1: está iminente a impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas”[13].
Na mesmo linha do que se vem expendendo Pestana de Vasconcelos refere que “o núcleo da distinção” entre a situação económica difícil e a situação de insolvência iminente passa pelo seguinte: respetivamente, “num caso o devedor terá dificuldade séria para cumprir, não sendo, ainda assim previsível, que venha a incumprir, enquanto no outro, pelo contrário, é já previsível que se venha a verificar esse incumprimento”[14].”
“A impossibilidade de cumprimento é que verdadeiramente caracteriza a insolvência. Esta impossibilidade de cumprimento não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas, relevando para a insolvência a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto passivo do devedor, ou pelas circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.” – Carvalho Fernandes e Fernandes Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, vol. I, págs. 70 e 71, face ao art.º 3º, n.º 1, CIRE.
Catarina Serra (“Lições de Direito da Insolvência”, págs. 55 a 58) diz que: “A insolvência é definida na lei como a impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações vencidas (art. 3º, n.º 1)”; “A única exigência legal para que se verifique a insolvência é que haja uma ou mais obrigações vencidas. Pode, portanto, tal impossibilidade revelar-se quando o devedor está meramente constituído em mora e não havendo incumprimento em sentido próprio (incumprimento definitivo”; “A insolvência no sentido referido (impossibilidade de cumprir) não coincide necessariamente com – e por isso não significa – uma situação patrimonial líquida negativa (superioridade do passivo face ao ativo). Com efeito, pode muito bem verificar-se a primeira sem se verificar a segunda: não obstante ser titular de um património sólido e abundante, o devedor vê-se impossibilitado de cumprir por faltar liquidez. E pode verificar-se a segunda sem se verificar a primeira: não obstante não ter património suficiente para cumprir as obrigações, o devedor mantém a capacidade de cumprir por via do crédito que lhe é disponibilizado. A lei reserva, contudo, para certas entidades, uma disciplina especial. De acordo com a norma do art. 3º, n.º 2, as pessoas jurídicas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responde pessoal e ilimitadamente devem também ser considerados insolventes sempre que estejam numa situação de superioridade manifesta do passivo sobre o ativo, avaliados estes segundo as normas contabilísticas aplicáveis”.
A insolvência iminente é uma situação que acresce à da impossibilidade de cumprir, demonstrador do estado de insolvência. Destaca Catarina Serra (agora a págs. 60) que a doutrina e a jurisprudência generalizaram tal conceito como correspondendo à situação em que é possível prever/antever que o devedor estará impossibilitado de cumprir as suas obrigações num futuro próximo, designadamente quando se vencerem essas obrigações.
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Aplicando aos factos, neste caso em apreço, o recorrente tem dívidas no montante de € 501.058,10, constando como créditos de natureza garantida o montante de € 301.519,48 e os restantes de natureza comum e sob condição, de acordo com a relação de créditos apresentada; essa situação remonta pelo menos a 2014.
O recorrente não apresenta qualquer rendimento.
Ora, o recorrente apenas apresenta um quadro de intenções de (re)iniciar uma atividade, sem esclarecer como, nomeadamente através de que meios. A atividade agropecuária e agroflorestal e o alojamento local exigem certamente um investimento inicial, mínimo que seja, situação que o recorrente não concretiza. Como igualmente não se percebe qual (quais) o prédio que pretende afetar a tais atividades. Não sabemos se o seu património imobiliário, que está onerado e ou em venda executiva, tem condições para esse desenvolvimento.
O plano apresentado é absolutamente vago, para não dizer omisso, relativamente ao modo como o recorrente conseguirá obter rendimento para cumprir o plano que apresenta. Não diz nomeadamente, e o quadro factual induz o contrário, que possa obter crédito.
Não podemos perante isso de deixar de concluir que o recorrente está verdadeiramente numa situação de falta de liquidez e de impossibilidade de a ultrapassar de modo a que possa vir a satisfazer a generalidade das suas obrigações já vencidas. E essa é a caracterização da situação de insolvência atual, inultrapassável.
Assim sendo, tal como se concluiu no Acórdão que vimos seguindo, verifica-se manifesta inviabilidade da pretensão formulada, o que, nesta fase do processo deve conduzir à não homologação do plano apresentado.
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Esta apreciação, que vai ao encontro dos argumentos apresentados pelo “Banco 2..., S.A.” (mas que sempre se imporia apreciar oficiosamente), torna inútil a apreciação da base de sustentação do “Banco 1..., S.A.” (concretamente se a sua posição ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano).
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Apreciando mais em concreto as alegações de recurso, diremos ainda que, em primeiro lugar, ao contrário do que defende o recorrente, entendemos que compete ao juiz apreciar esta matéria, não cometendo qualquer excesso de pronúncia (e afastando qualquer nulidade que, embora sem referência expressa, se pretendesse assacar à decisão ao abrigo do art.º 615º, n.º 1, C.P.C.. nomeadamente alínea d) do mesmo). Em segundo lugar, e por isso mesmo, não está em causa a violação da autonomia e vontade das partes, ou da segurança e certeza jurídicas, precisamente porque tal não se pode sobrepor à própria lei. Como não há em caso algum um exercício abusivo de direito por parte do Tribunal: os Tribunais aplicam a lei, definem e executam direitos, com obediência á Constituição da República Portuguesa.
Não há violação do princípio da igualdade nem se beneficiam dois credores minoritários (que votaram contra o plano) em detrimento dos restantes; a lei não impõe a homologação cega do plano aprovado pela maioria, como vimos.
O princípio da igualdade e o seu respeito impõe-se no que respeita ao conteúdo do próprio plano em face dos vários credores, matéria cuja apreciação não abrangemos nesta situação.
Por último, apenas de referir que as anteriores decisões proferidas pelo Tribunal a quo foram anuladas, pelo que nada impede a “revisão” da posição então tomada.
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Resta pois concluir pelo acerto do decidido na sentença recorrida, improcedendo o recurso interposto.
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V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negar provimento à apelação e manter a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente (artº. 527º, nºs. 1 e 2, C.P.C.).
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Guimarães, 19 de setembro de 2024.
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Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: José Alberto Moreira Dias
2º Adjunto: Fernando Barroso Cabanelas
(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)