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INDEFERIMENTO DE MEIOS DE PROVA
OFÍCIO AO BANCO DE PORTUGAL
DOCUMENTAÇÃO BANCÁRIA
AUTORIZAÇÃO DO TITULAR DA CONTA
INCIDENTE DE QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO
Sumário
I- Só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito da decisão é geradora da nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil, não ocorrendo tal vício nas situações de mera deficiência, insuficiência ou mediocridade de fundamentação. II- A nossa lei adjetiva confere ao juiz a possibilidade de ordenar todas as diligências que considere necessárias para a descoberta da verdade, devendo, assim, o tribunal diligenciar pela obtenção de prova que às partes não seja possível alcançar ou que até lhes esteja vedado. III- A solicitação de prestação de informações pelo Banco de Portugal é de admitir dentro do direito à prova, não se divisando razão válida para o tribunal indeferir pretensão formulada com esse desiderato quando as partes não tenham forma de obter a informação em causa de outro modo. IV- Já quanto à solicitação de prestação de informações bancárias dirigida a outras entidades bancárias (Banco 1... e Banco 2...) haverá que ter em conta o regime contemplado nos artigos 78º e 79º do DL nº 298/92, de 28.12, isto é, haverá que, em primeira linha, obter autorização do titular da conta para a revelação dos elementos submetidos a segredo bancário e somente na hipótese de inviabilidade de obtenção da mesma terá, então, o tribunal, caso essas informações se revelem imprescindíveis para a descoberta da verdade, de solicitar a “quebra” desse sigilo através do competente incidente nos moldes previstos no artigo 135º do Cód. Processo Penal ex vi do art. 417º, nº 4 do Código de Processo Civil.
Texto Integral
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO
Por apenso à ação de divórcio que declarou dissolvido o casamento celebrado entre AA e BB, veio a primeira intentar contra o segundo o presente processo de inventário facultativo requerendo a partilha dos bens comuns que constituem o acervo do ex-casal.
Foi nomeado cabeça de casal o requerido BB.
Os autos prosseguiram os seus termos tendo sido proferido despacho, em 20.10.2023, com o seguinte teor:
“Além da documentação bancária já trazida pelos interessados, estes pretendem que o tribunal providencie pela recolha de outra junto dos bancos. A tarefa cabe aos interessados, especialmente ao cc. Não se atende ao solicitado a este propósito. Para audição do cc designamos o dia 6 de Novembro pelas 09:10 horas.”
Esse despacho foi notificado às partes, vindo a requerente interpor recurso de apelação apresentando as respetivas alegações a 10.11.2023.
Conclusos os autos foi proferido o seguinte despacho datado de 7.12.2023:
“AA pretende recorrer do despacho que não atendeu à recolha de nova informação bancária, com a explicação de que a tarefa cabe aos interessados. A decisão não enferma de nulidade. E da mesma não cabe apelação autónoma (art. 1123º CPC). Não admitimos o recurso. Custas pela A.”.
Não se conformando com esse despacho de não admissão do recurso, veio a requerente dele reclamar, ao abrigo do preceituado no art. 643º do Código de Processo Civil, para este Tribunal da Relação.
A reclamação foi julgada procedente, admitindo-se o recurso interposto pela requerente/reclamante.
No recurso que apresentou, a requerente terminou formulando as seguintes
CONCLUSÕES
1. Em sede de reclamação à relação de bens, a ora recorrente requereu, além do mais, que o tribunal se dignasse ordenar oficiar ao BANCO DE PORTUGAL se, à data da separação existiam outras contas bancárias, e ainda ao Banco 2... E Banco 1... para que venha informar os números das contas bancárias e saldos existentes à data da separação do casal, ou seja ../../2021, que, por beneficiar a Requerente de apoio judiciário, não tem condições económicas para suportar a despesa dos extratos bancários, tudo, para a descoberta da verdade nos termos legais; a notificação do Banco 2... para que venha informar o valor da dívida indicada na VERBA UM do PASSIVO do extinto casal mais próximo da data da partilha, como tem sido jurisprudência; notificar o Banco que o Cabeça de Casal indicar relativamente à VERBA UM DO PASSIVO, qual o número e que valor e periodicidade têm tais prestações, para que a Requerente possa pronunciar-se em conformidade. 2. Perante tal requerimento o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: “Além, da documentação bancária já trazida pelos interessados, estes pretendem que o tribunal providencie pela recolha de outra junto dos bancos. A tarefa cabe aos interessados, especialmente ao cc. Não se atende ao solicitado a este propósito.”. 3. O referido despacho está ferido da nulidade de falta de fundamentação prevista no art. 615º, n.º 1, al b) do CPC. 4. Não fundamentou o tribunal porque não satisfez a pretensão, perante a impossibilidade apresentada pelos interessados. 5. Inexistem fundamentos de facto e de direito para suportar a decisão. 6. A interessada não tem ao seu alcance a produção de prova, por um lado porque não dispõe de condições económicas e por outro porque não tem legitimidade. 7. Também o cc requereu que fossem solicitadas aos bancos pelo tribunal, o que aqueles não fornecem ao mesmo “ao balcão”, como pode verificar-se no ponto do requerimento datado de 13.04.2023. 8. Não se concebe que o tribunal impeça a concretização de uma partilha justa e equitativa corroborada de todos os elementos necessários requerida por ambos os interessados. 9. Bem demonstrativos de que, pelo princípio da descoberta da verdade, da proteção das partes e do primado da justiça material sobre a formal, deveria o tribunal atender a todos os meios de prova ao seu alcance. 10. O rigor formalista não deve prevalecer sobre a busca da solução justa da causa e muito menos poderá consubstanciar violação do princípio do contraditório art. 410° do CPC. 11. Não pode ser cerceada a oportunidade dos ex-cônjuges de conhecer, com exactidão, os bens em partilha, recorrendo a todos os meios de prova que entendam essenciais ao exercício desse direito, neste caso meio probatório fundamental, sob pena de ilegal afronta ao constitucionalmente consagrado no art. 20° da CRP. 12. Está atribuído ao juiz a possibilidade de ordenar todas as diligências que considere necessárias para a descoberta da verdade. 13. Sendo que, a douta decisão de que se recorre, encontra-se eivada de manifesto erro decisório, na medida em que, contrariamente ao nele vertido, o tribunal deve diligenciar pela obtenção de prova que às partes não seja possível alcançar ou que até lhes esteja vedado. 14. O processo de inventário, destinado à partilha dos bens comuns do casal, pressupõe a sua repartição equitativa e, em princípio, nele devem ser decididas todas as questões que respeitem à partilha. 15. Questões que podem influir a partilha foram desprezadas pelo tribunal a quo. 16. Violou o tribunal a quo, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 7º, 410º, 1345º e 1353º do CPC, bem como violou por não ter aplicado o prescrito pelos arts. 487º, nº 2 e 3, do CPC e 20º da CRP e o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro. 17. Pelo que, deve ser dado provimento ao recurso interposto, revogando-se o despacho proferido pelo tribunal a quo, substituindo-se por outro que determine ordenar oficiar ao BANCO DE PORTUGAL se, à data da separação existiam outras contas bancárias, e ainda ao Banco 2... E Banco 1... para que venha informar os números das contas bancárias e saldos existentes à data da separação do casal, ou seja ../../2021 e 29.03.2022 (data dos efeitos patrimoniais do divórcio) que, por beneficiar a Requerente de apoio judiciário, não tem condições económicas para suportar a despesa dos extratos bancários, tudo, para a descoberta da verdade nos termos legais; bem como a notificação do Banco 2... para que venha informar o valor da dívida indicada na VERBA UM do PASSIVO do extinto casal mais próximo da data da partilha, como tem sido jurisprudência; e ainda notificar o Banco que o Cabeça de Casal indicar relativamente à VERBA UM DO PASSIVO, qual o número e que valor e periodicidade têm tais prestações, para que a Requerente possa pronunciar-se em conformidade.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Neste Tribunal da Relação, a relatora proferiu decisão individual, que julgou a apelação parcialmente procedente, tendo revogado parcialmente o despacho recorrido, determinando a sua substituição por outro que determine se oficie ao Banco de Portugal se, à data da separação, existiam outras contas bancárias na titularidade dos ex-cônjuges, mantendo consequentemente em parte a decisão recorrida.
Inconformada com essa decisão singular, veio agora a recorrente apresentar a presente reclamação para a conferência requerendo que seja proferido acórdão sobre a matéria da decisão.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, as questões solvendas traduzem-se em saber se:
. O despacho em crise está ferido da nulidade de falta de fundamentação prevista no art. 615º, n.º 1, al b);
. deve, ou não, o tribunal oficiar ao BANCO DE PORTUGAL para se apurar se à data da separação existiam outras contas bancárias da titularidade dos ex-cônjuges;
. deve, ou não, o tribunal oficiar ao Banco 2... E Banco 1... para que venha informar os números das contas bancárias e saldos existentes à data da separação do casal;
. deve ou não o Tribunal determinar a notificação do Banco 2... para que venha informar o valor da dívida indicada na VERBA UM do PASSIVO do extinto casal mais próximo da data da partilha;
. deve ou não o Tribunal determinar a notificação do Banco que o Cabeça de Casal indicar relativamente à VERBA UM DO PASSIVO, qual o número e que valor e periodicidade têm tais prestações, para que a Requerente possa pronunciar-se em conformidade.
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III. FUNDAMENTOS DE FACTO
A materialidade a atender para efeito de apreciação do objeto do presente recurso é a que dimana do antecedente relatório.
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IV. FUNDAMENTOS DE DIREITO
A recorrente insurge-se contra a decisão sumária que desatendeu em parte a apelação por si interposta, sustentando que não estaria verificado o condicionalismo para ser proferida decisão singular, decisão essa que “se encontra ferida de nulidade e de erro de julgamento porque decide não conceder razão à ora reclamante no que tange à invocada nulidade de falta de fundamentação prevista no art. 615º, n.º 1, al b) e indeferiu as pretensões por si formuladas de o tribunal oficiar ao Banco 2... E Banco 1... para que venha informar os números das contas bancárias e saldos existentes à data da separação do casal; determinar a notificação do Banco 2... para que venha informar o valor da dívida indicada na VERBA UM do PASSIVO do extinto casal mais próximo da data da partilha e ainda de determinar a notificação do Banco que o Cabeça de Casal indicar relativamente à VERBA UM DO PASSIVO, qual o número e que valor e periodicidade têm tais prestações, para que a Requerente possa pronunciar-se em conformidade”.
Começando pelo primeiro ponto de discórdia, argumenta a recorrente que na decisão sumária não se fundamenta a sua simplicidade porque se aprecia de mérito e se declara, ao contrário da decisão recorrida em que foi julgado o seu indeferimento, parcialmente procedente. Mais é dito que se verifica violação da lei, na ausência de fundamentação e enquadramento legal que sustente a decisão singular. Quid iuris?
Para a resolução desta concreta questão importa desde logo chamar à colação o disposto nos arts. 652º, nº 1, al. c) e 656º. O primeiro desses normativos, com a epígrafe “Função do relator” estabelece o elenco de funções que são atribuídas ao juiz a quem o processo foi distribuído, delas constando, entre outras, a contemplada na al. c) do nº 1, ou seja, “julgar sumariamente o objeto do recurso nos termos previstos no art. 656º”. Por sua vez, o segundo dos normativos referidos, com a epígrafe “Decisão liminar do objeto do recurso” preceitua que “Quando o relator entender que a questão a decidir é simples, designadamente por ter já sido jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente infundado, profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para as precedentes decisões, de que se juntará cópia.”
E efetivamente foi o que aconteceu nos autos. O Juiz relator da decisão sumária fazendo uso do preceituado em tais normativos legais, por considerar que a questão a decidir se revela simples, passou a proferir decisão sumária.
Com efeito, contrariamente ao alegado pela recorrente, as situações contidas na previsão do art. 656º não se limitam apenas às que a mesma catalogou no requerimento a solicitar a conferência. Na verdade, as expressões empregues para delimitar o campo de intervenção individual do relator sobre o mérito do recurso revelam a sua natureza exemplificativa, justificando-se a decisão individual quando a questão seja rodeada de simplicidade na resposta, perspetivada pelo confronto com o ordenamento jurídico, pela frequência com que a mesma questão tem sido decidida em determinado sentido, pela resposta uniforme ou reiterada da jurisprudência ou pela verificação de que o recurso é manifestamente infundado[2].
Como quer que seja, tendo-se em consideração que as partes podem reclamar, com ou sem fundamento[3], para a conferência, acaba por ser inócua a discussão sobre a verificação dos pressupostos que habilitam o relator a proferir decisão sumária[4].
Destarte, nada mais nos cumpre referir a propósito.
Já no concernente às questões que foram objeto de apreciação nessa decisão, importa, antes de mais, recuperar as considerações nela vertidas quanto à apreciação e resolução das impetradas questões da “nulidade da decisão” e “da obtenção das informações ao Banco de Portugal” impondo-se, contudo, a alteração do decidido quanto à solicitação de informações às demais instituições bancárias, refazendo-se, pois, o decidido na decisão sumária nos seguintes moldes: a) Da nulidade da decisão
Nas suas alegações recursórias a apelante começa por imputar ao despacho recorrido o vício de nulidade previsto na alínea b) do nº 1 do art. 615º (aplicável aos despachos por mor do nº 3 do art. 613º), onde se dispõe que “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Como refere TEIXEIRA DE SOUSA[5], esta causa de nulidade verifica-se “quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, CRP; art. 158º, n.º 1)”. E, acrescenta o mesmo autor, “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”.
No mesmo sentido militam ainda LEBRE DE FREITAS et alii[6]quando afirmam que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”.
Neste conspecto mostram-se, como sempre, proficientes as considerações de ALBERTO DOS REIS[7] para quem “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade (…). Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do art. 668° [a que corresponde a atual al. b) do nº 1 do art. 615º]”.
Deste modo, face à doutrina exposta, conclui-se que a nulidade da sentença/despacho com o aludido fundamento não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão.
Assim, procedendo à análise do ato decisório sob censura, não se antolha em que medida o mesmo enferme do apontado vício, posto que nele o juiz o quo revelou, ainda que de forma deficitária, as razões que o conduziram a indeferir a concreta pretensão que aquela formulou no sentido de ser solicitado as informações bancárias reputadas essenciais para a boa decisão da causa, sustentando que “a tarefa cabe aos interessados, especialmente ao cc”. Consequentemente o despacho recorrido não pode ser havido por não motivado no sentido supra considerado, não incorrendo, pois, no vício de falta de fundamentação.
b) Do mérito do recurso
Pretende a apelante por via do presente recurso que o Tribunal solicite determinadas informações ao Banco de Portugal e a outras entidades bancárias que se mostram identificadas no requerimento que apresentou nos autos de inventário, cuja pretensão foi rejeitada pelo despacho recorrido, pugnando que a mesma seja admitida nos termos por si requeridos.
Tal como a questão se mostra equacionada tudo se resume em saber se as aludidas informações estão ao alcance de serem obtidas por qualquer das partes e se as mesmas são importantes para a boa decisão da causa, ou seja, para a concretização de uma partilha justa e equitativa.
Efetivamente, e para o que ora importa, a recolha e junção aos autos das aludidas informações constitui meio de obtenção de prova subordinado às disposições gerais sobre a instrução do processo a que se referem os artigos 410º a 415º.
Deste modo, só podem ser requeridos quanto a factos necessitados de prova, ou seja, importa que os mesmos tenham potencial relevância para prova de factos objeto do litígio e, por consequência, da instrução da causa, sendo nesse caso irrelevante que tenham ou não emanado da parte que devia produzir tais meios de prova, por via do princípio da aquisição processual consagrado no artigo 413º.
Assim sendo, poderá afirmar-se sinteticamente que devem ser admitidos os meios de recolha de prova requeridos pelas partes que se apresentem como podendo ter relevância para o apuramento da verdade e a justa composição do litígio que, no caso vertente tem como objeto a partilha dos bens comuns do “ex-casal”, sendo que importa apreciar se o acervo patrimonial do “ex-casal” é ou não composto por ativos existentes em “supostas” contas bancárias referidas.
Como é sabido, a nossa lei adjetiva confere ao juiz a possibilidade de ordenar todas as diligências que considere necessárias para a descoberta da verdade, devendo, assim, o tribunal diligenciar pela obtenção de prova que às partes não seja possível alcançar ou que até lhes esteja vedado. Tal se extrai dos princípios da descoberta da verdade, da proteção das partes e do primado da justiça material sobre a formal e bem assim do princípio da cooperação (cfr. arts. 7º, 410º, 411º, 436º, 487º, nº 2 e 3).
Deverá, pois, o tribunal atender a todos os meios de prova ao seu alcance com vista à concretização de uma partilha justa e equitativa, implicando tal o conhecimento, com exatidão, dos bens comuns a partilhar.
Isto posto, no caso vertente haverá que estabelecer uma distinção entre a solicitação direcionada ao Banco de Portugal e a solicitação de prestação de informações bancárias dirigida ao Banco 1... e Banco 2.... É que se relativamente à primeira solicitação a requerente não tem forma de obter a informação em causa de outro modo, já no concernente às segundas haverá que ter em conta o regime contemplado nos arts. 78º e 79º do DL nº 298/92, de 28.12, isto é, haverá que, em primeira linha, obter autorização do titular da conta para a revelação dos elementos submetidos a sigilo bancário e somente na hipótese de inviabilidade de obtenção da mesma terá, então, o tribunal que solicitar a “quebra” desse sigilo através do competente incidente nos moldes previstos no art. 135º do Cód. Processo Penal ex vi do art. 417º, nº 4 do Cód. Processo Civil.
Balizado, deste modo, o objeto do presente recurso, cumpre, assim, determinar se deve ou não ser solicitado ao Banco de Portugal e às mencionadas instituições de crédito a prestação das informações impetradas.
Como se viu, o decisor de 1ª instância respondeu negativamente a essa questão, considerando que a requerente pode obter por si as informações em causa.
Não lhe assiste, contudo, razão, posto que a requerente não detém legitimidade para esse efeito.
Portanto, para o deferimento da pretensão recursiva, resta apreciar se as informações a prestar pelas referidas entidades revestem, na economia do processo, relevância para a decisão das concretas questões a solucionar no seu âmbito.
Assim sendo, tendo presente o objeto do litígio, como se afere então a referida relevância dos meios de obtenção de prova?
Evidentemente que a mesma só pode aferir-se pela possibilidade de o requerido meio de obtenção de prova relevar para a formação da convicção do julgador relativamente aos factos que careçam de prova.
Ora, quando não estejam admitidos por acordo ou estejam sujeitos a prova vinculada, carecem de instrução todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, e não apenas aos factos que suportam a solução da questão de direito que o juiz considera aplicável, já que são estes que o julgador deve ter em consideração quando fixa os temas de prova e mormente quando fixa a matéria de facto na sentença, devendo fazê-lo, como se salienta no acórdão do STJ de 22.04.2015[8]5, por forma a possibilitar «a ulterior e ampla discussão da matéria de facto, de modo a que seja viável encontrar a solução de direito que decida com justiça, sem condicionar o debate a uma única perspetiva da questão de direito - que, afinal, pode nem ser a adequada -, mas a outras que se mostrem legalmente possíveis».
Deste modo, tal e qual acontecia no regime de pretérito, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, com exceção daquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Porém, não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, a não ser que a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras – cfr. artigo 608.º, n.º 2, questões essas que, nos termos da lei adjetiva, são os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, concernentes ao pedido, à causa de pedir e às exceções.
Efetuamos este enquadramento para significar que o juiz não tem que responder aos «temas de prova», mas aos pontos de facto que consubstanciam o direito invocado, ou as exceções deduzidas, daí que, para os efeitos do presente recurso entendamos não ser de limitar a apreciação aos temas da prova enunciados, mas aos factos necessitados de prova a que alude a parte final do artigo 410º.
Acresce que, neste domínio, se terá de ter em consideração as imposições vertidas na Lei Fundamental, em particular no nº 4 do seu artigo 20º, de onde emerge que o direito a um processo equitativo, envolve a opção por um processo justo em cada uma das suas fases, constituindo o direito fundamental à prova uma das dimensões em que aquele se concretiza. O direito à prova emana da necessidade de se garantir ao cidadão a adequada participação no processo e de assegurar a capacidade de influenciar o conteúdo da decisão.
De facto, como se sublinha no acórdão do Tribunal Constitucional de 11.11.2008, “o direito à tutela jurisdicional efetiva para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, genericamente proclamado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, implica um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras”.
O direito à prova significa, assim, que as partes conflituantes, por via de ação e da defesa, têm o direito a utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal. As partes têm ainda o direito a contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal bem como o direito à contraprova, sendo certo que, na prática, as partes têm sempre interesse em produzir provas, seja em relação aos factos que lhe são favoráveis, seja quanto à inexistência dos factos que a podem prejudicar (contraprova ou prova contrária). E se é verdade que o ónus da contraprova só surge quando o onerado com a contraprova tenha feito prova bastante (prova livre ou não plena), cabendo então à parte contrária fazer prova que crie no espírito do juiz dúvida ou incerteza acerca do facto questionado, as restrições impostas ao momento até ao qual cada uma das partes pode apresentar a sua prova/contraprova, levam a que parte não onerada com a prova de um facto não possa ficar à espera que a contraparte faça, ou não, a prova de tal facto, para aí e só então, em caso afirmativo, apresentar a sua contraprova.
Ora, postos estes breves considerandos, não vemos que a prestação das pretendidas informações pelas mencionadas entidades não seja de admitir dentro do referido direito à prova, não se divisando razão válida para o tribunal a quo indeferir a produção desse meio de obtenção de prova tendo em conta a sua finalidade e em particular a materialidade que visa demonstrar – a existência de contas bancárias onde hajam ativos que integrem o acervo a partilhar.
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Na sequência do supra exposto tal implica que deve ser deferido in totum o pedido formulado pela requerente no sentido de que, quer o Banco de Portugal, quer as instituições bancárias mencionadas nesse requerimento, prestem as informações aí solicitadas, cumprindo, no entanto, a respeito destas últimas, ter-se em consideração o que acima se expôs quanto à forma de obtenção das informações em causa.
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V. DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em atender a reclamação, alterando-se a decisão singular nos moldes supra expostos, revogando-se na totalidade a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 19.09.2024
Relatora: Maria Gorete Morais
1ª Adjunto Des. José Alberto Martins Moreira Dias
2ª Adjunto Des. Fernando Manuel Barroso Cabanelas
[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem. [2] Cfr., por todos, Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 5ª ed., págs. 268-271). [3] Cfr., por todos, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, nota 9 ao art. 652º do Código de Processo Civil Anotado, Vol. I (Parte Geral e Processo de Declaração, Artigos 1º a 702º), 2ª ed., pag. 816. [4] Cfr., por todos, Ac. STJ 11-12-14, 1904/11. [5] In Estudos sobre o Processo Civil, pág. 220 e seguinte [6] In Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 297; em análogo sentido, RODRIGUES BASTOS (in Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 194), ressaltando que «a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afeta o valor legal da sentença». [7] In Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140. [8] Prolatado no processo nº 568/12.9TVLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.