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CONSIGNAÇÃO EM DEPÓSITO
MORA DO CREDOR
DEVERES DE CONDUTA
Sumário
I - Como não se exige culpa do credor para que este se constitua em mora, quando este se recusa a receber a prestação do devedor, alegando um motivo que ulteriormente se veio a verificar ser injustificado - ainda que o credor o tivesse por justificado ou legítimo - a recusa não é aceitável e constituiu o demandante em mora accipiendi, já que o motivo justificado ou legítimo da recusa tem de se verificar efectivamente. II – Quando a lei, no art.º 813º, do CC, fala na falta dos actos necessários ao cumprimento da obrigação, apenas se quer referir àqueles cuja prática incumbe ao credor, não, positivamente, àqueles que o obrigado deva praticar. III -Essa colaboração exigida ao credor assenta em deveres de conduta que não respeitando directamente, nem à perfeição, nem à perfeita (correcta) realização da prestação debitória (principal), interessam todavia ao regular desenvolvimento da relação obrigacional, nos termos em que ela deve processar-se entre os contraentes que agem honestamente e de boa fé nas suas relações recíprocas.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. Relatório Banco 1...
intentou, por apenso ao processo (acção declarativa) que corre termos com o nº 4202/17...., o presente processo especial de consignação em depósito contra EMP01..., Lda.
Alegou, em síntese, que, por acórdão do STJ proferido em 14.09.2023 e já transitado em julgado, foi condenada a pagar à requerida a quantia de € 400.000, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data dessa mesma decisão até ao seu efectivo e integral pagamento e que de imediato tentou pagar-lhe essa quantia, sendo que a mesma não colaborou para a receber, designadamente não indicando o respectivo IBAN para a realização da transferência da quantia devida, pelo que não pode exigir o pagamento de juros.
Terminou pedindo que fosse julgado procedente o pedido de consignação em depósito e que se fosse ordenado à secretaria do tribunal que da quantia depositada a título de caução no apenso “B” dos autos principais, fosse entregue/colocada à disposição da requerida o montante de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros) ou, no caso de se entender que o tribunal não podia no imediato ordenar a transferência/disponibilidade desse valor por tal apenso se encontrar no Tribunal da Relação, que fosse notificada imediatamente a requerente para proceder, nos presentes autos, ao depósito dessa quantia de €400.000,00 e, consequentemente, fosse declarada extinta a obrigação de pagamento da requerente.
Citada, a requerida contestou alegando, em síntese, que a requerente não procedeu ao depósito legalmente exigível; que tendo apresentado reclamação do acórdão do STJ, só após a decisão de tal reclamação é que o pagamento podia ser efectuado, sendo, porém, devidos juros de mora desde a prolação do aludido acórdão em 14.09.2023; e que não obstaculizou o pagamento, acrescentando que a requerente conhece o IBAN da requerida e podia ter efectuado o pagamento por outros meios.
Concluiu pedindo que seja considerado não realizado o depósito legalmente exigível ou, caso assim não se entenda, que a requerente seja condenada a realizar o depósito de € 400.000,00, acrescida de juros de mora vencidos que, à data da contestação, computou em €11.835,62 e ainda dos juros de mora vincendos, até efectivo e integral pagamento, ou até efectiva e integral realização do depósito pretendido.
A requerente apresentou resposta, na qual, para além do mais, refere que a serem devidos juros de mora só serão devidos os relativos a 7 dias, atendendo a que a decisão do STJ só se poderá considerar notificada no dia 19.09.2023 e que a mora se deve considerar interrompida no dia 26.09.2023 (data em que foi recepcionado pelo mandatário da requerida o email a solicitar-lhe a indicação do IBAN), mantendo no mais o alegado na petição inicial.
Após foi designada data para tentativa de conciliação, a qual se frustou.
De seguida, foi dispensada a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador a considerar improcedente a invocada falta de depósito e válida a instância. Foi ainda na mesma ocasião fixado o objecto do litígio e a enunciados os temas de prova.
Na sequência, foi ordenada a notificação das partes para se pronunciarem sobre a possibilidade do tribunal a quo ordenar a entrega do valor de € 400.000,00 à requerida, sem prejuízo dos autos prosseguirem para decisão quanto ao montante dos juros devidos.
Tendo as partes anuído nesse sentido, o tribunal a quo determinou, no apenso B, que da quantia aí depositada fosse transferido o valor de € 400.000 para a ora requerida, sendo o remanescente devolvido à Banco 1....
Realizada a audiência final foi prolatada sentença que declarou extinta a obrigação a que a requerente estava adstrita e condenou a requerida nas custas.
Inconformada com tal sentença, dela apelou a requerida, alinhando, em súmula, três argumentos contra o ali decidido, a saber: erro na decisão da matéria de facto; erro na decisão de direito; e verificar-se uma nulidade (que apenas qualificou de insanável) pelo facto do tribunal a quo ter autorizado a pretensão da requerente relativa à transferência do valor de € 400.000 que se encontravam depositados à ordem do apenso B para efeitos da presente consignação em depósito. E apresentou conclusões que reproduziam quase na íntegra os fundamentos invocados na motivação do recurso.
A requerente do incidente contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e concluiu nos seguintes termos:
“1.ª - A nulidade invocada pela recorrente não configura, nem a recorrente o alega, qualquer uma das nulidades da sentença taxativamente indicadas no art.º 615.º, n.º 1 do CPC, pelo que, estar-se-ia no âmbito de uma nulidade processual (omissão de um acto que a lei prescreva, isto é, inexistência de depósito da quantia com a petição como condição de admissibilidade do incidente de consignação em depósito), que, por isso sempre estaria sujeita ao regime previsto no art.º 195.º do CPC, devendo ser arguida perante o próprio tribunal a quo, no prazo previsto no art.º 199.º, do CPC, o que não sucedeu.
2.ª - Sobre a questão da falta de depósito, pronunciou-se o tribunal a quo em sede do despacho saneador de 22.01.2024, e, na sequência do aí decidido e da concordância da recorrente e recorrida, o tribunal a quo, no apenso B, determinou que da quantia aí depositada pela recorrida, €400 000,00 deveriam ser transferidos para a ora recorrente, sendo que, a concordância / aceitação de ambas estas decisões pela recorrente traduz, inequivocamente, a renúncia da recorrente à arguição da agora e só agora invocada nulidade.
3.ª - De resto, tais decisões judiciais não foram objecto de impugnação pelas partes e, como tal, transitaram em julgado, por conseguinte, não é agora possível alterar-se a decisão proferida, uma vez que o poder jurisdicional se esgotou com a prolação de tal decisão, devendo assim improceder a nulidade invocada - vd. n.º 1 e n.º 3 do art.613º e art.628.º CPC
4.ª - A recorrente pretende impugnar a matéria de facto, porém, limita-se, a referir, de forma genérica, os factos que considera erradamente julgados, não especificando, relativamente a todos e cada um deles, qual o concreto meio de prova que impõe que sejam dados como provados, nem faz uma análise crítica relativa a essas provas, não mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido por si - vd. n.º 1 art.º 639.º e n.º 1 e als. a) e b) n.º 2 art.º 640.º CPC
5.ª - Entendemos por isso que a recorrente não cumpriu o ónus de alegação no que respeita à impugnação da decisão da matéria de facto, não podendo, assim, no caso sub judice, reapreciar-se a matéria de facto - vd. art.º 635.º, n.º 4, 639.º, n.º 1 e 640.º, n.º 2, al. a) do CPC
6.ª - Por conseguinte, mantendo-se a matéria de facto provada tal como consta da douta sentença recorrida, outra decisão não pode, nem poderia retirar-se senão a que foi proferida pelo tribunal a quo.
De todo o modo, ainda que assim não se entenda,
7.ª - Da parte dos depoimentos transcritos pela recorrente não resulta manifestamente a factualidade que a mesma entende que deve ser dada assente, por outro lado, alguns dos factos invocados mais não são do que afirmações que encerram um juízo ou conclusão, e não decorrem de quaisquer factos provados, pelo que nunca poderiam ser considerados assentes, daí que a impugnação da matéria de facto não possa de todo proceder.
8.ª - Resultou provado que na resposta que o mandatário da recorrente remeteu ao mandatário da recorrida em 14.11.2023, e apesar das sucessivas interpelações da recorrida Banco 1... nesse sentido, não foi indicado o IBAN da conta que pretendia fosse efectuado o pagamento em causa, não foi referido que podia ser feito depósito em conta que a recorrente possuísse na Banco 1..., nem que o pagamento fosse realizado através de cheque bancário, sendo notório que a recorrente não colaborou, de todo, com a recorrida, obstaculizando a que tal pagamento fosse realizado.
9.ª - Verificou-se, pois, um comportamento omissivo totalmente injustificado por parte do credor / recorrente, afigurando-se que esta, sim, ocorreu em mora, precisamente por, sem motivo justificado, provocar o atraso do cumprimento da obrigação pela recorrida., tanto mais que só com a entrada desta acção / incidente em juízo se dignou a recorrente a indicar o IBAN para onde pretendia fosse efectuado o pagamento.
10.º - Bem andou assim o tribunal a quo ao considerar que durante a mora, a dívida deixa de vencer juros, decidindo, pois, em conformidade com o correcto regime jurídico, não padecendo a douta sentença por isso de qualquer erro, nem violando qualquer norma legal, designadamente a referida pela recorrente. - cfr. art.º 814.º, n.º 2 do CC”.
Remetidos os autos a este tribunal ad quem, foi proferido despacho a convidar a recorrente a sintetizar as conclusões das alegações por si apresentadas e a esclarecer os termos da nulidade invocada.
Na sequência, a recorrente desistiu do recurso na parte relativa à aludida nulidade processual e apresentou as seguintes conclusões:
“1º
Por douta sentença de fls. , foi decidido declarar extinta a obrigação a que a recorrida estava adstrita e condenar a requerida nas custas do processo, tendo tal decisão resultado do entendimento do Tribunal recorrido de que, sumariamente, a recorrente ao incorrer em mora por, sem motivo justificado, não ter praticado os actos necessários ao cumprimento da obrigação por parte da recorrida, não ter direito a receber juros vencidos. 2º
Tal decisão resultou de uma errada apreciação da prova produzida, não dando certos factos como assentes (como deveria ter dado), e não realizou a melhor interpretação dessa mesma prova produzida, acabando, também, por não realizar uma boa aplicação do Direito (subsunção da factualidade em causa ao Direito). 3º
A douta decisão recorrida não deu como assente (e que deveria ter dado) que era do conhecimento da recorrida a existência de uma conta bancária titulada pela recorrente e domiciliada junto da recorrida (instituição bancária), conta esta movimentada a débito e a crédito, mensalmente, até aos dias de hoje, o que resulta da prova produzida em julgamento, designadamente dos depoimentos melhor referidos nas alegações do presente recurso. 4º
Pelo que a recorrida, com toda a segurança e certeza, caso assim o desejasse, sempre poderia ter realizado o pagamento da quantia a que foi condenada nessa mesma conta. 5º
Deveria igualmente ter sido dado como assente que a recorrida, caso pretendesse efectuar o pagamento da sua obrigação, o poderia ter feito por outros e diversos meios, tais como, envio de cheque bancário para a sede da recorrente, e até envio de vale postal para tal sede, sendo do perfeito conhecimento daquela recorrida a sede da recorrente, pois até para aí enviou e envia missivas, incluindo a devolução mensalmente (no passado) dos vales postais enviados pela recorrente à recorrida. 6º
Não foi dado como provado, como deveria ter sido, que ao e-mail de 14/11/2023, enviado pelo mandatário da recorrente, a recorrida não deu qualquer resposta, sendo que no mesmo são calculados os juros de mora vencidos até aquela data, sendo que, face a esta situação, a recorrida se limitou a intentar o processo de consignação em depósito. 7º
A instauração do processo de consignação em depósito conduziu a que a recorrente acabasse, só por em finais de Abril de 2024 (22/04/2024), a vir receber a quantia a que a recorrida foi condenada a pagar-lhe. 8º
Face ao supra exposto, deverão ser dados como assentes os seguintes factos:
- que a recorrida tinha perfeito e total conhecimento da existência de uma conta bancária titulada pela recorrente e domiciliada junto da recorrida (instituição bancária), conta esta válida e movimentada a débito e a crédito, mensalmente, até aos dias de hoje.
- que a recorrida, caso pretendesse efectuar o pagamento da sua obrigação, o poderia ter feito por outros e diversos meios, tais como, envio de cheque bancário para a sede da recorrente, ou envio de vale postal para tal sede, sendo do perfeito conhecimento daquela recorrida a sede da recorrente.
- que a recorrida não deu qualquer resposta ao e-mail que lhe foi enviado a 14/11/2023. 9º
Tais factos, ao serem dados como assentes, determinam a tomada de uma decisão totalmente diversa daquela que foi tomada pelo Tribunal recorrido, nomeadamente, determinando que a recorrente não impediu, por qualquer forma, a recorrida de cumprir com a sua obrigação, e que existiu mora no cumprimento da obrigação por parte da recorrida, com a consequente condenação no pagamento dos respectivos juros de mora contados da decisão de 14/09/2023 até à data em que a recorrente, de facto, viu integrado no seu património a quantia de € 400.000,00 (em 22/04/2024), e que se computam em € 29.413,70. 10º
Não foi realizada, na douta sentença recorrida, a melhor apreciação da prova produzida, pois a recorrente, ao reclamar da decisão tomada pelo STJ, em 14/09/2023, entre outras questões, pretendia, singelamente, que se viesse clarificar o momento a partir do qual seriam devidos juros de mora, pois a decisão ora referida não era clara, ou até era omissa, relativamente a este concreto ponto. 11º
Postos os devidos esclarecimentos, a recorrida (pelos motivos expostos nos pontos 3, 5 e 8 das presentes conclusões) poderia ter pago à recorrente o valor a que havia sido condenada, não o tendo feito, e limitando-se a intentar os presentes autos. 12º
Violou, assim, a douta sentença recorrida, nomeadamente, o disposto nos artigos 813º e 814º nº 2 do Código Civil, na medida em que inexistiu qualquer mora da parte do credor, pois que existiu motivo justificado para não receber os montantes a que tinha direito, dado ainda estar pendente de liquidação total o valor da condenação, visto se ter suscitado esclarecimentos, junto do STJ quanto à questão da data de vencimento de juros, e ainda pelo facto de o devedor ter meios à sua disposição para cumprir com a sua obrigação, caso assim o entendesse. 13º
Violou ainda a douta sentença recorrida o disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC na medida em que não se pronunciou sobre questões de facto que deveria ter considerado (nomeadamente as mencionadas sob o ponto 8 das presentes conclusões) e cuja consideração merecem resposta positiva às mesmas, o que determina uma decisão diametralmente oposta da que foi tomada. 14º
Pelo que deverá a douta sentença recorrida ser revogada e ser a recorrida condenada a pagar à recorrente os juros de mora vencidos, calculados até 22/04/2024, nos termos do nº 5 do artigo 102º do Código Comercial, e que se computam no montante de € 29.413,70.”.
A recorrida não ofereceu resposta às conclusões assim apresentadas.
Na sequência foi proferido despacho pela relatora a admitir a desistência parcial do recurso.
Colhidos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
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Neste conspecto, importa, contudo e antes de mais, referir o seguinte:
Conforme decorre do acima exposto, a recorrente foi convidada a sintetizar as suas conclusões, tendo correspondido ao convite formulado. Constata-se, porém, que nas conclusões apresentadas na sequência do convite que lhe foi dirigido pelo tribunal ad quem, a apelante veio dizer que a sentença recorrida padece da nulidade prevista no art.º 615º, al. d), do NCPC, questão que não havia suscitado nem na motivação do recurso, nem nas anteriores conclusões.
Ora, como muito bem alerta Abrantes Geraldes (in Recursos em Processo Civil, 6ª ed. actualizada, p. 187): “O conteúdo da peça processual correspondente ao aperfeiçoamento deve respeitar o objecto do recurso que ficou definido nas alegações originais, não sendo legítimo ao recorrente aproveitar para alargar o âmbito do recurso a questões ou parcelas da sentença recorrida que não tenham sido focadas anteriormente. É o que resulta do disposto no art.º 635º, nº 4 em conjugação com o princípio da preclusão (…)”. E acrescenta “o recorrente é convidado a completar, esclarecer ou sintetizar as conclusões apresentadas, e não a ampliar o seu objecto”.
Veja-se, a este propósito e no mesmo sentido, entre outros, os acs. da RG de 24.11.2016, relatado por Maria da Purificação Carvalho e de 12.06.2024, relatado por Maria João Matos e o ac. do STJ de 13.10.2016, relatado por Oliveira Vasconcelos, todos consultáveis in www.dgsi.pt.
Assim sendo, cremos ser manifesto estar vedado ao tribunal ad quem conhecer da questão adicionada ilegitimamente nas últimas conclusões apresentadas – a da nulidade da sentença -, impondo-se a rejeição do recurso nessa parte, o que se decide (cfr. autor e arestos acima citados).
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As questões a decidir, tendo em conta o acima exposto e o teor das conclusões formuladas pela recorrente, são as seguintes:
i) do erro no julgamento da matéria de facto por omissão de pronúncia sobre factos essenciais à boa decisão da causa; e
ii) do erro na aplicação do direito, mormente, quanto à existência de mora creditoris.
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III. Fundamentação
3.1.Fundamentação de facto
O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos:
«A - Dos factos provados
1) No dia 19-4-2022, foi proferida sentença na qual se condenou a ré Banco 1..., CRL., a pagar à autora EMP01..., Lda., o montante de € 1.371.367,04 (um milhão trezentos e setenta e um mil, trezentos e sessenta e sete euros e 4 cêntimos), acrescida de juros de mora, contados desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento.
2) Por força do recurso, a 30-11-2022, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães o qual confirmou aquela sentença.
3) Admitido que foi o recurso de revista excepcional, a 14-9-2023, foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, no qual altera o acórdão recorrido, condenando-se a ré a pagar à autora a quantia de €400.000,00, acrescida de juros de mora desde a data desta decisão, até integral pagamento, à taxa definida por lei.
4) Este aresto foi notificado às partes, no dia 15-9-2023.
5) A 25-9-2023, a ré veio requerer a reforma da decisão quanto a custas.
6) A requerente, através do seu mandatário, por correio electrónico, no dia 26 de setembro de 2023, junto do mandatário da requerida, veio a solicitar o IBAN para transferência do valor em causa.
7) A 28-9-2023, a autora veio requerer a reforma do douto acórdão proferido no que tange ao valor de indemnização fixado a título de equidade, e nulidade do mesmo quanto à falta de fundamentação do valor fixado e a nulidade por excesso de pronúncia/reforma do douto acórdão quanto à questão dos juros fixados e do momento em que são devidos e a reforma do douto acórdão quanto a custas. 8) A requerente remeteu directamente à requerida uma missiva, datada de 6 de outubro de 2023 e recebida a 9 de Outubro de 2023, na qual explicava que já havia diligenciado junto do seu mandatário no sentido de obter informação quanto ao IBAN através do qual deveria realizar o pagamento da quantia em causa mas que não tinha obtido sucesso.
9) No dia 11 de Outubro de 2023, o mandatário da requerida enviou ao mandatário da requerente um email no qual refere que, deliberadamente, conjuntamente com a sua cliente, optaram por não responder aos contactos anteriores porque à data preparavam a apresentação junto do Supremo Tribunal de Justiça de um requerimento de reforma dessa decisão e que ainda não seria possível liquidar os juros porque o seu valor estaria dependente da decisão que viesse a ser tomada pelo Supremo Tribunal de Justiça nesse pedido de reforma.
10) Por acórdão proferido, a 2-11-2023, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu as nulidades invocadas pela autora e deferiu parcialmente o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
11) Este aresto foi notificado às partes no dia 3-11-2023.
12) No dia 3 de novembro de 2023, por correio electrónico, o mandatário da requerente solicitou junto do mandatário da requerida para que lhe informasse do IBAN para transferência do valor em causa.
13) Em 14 de novembro de 2023, o mandatário da requerida responde a tal contacto, reclamando o pagamento da quantia de €400.000,00 acrescida de juros de mora que calculou em €7.890,41, mas não deu indicação de qual o IBAN para efeitos de pagamento, referindo que se encontrava a aguardar que tal informação lhe fosse prestada pela sua cliente.
14) A 22-11-2023, a requerente deu entrada da presente acção.
15) Na contestação apresentada a 13-12-2023, a requerida indica o IBAN, devidamente documentado, respeitante à conta bancária na qual pretende que a quantia seja depositada.
16) O teor das missivas trocadas entre as partes que aqui se dá por reproduzido.
Dos factos não provados
a) No dia 20 de setembro de 2023, através do seu mandatário, a requerente solicitou ao mandatário da requerida que lhe informasse qual o IBAN para transferência do valor devido.».
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3.2. Fundamentação de direito 3.2.1. Do erro de julgamento na decisão de facto por omissão de factos relevantes à boa decisão da causa
Conforme decorre do acima exposto, a recorrente começa as suas alegações de recurso por invocar que o tribunal recorrido, deveria ter incluído na sua decisão de facto que [1] a recorrida tinha perfeito e total conhecimento da existência de uma conta bancária titulada pela recorrente e domiciliada junto da recorrida (instituição bancária), conta esta válida e movimentada a débito e a crédito, mensalmente, até aos dias de hoje; [2] a recorrida, caso pretendesse efectuar o pagamento da sua obrigação, o poderia ter feito por outros e diversos meios, tais como, envio de cheque bancário para a sede da recorrente, e até envio de vale postal para a sede da recorrente, sendo do perfeito conhecimento daquela recorrida a sede da recorrente; [3] a recorrida não deu qualquer resposta ao e-mail que lhe foi enviado a 14.11.2023.
Nas contra-alegações, veio a recorrida pugnar pela improcedência de tais fundamentos recursórios, alegando, por um lado, que a recorrente não cumpriu os ónus de impugnação da decisão da matéria de facto e, por outro, que a matéria em causa se trata de matéria conclusiva e/ou não resultou demonstrada.
Cumpre, pois, apreciar o erro de julgamento imputado à decisão de facto.
E nesta sede se a recorrente observou os ónus de impugnação que sobre si recaem (cfr. art.º 640º, do NCPC).
Para a apreciação destas questões importa ter presente os seguintes pressupostos:
Prescreve o art.º 639º do NCPC – sobre o ónus de alegar e de formular conclusões - nos seguintes termos:
“1. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3. Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4. O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5. O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.”.
Por sua vez, dispõe o art.º 640º do NCPC que:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 636º”.
Assim, aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso, sintetizando-os nas conclusões (indicando, pelo menos, nesta sede os concretos pontos de facto objecto da impugnação – cfr. Acórdão do STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023, publicado no DR nº 220/2023, 1ª Série de 14.11.2023).
As exigências legais referidas têm uma dupla função: delimitar o âmbito do recurso e tornar efectivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Todavia, os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (vide, a título de exemplo, o ac. do STJ de 28.04.2014, processo nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, acessível in www.dgsi.pt).
Não cumprindo o recorrente os ónus do art.º 640º, nº 1 do NCPC, dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art.º 639º, nº 3 do NCPC (cfr. ac. desta RG de 12.10.2023, relatado por Maria João Matos, disponível in www.dgsi.pt).
Acresce que dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no nº 1 do art.º 640º (de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do nº 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, ac. do STJ de 29.10.2015, processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1, também acessível in www.dgsi.pt).
Acresce dizer, com interesse para o caso que nos ocupa, que conforme se referiu no ac. do STJ de 19.10.2021 (processo nº 4750/18.7T8BRG.G1.S1, in www.dgsi.pt), “[a]inda que não constitua uma impugnação de matéria de facto, no sentido típico, pode o recorrente entender que a matéria de facto provada e não provada não está completa, para a boa decisão da causa, invocando essa desconformidade em recurso. Com essa pretensão o recorrente quer ver incluídos factos alegados e sobre os quais versou o julgamento na matéria de facto, a partir de alegações e meios de prova, o que significa que o tribunal de recurso carece de ter elementos concretos sobre a indicada pretensão – quais os factos a aditar e porquê; quais os meios de prova que sustentam o aditamento.”.
Assim, quando o recorrente pretende a ampliação da matéria de facto, importa que o mesmo se reporte aos factos constantes dos articulados que pretende aditar à matéria de facto dada como provada, o porquê desse aditamento e quais os meios de prova que, no seu entender, permitem tal aditamento.
Não obstante tudo o que deixamos dito, o tribunal de recurso não só pode, como deve sanar oficiosamente e quando para tal tenha todos os elementos, os vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da factualidade enunciada, tal como decorre do disposto no art.º 662º, nº 2, al. c) do NCPC.
Com efeito, na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do art.º 662º do NCPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão, levando, para tanto, em consideração, sem dependência da iniciativa da parte, os factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no art.º 607º, nº 4 do NCPC (norma que define as regras de elaboração da sentença) ex vi art.º 663º do NCPC (norma que define as regras de elaboração do acórdão e que para o disposto nos art.ºs 607º a 612º do NCPC remete, na parte aplicável).
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Tendo presentes estes considerandos e revertendo ao caso concreto, começaremos por dizer que julgamos ser de toda a evidência que tem a recorrida razão quando afirma que não poderá ser aditada à factualidade provada que “a requerente do incidente, caso pretendesse efectuar o pagamento da sua obrigação, o poderia ter feito por outros e diversos meios, tais como, envio de cheque bancário para a sede da recorrente, e até envio de vale postal para a sede da requerida que conhecia”, por se tratar de um mero juízo valorativo ou conclusivo.
Na verdade, e conforme resulta do disposto no art.º 607º, nº 4 do NCPC, o tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito, por não poder ser objecto de prova.
Tal como salienta o ac. do STJ, de 28.09.2017, relatado por Fernanda Isabel Pereira e disponível in www.dgsi.pt, «muito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos.».
Neste âmbito, deve entender-se como questão de facto «tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior», sendo que os «quesitos não devem pôr factos jurídicos; devem pôr unicamente factos materiais», entendidos estes como «as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens», enquanto por factos jurídicos devem entender-se os factos materiais vistos à luz das normas e critérios do direito. Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. III, 4.ª edição (Reimpressão), Coimbra, 1985 - Coimbra Editora, p. 206 e 209.
Como também bem se explica no ac. da RP de 7.12.2018, relatado por Filipe Caroço, acessível no mesmo sítio: “[a]caso o objeto da ação esteja, total ou parcialmente, dependente do significado real das expressões técnico-jurídicas utilizadas, há que concluir que estamos perante matéria de direito e que tais expressões não devem ser submetidas a prova e não podem integrar a decisão sobre matéria de facto.”.
Assim, “a matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, seja qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica, devendo as questões de direito que constarem da selecção da matéria de facto considerar-se não escritas. A proposição será conclusiva se exprimir uma valoração jurídico-subsuntiva essencial, caso em que deverá, por essa razão, ser expurgada.”. Assim, o ac. da RL de 12.10.2021, relatado por Micaela Sousa, disponível em www.dgsi.pt.
Vide, ainda a este propósito e no mesmo sentido, o ac. desta RG de 16.11.2023, relatado por Paulo Reis, disponível em www.dgsi.pt.
No caso e perante estas considerações, não temos dúvidas, como já acima adiantamos, em considerar absolutamente conclusivo afirmar-se que “a recorrida, caso pretendesse efectuar o pagamento da sua obrigação, o poderia ter feito por outros e diversos meios, tais como, envio de cheque bancário para a sede da recorrente, e até envio de vale postal para a sede da recorrente, sendo do perfeito conhecimento daquela recorrida a sede da recorrente”, pois tal asserção encerra um juízo de valor sobre parte essencial da controvérsia que constitui o objecto a apreciar e dirimir no presente processo: saber se foi a recorrente quem obstaculizou o pagamento da quantia pela recorrida.
E, assim sendo, tal matéria nunca poderia constar do elenco dos factos provados, improcedendo nesta parte a pretensão recursória da requerida.
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Por outro lado, também se nos afigura não ser acolher a pretensão da recorrente quanto à inclusão na matéria de facto que “a recorrida não deu qualquer resposta ao e-mail que lhe foi enviado a 14.11.2023”, por considerarmos tal factualidade completamente irrelevante para a decisão da causa.
Com efeito, é jurisprudência pacífica que a Relação não deve reapreciar a matéria de facto se a alteração pretendida não tiver qualquer relevância jurídica, isto é, se for irrelevante ou inócua para a decisão da causa, se for insusceptível de fundamentar a sua alteração, sob pena de levar a cabo uma actividade processual inútil que, por isso, lhe está vedada pela lei (art.º 130º do NCPC).
Neste sentido, afirma-se o seguinte no ac. da RC, de 16.02.2017 (processo nº 52/12.0TBMBR.C1, disponível em www.dgsi.pt): “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente”.
No mesmo sentido, afirma-se no ac. da RG, de 11.11.2021 (processo nº 671/20.1T8BGC.G1 e acessível in www.dgsi.pt) que “[n]ão se deve proceder à reapreciação da matéria de facto quando a alteração nos termos pretendidos pelos Recorrentes, tendo em conta as específicas circunstâncias em causa, não tenha qualquer relevância jurídica, sob pena de, assim não sendo, se estarem a praticar atos inúteis, que a lei não permite.”.
Ainda no mesmo sentido se pronunciou o ac. da RL de 26.09.2019 (processo nº 144/15.4T8MTJ.L1-2 e também acessível in www.dgsi.pt).
Também o STJ sufraga esta jurisprudência, afirmando o seguinte no seu ac. de 14.07.2021 (processo nº 65/18.9T8EPS.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt): “Se o facto que se pretende impugnar for irrelevante para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis, não há qualquer utilidade naquela impugnação da matéria de facto, pois o resultado a que se chegar (provado ou não provado) é sempre o mesmo: absolutamente inócuo. O mesmo é dizer que só se justifica que a Relação faça uso dos poderes de controlo da matéria de facto da 1ª instância quando essa actividade da Relação recaia sobre factos que tenham interesse para a decisão da causa, ut artº 130º do CPC. Quando assim não ocorre, a Relação deve abster-se de apreciar tal impugnação.”.
É, precisamente, o que ocorre no caso vertente, pois, desde logo, resulta inequívoco da posição assumida pelas partes nos articulados que, após ter recebido a comunicação electrónica, datada de 14.11.2023 e enviada pelo mandatário da recorrente, a recorrida veio interpor o presente incidente a 22.11.2023. Depois, não se vislumbra que a ausência de resposta escrita pela recorrida à dita comunicação electrónica da recorrente possa ter pertinência na avaliação da existência ou da inexistência da mora creditoris desta, invocada como fundamento para a presente consignação de depósito.
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Pugna ainda e por fim a recorrente, como vimos, pela inclusão na decisão da matéria de facto que “a recorrida tinha perfeito e total conhecimento da existência de uma conta bancária titulada pela recorrente e domiciliada junto da recorrida (instituição bancária), conta esta válida e movimentada a débito e a crédito, mensalmente, até aos dias de hoje”, invocando para tanto o depoimento da sua legal representante e da testemunha AA.
Ora, quanto a este segmento da impugnação da decisão da matéria de facto, a recorrente cumpriu mínima e suficientemente os ónus de impugnação estabelecidos no supra citado art.º 640º, do NCPC, pois, indicou a factualidade que pretende que seja aditada, a redacção que deve ser dada a tal aditamento e ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua óptica o impõe(m), sendo que quanto a estes identificou a recorrente as passagens da gravação dos aludidos depoimentos em que funda o respectivo recurso.
Por conseguinte, não se evidenciam quaisquer razões para rejeitar o recurso nesta parte.
De todo o modo, analisados os autos, rapidamente se constata que foi alegado pela requerida/recorrente (no artigo 23º, da contestação) e expressamente aceite pela requerente/recorrida (no artigo 10º, do articulado resposta) que aquela é titular de uma conta bancária domiciliada nesta.
Assim, por força da expressa confissão judicial da existência da dita conta, afigura-se-nos que esta factualidade deveria ter sido ser julgada provada (cfr. art.ºs 574º, nº 2 do NCPC e 358º nº 2 do CC), não obstante não ter sido junta aos autos qualquer prova documental sobre tal matéria.
É certo que sobre a questão da forma exigível quanto à abertura de conta bancária e celebração de contrato de depósito bancário existe controvérsia, havendo quem sublinhe, na falta de disposição legal expressa em contrário (art.º 219º do CC), a natureza consensual, não necessariamente formal, desses contratos (v.g., o ac. do STJ, de 27.02.2014, proferido no processo nº 244/1999.E1.S1, consultável in www.dgsi), e quem alinhe por visão contrária (cfr. ac. do STJ, de 31.03.2011, proferido no processo 281/07.9TBSVV.C1.S1, igualmente consultável no mesmo sítio da internet).
Independentemente da posição que se adopte em relação às exigências formais do contrato de abertura de conta bancária e do seu acessório e frequentemente simultâneo contrato de depósito bancário, o certo é que, no caso dos autos, cremos que nada obsta a que se admita a prova por confissão da existência da referida conta bancária, uma vez que se trata de facto jurídico que não constitui objecto directo da presente acção, mas um mero pressuposto da decisão a proferir (assim, cfr. acs. do STJ de 14.01.2003, relatado por Afonso de Melo e de 6.02.2003, relatado por Sousa Inês, bem como o ac. da RL de 17.04.2007, relatado por Rui Vouga, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
Como vimos, a recorrente pretende ainda que se dê como provado que a conta em causa é “válida e movimentada a débito e a crédito, mensalmente, até aos dias de hoje”. Porém, tal factualidade não consta dos factos alegados, nem nada acrescenta de relevante para a decisão da causa. Aliás, e salvo melhor opinião, seria a recorrida e não a recorrente quem teria interesse em alegar e demonstrar, por exemplo, que a conta bancária não se encontrava a ser movimentada ou que não se encontrava actualizada, matéria que igualmente só foi abordada em sede de audiência final (cfr. motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida).
Nestes termos, impõe-se apenas acrescentar à matéria de facto provada o seguinte item: “17. A recorrida tinha conhecimento da existência de uma conta bancária titulada pela recorrente e domiciliada junto da recorrida (instituição bancária).”.
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3.2. Do erro na decisão de mérito da acção, mormente quanto à existência de mora creditoris
Importa agora apreciar se se deve manter a decisão jurídica da causa.
Nesta sede, a recorrente reitera todos os já anteriormente argumentos esgrimidos a propósito damora creditoris e pretende que recorrida seja condenada a pagar à recorrente os juros de mora vencidos até 22.04.2024.
Com efeito, diz a recorrente ter tido motivo justificado para se recusar a receber os montantes a que tinha direito enquanto esteve pendente de decisão o pedido de reforma do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, e ainda que a requerente tinha meios à sua disposição para cumprir com a sua obrigação, caso assim o entendesse; concluindo serem-lhe devidos os juros de mora vencidos entre a data de prolação do aludido acórdão e a data em que lhe foi entregue a quantia de € 400.000,00.
Vejamos.
A consignação em depósito, como é consabido, consubstanciando uma causa de extinção das obrigações, de instituto se trata que pode pelo devedor (sendo facultativo) ser utilizado - para se livrar da obrigação e mediante o depósito da coisa devida – nas seguintes situações (cfr. artº 841º, do CC):
a) Quando, sem culpa sua, não puder efectuar a prestação ou não puder fazê-lo com segurança, por qualquer motivo relativo à pessoa do credor;
b) Quando o credor estiver em mora.
E, desde que aceite pelo credor ou declarada válida por decisão judicial, a consignação libera o devedor, como se ele tivesse feito a prestação directamente ao credor na data do depósito (cfr. art.º 846º, do CC).
Em consonância, dispõe o art.º 916º, nº 1, do NCPC, que quem pretender a consignação em depósito requererá, no tribunal do lugar do cumprimento da obrigação, que seja depositada judicialmente a quantia ou coisa devida, declarando o motivo por que pede o depósito.
Estabelece-se, desta forma, um processo especial que visa regulamentar a faculdade que é conferida ao credor pela lei substantiva de cumprir com a obrigação: encontrando-se o credor em mora, a lei atribui ao devedor a possibilidade de se liberar da obrigação através do depósito judicial da coisa devida com citação do credor.
Em sede de contestação/impugnação do credor, pode o depósito ser impugnado:
a) Por ser inexacto o motivo invocado;
b) Por ser maior ou diversa a quantia ou coisa devida;
c) Por ter o credor qualquer outro fundamento legítimo para recusar o pagamento (cfr. art.º 919º, do NCPC).
Sendo que, para o caso do credor impugnar o depósito por entender que é maior o objecto da prestação devida, deve ser observado o regime previsto no art.º 921º, do NCPC.
Temos assim que “A consignação em depósito consiste num modo de extinção das obrigações que se apresenta normalmente numa dupla fase: substantiva e processual. Substantiva, nos termos do artigo 841 do Código Civil, quando o devedor efectua o depósito judicial da coisa devida, feito à ordem do credor. Processual, nos termos dos artigos 1024 e seguintes do Código de Processo Civil e que se destina a averiguar da verificação dos pressupostos que permitem a consignação e que são os seguintes: a existência de uma obrigação; a impossibilidade do devedor, sem culpa sua, efectuar a prestação por qualquer motivo relativo à pessoa do credor; e a existência de mora do credor.” (cfr. o já não muito recente, mas ainda pertinente ac. de 20.06.1996, proferido no processo nº 9630380, e disponível in www.dgsi.pt).
Por outra banda, e no que ao ónus de alegação e prova da verificação dos pressupostos que permitem a consignação concerne, pacífico é o entendimento da nossa jurisprudência que incide ele no devedor/depositante, a ponto de, não logrando ele levar a bom porto a sua obrigação, a improcedência da acção mostra-se inevitável (cfr., o ac. da RL de 8.10.2020, relatado por António Santos, consultável in www.dgsi.pt).
Perante o acabado de expor, e descendo agora ao concreto, importa desde logo aferir se dispunha ou não a requerente de fundamento substantivo [previsto no art.º 841º, do CC] a justificar a acção de consignação em depósito, ou seja, se a recorrente incorreu em mora creditoris. Ou se, pelo contrário, a recorrente tinha motivo fundado para recusar o pagamento e/ou a recorrida tinha meios disponíveis para o realizar, sendo devidos, para além da quantia “depositada” (no montante de € 400.000,00), os juros de mora vencidos desde a data da prolação do propalado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
Vejamos, então.
A questão da mora creditoris tem sido alvo de abundante trato, em especial na doutrina, vindo os seus requisitos plasmados no art.º 813º do CC:
“O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.”.
Se a impossibilidade temporária do cumprimento da prestação for imputável a uma conduta do próprio credor produz‑se a chamada mora do credor.
Como escreve Almeida Costa (in, Direito das Obrigações, 6ª ed., p. 947), a cooperação do credor pode assumir várias expressões como sejam “apresentar‑se o credor ele próprio ou um seu representante, no lugar convencionado para a prestação (domicílio do devedor ou outro local), exercer o direito de escolha numa obrigação genérica ou alternativa, passar quitação, restituir o título da dívida, etc.”.
Por outro lado, a mora do credor, ao contrário dos casos de impossibilidade da prestação por causa imputável ao credor, não desonera o devedor da sua obrigação, dela resultando tão só uma atenuação da sua responsabilidade, nos termos do disposto no art.º 814º do CC. Cfr., neste sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, p. 162).
O preenchimento de cada uma das hipóteses a que alude aquele art.º 813º do CC (ou seja: a fixação dos termos em que o credor devia ter aceitado ou a determinação dos actos que devia ter praticado) faz‑se atendendo às regras que, para o caso concreto, forem ditadas pela aplicação do princípio da boa-fé, plasmado no nº 2 do art.º 762º, do CC.
Note-se, desde já, que, diferentemente do que ocorre com a mora do devedor, em que a lei exige que haja culpa sua (art.º 804º, nº 2 do CC), a mora do credor não depende de existência de culpa sua (Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, p. 118). Isto é, não se exige que a sua não aceitação da prestação ou a omissão da sua colaboração sejam censuráveis.
No caso em apreciação, ficou demonstrado que, após a prolação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 14.09.2023, que condenou a ora recorrida a pagar à recorrente o montante de € 400.000,00, acrescido de juros de mora vencidos desde a data da referida decisão, aquela - através de comunicação electrónica enviada pelo respectivo mandatário em 26.09.2023 - dispôs-se a pagar o valor em causa, solicitando a indicação urgente do IBAN para transferência do mesmo.
Atenta a falta de resposta, a recorrida enviou directamente à recorrente uma missiva a reiterar tal propósito e a solicitar novamente a indicação do IBAN, tendo ainda se disponibilizado para proceder tal pagamento através de cheque bancário, caso o assim o pretendesse e comunicasse.
Em resposta a tais contactos, a recorrente, através do respectivo mandatário, enviou a mensagem de correio electrónico, datada de 11.10.2023, recusando aceitar esse pagamento, dizendo que: “como estávamos a ultimar o requerimento que apresentamos no STJ e do qual já teve conhecimento e até relativamente ao qual já se pronunciou, optamos por, de imediato, não responder” e “estamos a aguardar resposta ao requerimento apresentado no STJ, estando a minha constituinte a ponderar ainda diligências adicionais eventualmente a tomar, pelo que entende que não poderá, até estarem ultrapassados os prazos de realização de qualquer diligência, esta, receber o montante pelo qual foram condenados no último Acórdão, tanto mais que ainda estamos neste momento, a discutir o montante de juros a liquidar.”.
Mais ficou demonstrado que, após ter tido conhecimento do indeferimento do pedido de reforma formulado do Supremo Tribunal de Justiça, a recorrida voltou a insistir pelo fornecimento do IBAN para a realizar a transferência, ao que a ora recorrente, novamente através do seu mandatário, respondeu que estava a diligenciar por tal informação e que deviam ser pagos os juros de mora vencidos desde 14.09.2023; tendo apenas e já em sede de contestação indicado o IBAN de uma conta bancária domiciliada no Banco 2... para efeitos da transferência.
Atenta a factualidade descrita, afigura-se-nos dizer, desde logo e em primeiro lugar, e na esteira do esclarecedor ac. da RL de 9.04.2002 (relatado por Faria Antunes, e acessível in www.dgsi.pt), entendermos que a recusa da recorrente em receber enquanto não fosse decidido o pedido de reforma do acórdão do STJ, por ser então duvidosa a quantia a que tinha direito, não se mostra justificada.
“É que, como ensina Galvão Telles (Direito das Obrigações, 6ª Edição Revista e Actualizada, pág. 305), enquanto a mora solvendi é um acto ilícito e culposo, a mora accipiendi (artº 813º do CC) não reveste essa natureza. Acrescentando este Professor, logo a seguir, que:
«O credor não tem a obrigação propriamente dita de aceitar a prestação... Não é devedor desses actos. Se o fosse, a sua mora seria simultaneamente "mora creditoris" e "mora debitoris"... deixando de receber a prestação... não viola uma obrigação, desrespeita um ónus. E por isso se sujeita aos efeitos desfavoráveis que a lei associa à sua mora, como inobservância desse ónus... não é de exigir, para que o credor se possa dizer constituído em mora, que a falta de cooperação seja devida a culpa sua...». Como não se exige culpa do credor para que este se constitua em mora, quando o autor se recusou a receber a prestação da ré, alegando um motivo que ulteriormente se veio a verificar ser injustificado - ainda que o credor o tivesse por justificado ou legítimo - a recusa não é aceitável e constituiu o demandante em mora accipiendi, já que o motivo justificado ou legítimo da recusa tem de se verificar efectivamente.”.
Assim, e não obstante considerarmos - ao contrário do defendido pelo tribunal recorrido - que, independentemente da data de notificação do acórdão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e do pedido de reforma, a quantia em que a recorrida foi condenada começou a vencer juros de mora na data da sua prolação (conforme, aliás, foi ali expressamente determinado), a verdade é que, também não podemos deixar de concluir que a recorrente incorreu em mora a partir de 26.09.2023, por injustificadamente não ter aceitado a prestação que a recorrida lhe ofereceu e que se demonstrou ser a que efectivamente era devida.
Em segundo lugar, importa dizer que o outro argumento da recorrente para afastar/impugnar o motivo do depósito efectuado não faz muito sentido e é até contraditório com o comportamento por si anteriormente adoptado. É, pois, abusivo que a recorrente venha defender que, não obstante a sua recusa, a recorrida sempre tinha meios para proceder ao pagamento se assim o entendesse.
Veja-se que, neste conspecto, está já em causa saber se ocorreu ou não a falta de prática pelo credor dos “actos necessários ao cumprimento da obrigação”, conforme se alude na parte final do supra referido art.º 813º, do CC.
Pires de Lima e Antunes Varela (in, Código Civil Anotado, Vol. II, 2.ª Edição Revista E Actualizada, Coimbra Editora, p. 75-76.), dão exemplos elucidativos da previsão legal, concluindo, quanto a este “segmento” do preceito legal, que, “De qualquer modo, é evidente, porém, que “quando a lei fala na falta dos actos necessários ao cumprimento da obrigação, se quer apenas referir àqueles cuja prática incumbe ao credor – não, positivamente, àqueles que o obrigado deva praticar.”.
De forma muito elucidativa sobre o âmbito ou sentido da exigência legal da prática pelo credor dos “actos necessários ao cumprimento da obrigação”, esclarece por sua vez João Abrantes (in, A excepção do não cmprimento do contrato, 1986, p. 42, nota 8), que essa colaboração exigida ao credor assenta em deveres de conduta que “não respeitando directamente, nem à perfeição, nem à perfeita (correcta) realização da prestada prestação debitória (principal), interessam todavia ao regular desenvolvimento da relação obrigacional, nos termos em que ela deve processar-se entre os contraentes que agem honestamente e de boa fé nas suas relações recíprocas” – assim secundando o entendimento já firmado por Antunes Varela, este, porém, sustentando que os aludidos deveres secundários ou de conduta exigíveis ao credor devem ser essenciais ao correcto processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra” (cfr. Das Obrigações em Geral, 7ª ed., pp 124-125).
À luz destes valiosos contributos, não podemos deixar de concordar com o tribunal recorrido quando conclui que a colaboração exigida pela recorrida à recorrente se mostrou “corrente e adequada”.
Rememoremos aqui o que consta da exaustiva fundamentação da sentença recorrida a este propósito:
“Afinal, pagar uma quantia tão avultada como a que está aqui em causa, impõe o cumprimento de regras cautelares. Além disso, trata-se de um meio de pagamento preferencial. Mais a mais, trata-se de uma indemnização, e não do pagamento de um serviço previamente estabelecido, onde as partes contratantes estabelecem a data e forma de pagamento. Assim, a nosso ver, a EMP01..., face àquela solicitação, devia ter enviado, de imediato, o IBAN. Aliás, em 11-10-2023, como se disse supra, já o podia ter enviado com a expressa ressalva de que não aceitava a quantia paga unilateralmente pela Banco 1.... Como não o fez, foi novamente solicitado o IBAN, sendo que o mesmo apenas foi indicado com a apresentação da contestação nestes autos, a 13-12-2023, pois na resposta de 14-11 (11 dias após a mensagem electrónica de 3-11) apenas indicou o valor que devia ser pago.
Salvo melhor opinião, nos dias de hoje, não se afigura crível que o IBAN não tivesse sido transmitido no próprio dia ou, no máximo, até ao dia 6-11. E, repita-se, quando o IBAN já tinha sido solicitado a 26-9. Mais a mais, na resposta de 11-10, a EMP01... nunca refere que a Banco 1... poderá proceder ao pagamento através de outro meio. E isto quando na missiva, de 6-10, da Banco 1... é referido à EMP01... que poderão enviar um cheque bancário caso a EMP01... assim entenda e o comunique. Todavia, repita-se: a EMP01... nada referiu a este respeito: não enviou o IBAN, nem referiu que podiam enviar o cheque bancário. Nem referiu que podiam depositar o dinheiro na conta que a EMP01... possui na Banco 1.... Isto é, o credor não se manifestou por qualquer meio de pagamento, não colaborando, de todo, com o devedor.
Repita-se: a quantia em causa é avultada. Por isso, compreende-se a cautela da Banco 1... no que respeita à forma de pagamento. Como se compreende que a mesma tivesse celeridade neste assunto, já que os juros facilmente alcançam uma quantia significativa.
Porém, tendo a Banco 1... solicitado o IBAN, no dia 3-11-2023, dia em que as notificações foram expedidas pelos serviços do STJ, afigura-se que a EMP01... devia ter diligenciado pelo envio do IBAN no mais curto prazo possível, já que o recebimento da quantia em causa pressupunha um acto da sua parte. E pressupunha de forma fundada, como supra se explicou.
Não se afigura, assim, curial a alegação da EMP01... quando refere que a Banco 1... podia ter pago de várias formas, e que tal estava ao seu alcance, designadamente através de cheque bancário ou até depositando dinheiro na conta da ré que possuía na Banco 1... ou até por vale postal. Primeiro, a Banco 1... perguntou se pretendiam por cheque bancário, nada tendo dito a esse respeito. Segundo, nas várias solicitações negaram responder à forma de pagamento, sendo que apenas com a entrada desta acção, veio a EMP01... indicar o IBAN com a sua contestação. Terceiro, estamos a falar de uma quantia muito elevada, pelo que se afigura absolutamente normal que o devedor tenha cautelas, e pretenda a colaboração do credor para que satisfaça, o mais rápido possível, o pagamento da quantia em causa. Quarto, mal se compreenderia que o devedor agisse de modo displicente, optando por pagar 400 mil euros como bem entendesse, sem disso dar nota ao credor. Quinto, as 3 comunicações realizadas pela Banco 1..., sem que a EMP01... tenha acedido a indicar o IBAN ou outro modo de pagamento revelam, da parte desta, uma conduta não colaborante e, diga-se, pouco condizente com os ditames da boa fé, face à reiteração da Banco 1.... Sexto, nos dias de hoje, a falta de resposta atempada por parte da EMP01... configuram uma conduta injustificada ou imotivada, apenas compreensível à luz de outros motivos que não os de colaborar com o credor.”.
Concomitantemente e sem necessidades de mais considerações para além das aduzidas e bem pelo tribunal recorrido, importa, pois, considerar que a recorrente não praticou os actos necessários ao cumprimento da obrigação, pelo que dispunha a recorrida de fundamento substantivo válido para proceder à consignação em depósito.
Porém, e como já aludimos supra, a recorrente/credora apenas incorreu em mora a partir do dia 26.09.2023, pelo que incumbe à recorrida suportar os juros de mora, calculados sobre a quantia de € 400.000,00 e à taxa legal, vencidos entre o dia 14.09.2023 (data da prolação do acórdão do STJ) e aquela data, devendo em consequência, proceder ao depósito da referida quantia em falta (cfr. art.º 921º, nº 2, do NCPC).
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Conclui-se desta forma pela procedência parcial do recurso interposto pela requerida, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se a requerente/recorrida a proceder ao depósito da quantia relativa aos juros de mora, calculados sobre a quantia de € 400.000,00, à taxa legal, e vencidos entre o dia 14.09.2023 (data da prolação do acórdão do STJ) e o dia 26.09.2023.
As custas do incidente e do presente recurso são da responsabilidade da recorrente e da recorrida, na proporção dos respectivos decaimentos (art.º 527º, nºs 1 e 2 do NCPC).
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se a requerente/recorrida a proceder ao depósito da quantia relativa aos juros de mora, calculados sobre a quantia de € 400.000,00, à taxa legal, e vencidos entre o dia 14.09.2023 (data da prolação do acórdão do STJ) e o dia 26.09.2023.
Custas do incidente e do presente recurso são da responsabilidade da recorrente e da recorrida, na proporção dos respectivos decaimentos.
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Guimarães, 26.09.2024 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária
Juíza Desembargadora Relatora: Dra. Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
1º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. Afonso Cabral de Andrade
2º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. Alcides Rodrigues