RESPONSABILIDADES PARENTAIS
QUESTÃO DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA
ESCOLHA DE ESCOLA
Sumário


1 – No caso de divórcio entre os progenitores, as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2 – A qualificação da questão como de particular importância tem um relevo determinante, pois só nesse caso é admissível o recurso aos tribunais para a resolução do diferendo entre os progenitores.
3 – Tendo a criança direito à educação e realizando-se este através da frequência do ensino, a determinação do estabelecimento de ensino a frequentar constitui uma questão de particular importância, cuja resolução incumbe ao tribunal no caso de desacordo entre progenitores que exerçam em comum as responsabilidades parentais.
4 – Na resolução de tal questão o tribunal deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança.
5 – O interesse da criança é um conceito jurídico indeterminado, mas a sua prossecução visa proporcionar à criança um saudável e harmonioso desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social, garantindo-lhe proteção e cuidados necessários ao seu bem-estar. Reconduz-se ao estabelecimento de condições materiais, sociais, espirituais e morais favoráveis ao desenvolvimento harmónico da criança e à sua progressiva autonomização.
6 – O exercício em comum das responsabilidades parentais demanda que os progenitores se esforcem no sentido da obtenção de acordo sobre questões de particular importância e não assumam comportamentos reveladores de desprezo pela solução legal.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1.1. Por apenso à ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, AA intentou contra BB processo tutelar cível, nos termos do artigo 44º do RGPTC, relativamente ao menor, filho de ambos, CC, pedindo «autorização urgente para:

a) Proceder à matrícula do filho CC, nascido a ../../2018, na escola do 1.º Ciclo de ..., sua 1.º opção, uma vez que o pai até hoje não procedeu à escolha de qualquer estabelecimento de ensino público apesar de interpelado por email algumas vezes;
b) proceder e/ou ordenar que se proceda à alteração/reposição da morada da criança para a rua ..., ..., uma vez que o pai procedeu à sua alteração, no dia ../../2024, sem o seu consentimento, quando procedeu à renovação do cartão de cidadão do filho.

Mais Requer a V.ª Ex.ª que,
c) Se estabeleça provisoriamente a guarda da criança a favor da progenitora por forma a que a criança crie rotinas que lhe permitam preparar a entrada no 1.º ciclo de forma tranquila e serena, sem estar exposta fatores estressores, gerados pelo comportamento do pai e sua dificuldade em aceitar regras;
d) Ordenar ao pai que faculte os códigos de acesso ao cartão de cidadão do filho comum.»

Alega, na parte relevante para a apreciação do recurso, que o Requerido procedeu unilateralmente à matrícula da criança no 1º ano do 1º ciclo no Colégio ..., sito em ..., que é privado, sabendo da discordância da Requerente, fazendo-se passar por encarregado de educação e declarando que exerce sozinho as responsabilidades parentais, mentindo quanto ao regime em vigor.
A atuação do pai teve como intuito impedir que a mãe pudesse proceder à inscrição do filho no portal das matrículas, a par do desvanecimento do argumento da proximidade da Escola ... e das outras escolas públicas sugeridas em relação à casa da mãe, que era até ../../2024 a residência oficial da criança. Faltam 48 horas para o término do prazo da inscrição no ...... ano do 1º ciclo do ensino público e a criança continua sem estar inscrita/matriculada no ensino público, por bloqueio e falta de colaboração do pai.

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O Requerido apresentou oposição, alegando que durante os últimos dois anos, ciente das dificuldades de comunicação com a Requerente, procurou sempre chegar a um entendimento quanto ao estabelecimento de ensino que o menor frequentará no 1º ano do 1º ciclo, mas perante a falta de resposta da mãe às questões do pai, este efetuou, em 10.05.2024, a matrícula do CC foi concretizada no Colégio ..., para que o filho não corresse o risco de ficar sem escola.
A insistência e persistência do Requerido para o menor CC ser inscrito no Colégio ..., não se prende com uma teimosia, e muito menos com não querer ter trabalho com ir buscar e levar o menor às atividades, mas sim com as suas preocupações (legítimas) quanto ao ensino, à rotatividade dos professores na escola pública, que muitas vezes ficam períodos longos sem professor colocado, ou trocam sucessivamente de professores durante o mesmo ano letivo, além do  aumento da contestação social através de greves, o que tudo compromete a aprendizagem das crianças.
A Requerente indicou as suas opções, privilegiando, claramente, a Escola ..., opção com a qual o Requerido não concorda, uma vez que tem informação de que a escola do 1º ciclo de ... teve, no ano letivo passado, cinco professores numa só turma e o tempo letivo do 1º ciclo termina, em regra, por volta das 15h00/15h30, todos os dias. O Requerido não pode deixar de trabalhar às 15h30 todos os dias, e ao que sabe, a Requerente também não, pelo que é muito relevante perceber o que vai acontecer ao CC todos os dias da semana depois das 15h30.
Concluiu que «deve o Tribunal confirmar a inscrição do menor CC no Colégio ..., por corresponder ao superior interesse do menor.»
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1.2.  Após outras vicissitudes, foi proferido despacho a decidir «provisoriamente que o menor CC seja matriculado pela progenitora, AA, na Escola ... para frequentar o ano lectivo de 202[4]/2[5][1]».
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1.3. Inconformado com aquela decisão, o Requerido interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

«1. Deve ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso pois, caso assim não aconteça, é certo que o menor ficará irremediavelmente prejudicado atenta a natureza da questão de particular importância que o Tribunal decidiu.
2. A decisão sub judice não é, verdadeiramente, uma decisão provisória atento que o menor, depois de iniciado o ano lectivo, não irá mudar de estabelecimento de ensino, encontrando-se assegurada a matrícula num estabelecimento de ensino correspondente às necessidades, à vontade e aos interesses do menor.
3. Não foram abordadas, analisadas e apreciadas as questões de fundo e com a profundidade exigidas.
4. Não estava, s.m.o., o Tribunal em condições de proferir a decisão que proferiu.
5. Deve ser atribuído, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 647.º n.º 4 CPC ex vi 32.º RGPTC, efeito suspensivo ao presente recurso, sem obrigação de prestação de caução atenta a desnecessidade e irrelevância da mesma face à matéria em discussão, até prolação de Acórdão definitivo e transitado em julgado.
6. O art.º 615.º CPC ex vi 32.º n.º 3 RGPTC prescreve que é nula a sentença quando não sejam especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento e quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
7. Na sentença proferida não constam, especificadamente, os factos que o Tribunal considera como provados e não provados o que, logicamente, compromete a possibilidade do Recorrente sindicar a decisão e sobre a mesma exercer o seu direito de recurso.
8. Não pode o julgador, não obstante o princípio da livre apreciação da prova, tomar uma decisão arbitrária, infundada e infundamentada.
9. A natureza do processo tutelar cível – de jurisdição voluntária - norteado por critérios de oportunidade e de conveniência, e não por critérios de legalidade estrita, não dispensa, seja a que título for, esse dever de fundamentação, aplicando-se subsidiariamente a regra do artigo 154.º do Código de Processo Civil, como decorre do artigo 33.º n.º 1 do RGPTC.
10. O dever de fundamentação foi totalmente omitido na decisão Recorrida.
11. Nos termos do disposto no art.º 615.º al. b), d) e e) CPC padece a presente sentença de nulidade e deve, por isso, ser a mesma revogada, substituindo-se o Tribunal ad quem ao tribunal recorrido.
12. O julgamento não se mostra adequado a expressar aquilo que efectivamente foi demonstrado em juízo.
13. Deveria ter sido decidido que o menor CC deve frequentar o Colégio ... no ano lectivo 2024/2025.
14. Existe matéria alegada suficiente para proferir decisão diferente da efectivamente proferida.
15. Foi violado pelo Tribunal a quo o disposto no art.º 607.º n.º 4 CPC.
16. O tribunal a quo não invoca quais os argumentos de entre os alegados pela Recorrida e pelo Recorrente que devem prevalecer.
17. São factos notórios, do conhecimento geral, que o ensino no nosso país se encontra a atravessar profundas e diversas dificuldades, seja pela colocação de professores, seja pela constante contestação dos funcionários e professores através das greves.
18. Apesar das várias abordagens do Recorrente à decisão do estabelecimento de ensino, precisamente para evitar esta situação, a verdade é que a Recorrida nunca respondeu às insistências do Recorrente.
19. O Recorrente sempre manifestou e manifesta que, por sua vontade e do menor que demonstrou muito agrado na visita que fez, deveria frequentar o Colégio ..., sito em ..., ....
20. Esta escola prima por permitir às crianças um desenvolvimento em todas as suas componentes, garantindo um acompanhamento permanente, a todos os níveis, dos seus alunos.
21. Em Fevereiro de 2024, o Recorrente efectuou uma pré-matrícula para que o menor não perdesse a oportunidade de uma bolsa de estudo, concedida somente às primeiras pré-inscrições, correndo o risco de despender do montante de €200,00 desnecessariamente.
22. No dia 10.05.2024, perante a ausência de resposta às questões colocadas, e à semelhança do ocorrido no ano lectivo anterior em que o menor não ia ficar inscrito em nenhuma escola, a matrícula do CC foi concretizada pelo e no Colégio ..., para que o filho não corresse o risco de ficar sem escola.
23. O Recorrente está disposto a fazer um enorme esforço financeiro para que possa dar ao filho a maior estabilidade possível no seu percurso escolar, em particular no 1.º ciclo, por ser nestes quatro anos lectivos que se aprendem as bases, designadamente, de português e matemática.
24. Aceita como já o disse, pagar integralmente a mensalidade do Colégio ... (€235,00 por mês), acrescido de metade da alimentação (€42,50 por mês) e metade das actividades extracurriculares escolhidas pelo CC e por ambos os progenitores.
25. A insistência e a persistência do Recorrente para o menor CC ser inscrito no Colégio ..., não se prende com não querer ter trabalho com ir buscar e levar o menor às actividades, raciocínio tão falacioso, quanto ofensivo, pejorativo e preconceituoso de todas as pessoas que inscrevem os seus filhos numa escola privada, fazendo uma caracterização como pais negligentes e que não “se querem chatear muito” pela decisão de escolherem uma escola privada, seja ela qual for, a uma escola pública, posição que se repudia e lamenta, veementemente.
26. O Recorrente tem somente preocupações (legítimas) quanto ao ensino, à rotatividade dos professores na escola pública, que muitas vezes ficam períodos longos sem professor colocado, ou trocam sucessivamente de professores durante o mesmo ano lectivo, além de que, com o aumento da contestação social através de greves, necessariamente, existem vários dias que as crianças não têm aulas ao longo do ano.
27. Tudo compromete a aprendizagem das crianças.
28. Essa incerteza e instabilidade quer o Recorrente, podendo, evitar a todo o custo para o seu filho, nada tendo que ver com não valorizar a fratria entre o CC e a irmã que, ademais, nem sequer frequentarão juntos a mesma escola.
29. Sobre este argumento primordial na vida do CC nem a Recorrida nem o Tribunal se pronunciam.
30. A Recorrida indicou as suas opções, privilegiando, claramente, a Escola ..., opção com a qual o Recorrente não concorda, por não corresponder aos melhores interesses e ao projecto de vida que pretende e anseia para o menor
31. Não pode a Recorrida impedir que o Recorrente tenha outra visão e perspectiva para o seu filho.
32. É muito relevante perceber o que vai acontecer ao CC todos os dias a semana depois das 15h30, quando a escola terminar, se o CC frequentar dois ATL – um na semana do pai e outro na semana da mãe, que custo terá esse ATL e o competente transporte, se há ATL com vagas nesta data, não frequentando um ATL na semana da mãe, quem fará o seu transporte no final das aulas o que acontecerá ao CC, o que fará o CC no período das férias escolares: Carnaval, Páscoa, verão e Natal, o menor ficará com quem, onde e a fazer o quê, questões que a Recorrida não responde e o Tribunal a quo também não cuidou de averiguar e salvaguardar.
33. A retaguarda familiar que a mãe diz ter é a bisavó do menor, de 81 anos, que vive na face da estrada nacional, onde circulam carros a enorme velocidade e com quem e onde o CC passará, tal como a irmã, as suas tardes durante o ano lectivo e férias.
34. É legítimo que o Recorrente não pretenda esse projecto de vida para o filho e é forçoso concluir que, perante a falta de respostas da mãe às pertinentes questões e problemas levantados pelo Recorrente, deve o Tribunal acautelar o superior interesse do menor.
35. Atenta a falta de comunicação dos progenitores, a frequência da Escola ... será um foco de discussões e conflitos, possivelmente, com a necessidade dos mesmos serem dirimidos judicialmente, designadamente, daqui a quatro anos quando o menor tiver que frequentar outro estabelecimento de ensino se a escolha for a Escola ....
36. Todas estes problemas ficariam, assim, sanados se o menor frequentasse o Colégio ..., escolha que o progenitor privilegia, atento que poderá frequentar do 1.º ciclo ao ensino secundário.
37. A maior preocupação do Recorrente é o percurso e o sucesso escolar do menor e o contacto com matérias, desportos e actividades o mais diversificadas possível, o que lhe poderá ser proporcionado pelo Colégio ....
38. O recorrente indicou, por ordem de preferência, outros estabelecimentos de ensino, públicos e privados, que, no seu entender, são indiscutivelmente melhores opções que a Escola ..., mas que o Tribunal ignorou por completo.
39. A Recorrida não se pronunciou quanto a estas opções e o Tribunal não valorou, minimamente, essa falta de resposta.
40. O Tribunal a quo nunca deveria ter decidido pela matrícula do menor na Escola ..., sem antes, a nosso ver, apreciar todos os argumentos e, eventualmente, produzir prova acerca das opções de ambos.
41. A inexistente fundamentação da sentença faz com que a mesma, se não nula, pelo menos, padece de um erro.
42. Face a toda a prova produzida nos presentes autos, deveria, s.m.o., o Tribunal recorrido ter decidido que, em prol da estabilidade de ensino e do percurso escolar com acesso a um vasto leque de conhecimento, o menor frequentaria o Colégio ....
43. Não tendo sido essa a decisão, violou o tribunal a quo o superior interesse do menor, fim último dos presentes autos.
44. O critério preponderante e norteador da regulação das responsabilidades parentais é o superior interesse da criança que gostou particularmente do Colégio ... e também por isso o Recorrente insiste nesta opção.
45. O superior interesse da criança está, indubitavelmente, posto em causa, relevando somente a vontade e interesse da mãe que dessa forma terá a sua logística diária com quatro crianças facilitada.
46. Foi, assim, violado pelo tribunal recorrido o normativo consagrado no art. o 607.º n.º 4 CPC.
47. Deve a sentença proferida ser revogada e, em consequência, confirmada a matrícula do menor no Colégio ... ou, se assim se não entender, apurar, de entre as escolas públicas propostas por ambos, qual a que melhor se adequa ao perfil e interesses do menor, produzindo a conveniente prova para o efeito.
Termos em que, e no que mais Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a decisão nos termos expostos, revogando-se a decisão Recorrida e substituir-se por outra que valide a matrícula do menor no Colégio ... ou, se assim se não entender, aprecie as outras opções de escolas públicas apresentadas pelo Recorrente, com o que se fará INTEIRA JUSTIÇA.»
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A Requerente contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido.
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1.4. Questões a decidir

Nas conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, a Recorrente suscita as seguintes questões:

a) Nulidade da decisão;
b) Se é do interesse da criança que seja inscrita na Escola ... para frequentar o 1º ano do 1º ciclo ou que se mantenha a inscrição efetuada pelo progenitor no Colégio ..., em ....
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II – Fundamentos

2.1. Fundamentação de facto
2.1.1. Na decisão recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:
«CC (filho de BB e de AA) nasceu em ../../2018 e vai iniciar o ensino básico.
As matrículas ocorrem normalmente de Abril a Maio.
Em 2020, nos autos principais, foi estabelecida a residência do menor junto de um e de outro, alternadamente.
As responsabilidades foram atribuídas a ambos.
AA tem morada em ... (Rua ...).
BB tem morada em ... (Rua ..., ...).
Os progenitores não conseguem escolher em conjunto a escola para o menor.
A A comunicou ao R as suas preferências para a escola do menor, indicando com preferência a de AIvarães, em 2° a de ..., em 3° a do ... (em ...) em 4º a de ... e em 5° a de ....
A irmã do menor tem frequentado até ao presente ano lectivo a escola ....
O R repudiou as 5 opções.
Destacou as debilidades do ensino estatal e prefere a frequência de escola não estatal.
A A prefere o ensino público.
O R renovou o cartão de cidadão do menor e na ocasião mudou, unilateralmente, a morada deste, de ... para ... (..., n....).
A 10 de Maio o R matriculou o menor para frequentar o Colégio ... (não estatal).
Identificou-se como encarregado de educação do menor e morador em ... e o menor como tendo morada principal em ... n...., ....»
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2.2. Do objeto do recurso
2.2.1. Da nulidade da decisão recorrida
O Recorrente alega, nas conclusões da sua apelação, que «[n]os termos do disposto no art.º 615.º al. b), d) e e) CPC padece a presente sentença de nulidade e deve, por isso, ser a mesma revogada, substituindo-se o Tribunal ad quem ao tribunal recorrido.»
Sustenta que na decisão «não constam, especificadamente, os factos que o Tribunal considera como provados e não provados o que, logicamente, compromete a possibilidade do Recorrente sindicar a decisão e sobre a mesma exercer o seu direito de recurso».

Nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea b), do CPC, a sentença é nula quando «não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
O artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra o dever de fundamentação das decisões dos tribunais, o qual mostra-se concretizado, quanto ao processo civil, no artigo 154º, nº 1, do CPC, e constitui um corolário do processo equitativo (art. 20º, nº 4, da CRP), «dado que dá a perceber as razões do deferimento ou do indeferimento do requerimento ou da procedência ou improcedência da ação e permite controlar o iter decisório, nomeadamente por um tribunal de recurso»[2].
Segundo Alberto dos Reis[3], «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto». Como referem, igualmente, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[4], «para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito».
Por conseguinte, enquanto vício da sentença, ou seja, como fundamento da sua nulidade, apenas releva a ausência de qualquer fundamentação e não quaisquer outras patologias. Na previsão da alínea b) só está incluída a falta absoluta de fundamentação e não a insuficiente, errada, incompleta ou deficiente. No nosso entendimento, ainda constitui falta de fundamentação uma motivação impercetível, sem relação compreensível com o objeto discutido, enquanto vício paralelo à ininteligibilidade do objeto do processo como motivo de ineptidão da petição inicial[5].

Analisada a decisão recorrida, constata-se que contém tanto os fundamentos de facto como a fundamentação de direito.
Quanto à fundamentação de facto, o Mmo. Juiz deu como provados 15 factos autónomos. Portanto, procedeu à especificação factual dos factos relevantes para a decisão sobre a questão da escola a frequentar pela criança e isso afigura-se suficiente, na medida em que se está perante uma decisão provisória, em que o nível de exigência é menor e se cinge à justificação factual da decisão tomada. Também, no quadro de uma decisão provisória, não descortinamos a falta de pronúncia sobre qualquer facto essencial para a decisão da apontada questão.
Embora sintética, na decisão recorrida foi exposta a fundamentação de direito, explicando por que se decidiu que a criança devia ser matriculada na Escola ....
Portanto, ao contrário do afirmado nas conclusões das alegações, seguramente a decisão não é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão, nem padece de falta de fundamentação.

Na conclusão 11ª das suas alegações, o Recorrente alude à alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC. Se bem entendemos, referir-se-á a uma omissão de pronúncia.
Nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Esta nulidade está diretamente relacionada com o disposto no artigo 608º, nº 2, do CPC, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…), salvo se a lei lhe (…) impuser o conhecimento oficioso de outras».
Neste enquadramento, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Conforme já ensinava Alberto dos Reis[6], «são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão». Quer dizer, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado[7].
Segundo Manuel Tomé Gomes[8], «não integra o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido portanto numa questão de mérito». O juiz não tem de analisar um por um todos os argumentos ou razões invocados pelas partes, ainda que tenha de dar resposta (resolução) às questões por elas invocadas; não se lhe impõe, por outro lado, que indique, uma por uma, as disposições legais em que se baseia a decisão, bastando que faça alusão às regras e princípios gerais em que a ancora[9].

Na motivação das alegações o Recorrente limita-se a afirmar que «o Tribunal a quo não se pronuncia, uma única vez, sobre os argumentos que o levaram a não considerar as opções que o Recorrente apresentou, quer quanto aos colégios privados, quer quanto às escolas públicas.»
Na tese do Recorrente, se o Tribunal não se pronuncia sobre um argumento apresentado pela parte, verifica-se uma omissão de pronúncia.
Como facilmente se verifica, a falta de apreciação de argumentos apresentados pelo Requerido na oposição não constitui uma omissão de pronúncia, pois esta respeita a questões e não a argumentos. Compete ao tribunal decidir questões e não razões ou argumentos aduzidos pelas partes[10].
O juiz não tem de esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devem ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente[11].
Também não há omissão de pronúncia quando a matéria, tida por omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada.
Se estiverem em causa mais de 10 estabelecimentos de ensino onde a criança pode ser matriculada, como sucede com relativa frequência nas grandes regiões metropolitanas e também se verifica no caso dos autos, naturalmente que o Tribunal não tem de se pronunciar sobre os argumentos a favor e contra cada uma dessas escolas, mas sim de fazer uma ponderação global sobre qual é a melhor solução em face dos factos que considera provados. Sendo especificado qual o estabelecimento de ensino cuja frequência melhor corresponde aos interesses da criança, a exclusão dos demais resulta da ponderação realizada.
Acresce que estamos perante uma decisão provisória sobre uma única questão: qual o estabelecimento de ensino onde a criança deve ser matriculada. Por isso, o Tribunal de 1ª instância apenas tinha de resolver tal questão e fundamentar de forma compreensível, ainda que sintética, a sua decisão, indicando a escola que constitui a melhor solução para a criança.
Tendo o Mmo. Juiz apreciado tal questão e fundamentado sumariamente o decidido, não se verifica a apontada causa de nulidade da decisão.
É de enfatizar que uma decisão meramente provisória, passível de alteração a todo o tempo, não comporta um nível de exigência de fundamentação idêntico ao das decisões definitivas sobre o fundo da causa.

Não é percetível nas alegações a concreta fundamentação que suporta a invocação pelo Recorrente da nulidade da decisão recorrida com base no disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
Dispõe essa norma que é nula a sentença quando «o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido».
É uma causa de nulidade que emerge da violação do disposto no artigo 609º, nº 1, do CPC, segundo o qual a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
Embora nas duas mencionadas disposições legais se fale apenas de “condenação”, devem considerar-se aplicáveis a todo o tipo de ações, pois respeita aos limites da sentença, em que o objeto do processo é definido pelas partes e é este que constitui o objeto da decisão, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido.
Verifica-se esta nulidade quando o juiz se pronuncia sobre mais do que o que é pedido ou sobre coisa diversa daquela que foi pedida, o que traduz uma pronúncia ultra petitum, ou seja, que exorbita, extravasa, os limites resultantes das pretensões deduzidas pelas partes.
É uma nulidade que emerge, em primeira linha, da violação do princípio dispositivo que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual. Encontra ainda fundamento no princípio do contraditório, segundo o qual o tribunal não pode resolver o conflito de interesses sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
Pese embora a evolução doutrinal entretanto registada, mantêm-se atuais as palavras de Alberto dos Reis[12]: «O juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes; na decisão que proferir sobre essas questões, não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes. (...) Também não pode condenar em objecto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a prestar um facto; se o pedido respeita à entrega de uma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo)».

No caso dos autos, tendo o Tribunal decidido «provisoriamente que o menor CC seja matriculado pela progenitora, AA, na Escola ... para frequentar o ano lectivo de 2024/25», isso está em inteira consonância com o pedido deduzido pela Requerente, pois esta pediu «autorização urgente para: a) Proceder à matrícula do filho CC, nascido a ../../2018, na escola do 1.º Ciclo de ...». O Tribunal concedeu, nos seus precisos termos, embora provisoriamente, a pretensão de tutela jurisdicional peticionada.
Não tendo o Sr. Juiz ficado aquém nem ido além do que lhe foi pedido é completamente descabido invocar-se uma pretensa nulidade por o juiz conceder mais do que o pedido ou objeto diverso do pedido.
Caso o Recorrente se esteja a referir ao facto de ter sido proferida uma decisão provisória e não definitiva, então cumpre salienta que o artigo 28º, nº 1, do RGPTC (aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de setembro) permite que seja proferida uma decisão de tal natureza e até de forma oficiosa.
Com efeito, dispõe essa norma que «em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão.»
Portanto, era admissível ao Tribunal recorrido proferir uma decisão provisória sobre a questão do estabelecimento de ensino onde a criança devia ser matriculada e isso não constitui qualquer nulidade.

Pelo exposto, não sendo nula a decisão, improcede este fundamento do recurso.
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2.2.2. Reapreciação de Direito

Nos termos do artigo 44º, nº 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de setembro, «quando o exercício das responsabilidades parentais seja exercido em comum por ambos os pais, mas estes não estejam de acordo em alguma questão de particular importância, pode qualquer deles requerer ao tribunal a resolução do diferendo».
A situação dos autos integra a previsão da apontada norma. As responsabilidades parentais relativamente à criança CC são exercidas em comum por ambos os progenitores e o diferendo sobre a escola que devem frequentar é uma questão de particular importância.
É essencialmente através do ensino que se realiza o direito à educação de que a criança é titular.
O direito à educação é um direito fundamental da criança, tal como resulta, desde logo, do princípio 7º da Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas nº 1386 (XIV), de 20 de novembro de 1959, diretamente aplicável no nosso ordenamento jurídico, onde se estabelece que «a criança tem direito à educação», que «deve ser-lhe ministrada uma educação que promova a sua cultura e lhe permita, em condições de igualdade de oportunidades, desenvolver as suas aptidões mentais, o seu sentido de responsabilidade moral e social e tornar-se um membro útil à sociedade» e que «o  interesse superior da criança deve ser o princípio diretivo de quem tem a responsabilidade da sua educação e orientação».
Também a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989[13] e ratificada por Portugal, cujo instrumento foi depositado em 21.09.1990 (iniciando a sua vigência relativamente a Portugal em 21.10.1999, em conformidade com o artigo 49º, nº 2, da Convenção)[14], no seu artigo 28º, reconhece «o direito da criança à educação». Essa educação, nos termos do artigo 29º, nº 1, al. a), deve destinar-se a «promover o desenvolvimento da personalidade da criança, dos seus dons e aptidões mentais e físicos na medida das suas potencialidades».
Finalmente, o artigo 74º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra o direito de todos ao ensino.
Neste contexto, tendo a criança direito à educação e realizando-se este através da frequência do ensino, a determinação do estabelecimento de ensino a frequentar constitui uma questão de particular importância, cuja resolução incumbe ao tribunal no caso de desacordo entre progenitores que exercem em comum as responsabilidades parentais.
A qualificação da questão como de particular importância tem um relevo determinante, pois só nesse caso é admissível o recurso aos tribunais para a resolução do diferendo entre os progenitores, em conformidade com o disposto no artigo 1901º, nº 2, do Código Civil (CCiv). Vale isto por dizer que a resolução de questões que não sejam de particular importância regular-se-á exclusivamente na esfera familiar, não autorizando o recurso aos tribunais.
O artigo 1901º, nº 1, do CCiv, em decorrência do disposto no artigo 36º, nº 3, da CRP, afirma que o exercício das responsabilidades parentais na constância do matrimónio pertence a ambos os pais. A lei presume o acordo dos pais quando só um deles praticar ato de exercício das responsabilidades parentais, salvo se a lei exigir expressamente o consentimento de ambos os progenitores ou se trate de ato de particular importância (art. 1902º, nº 1, do CCiv).
No caso de divórcio entre os progenitores, como sucede na situação em apreciação, é aplicável o disposto no artigo 1906º do CCiv, segundo o qual as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível (nº 1).

Estando atribuída ao Tribunal a resolução da questão da frequência do estabelecimento de ensino, importa determinar qual o critério legal em que deve assentar a decisão.
Qualquer intervenção judicial no âmbito de um processo tutelar cível, como o presente, deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, em conformidade com o disposto no artigo 4º, al. a), da LPCJP[15], aplicável por força do artigo 4º do RGPTC. Isso implica que os direitos da criança e do jovem sejam respeitados e que, nesse quadro, sejam assegurados os seus interesses.
O princípio norteador tanto do exercício das responsabilidades parentais, em qualquer uma das vertentes em que se decompõe, como da resolução de uma questão de particular importância relativa a esse exercício, é a prossecução do interesse da criança, expressamente acolhido nos artigos 40º, nº 1, do RGPTC e 1905º, nº 1, e 1906º, nº 2, ambos do CCiv. Tal conceito surgiu desde logo no princípio 2º da Declaração dos Direitos da Criança. Também a Convenção sobre os Direitos da Criança, no seu artigo 3º, nº 1, estabelece que «todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança».
O “interesse da criança” é um conceito jurídico indeterminado, mas a sua prossecução visa proporcionar à criança um saudável e harmonioso desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social[16], garantindo-lhe proteção e cuidados necessários ao seu bem-estar. Trata-se de lhe proporcionar um ambiente de afeto e segurança, bem como as demais condições adequadas ao seu normal desenvolvimento e ao seu bem-estar material e psíquico.
Numa tentativa de o definir, o interesse do menor reconduz-se ao estabelecimento de condições materiais, sociais, espirituais e morais favoráveis ao desenvolvimento harmónico da criança e à sua progressiva autonomização.
Cabe ao julgador concretizar qual é o interesse da criança em face do seu particular circunstancialismo.

Posto isto, vejamos qual o estabelecimento de ensino cuja frequência corresponde ao interesse do menor CC.
Como bem salientou o Recorrente na sua resposta à pretensão da Recorrida «[o] presente processo não serve, s.m.o., para discutir e decidir quaisquer outras questões que não sejam de particular importância, muito menos, alterações das responsabilidades parentais», «[p]elo que, nos cingiremos aos factos relevantes e com interesse para a boa decisão da causa: a escolha do estabelecimento de ensino do menor para o próximo ano lectivo.»
O mesmo princípio é aplicável ao presente recurso, em que não é admissível apreciar matéria que nenhum relevo tem para a decisão da questão decidenda ou suscitar questões novas. Várias das conclusões contêm matéria dessa natureza.

Analisada a decisão recorrida e as respetivas implicações, não vemos motivos substanciais para a revogar e determinar, como defende o Recorrente, que a criança passe a frequentar o Colégio ....
Em primeiro lugar, o dissídio entre os progenitores sobre a questão decidida na 1ª instância não é de agora. Existe desde, pelo menos, 15.09.2023, data em que a Requerente enviou um email ao Requerido a informar que não concordava que a criança fosse «para uma escola privada» e que analisassem cinco escolas públicas na «nossa área geográfica»; o Requerido, por sua vez, entende que a criança deve frequentar um colégio privado. Segundo o Requerido refere na oposição que apresentou à pretensão da Requerente, a referida falta de acordo verifica-se há mais de dois anos.
O teor da troca de mensagens entre Requerente e Requerido revela que se trata de uma questão relativamente à qual era impossível alcançar um acordo, dada a irredutibilidade de posições.
Nesse quadro, é de todo incompreensível que o Requerido tenha inscrito a criança no colégio privado da sua preferência, com os inerentes atos preparatórios, sem suscitar a resolução da questão ao Tribunal. A escolha do estabelecimento de ensino é uma matéria da maior importância na vida de uma criança e isso até é afirmado pelo próprio progenitor nas suas intervenções no processo.
Matérias como a escolha do estabelecimento de ensino não podem ser solucionadas com base na situação de facto consumado, dando primazia à posição do progenitor que primeiro avança sem o consentimento do outro. Não se pode ter por irreversível e não censurável um ato unilateral de um dos progenitores que põe em causa o princípio da plena igualdade entre os progenitores quanto ao exercício das responsabilidades parentais. A pedra de toque em que assenta todo o sistema é o exercício em comum das responsabilidades parentais, o que demanda a procura de acordo entre os progenitores e que não se dê guarida a interpretações reveladoras de desprezo pela solução legal. O Direito não existe para tutelar situações de facto consumado, à revelia das condutas exigíveis pela boa fé e confiança entre os progenitores, assentes na particular interpretação de um dos progenitores sobre qual é a solução que melhor corresponde ao interesse da criança.

Em segundo lugar, o Requerido agiu como se o menor CC não tivesse outro progenitor, o que no fundo redunda na desconsideração do interesse da criança, que pressupõe, sempre que possível, a participação de ambos os pais na sua definição e prossecução. Não equacionou sequer que a definição do estabelecimento de ensino a frequentar pela criança constituía uma questão de particular importância, exigindo a obtenção de acordo com a Requerente e, na sua falta, o recurso ao tribunal para resolver o diferendo. Decidiu unilateralmente tal questão e fê-lo de forma voluntária e consciente, sendo isso bem patente nas comunicações à Requerente e nos atos processuais em que interveio.

Em terceiro lugar, na dicotomia entre escola pública e colégio privado, não se pode partir do pressuposto de que a frequência do ensino privado é melhor para a criança. Tudo depende dos concretos estabelecimentos que se estejam a comparar.
O argumentário sobre as greves e os fatores relativos à gestão das escolas públicas é fundamentalmente uma questão de cariz ideológico, sobre a qual não nos pronunciamos, pois, os tribunais não têm ideologia, antes devem obedecer na sua intervenção à Constituição e à lei.
Em abstrato, sendo os currículos semelhantes e a formação dos professores comum, tanto o ensino público como o ensino privado podem proporcionar condições adequadas para a realização do direito à educação de que todas as crianças são titulares.

Em quarto lugar, não sendo possível atribuir qualquer prevalência ao ensino privado e existindo posições antagónicas dos progenitores sobre o estabelecimento de ensino que a criança deve frequentar, a decisão terá de se alicerçar em elementos factuais que permitam afirmar que a frequência de determinada escola é preferível, mesmo que não seja uma solução muito melhor do que aquela com que se compara.
Para além de o Colégio ..., sito em ..., ..., se inserir num concelho que não corresponde ao das residências alternadas do menor, verifica-se que dista 27,9 km da casa do pai e 18,9 km da casa da mãe. O percurso entre a casa do pai e o dito Colégio realiza-se em 34 minutos, enquanto a viagem entre a casa da mãe e o Colégio faz-se em 25 minutos.
Mais, a mãe para deixar os dois filhos (tem no total 4 filhos) de manhã na escola e ir trabalhar percorrerá 65,60 km e demorará uma hora e vinte minutos a realizar esse percurso, pelo que no total, num dia útil em que a criança esteja a residir consigo, numa viagem de ida e volta, terá que percorrer, 131,20 km, demorando duas horas e quarenta minutos.
Em contraposição, a escola pública do 1º ciclo de ... localiza-se a 1,6 km da casa da mãe, necessitando apenas de despender cerca de 4 minutos na viagem colégio-casa. Também essa escola se situa mais perto da casa do pai, distando 12,7 km e a viagem realiza-se em cerca de 13 minutos.
Portanto, com base no apontado fator geográfico a solução adotada pelo Tribunal é a melhor.
Daí que não mereça acolhimento a asserção constante da conclusão 8ª, em que qualifica a decisão recorrida como «arbitrária, infundada e infundamentada.»

Em quinto lugar, partindo da sua visão sobre o estado da escola pública e as preocupações que isso lhe suscita, o Recorrente sabedor de que a Recorrida, nas opções que lhe indicou, privilegiou «claramente a Escola ..., opção com a qual o Recorrente não concorda», afirma que tem outro projeto de vida, visão e perspetiva para o seu filho. Sustenta que o Colégio ... poderá proporcionar à criança «o contacto com matérias, desportos e actividades o mais diversificadas possível».
Parece estar subjacente à sua alegação uma menor qualidade do ensino na Escola do 1º ciclo de ....
Sendo as aludidas preocupações inteiramente legítimas, a realidade é que não se pode escamotear que a aludida escola foi frequentada até ao ano letivo transato pela filha mais velha da Recorrida e com sucesso. Se foi uma boa solução para a irmã do CC também é legítimo esperar que o seja para este.
Ora, uma hipótese já testada e que revelou um resultado bastante positivo nunca pode ser considerada inferior a uma alternativa ainda não testada no círculo familiar do CC. Não sendo as duas alternativas em confronto aceites por ambos os progenitores, a opção pela Escola ... é a que comporta menos riscos, pois, uma solução que já deu provas de exequibilidade e adequação é sempre preferível a uma que ainda não foi testada.

Em sexto lugar, a opção por um estabelecimento de ensino privado comporta sempre um custo económico elevado, ao contrário da frequência do ensino público que é gratuita.
Portanto, não se verificando uma situação em que a frequência do Colégio ... seja claramente melhor para os interesses do CC do que a frequência da Escola Básica ..., não pode ser imposto à Recorrida que suporte uma despesa que não terá se se mantiver a decisão do Tribunal recorrido.
Contra esta constatação não colhe a argumentação do Recorrente constante da conclusão 24ª das suas alegações, segundo a qual aceita «pagar integralmente a mensalidade do Colégio ... (€235,00 por mês), acrescido de metade da alimentação (€42,50 por mês) e metade das actividades extracurriculares escolhidas pelo CC e por ambos os progenitores.»
Desde logo, depois de consultados os documentos juntos aos autos, verifica-se que nunca antes de ter unilateralmente decidido matricular o menor no Colégio ... afirmou que suportaria sozinho a despesa com a respetiva mensalidade. É algo que só concedeu quando confrontado com a reação da Recorrida, através do presente procedimento.
Depois, mesmo que a mensalidade fosse paga exclusivamente pelo Recorrente, sempre teria repercussões na Recorrida. Em todas as decisões que viessem a ser proferidas posteriormente, cuja necessidade é previsível em função da elevada litigiosidade entre os progenitores, teria sempre de ser considerado que era o Recorrente que vinha suportando tal despesa, efetuando a adequada conformação das contribuições de cada um dos progenitores para alimentos ao menor.

Finalmente, o Recorrente suscita uma questão relativamente «ao que vai acontecer ao CC todos os dias da semana depois das 15h30, quando a escola terminar (…), quem fará o seu transporte no final das aulas o que acontecerá ao CC, o que fará o CC no período das férias escolares».
Em rigor, essa já é outra questão a decidir, diferente, embora complementar, da apreciada na decisão recorrida.
No quadro do ato recorrido e do recurso dele interposto, é uma questão nova, que não cabe aqui apreciar.
Em última instância, se os progenitores não conseguirem chegar a acordo relativamente a essa matéria terá de ser proferida decisão sobre a mesma.

Por todo o exposto, num quadro como o dos autos, a decisão do Tribunal a quo não merece censura.
Termos em que improcede a apelação.
***
III – DECISÃO

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a suportar pelo Recorrente.
*
*
Guimarães, 26.09.2024
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida
Alcides Rodrigues
Carla Maria da Silva Sousa Oliveira



[1] Escreveu-se na decisão recorrida, por evidente lapso material, “2023/24”, o qual retificamos.
[2] Miguel Teixeira de Sousa, CPC Online (v. 4/2024), in Blog do IPPC, em anotação ao artigo 154º do CPC.
[3] Código de Processo Civil Anotado, vol. V, (Reimp.), Coimbra Editora, pág. 140.
[4] Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, págs. 670-672.
[5] Ou seja, uma fundamentação disparatada ou absurda, sem qualquer relação com o que se discute, ou ininteligível, no sentido de que a generalidade das pessoas não a consegue compreender.
[6] Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 143.
[7] Cf. também os Acórdãos do STJ de 07.07.1994 (relator Miranda Gusmão), BMJ nº 439, pág. 526 e de 22.06.1999, (Ferreira Ramos), CJ 1999 – II, pág. 161, da Relação de Lisboa de 10.02.2004 (Ana Grácio), CJ 2004 – I, pág. 105, de 04.10.2007 (Fernanda Isabel Pereira), de 06.03.2012 (Ana Resende), proc. 6509/05, acessíveis em www.dgsi.pt.
[8] Da Sentença Cível, pág. 41.
[9] Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, vol. II, Almedina, 2015, p. 370.
[10] Acórdão da Relação do Porto de 09.06.2011 (Filipe Caroço), proc. 5/11, em www.dgsi.pt.
[11] Acórdão do STJ de 30.04.2014 (Belo Morgado), proc. 319/10, em www.dgsi.pt.
[12] Código de Processo Civil Anotado, vol. V, págs. 67/68.
[13] Veio a ser assinada em Nova Iorque, a 26.01.1990.
[14] Aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90, de 08.06.1990 (e não 12.09.1990, como é habitualmente mencionado). A ratificação operou-se pelo Decreto do Presidente da República nº 49/90, de 12/09. Foi publicada no DR nº 211/90, Série I, 1º Suplemento, de 12.09.1990.
[15] Aprovada pela Lei nº 147/99 de 1 de setembro.
[16] V. art. 27º, nº 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança.