PENHORA DE SALDO BANCÁRIO
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
GARANTIA BANCÁRIA
LEVANTAMENTO DA PENHORA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário


1 – A execução visa realizar coativamente a prestação não cumprida e, embora todos os bens do devedor suscetíveis de penhora respondam pela dívida exequenda, a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da quantia exequenda e das despesas previsíveis da execução.
2 – Os atos praticados na execução devem ser os estritamente necessários e adequados a satisfazer a pretensão do credor e o pagamento das despesas do processo.
3 – Como princípio geral, desde logo emergente do disposto nos artigos 18º, nº 2, e 62º da CRP, na execução não devem ser impostos ao executado maiores encargos do que aqueles que se mostrem indispensáveis ao respetivo fim, isto é, a obtenção da satisfação do direito do credor e o pagamento das despesas da execução. Sendo a agressão do património do executado instrumental da apontada finalidade visada com a execução, se existir no processo uma garantia suficiente para satisfazer o crédito do exequente e pagar as despesas judiciais prováveis, não é lícito realizar uma penhora ou manter uma penhora já efetuada, por se traduzir num ato desnecessário.
4 – Estando penhorado um depósito bancário e tendo o executado deduzido oposição à execução por embargos e requerido a prestação de caução mediante garantia bancária com cláusula on first demand, julgada idónea e já prestada, a qual garante o pagamento da quantia exequenda e das despesas judiciais prováveis, deve ser deferida a pretensão de levantamento da penhora efetuada.
5 – Viola o princípio da proporcionalidade a manutenção na execução, em cumulação efetiva, de dois meios onerosos de satisfação do direito do credor e das despesas da execução, no caso a penhora de um depósito bancário e uma garantia bancária prestada como caução, quando qualquer um deles é suficiente para tutelar efetiva e completamente o direito do exequente. Nesse quadro, o levantamento da penhora, requerido pelo executado, mantendo-se a possibilidade de efetiva realização do direito por via da garantia bancária prestada, afigura-se conforme com o princípio da proporcionalidade.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1.1. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que EMP01..., Lda., move a EMP02..., SA, depois de deduzir embargos de executado, a Executada requereu a prestação de caução para suspensão do processo executivo e levantamento da penhora efetuada.
Para o efeito, ofereceu garantia bancária, já prestada, no valor de € 160.326,70 (cento e sessenta mil, trezentos e vinte e seis euros e setenta cêntimos), como garantia de pagamento da quantia exequenda e despesas prováveis.

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A Exequente opôs-se à prestação da caução nos termos constantes da garantia já junta aos autos, defendendo que a caução deverá ser prestada através de garantia bancária autónoma com a cláusula on first demand e que o valor deverá ser de € 175.000,00, por ser o valor que já se encontra penhorado e que engloba a quantia exequenda e as custas prováveis calculadas pela Sra. Agente de Execução.
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1.2. Seguidamente, proferiu-se decisão, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, de acordo com as considerações exaradas em conjugação com as disposições legais aplicáveis, decide-se julgar o pedido parcialmente procedente, julgando idónea a caução oferecida pela executada EMP02... S.A. e, em consequência:
a) Determina-se que a executada EMP02... S.A. proceda à junção aos autos de garantia bancária autónoma no montante de 160.326,70 (cento e sessenta mil trezentos e vinte e seis euros e setenta cêntimos) onde conste que a mesma mantém a validade até ao trânsito em julgado da decisão que julgue procedentes os embargos de executados deduzidos pela executada que correm no apenso A dos autos principais ou, em caso de serem julgados improcedentes ou parcialmente procedentes os embargos de executado deduzidos pela executada no apenso A, até que se prove no processo o cumprimento do pagamento da quantia exequenda; deverá ainda constar da garantia bancária autónoma que a entidade garante procederá ao pagamento imediato da quantia exequenda, sem possibilidade de invocar qualquer oposição ou escusa, à exequente EMP01..., LDA. após notificação do tribunal para o efeito.
b) Determina-se a suspensão da execução, cujos efeitos se iniciam apenas com a junção aos presentes autos da garantia bancária indicada em a).
c) Indefere-se o levantamento da penhora realizada nos autos principais da execução (…).»
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1.3. Inconformada, a Executada/Embargante interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

«I. O objeto da apelação é dar resposta ao seguinte: Ao proferir-se sentença que julgue idónea a caução prestada para garantir o cumprimento da obrigação exequenda, acautelando os riscos eventualmente resultantes da suspensão do processo, dever-se-á manter a penhora de saldos bancários de igual /superior montante?
II. Atente-se que não se trata de uma caução que, em conjunto com as penhoras, seja suficiente para garantir a exequente.
III. A caução prestada é, quanto ao seu montante, julgada idónea para todo o crédito da exequente.
IV. Resultando, da decisão proferida uma duplicação desproporcional e ilegal de garantias.
V. Apela a recorrente da sentença proferida, apenas no segmento decisório – alínea c) – que indeferiu o levantamento da penhora de saldos bancários no valor de € 175.000,00, realizada nos autos principais da execução.
VI. A decisão é desproporcional e ilegal, onerando a requerente com uma caução que garante a exequente e ainda a penhora de saldos superior ao valor considerado idóneo para garantir a exequente.
VII. A requerente presta caução no valor considerado idóneo de € 160.326,70 (cento e sessenta mil, trezentos e vinte e seis euros e setenta cêntimos).
VIII. Esse valor foi considerado o correto para a finalidade da caução, a garantia bancária adequada, contudo, o teor/dizeres da garantia deveriam ser alterados, o que a Recorrente aceita, estando a preparar a dita garantia com os dizeres constantes da sentença.
IX. Da decisão impugnada, resulta para a Recorrida – não obstante o valor de € 160.326,70 ser idóneo para sua garantia – tem ao seu dispor entre penhoras e caução a quantia de € 335 326,70 (trezentos e trinta e cinco mil, trezentos e vinte e seis euros e setenta cêntimos).
X. Ora, não foi isto que o legislador pretendeu com o instituto da caução, a mesma constitui garantia especial das obrigações tendo, genericamente, por finalidade facultar ao credor forma de satisfação do seu crédito, garantindo assim o cumprimento da obrigação exequenda, acautelando os riscos eventualmente resultantes da suspensão do processo.
XI. Caução idónea significa que está garantido o pagamento da divida exequenda!
XII. Verifica-se que, perante a garantia da penhora, o executado que se oponha à execução poderá substituir a penhora por caução idónea, afastando a cumulação de penhora suficiente e caução (cf. os art.ºs 751º, n.º 7 e 856º, n.º 5).
XIII. Ora, nos autos, quando se apresenta a caução, já a penhora foi realizada. Trata-se de penhora em dinheiro
XIV. Ora, ao prestar caução e sendo a mesma julgada idónea, terá, forçosamente, de se suspender a execução e ordenar, como requerido, a libertação da penhora em excesso.
XV. A nãos ser assim, qual a razão da caução? Suspender a realização de penhoras? Que já não podem ocorrer porque já esta penhorado um valor superior ao da execução e custos….
XVI. Temos, pois, uma sentença desproporcional e violadora do disposto nos art.ºs 751º, n.º 7 e 856º, n.º 5, ambos do C.P.Civ.
XVII. Não é adequado referir que teria a exequente de deduzir oposição à penhora para obter a libertação da penhora de saldos bancários, porque para isso, ter-se-ia de oferecer nova caução nesse incidente, que também corre por apenso.
XVIII. Estaríamos, pois, nesse caso, a prestar duas cauções no mesmo processo e para o mesmo valor, uma para a libertação da penhora e outra para a suspensão da execução!
XIX. A sentença proferida duplica o ónus da recorrente e duplica as garantias da exequente, o que não é de proceder.
XX. Devendo, pois, após cumprimento pela Recorrente de seus ónus relativos à garantia bancária, ordenar-se o levantamento das penhoras realizadas.»
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Não foram apresentadas contra-alegações.
Na sequência da decisão recorrida, a Executada prestou caução mediante garantia bancária nos termos determinados pelo Tribunal – v. requerimento de 16.05.2024, com a referência ...23.
O recurso foi admitido.
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1.4. Questão a decidir
Atentas as conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, importa apreciar se deverá ordenar-se o levantamento da penhora de saldos bancários realizada na execução por ter sido prestada caução, mediante garantia bancária, que garante o cumprimento da obrigação exequenda e despesas prováveis.
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II – Fundamentos

2.1. Fundamentação de facto
2.1.1. Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
«1) EMP01..., LDA. intentou execução sumária contra EMP02... S.A. para pagamento de quantia certa, tendo como título executivo uma sentença arbitral.
2) A quantia exequenda da ação referida em 1) é de 152 692,09 € (cento e cinquenta e dois mil seiscentos e noventa e dois euros).
3) EMP02... S.A. deduziu embargos de executado em 26.2.2024, os quais correm no apenso A dos autos principais;
4) Em 12.3.2024 foram os embargos indicados em 3) liminarmente admitidos;
5) Consta da citação efetuada a EMP02... S.A. que “O valor em dívida (incluindo a quantia peticionada, juros e custas) é provisoriamente fixado em 175.000,00 Euros já aqui estando incluídos os honorários e despesas previsíveis com o agente de execução.”
6) Consta do auto de penhora elaborada dia 2.2.2024 no âmbito do processo referido em 1) que:
“(… ) Limite da penhora     Dívida exequenda      Despesas prováveis
Total
152692,09 €               22307.91 €                 175000,00 €
(…)
Bens penhorados
Verba 1 – Espécie Depósito Bancário
Descrição: dentificação: PT ...00... Tipo - Conta: DO - Nº Titulares: 1 - Quantidade: 0 - Onerado: Não Garantia Real: Não
Valor: 175000,00
(…)”
7) A executada juntou com o requerimento inicial do presente apenso um documento escrito denominado “Garantia bancária n.º ...48”, datado de 6 de março de 2024, onde consta que: “Em nome e a pedido da sociedade EMP02..., SA. (…) o Banco 1... SA (…), vem, pelo presente documento e como garante e principal pagador, prestar a favor de V. Ex.ªs uma garantia bancária até ao limite de Eur. 160.326,70 (cento e sessenta mil trezentos e vinte e seis euros e setenta cêntimos), destinada a garantir o efeito suspensivo do recurso, no âmbito do processo n.º 462/24...(VNF, que corre os seus termos no ... ... – JUÍZO DE EXECUÇÃO – JUIZ ..., em que é exequente EMP01... – Instalações Elétricas e Hidráulica, Lda e executado EMP02..., SA. É, pois, de até Eur. 160.326,70 (cento e sessenta mil trezentos e vinte e seis euros e setenta cêntimos), o valor da presente garantia.
(…).”»
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2.2. Do objeto do recurso
No âmbito do recurso apenas está questionada a decisão que indeferiu a pretensão de levantamento da penhora realizada na execução, que incidiu sobre um depósito bancário. Tudo o mais mostra-se definitivamente decidido.
A Executada deduziu oposição à execução mediante embargos e estes foram recebidos.
Segundo dispõe o artigo 733º, nº 1, al. a), do CPC, o recebimento dos embargos suspende o prosseguimento da execução se o embargante prestar caução.
No caso dos autos, a Executada requereu a prestação de caução e prestou-a mediante garantia bancária, a qual garante a quantia exequenda e as despesas judiciais prováveis em face do prosseguimento do processo.
Essa garantia bancária autónoma, conforme determinado pelo Tribunal de 1ª instância, é válida «até ao trânsito em julgado da decisão que julgue procedentes os embargos de executados deduzidos pela executada que correm no apenso A dos autos principais ou, em caso de serem julgados improcedentes ou parcialmente procedentes os embargos de executado deduzidos pela executada no apenso A, até que se prove no processo o cumprimento do pagamento da quantia exequenda». Mais, em conformidade com a aludida garantia, «a entidade garante procederá ao pagamento imediato da quantia exequenda, sem possibilidade de invocar qualquer oposição ou escusa, à exequente EMP01..., LDA. após notificação do tribunal para o efeito.»

Por conseguinte, neste momento, o pagamento da quantia exequenda e das despesas está assegurado por duas vias: pela penhora de um depósito bancário e pela garantia bancária com cláusula on first demand. Tanto o saldo bancário como a garantia bancária permitem satisfazer rápida e facilmente o interesse do credor. São, aliás, dois dos meios mais aptos e expeditos para conseguir tal desiderato.
Faz sentido que, com vista à suspensão da execução por virtude da dedução de oposição à execução mediante embargos, subsistam simultaneamente dois meios que asseguram eficazmente o pagamento da quantia exequenda e das despesas?
No nosso entender, a resposta é negativa: nenhum interesse relevante justifica essa duplicação de garantias para realizar o pagamento devido à Exequente.

Em primeiro lugar, não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, a ordem jurídica concede ao credor a possibilidade de obter judicialmente a satisfação efetiva do interesse patrimonial correspondente ao seu direito[1]. A ação executiva é o meio que o Estado põe à disposição do credor para a realização coativa da prestação não cumprida. Como refere Miguel Teixeira de Sousa[2], «a acção executiva enquadra-se, assim, na efetividade da tutela jurisdicional e na garantia do acesso aos tribunais para a defesa dos direitos e interesses legítimos (artº 20º, nº 1, CRP).»
Mas a ação executiva não é mais do que um sucedâneo, em face da proibição da justiça privada (art. 1º do CPC), do cumprimento voluntário da obrigação por parte do devedor. Trata-se de obter por via judicial um resultado idêntico ao da realização da própria prestação que, segundo o título executivo, lhe é devida[3].
A execução está por natureza limitada à satisfação do direito do credor a uma prestação. Embora todos os bens do devedor suscetíveis de penhora respondam pela dívida exequenda (art. 735º, nº 1, do CPC), a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da quantia exequenda e das despesas previsíveis da execução (nº 3 do citado preceito). Suficiência e proporcionalidade são os dois conceitos fundamentais a que está subordinada toda a atividade desenvolvida no âmbito de uma execução.
Os atos praticados na execução devem ser «os estritamente adequados a satisfazer a pretensão do credor e as acessórias pretensões de custas. Tal decorrerá, sempre, dos artigos 18º nº 2 e 62º CRP.»[4] É próprio de um Estado de Direito (art. 2º da CRP) que a realização judicial dos direitos se paute pelo princípio da proporcionalidade, pois, nos termos do artigo 18º, nº 2, da CRP, «a lei só pode restringir os direitos, liberdade e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.» Há sempre que ponderar e compatibilizar direitos e interesses antagónicos. Se o credor tem o direito à tutela jurisdicional para efetivação do direito à prestação (art. 20º, nº 1, da CRP), o devedor também tem o direito de exigir que na atuação do Estado seja respeitado o princípio da proporcionalidade.
Repare-se que os atos executivos têm por objeto situações jurídicas integrantes do património do devedor e, de harmonia com o disposto no artigo 62º da CRP, vigora o princípio da propriedade privada, que torna excecional qualquer oneração ou perda forçada das situações jurídicas ativas privadas.
Daí que na execução não devam ser impostos ao executado maiores encargos do que aqueles que se mostrem indispensáveis ao respetivo fim, isto é, a obtenção da satisfação do direito do credor. Mais, a agressão do património do executado é instrumental da apontada finalidade visada com a execução, pelo que se existir no processo uma garantia suficiente para satisfazer o crédito do exequente e pagar as despesas judiciais prováveis não é lícito realizar uma penhora ou manter uma penhora já efetuada, a qual é desnecessária. E, como princípio geral e de bom senso, o que é desnecessário não se realiza nem se mantém.
Por isso, é de difícil compatibilização com os aludidos princípios constitucionais a manutenção, em cumulação, de dois meios onerosos de satisfação do direito do credor, no caso a penhora de um depósito bancário e uma garantia bancária prestada como caução, quando qualquer um deles é suficiente para tutelar efetiva e completamente o direito do exequente.
Nesse quadro, o levantamento da penhora, mantendo-se a possibilidade de efetiva realização do direito por via da garantia bancária prestada, afigura-se como conforme com o princípio da proporcionalidade. Não é uma minudência, pois, traduz-se na observância de um princípio de raiz constitucional estruturante da ordem jurídica.
É também um princípio que tem um valor normativo autónomo e que permite resolver dúvidas interpretativas e lacunas de normas concretas. «Ou seja, na dúvida normativa, devem prevalecer os valores legislativos ou rationes ínsitos ao princípio.»[5]

Em segundo lugar, é inteiramente certo que a jurisprudência maioritária e alguma doutrina têm defendido que, prestada a caução, a penhora mantém-se, como bem atestam as citações constantes da decisão recorrida.
Porém, em nenhuma dessas decisões se efetuou a compatibilização do decidido com os princípios constitucionais que acima referimos.
Por outro lado, a solução que preconizamos, sobre a admissibilidade do levantamento da penhora no caso de a caução se mostrar plenamente apta a realizar o direito à prestação de que é titular o exequente, surge associada a uma outra questão, que é a relativa à ponderação da necessidade de caução para suspender a execução quando os bens penhorados já são suficientes para pagamento da quantia exequenda e despesas prováveis. No sentido aqui defendido, entre vários outros, o acórdão desta Relação de Guimarães, de 12.10.2005 (relator António Gonçalves), proferido no processo 1585/05-1[6], da Relação do Porto de 19.03.2015 (Leonel Serôdio) – proc. 5150/10.2TBVNG-C.P1 e de 10.03.2022 (Judite Pires) – proc. 8778/21.1T8PRT-B.P1, da Relação de Lisboa de 23.03.2021 (Ana Resende) – proc. 5435/20.0T8LSB-B.L1-7, da Relação de Coimbra de 17.01.2017 (Fonte Ramos) – proc. 5211/15.1T8PBL-B.C e de 05.11.2019 (António Pires Robalo) – proc. 3141/18.4T8PBL-B.C1.
Segundo Alberto dos Reis, «a exigência legal que o embargante preste caução para alcançar a suspensão da execução, visa colocar o exequente a coberto dos riscos de demora no seguimento da acção executiva, obviando a que, por virtude de tal demora, o embargante-executado possa empreender manobras delapidatórias do seu património»[7]. Por isso, de harmonia com o mesmo autor, «desde que o exequente tem a segurança de que, se os embargos improcederem, encontrará à sua disposição valores que lhe assegurarão a realização do seu crédito, o seguimento da execução não tem razão de ser».
Pronunciando-se sobre a questão ora em apreciação, Anselmo de Castro referia: «Quanto a nós é impossível ver-se na caução outra função que não seja estritamente a de mera garantia da dívida exequenda (…) igualmente nos parece de admitir que as penhoras já efectuadas podem ser substituídas por caução, e levantar-se pela sua prestação. Será, se se quiser uma lacuna da lei, mas a solucionar necessariamente pelo modo indicado. Veja-se que uma das formas de prestação de caução é em dinheiro e o absurdo que seria não poder o executado fazer cessar a penhora por depósito da respectiva importância»[8]. Esta posição mereceu a adesão de Lebre de Freitas[9]: «De apoiar é também a posição de Anselmo de Castro (…) ao entender admissível, não obstante o silêncio da lei, a substituição da penhora já efetuada por caução, mediante aplicação analógica do que é expressamente previsto para as providências cautelares». Este último autor defendia, então, que o requerimento de suspensão da execução, mediante a prestação de caução, pode ter lugar a todo o tempo e não apenas com a petição inicial de embargos, não se justificando qualquer restrição temporal.
O referido entendimento tem agora acolhimento nos artigos 751º, nº 8, e 856º, nº 5 (aplicável à execução sumária, que é o caso dos autos) do CPC, onde se dispõe que «o executado que se oponha à execução pode, no ato da oposição, requerer a substituição da penhora por caução idónea que igualmente garanta os fins da execução
Esta norma corresponde ipsis verbis ao artigo 834º, nº 5, do anterior CPC[10] e foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de março, passando posteriormente, no novo CPC, para o artigo 751º, nº 7. Com a Lei nº 117/2019, de 13/9, transitou para o nº 8 do artigo 751º.
Como se salienta no acórdão da Relação do Porto de 19.03.2015, proferido no processo 5150/10.2TBVNG-C.P1, embora o elemento literal do (agora) nº 8 do artigo 751º do CPC aponte no sentido de que o requerimento de substituição da penhora por caução idónea tem de ser formulada em simultâneo com o requerimento de oposição à execução, a referida norma «tem subjacentes os princípios da proporcionalidade e da adequação e foi criada principalmente no interesse do devedor, visando criar condições para que este quando questiona a obrigação exequenda, não seja onerado excessivamente com a penhora, permitindo a sua substituição por caução idónea.» Por isso, visando essa norma possibilitar ao executado substituir a penhora por caução idónea, esvaziava o seu conteúdo interpretá-la como impondo que o pedido de substituição tivesse de ser formulado em simultâneo com o requerimento de oposição à execução.
Mas o argumento essencial emerge da ratio do artigo 856º, nº 5, do CPC e da norma paralela do artigo 733º, nº 1, al. a), do CPC, que já atrás apontamos. A finalidade da prestação de caução para suspender a execução é assegurar que a demora da ação executiva não se refletirá negativamente na situação do exequente, ou seja, que no caso de os embargos improcederem terá à sua disposição valores que lhe assegurarão a realização do seu crédito.
Tendo a caução a natureza de garantia especial da obrigação (v. epígrafe do capítulo que antecede o artigo 623º do Código Civil), a caução a que se refere o artigo 856º, nº 5, do CPC garante o pagamento da dívida exequenda e das despesas judiciais prováveis.
Se a caução é idónea e garante o aludido pagamento, nenhuma justificação tem a manutenção de penhora com a mesma finalidade, uma vez que representaria uma desnecessária duplicação de garantias.
E o que é desnecessário e não tem justificação numa execução não pode manter-se.
Por isso, na procedência da apelação, deve ordenar-se o levantamento da penhora.
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III – DECISÃO

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar procedente a apelação, revoga-se a decisão recorrida no segmento objeto de recurso e ordena-se o levantamento da penhora.
Custas pelo Recorrido.
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Guimarães, 26.09.2024
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida
Alcides Rodrigues
Maria dos Anjos Melo Nogueira



[1] Conforme o princípio geral consagrado no artigo 817º do Código Civil.
[2] Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, pág. 603.
[3] Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 14.
[4] Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL Editora, 2018, pág. 32.
[5] Rui Pinto, ob. cit., pág. 32.
[6] Todos os acórdãos citados no texto podem ser consultados em www.dgsi.pt.
[7] Processo de Execução, vol. II, pág. 304.
[8] Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª edição, Coimbra Editora, págs. 324 e 325.
[9] Ob. cit., pág. 166.
[10] Com a reforma operada pelo DL nº 226/2008 passou a ser o nº 6 do artigo 834º do anterior CPC.