ARRESTO
REQUISITOS DO ARRESTO
OPOSIÇÃO AO ARRESTO
Sumário

I - É objectivo primário do procedimento cautelar evitar a lesão grave ou dificilmente reparável de um direito em resultado da demora na composição definitiva do litígio
II - O arresto é um meio de garantia patrimonial do credor, cuja regulamentação substantiva encontra acolhimento nos artigos 619.º e seguintes do Código Civil, sendo o seu tratamento adjectivo feito pelos artigos 391.º a 396.º do Código de Processo Civil.
III - A providência em causa depende da verificação cumulativa de dois requisitos: a probabilidade da existência do crédito do credor e a existência de justo receio de perda da garantia patrimonial do mesmo.
IV - No procedimento cautelar, a oposição tem por objectivo afastar os fundamentos da decisão inicial proferida, recaindo sobre o oponente o ónus de alegar factos novos não considerados na referida decisão, ou apresentar novos meios de prova que, no entendimento do mesmo, possam afastar tais fundamentos, conduzindo à não manutenção da providência decretada ou à sua redução.

Texto Integral

Processo nº 1128/24.7T8VNG-B.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO.

AA instaurou procedimento cautelar de arresto contra A..., Lda., pedindo que seja ordenado o arresto de crédito que a Requerida detém sobre BB, em virtude de transação homologada por sentença datada de 30.10.2023, até ao montante de € 567.000,00, correspondente a duas tranches de € 250.000,00, cada uma, e a uma terceira tranche, até ao montante de € 67.000,00.

Justifica a instauração do procedimento cautelar em causa por impossibilidade de substituir o crédito litigioso arrestado por ordem deste tribunal no processo que corre termos sob o nº 2187/23.5T8VNG em virtude de, tendo transitado em julgado a decisão proferida nesse procedimento cautelar de arresto de um crédito litigioso, já não poder o Requerente pedir a substituição daquele bem arrestado.

Alega, para fundamentar o pedido de arresto que é titular de um crédito sobre a requerida, decorrente de incumprimento definitivo de obrigações assumidas por esta, com um valor pecuniário reconhecido como devido por declaração assinada pela requerida e que, decorrente do agravamento da situação financeira da requerida existe um risco sério para a futura satisfação do crédito do requerente, alegando, de forma discriminada, factos suscetíveis de demonstrar o receio de perda de garantia patrimonial do seu crédito.

Após produção da prova indicada pelo Requerente, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, defiro o presente procedimento cautelar de arresto e, em consequência,

- decreto o arresto do crédito que a Requerida detém sobre BB, em virtude de transação homologada por sentença datada de 30.10.2023, no processo de corre termos sob o nº 6648/22.5T8ALM-A, no Juízo de Execução de Almada (J3), até ao montante de € 567.000,00, correspondente a duas tranches de € 250.000,00, cada uma, e a uma terceira tranche, até ao montante de € 67.000,00.


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Cumpra o disposto no artigo 773º e ss. do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 391º/2 do Código de Processo Civil, notificando o devedor de que o respetivo crédito fica à ordem deste tribunal, nos termos e para os efeitos dos artigos 773º/1 e 777º/1, do Código de Processo Civil.

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O arresto deverá ser efetuado pelo agente de execução indicado pelo requerente, que se nomeia para o efeito.

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Valor da causa: € 567.000,00

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Custas a cargo do Requerente, sem prejuízo do disposto no artigo 539º/2 do Código de Processo Civil e artigo 7º/4, e Tabela II anexa, do Regulamento das Custas Processuais.

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Cumprido o arresto decretado, notifique a Requerida nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 366º/6 e 372º/1 do Código de Processo Civil.

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Após, notifique o Requerente nos termos e para os efeitos do artigo 373º/1/a), ex vi artigo 376º/1, do Código de Processo Civil.

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Registe e notifique”.

A Requerida deduziu oposição ao arresto decretado, pedindo que seja a oposição julgada procedente e, em consequência, revogado o arresto.

Alega, em síntese, que o crédito alegado pelo requerente não existe, não tendo a intervenção da requerida no contexto do contrato-promessa celebrado tido a contextualização factual tida como provada, que sempre se traduziria num negócio nulo, tendo a requerida pago ao requerente valores superiores aos reconhecidos por este e assumindo a posição de credora e não de devedora do requerente. Mais alega a estabilidade da situação financeira da requerida, justificativa do afastamento do pressuposto de risco de satisfação do crédito que deu causa ao decretamento do arresto.

Realizada a audiência final, foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:

“Nos termos e fundamentos expostos, concluindo pela parcial procedência da oposição e reduzindo o crédito a garantir, decido:

- manter o arresto decretado sobre o crédito que a Requerida detém sobre BB, em virtude de transação homologada por sentença datada de 30.10.2023, no processo de corre termos sob o nº 6648/22.5T8ALM-A, no Juízo de Execução de Almada (J3), limitado ao montante de 504.000,00 €, correspondente a duas tranches de 250.000,00 € cada e a uma terceira tranche no montante de 4.000,00 €.


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Custas a cargo da requerida (art.º 539º, nº1 do Código de Processo Civil), a atender na ação principal.

Registe e Notifique, oportunamente notificando o devedor da redução operada quanto ao valor da última tranche arrestada à ordem deste tribunal”.

Não se conformando a requerida com tal decisão, dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:

a) Não podemos concordar com a decisão proferida, que mantem o arresto decretado até ao valor de 504.000,00 (quinhentos e quatro mil euros), porquanto, entendemos que da prova produzida, o tribunal fez uma apreciação, salvo o devido respeito, errada, tendo, em consequência dado como provados factos que jamais se poderiam dar como provados, e dado como não provados factos que foram objeto de prova e que não restam dúvidas que deveriam ter sido dado como provados.

b) Não estão reunidos, no caso dos autos os dois requisitos cumulativos de cuja verificação a lei faz depender o decretamento da providência cautelar- arresto, pelo que o presente recurso não pode deixar de obter provimento.

c) O crédito não existe por não existir qualquer relação subjacente válida que o justifique.

d) Mais, além da inexistência do crédito não se verifica também periculum in mora.

e) Por um lado, porque quando a Recorrida apresentou o requerimento de arresto, já havia celebrado a escritura pública do imóvel, facto dado como provado número 2: “A escritura pública de compra e venda que constitui o contrato definitivo e que se reporta o contrato promessa celebrado com a intervenção das partes foi outorgada em 18.09.2023, tendo, nessa ocasião, o requerente pago o remanescente do preço em falta.” – facto que o Recorrido omitiu, propositadamente, no requerimento inicial da providência cautelar.

f) Por outro lado, o “justo receio da perda da garantia patrimonial” é baseado num relatório pago, abstrato, sem correspondência à realidade económica, financeira e judicial da ora Recorrente. Mais, do relatório (doc.25 requerimento inicial) que serve de base aos factos provados na decisão que decretou a providência cautelar e na decisão que manteve a providência cautelar, podemos retirar desde já as seguintes conclusões:1) Não esta em PER nem se prevê que esteja; 2) As ações judiciais que constam como abertas, já se encontram extintas, sendo que numa das ações em vez de pagar a Recorrente tem a receber milhões de euros; 3)Não tem ações de insolvência em aberto; 4) Não consta da lista pública de execuções; 5)Tem a sua situação contributiva (AT e SS) devidamente regularizada.

g) Ora, dos factos provados na decisão que decretou a providência cautelar e na decisão que após a oposição do ora Recorrente manteve a decisão do decretamento da providência cautelar de arresto, não resulta:

h) que a ora Recorrente tenha praticado atos de alienação/oneração/ocultação/dissipação do seu património;

i) que a Recorrente se tenha furtado aos contactos com o Requerente e ora Recorrido, na tentativa de assim retardar e/ou impossibilitar o cumprimento da obrigação; - Pelo contrário, a ora Recorrente em sede de reconvenção ao processo 259/23.5T8VNG (facto provado número 1 al. a) peticionou o pagamento de 1.700.000,00 (um milhão e setecentos mil euros, sendo que um milhão é referente à clausula penal pela indevida resolução contratual, e sendo que 700.000,00 (setecentos mil euros) é a comissão devida pela intermediação da ora Recorrente no negócio do Recorrido com o B...), factos estes que atenta a prova produzida deveriam ter sido dados como provados, factos estes que de seguida melhor trataremos;

j) que a Recorrente desenvolve atividade produtiva, com carteira de ativos, tal como resulta de facto dado como provado na decisão que decretou a providência cautelar: “A Requerida é representante de vários jogadores e treinadores de futebol, com um total de 28 jogadores, 6 deles de primeira linha profissional (conforme informação disponível em ...).”

k) que a Recorrente se encontra em situação económica deficitária, com uma evidente desproporção entre o ativo e o passivo. – Pelo contrário, resulta da decisão que decretou a providência cautelar os seguintes factos provados:

(…) No dia 29.09.2022, a Requerida intentou ação de execução, a qual correu termos no Juízo de Execução de Almada (J3), no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o processo n.º 6648/22.5T8ALM, contra BB. (…)Por transação homologada por sentença de 30.10.2023, a Requerida e o BB chegaram a acordo, pondo termo definitivo ao referido litígio. (…) Nos termos do acordo alcançado foi fixada a quantia exequenda, no valor total de € 2.130.000,00.”

Da decisão que manteve a providência cautelar, os seguintes factos provados:

“12. Encontram-se em curso ações judiciais (…) cobrança de créditos que a requerida alega titular sobre C... com os valores de 1.260.000,00, 38.000,00 e 655.000,00” – Sendo que da prova produzida foi pelo legal representante da ora Recorrente referido que a estes valores ainda acresce à mesma entidade a quantia de 655.000,00 (seiscentos e cinquenta e cinco mil euros)

“13. A Requerida tem em curso uma ação executiva contra o D... SAD para cobrança coerciva do montante de 284.613,19”.

l) Não são conhecidos incumprimentos de pagamentos.

m) Não produziu o ora Recorrido qualquer prova da situação financeira da Recorrente referente ao ano de 2023 e à sua situação atual.

n) No nosso entender, não estão demonstrados, mesmo de forma perfunctória, comportamento da Requerida / Recorrente que colocassem em causa ou tornassem difícil a cobrança de eventual crédito do Requerente ora Recorrido.

o) Não estão, portanto, reunidos, no caso dos autos os dois requisitos cumulativos de cuja verificação a lei faz depender o decretamento do arresto, pelo que o presente recurso tem que obter provimento.

Quanto ao erro na apreciação da prova: impugnação de factos indevidamente dado como provados; impugnação de factos indevidamente dados como não provados;

p) O tribunal ora recorrido atenta a prova apresentada, e atentos os factos que deu como provados, e como não provados, entrou em clara contradição/erro, tendo retirado ilações e conclusões que, salvo o devido respeito por opinião contrária, estão erradas; violando normativos legais incontornáveis numa situação destas.

q) O tribunal ora recorrido atenta a prova apresentada, deu como provados determinados factos sem qualquer sustentação fáctica, ou com base probatória;

r) O tribunal ora recorrido atenta a prova apresentada, deu como não provados determinados factos que encontram nos presentes autos prova bastante, expressa, clara, para se considerarem como factos provados.

s) Foram dados como provados os factos constantes da decisão que decretou a providência cautelar com referência citius 456333732, que aqui se deverão dar como integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.

t) Foram dados como não provados os factos constantes da decisão que decretou a providência cautelar com referência citius 456333732, que aqui se deverão dar como integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.

u) A decisão que manteve a providência cautelar com referência citius 458910984, deu como provados os factos nela constantes e que aqui se deverão dar como integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.

v) A decisão que manteve a providência cautelar com referência citius 458910984, deu como não provados factos nela constantes e que aqui se deverão dar como integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.

w) Jamais, atenta as provas produzidas se poderão dar como provados os seguintes factos constantes na decisão que decretou a providência cautelar com referência citius 456333732: artigos 3.º, 6.º, 8.º, 11.º, 14.º, 17.º a 43.º, 52.º a 65.º, 67.º;

x) Jamais, atenta as provas produzidas se poderão dar como não provados os seguintes factos constantes na decisão que manteve a providência cautelar com referência citius 458910984: b) a r)., com exceção alínea a).

Assim,

y) Foram indevidamente dados como provados os factos 3),6)8) e 11) da decisão com referência 45633732, e indevidamente dado como não provados os factos b) c)d) e e) da decisão 458910984, no que diz respeito a quem é efetivamente o gerente de facto e de direito da ora Recorrente. Resulta da prova documental junta aos autos, nomeadamente certidões permanentes da ora Recorrente, e da sócia da Recorrente E..., Lda., resulta expressamente o seguinte:

- A E..., Lda., detém 90 % do capital social da ora Recorrente.

- O capital social da E..., Lda., é detido na proporção de 50/50 pelo CC e por DD, sendo DD a gerente da E..., Lda.,

- CC, para além de deter 50% do capital social da E..., Lda., que detém 90% da ora Recorrente, detém mais 10 % do capital social da Recorrente.

- CC, tal como resulta da certidão permanente é gerente da ora Recorrente desde meados de 2014.

- Assim, CC, detém direta e indiretamente da sociedade ora Recorrente 55% do capital social, ao qual acresce o cargo/função de gerente.

- CC não pode, na medida em que é impossível, ser eventualmente destituído deste cargo na ora Recorrente, tendo assim a maioria, sendo expressamente o beneficiário efetivo.

- É CC que na qualidade de legal representante da Recorrente assina contratos, paga contas, movimenta contas bancárias, dá ordens aos seus funcionários: EE e FF.

z) Pelo que dúvidas não podem restar, até pelas declarações prestadas pelo legal representante da Recorrente, credíveis, devidamente fundamentadas, demonstrativas do seu efetivo conhecimento de gestão do negócio, que FF nada mais é que um funcionário, sendo CC quem em tudo representa a sociedade ora Recorrente, seja nos atos de gestão da empresa diários, seja na outorga de contratos, seja na constituição de mandatários para intervenção processual.

aa) Foram indevidamente dados como provados o facto 14) da decisão com referência 45633732, e indevidamente dado como não provados h) e m) da decisão 458910984, no que diz respeito aos pagamentos que o ora Recorrido alega ter feito à Recorrente no âmbito dos contratos de intermediação pelas partes celebrado.

- Não foi produzida nenhuma prova quanto a estes factos, nem podia, pois, como o Recorrido confessa, que a Recorrente era sua representante e era este que lhe teria de pagar e ele nunca nada pagou. Não consta dos autos, porque não existe, prova que demonstre que o Recorrido pagou à Ré as comissões pelas transferências melhor discriminadas supra.

bb) Assim como também não foi paga a comissão pela transferência para o B... no valor de 700.000,00 (setecentos mil euros) por força do contrato de representação em vigor entre Recorrente e Recorrido, tal como o próprio Recorrido confessa no seu depoimento de parte. Não existe um único documento junto aos autos que prove que o requerente pagou à Requerida a comissão devida enquanto seu intermediário, muito menos que para além das transferências supra mencionadas, tenha pago qualquer comissão na sua transferência do B.... – Não há dúvidas do não pagamento, tal facto é confessado pelo Recorrido no seu depoimento de parte. VEJAMOS:

Resulta do depoimento do Recorrido, a 08-04-2024, minutos 14.10 a 15.00 da gravação disponibilizada referente ao ora Recorrido:

Questionou a juiz “O Senhor tem alguma divida em relação à A... ? Se pagou os serviços que lhe foram sendo prestados pelo Sr. FF ou pela A... ao longo desses tempos?”

Respondeu o Recorrido: “As comissões ao longo dos contratos da minha carreira são os clubes que pagam as comissões ao agente”.

cc) Sendo certo que por sentença proferida a 27.03.2023, no procedimento cautelar que corre termos sob o processo n.º 2187/23.5T8VNG, deste Tribunal (J1), o tribunal deu como provados os factos alegados pelo Requerente e determinou o arresto do crédito correspondente a 50% da comissão de intermediação devida à Requerida pela transferência do Requerente para o B... em Setembro de 2022, a efetuar mediante notificação dirigida à devedora F..., tendo recebido como resposta que nada havia a pagar à ora Recorrente, que o Clube não tinha que pagar qualquer comissão crédito.

dd) O clube não tendo pago qualquer comissão à Recorrente, quem a teria que pagar era o jogador ora Recorrido, que como confessou expressamente, não o fez.

ee) Foram indevidamente dados como provados os factos 17) a 26) da decisão com referência 45633732, e indevidamente dado como não provados os factos f), g), j), k), l), m), n) o) da decisão 458910984, no que diz respeito à razão subjacente à alegada e eventual outorga do contrato promessa de compra e venda.

- Refere desde já a ora Recorrente, que se o imóvel foi prometido vender ao Recorrido, a Recorrente, mesmo comprometendo-se a pagar esse dinheiro ao promitente vendedor, o que refere por mera cautela de patrocínio, não se confessou devedora desse montante ao Recorrido. Sendo em todo o caso nulo este clausulado por extravasar o objeto da sociedade.

– A obrigação de pagamento era para com o promitente comprador ora Recorrido, e não para o ora Recorrente, pois a final o imóvel foi prometido comprar por este, para este, e seria este a ter de pagar o preço, como é evidente e apodítico.

- Na verdade, a Recorrente assumiu essa obrigação perante a promitente vendedora, sendo que pelos motivos supra expostos o Recorrido teria sempre de lhe devolver este montante, sob pena de nulidade de tal obrigação por violação do objeto da sociedade, bem como por enriquecimento sem causa do ora Recorrido, como ele bem sabe.

- Comissão esta que tal como já nestes autos mencionada e que aqui se deverá dar como integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais: não foi paga, nem pelo Recorrido, nem por qualquer outra pessoa a seu pedido.

- O Recorrente iria ser ressarcido do remanescente em divida do valor por si mutuado a FF quando este recebesse a sua comissão pelos serviços prestados pelo contrato que o ora Recorrido celebrou com o B..., por efeito do qual o Recorrido deve À Recorrente o valor de pelo menos 700.000,00 Euros.

- A existência desse crédito foi a justificação para a ora Recorrente ter outorgado o contrato promessa.

- Sendo que a Recorrente iria amortizar essa responsabilidade de FF com o ora Recorrido, no pressuposto de que FF ressarciria a ora Recorrente por compensação da comissão que teria a receber desta pelos serviços prestados ao Recorrido numa transferência/novo contrato de trabalho desportivo, no âmbito do contrato de representação.

- Não tendo o Recorrido pago a comissão à Recorrente a que estava obrigado por força do contrato de representação e que ascende a 700.000,00 euros, e tendo em conta que tal assunção pela Recorrente das obrigações estipuladas no contrato promessa tiveram como pressuposto o cumprimento pelo Recorrido do contrato de intermediação, e não tendo este cumprido, não existe, nenhuma relação subjacente para a existência de qualquer divida entre Recorrido e Recorrente.

ff) Foram indevidamente dados como provados os factos 28 a 35 da decisão com referência 45633732, e indevidamente dado como não provados f), g), j), k), l), m), n) o) da decisão 458910984, no que diz respeito ao contexto da assinatura da confissão de divida de 126.000,00, com os mesmo fundamentos, que aqui se deverão dar como integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais dos factos, dos factos 17) a 26) da decisão com referência 45633732, e dos factos f), g), j), k), l), m), n) o) da decisão 458910984.

gg) Foram indevidamente dados como provados os factos 52 a 62 da decisão com referência 45633732, no que diz respeito ao relatório da G.... Ora, tribunal não podia dar como provado estes factos com base em reportes realizados com base num relatório sem fecundidade técnica, ou avaliações financeiras realizadas a pedido e pagas pela Recorrido, com base em documentos coligidos sem qualquer rigor técnico

III. Normas Violadas:

Artigo 619.º do Código Civil, 362.º, 391.º n.º 1 e 2 e 392.º todos do Código de Processo Civil.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser admitido e julgado procedente por provado, e em consequência revogada a decisão que decretou e manteve a providência cautelar- arresto, requerida”.

O recorrido apresentou contra-alegações, nas quais defende a inadmissibilidade do recurso por incumprimento pela recorrente dos ónus previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, pugnando, em todo o caso, pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.OBJECTO DO RECURSO.

A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.

B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar se:

- existe erro na apreciação da matéria de facto;

- se mostram reunidos os pressupostos para o decretamento da providência de arresto.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A. A sentença que decretou o arresto, considerou indiciariamente provados os seguintes factos:

1. O requerente é jogador profissional de futebol e, até agosto de 2023, jogou no B... (o “B...”), da Ligue 1 Francesa, sendo conhecido como GG.

2. A requerida é uma sociedade comercial que tem por objeto a “intermediação, aquisição de direitos de inscrição e representação, gestão e assessoria de carreiras desportivas, mediação desportiva e comércio e representação de produtos e equipamentos desportivos”.

3. A requerida é uma sociedade controlada de facto por Senhor FF, que toma todas as decisões de gerência, nomeadamente, as decisões relativas às negociações contratuais dos jogadores que a Requerida representa.

4. Aquando da sua constituição, em 2011, era gerente único da Requerida FF e eram sócios A..., SGPS, S.A., titular de uma quota de € 100,00 e HH, titular de uma quota de € 4.900,00.

5. FF renunciou ao cargo de gerente único da requerida a 05.06.2014, sendo designados como gerentes CC e HH.

6. Desde 2019 apenas CC é gerente da requerida.

7. Desde 2019 são sócios da requerida: E... Lda., titular de uma quota de € 4.500,00 e CC, titular de uma quota de € 500,00.

8. FF mantém o controlo de facto sobre a requerida, através da E..., Lda., sociedade que tem como gerente único a sua filha, DD, que é também sócia, juntamente com CC.

9. Aquando da sua constituição, em 2009, a E..., Lda. tinha como sócios a A..., SGPS, S.A., titular de uma quota de € 90.000,00 e HH, titular de uma quota de € 10.000,00, e como gerente único HH.

10. Atualmente tem como sócios CC, titular de uma quota de € 100.000,00 e DD, titular de uma quota de € 100.000,00, sendo esta filha de FF, única gerente da E..., Lda., que detém 90% do respetivo capital social da requerida.

11. Todas as decisões sobre negociações de contratos da requerida e, em particular, dos contratos que celebrou com o requerente, são tomadas por FF.

12. A partir do ano de 2010, altura em que o requerente tinha 15 anos e jogava no H..., FF (e, posteriormente, a requerida) por influência do pai do requerente, começou a prestar os seus serviços de intermediação, aquisição de direitos de inscrição e representação do requerente.

13. Nos termos da referida relação profissional, o requerente e a requerida celebraram diversos contratos de gestão de carreira profissional de futebol ao longo dos últimos anos, desde o ano de 2011, altura em que FF ficou encarregue da representação e intermediação da carreira do requerente.

14. A requerida, como representante do requerente, interveio e recebeu as comissões devidas, desde 2011, nas diversas contratações deste por clubes de futebol, nomeadamente:

i. na transferência do requerente para o I..., em 2011, em Espanha;

ii. na transferência do requerente para o J..., em 2012;

iii. na transferência do requerente para o K..., em 2013;

iv. na transferência do requerente para o L..., em 2014;

v. na transferência do requerente para o K..., em 2016;

vi. na transferência do requerente para o C...., em 2016, em França;

vii. na transferência do requerente para o M...., em 2017, em França; e

viii. na transferência do requerente para o C...., em 2018, em França.

15. O Requerente é credor de FF no valor de € 400.000,00.

16. O Requerente intentou contra o mesmo ação executiva, para obter o pagamento desta quantia, que corre termos no Juízo de Execução do Porto (J5), no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sob o processo n.º 5031/23.0T8PRT.

17. Por forma a manter a representação do requerente, FF sugeriu que este adquirisse uma fração autónoma do prédio designado “...” que a requerida tinha prometido comprar em 2019 à N..., Lda. (a “N...”), sendo o respetivo preço pago pela requerida.

18. Após visitas ao imóvel, o requerente decidiu avançar com a compra da fração que tinha sido prometida comprar pela requerida (a fração S).

19. Decidiu também adquirir uma nova fração (a Fração N) do mesmo empreendimento imobiliário – prédio urbano, composto pelo terreno destinado à construção, denominado “Lote ...”, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na competente Conservatória sob o número ....

20. Em junho de 2020, foi assinado um acordo de revogação do contrato promessa de compra e venda celebrado entre a requerida e a N... (promitente-vendedora).

21. No referido acordo consta, na Cláusula Terceira, que: «Com a assinatura do presente Acordo, a segunda outorgante declara e aceita expressamente que a quantia por si paga a título de sinal à primeira outorgante, no montante de 63.000€ (sessenta e três mil euros), fique na posse daquela primeira outorgante, que por sua vez, aceita e compromete-se a destinar tal valor para parte e por conta do preço relativo ao Contrato Promessa de Compra e Venda que irá outorgar nesta mesma data com AA».

22. A 01.06.2020, foi assinado um contrato promessa de compra e venda, celebrado entre a N..., o requerente e a requerida, representada por CC, que teve por objeto uma fração do tipo T4, projetada pela união da fração S e da fração N.

23. Nesse contrato a requerida comprometeu-se perante o requerente a proceder ao pagamento à N... da parte do preço da nova fração que correspondia ao valor de € 630.000,00.

24. Além do valor de € 63.000,00 já pago à N... ao abrigo do contrato promessa celebrado a 19.09.2019 e então resolvido através de acordo, a requerida comprometeu-se a pagar o valor de € 567.000,00.

25. Nos termos da Cláusula 2, n.º 3, do referido contrato promessa de compra e venda, a requerida, “(…) por força do vínculo contratual que mantém [com o requerente] (…), compromete-se perante este a proceder, na devida proporção do plano supra estabelecido, ao pagamento à primeira da quantia de euros: 567.000 €”.

26. Para tal, foi definido um plano de pagamento descrito na Cláusula 2, n.º 1, do contrato promessa de compra e venda:

i. o montante de € 128.000,00 até ao dia 01.12.2020;

ii. o montante de € 128.000,00 até ao dia 01.06.2021;

iii. o montante de € 128.000,00 até ao dia 01.12.2021;

iv. a quantia de € 768.000,00 paga no ato da outorga da escritura de compra e venda.

27. O montante de € 567.000,00 incluía o valor de € 400.000,00 devido por FF.

28. A partir do mês de dezembro de 2020, a requerida apresentou dificuldades em pagar as prestações a que se encontra obrigada.

29. Ao longo do ano de 2021, o requerente contactou a requerida por diversas vezes no sentido de alertar para o cumprimento das suas obrigações contratuais, estando sempre disponível para chegar a um entendimento e apresentando possíveis soluções.

30. A Requerida incumpriu prestações a que estava obrigada, tendo efetuado um reconhecimento de parte da dívida perante o requerente, no valor de € 126.000,00.

31. Resulta deste reconhecimento de dívida, que a requerida não pagou parte das prestações d) e e) do n.º 1 da cláusula 2 do contrato promessa de compra e venda no valor de € 126.000,00.

32. A requerida reconheceu ser devedora da quantia de € 126.000,00 e que o requerente é credor dessa quantia.

33. Os montantes em dívida que a requerida não pagou venciam-se em 01.06.2021 e 01.12.2021.

34. No reconhecimento de dívida, a requerida comprometeu-se perante o requerente a liquidar a quantia cuja dívida confessou até ao final do mês de junho de 2022, o que não cumpriu até à presente data, apesar das insistências do requerente para obter o pagamento.

35. Sobre esta dívida da requerida, o requerente, em maio de 2022, alertou FF: «Amigo tenta arranjar o dinheiro, são os 126 mil (…)» tendo garantido FF que: «Vou tentar arranjar máximo amigo».

36. Em junho de 2022, o requerente instou novamente FF para o pagamento da dívida da requerida: «FF vou precisar de receber algum dinheiro. Quanto consegues ter disponível até amanhã ou quarta de manhã?». FF assegurou que: «Se fechar hoje amanhã já tens o dinheiro (…) Desculpa amigo vou fazer tudo para te resolver. (…) sabes que te vou pagar amigo não vou ficar a dever nada foi um momento difícil para mim», mas, mais uma vez, não pagou.

37. A relação entre o requerente e FF deteriorou-se, mas, ainda assim, o requerente tentou chegar a acordo com FF relativamente aos valores em dívida, através da seguinte mensagem de 18.10.2022: «FF, esta confissão de dívida da parte da tua empresa e do CC, ainda não foi liquidada. Ainda temos outra confissão de dívida pendente em relação ao meu apartamento no .... Como está escrito na confissão de dívida, o montante total deveria ter sido liquidado até junho 2022, coisa que não aconteceu. Mais uma vez peço para entrares em contacto comigo afim de podermos resolver esta situação a bem. Não gosto, nem quero levar isto por caminhos que não têm de ir. Tenho muito respeito pela nossa história, mesmo se não tens mostrado esse mesmo respeito por mim. Fico à espera do teu contacto. Um abraço».

38. FF não respondeu.

39. A 10.01.2023 o requerente, através de advogado, interpelou a requerida para pagamento da referida dívida, por carta da qual consta: «Na sequência da confissão de dívida assinada por V. Exas. A 27.03.2022 onde se reconheceram devedores da quantia de € 126.000,00 (cento e vinte e seis mil Euros) ao nosso Cliente, e na ausência do referido pagamento findo o prazo estabelecido na referida confissão, vimos por este meio solicitar a V. Exas. que cumpram com a obrigação de pagamento do referido montante, podendo ser pago através de transferência bancária para o IBAN  ...»

40. Não foi obtida resposta.

41. Por escritura de compra e venda outorgada a 18.09.2023, N..., Lda. declarou vender ao Requerente a fração “N” do prédio descrito em 19. pelo valor global de € 1.280.000,00, já liquidado.

42. O preço foi pago pelo Requerente.

43. A Requerida não procedeu ao pagamento da quantia referida em 24. e 25..

44. No dia 29.09.2022, a Requerida intentou ação de execução, a qual correu termos no Juízo de Execução de Almada (J3), no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o processo n.º 6648/22.5T8ALM, contra BB.

45. Por transação homologada por sentença de 30.10.2023, a Requerida e BB chegaram a acordo, pondo termo definitivo ao referido litígio.

46. Nos termos do acordo alcançado foi fixada a quantia exequenda, no valor total de € 2.130.000,00.

47. Em relação ao referido valor, BB pagou: em agosto de 2023, a quantia de € 250.000,00; e em outubro de 2023, a quantia de € 500.000,00.

48. Nos termos do acordo homologado sobre o restante valor a pagar (€ 1.380.000,00), foi definido um plano de pagamentos entre a Requerida e BB: o montante de € 250.000,00 até ao dia 31.12.2023; o montante de € 250.000,00 até ao dia 31.01.2024; o montante de € 250.000,00 até ao dia 28.02.2024; o montante de € 250.000,00 até ao dia 31.03.2024; o montante de € 250.000,00 até ao dia 30.04.2024; o montante de € 130.000,00 até ao dia 31.05.2024.

49. O requerente tem a convicção fundada de que só através deste crédito consegue obter uma parte do valor que a requerida lhe deve.

50. A Requerida foi fundada há 12 anos na região do Porto, com o capital social mínimo de € 5.000,00.

51. A Requerida é representante de vários jogadores e treinadores de futebol, com um total de 28 jogadores, 6 deles de primeira linha profissional (conforme informação disponível ...).

52. A situação financeira da Requerida tem vindo a degradar-se desde 2019.

53. De relatório elaborado pela empresa G... sobre a solvabilidade e risco de incumprimento da requerida, suportado em documentos que contêm informação pública sobre a empresa, consta que a solvabilidade da requerida foi, em 2022, apenas de 21,40%, com uma diminuição de 34,23 p.p. face ao ano de 2021.

54. A autonomia financeira da requerida é de 17,63%, com uma diminuição de 28,19 p.p. face ao ano de 2021.

55. Do mesmo relatório consta que o volume de vendas e prestação de serviços registou uma descida de 70 % face ao valor do ano anterior, sendo o resultado líquido do exercício do ano de 2022 inferior ao resultado líquido do exercício de 2021, tendo a requerida apresentado um resultado líquido no valor de € -151.095,97, representando uma diminuição de 377%.

56. Entre 31.12.2021 e 31.12.2022, os resultados operacionais da requerida desceram de € 117.849,62 para € -126.845,24.

57. A Requerida tem um passivo de € 2.821.717,53, isto é, 4 vezes superior aos seus capitais próprios.

58. A Requerida, a 31.12.2022, apresentava um passivo corrente que incluía, entre outras rúbricas: Dívidas a fornecedores no montante de € 2.542.014,16; Dívidas ao Estado e a outros entes públicos no montante de € 74.954,49; Outras contas a pagar no montante de € 28.608,27.

59. Para fazer face a estas responsabilidades, a requerida tinha no seu ativo corrente: € 25.865,22 em caixa e depósitos bancários; e € 1.539.445,00 de créditos sobre clientes.

60. A Requerida tem um nível elevado de delinquency (demora nos pagamentos a credores) uma vez que existem evidências de dívidas por regularizar ou de problemas relacionados.

61. Da análise financeira no referido relatório resulta a redução das receitas obtidas pela requerida nos últimos anos: em 2019, obteve € 659.266,72 de resultado líquido do exercício; em 2020, obteve € 58.991,67 de resultado líquido do exercício, em 2021, obteve € 54.634,44 de resultado líquido do exercício e em 2022, obteve € -151.095,97 de resultado líquido do exercício.

62. Também resulta que as receitas desceram e o total do passivo da requerida aumentou: em 2019, de € 1.906.310,94; em 2020, de € 2.645.526,22; e em 2021, de € 3.045.189,39.

63. A requerida é ré em ações de incumprimento contratual.

64. Em 14.05.2019, BB instaurou uma ação de declarativa de condenação contra a requerida, com um valor de € 500.000,00, que correu termos no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, sob o número de processo 4087/19.4T8VNG.

65. Em 13.06.2019, II instaurou uma ação de declarativa de condenação contra a requerida, com um valor de € 485.000,00, que correu termos no Juízo Central Cível de Lisboa, sob o número de processo 12367/19.2T8LSB.

66. Por sentença proferida a 27.03.2023, no procedimento cautelar que corre termos sob o processo n.º 2187/23.5T8VNG, deste Tribunal (J1), o tribunal deu como provados os factos alegados pelo Requerente e determinou o arresto do crédito correspondente a 50% da comissão de intermediação devida à Requerida pela transferência do Requerente para o B... em Setembro de 2022, a efetuar mediante notificação dirigida à devedora F....

67. O crédito arrestado, que a Requerida detém sobre a F... é, neste momento, um crédito litigioso.

B. E a mesma sentença considerou que indiciariamente não se provou que “A relação profissional entre o requerente e a requerida (através de FF) terminou em 05.02.2022, com a nulidade do seu contrato de representação, por falsificação da respetiva data e incumprimento das obrigações contratuais da requerida.

C. Por sua vez, a sentença que apreciou a oposição deduzida pela requerida considerou provados, no que respeita à matéria alegada pela opoente com relevância para a decisão a proferir, os seguintes factos:

1. Correm termos as seguintes ações judiciais entre o requerente e a requerida, esta diretamente ou como interveniente, relacionadas com a questão sob litígio:

a. Processo: 259/23.5T8VNG, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 2, que integra os articulados e despacho saneador correspondentes aos documentos 1, 2 e 3 anexos ao requerimento de oposição e cujo teor se tem por reproduzido;

b. Processo: 5031/23.0T8PRT, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Execução do Porto – juiz 5, em que é executado FF e em que a requerida figura como interveniente acidental, iniciado com o requerimento executivo correspondente ao documento nº 5 anexo ao requerimento de oposição, cujo teor se tem por reproduzido;

c. Processo: 5031/23.0T8PRT-A, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Execução do Porto - Juiz 5, embargos de executado deduzidos por FF, do qual fazem parte os articulados e despacho saneador correspondentes aos documentos 6, 7,8 e 9 anexos ao requerimento de oposição e cujo teor se tem por reproduzido.

2. A escritura pública de compra e venda que constitui o contrato definitivo a que se reporta o contrato promessa celebrado com intervenção das partes foi outorgada em 18.09.2023, tendo, nessa ocasião, o requerente pago o remanescente do preço em falta.

3. O Requerente é jogador de futebol profissional que, a partir da ocasião em que deixou de ser representado pela Requerida, em que era bem remunerado, permanece desempregado.

4. O seu valor no mercado de transferência é de cerca de 5 milhões de euros.

5. O Requerente, desde muito jovem e durante longa data conseguiu, devido ao acompanhamento profissional da Requerida, auferir milhões de euros, resultantes de contratos milionários.

6. CC é sócio da E... Lda, sócio detentor de 50% do capital social.

7. A E..., Lda. detém, desde outubro de 2019, 90% da empresa A..., Lda., detendo CC 10% do capital social desta última.

8. A Requerida tem CC como gerente designado desde junho de 2014.

9. Na ação nº 259/23.5T8VNG o requerente alega que a sua ligação contratual à requerida cessou em 05.02.2022.

10. A Requerida tem a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social e a administração fiscal.

11. As ações identificadas nos factos 64 e 65 do despacho que decretou o arresto, instauradas por BB e II contra a requerida, encontram-se extintas.

12. Encontram-se em curso ações judiciais em França nas quais é peticionada pela requerente a cobrança de créditos que a requerida alega titular sobre C..., com os valores de 1.260.000,00 €, 38.400,00 € e 655.000,00 €.

13. A requerida tem em curso uma ação executiva contra o D... SAD para cobrança coerciva do montante de 284.613,19 €.

14. Para além do sinal, no montante de 63.000,00 €, dos valores estipulados no plano de pagamentos referido no facto provado sob o nº 26 da decisão que decretou o arresto, a requerida pagou a quantia de 63.000,00 € em 2021.06.23.

D. Esta última sentença considerou não provados os seguintes factos:

a) O requerente deverá ter, atualmente, um valor de mercado perto de zero.

b) O gerente da requerida, CC, é pessoa conhecida no meio do futebol e com experiência já devidamente reconhecida.

c) É CC o gerente de facto da Requerida.

d) É CC que gere a sociedade, movimenta contas bancárias, assina contratos e dá ordens aos funcionários.

e) FF presta serviços para a Requerida, na mera qualidade de Agente Desportivo e funcionário da requerida.

f) O Requerente pediu à Requerida que o ajudasse na compra de um imóvel, com a promessa de devolver tal montante na data da celebração da renovação do seu contrato ou celebração de um novo.

g) O objeto social da requerida não lhe permitia assumir o pagamento da dívida espelhada no contrato promessa e no documento de confissão de dívida que correspondem aos documentos 18 e 7 anexos ao requerimento inicial.

h) O requerente foi recorrendo aos serviços da requerida sem pagar qualquer valor.

i) Da quantia de 400.000,00 € mutuada por FF foram pagos 65.000,00 € através da liquidação de despesas de casamento do requerente.

j) O Requerente iria ser ressarcido do remanescente em dívida do valor por si mutuado a FF quando este recebesse a sua comissão pelos serviços prestado pelo contrato que o Requerente celebrou com o B..., por efeito do qual o Requerente deve à Requerida o valor total de 700.000,00 €.

k) A existência desse crédito foi a justificação para a Requerida ter outorgado o contrato promessa.

l) A Requerida iria amortizando essa responsabilidade de FF para com o Requerente, no pressuposto que FF ressarciria a Requerida por compensação da comissão que teria a receber desta pelos serviços prestados ao Requerente numa futura transferência/novo contrato de trabalho desportivo, no âmbito do contrato de representação.

m) O requerente não pagou a comissão à Requerida a que estava obrigado por força do contrato de representação e que ascende a 700.000,00€ (setecentos mil euros), resolveu o contrato com a Requerida e não pagou a cláusula de 1.000.000,00 € (um milhão de euros) a que se obrigou e resolveu o contrato com o B... e encaixou milhares de euros dos quais a Requerida teria direito a 10% por força do contrato que estava em vigor.

n) A assunção pela requerida das obrigações estipuladas no contrato promessa tiveram como pressuposto o cumprimento pelo requerente de um contrato de representação que este não cumpriu.

o) O valor que acresce aos 400.000,00 € devidos por FF a cujo pagamento a requerida se obrigou no contrato promessa só era devido se o requerente cumprisse o contrato de representação.

p) A larga maioria do passivo da Requerida reporta-se a pagamentos que terá de fazer a terceiros/parceiros de negócio, nomeadamente, a duas empresas com as quais estabeleceu parcerias que por motivo de confidencialidade do contrato não pode divulgar.

q) A maioria desses valores só se vencerão quando a Requerida receber do C... e do D... SAD.

r) Os montantes referidos em 12 já se encontram reconhecidos por sentenças.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

1. Questão prévia: da admissibilidade do recurso quanto à impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

Insurge-se a apelante contra a decisão que decretou a providência cautelar do arresto, com a referência Citius 456333732, por considerar provada a matéria constante dos pontos 3, 6, 8, 11, 14 (xvii a xxiv), 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26 (v a viii), 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, e 67, porquanto, na perspectiva da mesma, “jamais, atentas as provas produzidas” se poderiam dar como provados os factos deles constantes.

Impugna ainda a apelante a decisão que manteve a providência decretada – decisão com a referencia Citius 458910984 -, com o argumento de que “jamais, atentas as provas produzidas, poderia dar como não provada a matéria elencada nas alíneas b), c), d) e), f), g), h), i), j), k), l), m), n), o), p), q), r).

Nas suas contra-alegações, defende o recorrido a “inadmissibilidade do recurso”, advogando a rejeição imediata do recurso na parte impugnada, com fundamento na circunstância de que:

“a) a RECORRENTE incumpriu o ónus a que estava obrigada de indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso (cfr. artigo 640.º, n.º 1, alínea b) do CPC); e

b) a RECORRENTE incumpriu o ónus a que estava obrigada de especificar os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa sobre os pontos de matéria de facto impugnados (cfr. artigo 640.º, n.º 2, alínea a) do CPC)”.

De acordo com o n.º 1 do citado artigo 640.º, “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

E segundo o n.º 2 do mesmo dispositivo, “no caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens de gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante.

b) [...]”.

Como esclarece Abrantes Geraldes[1], “a rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, deve verificar-se em alguma das seguintes situações:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;

b) Falta de especificação nas conc1usões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;

c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);

d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda, quando tenha sido correctamente executada pela secretaria a identificação precisa e separada dos depoimentos;

e) Falta de apresentação da transcrição dos depoimentos oralmente produzidos e constantes de gravação quando esta tenha sido feita através de mecanismo que não permita a identificação precisa e separada dos mesmos;

f) Falta de especificação dos concretos meios probatórios oralmente produzidos e constantes de gravação quando, tendo esta sido efectuada por meio de equipamento que permitia a indicação precisa e separada, não tenha sido cumprida essa exigência por parte do tribunal;

g) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos para que possa afirmar-se a exigência de algum dos elementos referidos nas anteriores alíneas b) e c)”.

E acrescenta o mesmo autor: “Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, próprio de um instrumento processual que visa pôr em causa o julgamento da matéria de facto efectuado por outro tribunal em circunstâncias que não podem ser inteiramente reproduzidas na 2ª instância. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”[2].

Já no preâmbulo do Decreto - Lei n.º 39/95, de 15/02, que introduziu o artigo 690º-A do Código de Processo Civil, na versão anterior à do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, se fazia constar: “a consagração de um efectivo duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto não deverá redundar na criação de factores de agravamento da morosidade na administração da justiça civil. Importava, pois, ao consagrar tão inovadora garantia, prevenir e minimizar os riscos de perturbação do andamento do processo, procurando adoptar um sistema que realizasse o melhor possível o sempre delicado equilíbrio entre as garantias das partes e as exigências de eficácia e celeridade do processo... A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.

A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”.

Tal orientação foi claramente reafirmada na reforma legislativa de 2007, como expressamente decorre do artigo 685º-B, já referido, tendo sido até reforçada pelo novo Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2003, de 26 de Junho[3].

Como é afirmado por Abrantes Geraldes[4], “com o art. 640º do novo CPC o legislador visou dois objectivos: sanar dúvidas que o anterior preceito suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a decisão alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova”.

Das normas em causa ressaltam essencialmente duas conclusões a reter:

A primeira reporta-se ao âmbito da impugnação da matéria de facto: só é possível uma impugnação delimitada, discriminada, não sendo admissível uma oposição genérica, indiferenciada do decidido. Como salienta Lopes do Rego[5], «…o alegado “erro de julgamento” normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo “facto”, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente».

A segunda refere-se à indicação dos meios probatórios que suportam a divergência quanto ao julgamento da matéria de facto: o recorrente deve indicá-los, de forma precisa e individualizada, reportando-os ao concreto segmento da decisão impugnada, pois que não é mister da segunda instância proceder à reapreciação da globalidade dos meios de prova produzidos.

No caso específico da prova testemunhal gravada, o cumprimento desse ónus reclama, sob pena de imediata rejeição do recurso, a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o recurso.

Esclarece acrescidamente Abrantes Geraldes[6] que, “...se pelo modo como foi feita a gravação e elaborada a acta, for possível (exigível) ao recorrente identificar precisa e separadamente os depoimentos o ónus de alegação no que concerne à impugnação da decisão da matéria de acto apoiada em tais depoimentos, cumpre-se mediante a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda, sem embargo da apresentação facultativa da respectiva transcrição. O incumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução do despacho de aperfeiçoamento”.

Refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.05.2021[7]: “Em decisões sobre o modo de exercício dos poderes previstos no art. 640.º, o Supremo Tribunal de Justiça tem distinguido um ónus primário e um ónus secundário — o ónus primário de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação, consagrado no n.º 1, e o ónus secundário de facilitação do acesso “aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida”, consagrado no n.º 2 [...].

O ónus primário de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação, consagrado no n.º 1, analisa-se ou decompõe-se em três:

Em primeiro lugar, “[o] recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que julgou incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões” [...]. Em segundo lugar, “deve […] especificar, na motivação, os meios de prova que constam do processo ou que nele tenham sido registados que […] determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos” [...]. Em terceiro lugar, deve indicar, na motivação, “a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” [...].

O critério relevante para apreciar a observância ou inobservância dos ónus enunciados no art. 640.º do Código de Processo Civil há-de ser um critério adequado à função [...], conforme aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade [...] [...].

Quando se diz que o critério há-de ser adequado à função, está a chamar-se a atenção para que os ónus enunciados no art. 640.º pretendem garantir uma adequada inteligibilidade do fim e do objecto do recurso [...] e, em consequência, facultar à contraparte a possibilidade de um contraditório esclarecido [...].

Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade referem-se à relação entre a gravidade do comportamento processual do recorrente — inobservância dos ónus do art. 640.º, n.ºs 1 e 2 — e a gravidade das consequências do seu comportamento processual: a gravidade do consequência prevista no art. 640.º, n.ºs 1 e 2 — rejeição do recurso ou rejeição imediata do recurso — há-de ser uma consequência adequada, proporcionada e razoável para a gravidade da falha do recorrente [...]”.

No caso vertente, a recorrida identifica os pontos da matéria de facto de cuja apreciação discorda.

Relativamente aos concretos meios de prova que, na sua perspectiva, justificam decisão diversa:

- quanto aos pontos 3.º, 6.º, 8.º, 11.º dos factos provados e alíneas b), c), d) e e) dos factos não provados, indica “prova documental junta aos autos, nomeadamente certidões permanentes da ora Recorrente, e da sócia da Recorrente E..., Lda.”.

Alude também a prova testemunhal e declarações/depoimentos das partes, mas sem identificar as testemunhas e sem indicar as passagens da gravação dos depoimentos orais prestados em audiência, dos quais também foi omitida a sua transcrição.

- quanto ao ponto 14.º dos factos provados e alíneas h) e m) dos factos não provados: a recorrente alega não ter sido produzida prova e convoca depoimento do recorrido, indicando a respectiva passagem, e a cuja transcrição parcial procede.

- quanto aos pontos 17.º a 26.º dos factos provados e alíneas f), g), j), k), l), m), n) e o: sem indicação de qualquer meio de prova que sustente decisão diversa da proferida acerca da matéria em causa, limita-se a recorrente a invocar argumentos que, no seu entender, justificariam a preconizada decisão.

- quanto aos pontos 52.º a 62.º dos factos provados: limita-se a recorrente a discutir o valor probatório do relatório da G..., sem lhe contrapor qualquer outro meio de prova que infirme o seu valor probatório.

- finalmente, quanto aos pontos 63.º, 64, e 65.º dos factos provados: apenas invoca a recorrente contradição com os pontos 11.º e 12.º elencados na decisão que, apreciando a oposição deduzida ao arresto, manteve o mesmo.

Desta forma, à excepção da impugnação que recaiu sobre os pontos 3.º, 6.º, 8.º, 11.º dos factos provados e alíneas b), c), d) e e) dos factos não provados, ponto 14.º dos factos provados e alíneas h) e m) dos factos não provados, e pontos 63.º, 64, e 65.º dos factos provados, rejeita-se o recurso quanto à impugnação da restante matéria de facto por incumprimento dos ónus impostos pelo artigo 640.º, n.º 1, b) e n.º 2, a) do Código de Processo Civil.

2. Reapreciação da matéria de facto.

Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, estabelecendo, por sua vez, o seu nº 2:

A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:

a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;

b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;

c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.

Como refere A. Abrantes Geraldes[8], “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”… “afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto” ou de que “não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação”, acrescentando que este tribunal “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”.

Importa notar que a sindicância cometida à Relação quanto ao julgamento da matéria de facto efectuado na primeira instância não poderá pôr em causa regras basilares do ordenamento jurídico português, como o princípio da livre apreciação da prova[9] e o princípio da imediação, tendo sempre presente que o tribunal de 1ª instância encontra-se em situação privilegiada para apreciar e avaliar os depoimentos prestados em audiência. O registo da prova, pelo menos nos moldes em que é processado actualmente nos nossos tribunais – mero registo fonográfico –, “não garante a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e dos quais é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”[10].

Também é certo que, como em qualquer actividade humana, sempre a actuação jurisdicional comportará uma certa margem de incerteza e aleatoriedade no que concerne à decisão sobre a matéria de facto. Mas o que importa é que se minimize tanto quanto possível tal margem de erro, porquanto nesta apreciação livre o tribunal não pode desrespeitar as máximas da experiência, advindas da observação das coisas da vida, os princípios da lógica, ou as regras científicas[11].
De todo o modo, a construção da realidade fáctica submetida à discussão não se poderá efectuar de forma parcelar e desconexa, atendendo apenas a determinado meio de prova, ou a parte dele, e ignorando todos os demais, ainda que expressem realidade distinta, a menos que razões de credibilidade desacreditem estes.
Ou seja: nessa tarefa não pode o julgador conformar-se com a análise parcelar e parcial transmitida pelos litigantes, mas antes submetê-la a uma ponderação dialéctica, avaliando a força probatória do conjunto dos meios de prova destinados à demonstração da realidade submetida a debate.
Assinale-se que a construção – ou, melhor dizendo, a reconstrução, pois que é dela que se deve falar quando, como no caso, se procede à ponderação dos factos que por outros foram apreendidos e transmitidos com o filtro da interpretação própria de quem processa essa apreensão – da realidade fáctica não pode efectuar-se de forma parcelar e desconexa, antes reclamando o contributo conjunto de todos os elementos que a integram.

Quer isto dizer que a realidade surge de um conjunto coeso de factos, entre si ligados por elos de interdependência lógica e de coerência.

A realidade não se constrói apenas a partir de um depoimento isolado ou de um conjunto disperso de documentos, ainda que confirmadores de uma determinada versão factual, antes se deve conformar com um património fáctico consolidado de forma sólida, coerente, transmitido por elementos probatórios com idoneidade e aptidão suficientes a conferir-lhe indiscutível credibilidade.

Como se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 21.12.2012[12], “…a verdade judicial traduz-se na correspondência entre as afirmações de facto controvertidas, relevantes e pertinentes, aduzidas pelas partes no processo e a realidade empírica, extraprocessual, que tais afirmações contemplam, revelada pelos meios de prova produzidos, de forma a lograr uma decisão oportuna do litígio. Sobre as doutrinas da verdade judicial como mera coerência persuasiva ou como correspondência com a realidade empírica, vide Michele Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, pag. 26-29. Quanto à configuração do objecto da prova e a sua relação com o thema probandum, vide Eduardo Gambi, A Prova Civil – Admissibilidade e relevância, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, Brasil, 2006, pag. 295 e seguintes; LLuís Muñoz Sabaté, Fundamentos de Prueba Judicial Civil L.E.C. 1/2000, J. M. Bosch Editor, Barcelona, 2001, pag. 101 e seguintes.

Por isso mesmo, a “reconstrução” cognitiva da verdade, por via judicial, não tem, nem jamais poderia ter, a finalidade exclusiva de obter uma explicação exaustiva e porventura quase irrefragável do acontecido, como sucede, de certo modo, nos domínios da verdade história ou da verdade científica, muito menos pode repousar sobre uma crença inabalável na intuição pessoal e íntima do julgador. Diversamente, tem como objectivo conseguir uma compreensão altamente provável da realidade em causa, nos limites de tempo e condições humanamente possíveis, que satisfaça a resolução justa e legítima do caso (…)”.

- Pontos 3.º, 6.º, 8.º, 11.º dos factos provados e alíneas b), c), d) e e) dos factos não provados.

Na sentença que decretou o arresto pode ler-se quanto à fundamentação de facto: “Os factos relacionados com a constituição, órgãos e cargos sociais resultam da certidão permanente e extratos de publicação de atos societários, juntos com o requerimento inicial sob os documentos nºs 8 a 15;”

E mais à frente, na parte que aqui releva: “É de relevar que da consulta à ligação da internet identificada nos factos provados consta a indicação de FF como “owner” da empresa requerida; que a requerida representa jogadores de futebol e que aufere rendimentos através dos contratos de intermediação.

No que se refere à relação estabelecida entre as partes, entre o Requerente e FF e entre este e a requerida, resultou totalmente demonstrado que FF é a única face pública visível da Requerida e que, de facto, a gere. O Requerente e testemunha (amigo de infância do requerente, que acompanha desde o início, o seu percurso pessoal e profissional) relataram de forma espontânea a relação estabelecida entre requerente e FF desde a adolescência do primeiro, a confiança gerada por essa relação e as circunstâncias que estiveram na origem do envolvimento da requerida, bem como o momento em que a requerida começou a falhar com as obrigações que havia assumido de pagamento das prestações do contrato promessa”.

As certidões permanentes convocadas pela recorrente não infirmam a factualidade versada nos pontos 3.º, 6.º, 8.º, 11.º dos factos considerados provados e são manifestamente inidóneas ou insuficientes para a demonstração dos factos constantes das alíneas b), c), d) e e) dos factos não provados.

- Ponto 14.º dos factos provados e alíneas h) e m) dos factos não provados:

Retira-se da sentença que decretou o arresto na parte em que fundamenta a decisão relativa à matéria factual a que respeita o ponto 14.º: “os factos relacionados com os clubes que o Requerente representou e épocas em que se verificaram as suas transferências resulta de consulta à informação pública disponível na internet, no endereço ..., no qual são acessíveis os dados do requerente, o seu histórico de transferências, corroborados pelas declarações credíveis do requerente que confirmou a intermediação da requerida (ou de FF) em todas as transferências, com obtenção da contrapartida financeira”.

Se na passagem das declarações do requerente/recorrido mencionada pelo recorrente aquele, respondendo à pergunta que lhe é dirigida (Se pagou os serviços que lhe foram sendo prestados pelo Sr. FF ou pela A... ao longo desses tempos?), o mesmo afirmou que “As comissões ao longo dos contratos da minha carreira são os clubes que pagam as comissões ao agente” – o que é manifestamente insuficiente para formar um juízo positivo acerca da matéria descrita nas alíneas h) e m), dada como não provada -, ouvindo na íntegra as suas declarações delas resulta confirmado o recebimento de comissões pela A... sempre que era celebrado contrato relativo ao requerente, chegando este a indicar valores envolvidos com a celebração do contrato da sua transferência do K... para o C....

- Pontos 62.º, 63.º e 64.º dos factos provados.

O recorrente na impugnação deduzida aos mencionados segmentos decisórios invoca a existência de contradição com os factos referidos nos pontos 11.º e 12.º da sentença com a referência 458910984.

Da simples leitura da matéria posta em confronto pela recorrente ressalta a inexistência da invocada contradição: os factos não só são entre si plenamente compatíveis, como até, em parte, se complementam.

É, pois, manifesta a falta de fundamento para, na parte em que o recurso da matéria de facto foi admitido, introduzir qualquer alteração ao decidido pelo tribunal a quo, cuja decisão, assim, permanece imodificada.

Improcede, consequentemente, e nesta parte, o recurso da apelante.

3. Mérito da decisão recorrida.

O direito fundamental de acesso aos tribunais, constitucionalmente consagrado, incorporando o direito de acção, e o princípio da sua efectiva tutela judicial, é garantido quer em relação à violação efectiva de direitos subjectivos, quer quando esteja iminente ou haja perigo de lesão desses mesmos direitos[13].

De tal forma que se pode concluir que a cada direito corresponde uma acção ou uma providência destinada ao seu reconhecimento, mas igualmente à prevenção da sua violação ou a conferir efeito útil a tal reconhecimento.

Neste contexto, o princípio da efectiva tutela judicial pressupõe a composição provisória da situação controvertida antes da decisão definitiva, de molde a prevenir a violação de direitos e/ou a assegurar a utilidade da decisão que os haja reconhecido, tarefa prosseguida através de procedimentos cautelares, de natureza urgente, cuja especificidade visa a garantia desses objectivos.

Pode-se, assim, afirmar que a “tutela processual provisória decorrente das decisões provisórias e cautelares é instrumental perante as situações jurídicas decorrentes do direito substantivo, porque o direito processual é meio de tutela dessas situações. A composição provisória realizada através da providência cautelar não deixa de se incluir nessa instrumentalidade, porque também ela serve os fins gerais de garantia que são prosseguidos pela tutela jurisdicional (…).

A composição provisória que a providência cautelar torna disponível pode visar uma de três finalidades: aquela composição pode justificar-se pela necessidade de garantir um direito, de definir uma regulação provisória ou de antecipar a tutela requerida. Sempre que a tutela provisória se legitime pela exigência de garantir um direito, deve tomar-se uma providência que garanta a utilidade da composição definitiva, quer dizer, uma providência de garantia”[14].

Como afirma Abrantes Geraldes[15], os procedimentos cautelares “… são uma antecâmara do processo principal, possibilitando a emissão de uma decisão interina ou provisória destinada a atenuar os efeitos erosivos decorrentes da demora na resolução definitiva ou a tornar frutuosa a decisão que, porventura, seja favorável ao requerente”.

Segundo Manuel de Andrade[16], através dos procedimentos cautelares a lei pretendeu “«seguir uma linha média entre dois interesses conflituantes: o de uma justiça pronta, mas com o risco de ser precipitada; e o de uma justiça cauta e ponderada, mas com o risco de ser platónica, por chegar a destempo».

São características comuns das providências cautelares: a provisoriedade, a instrumentalidade e a sumario cognitio.

A primeira daquelas características emana da circunstância da providência cautelar prosseguir uma tutela distinta da facultada pela acção principal, de que é dependente, e pela necessidade de a substituir pela tutela que vier a ser definida por essa acção. O objecto da providência não é o direito acautelado, mas a garantia desse direito, a regulação provisória da situação ou a antecipação da tutela requerida.

É objectivo primário do procedimento cautelar evitar a lesão grave ou dificilmente reparável de um direito em resultado da demora na composição definitiva do litígio. Visa obviar ao periculum in mora. A sua verificação constitui pressuposto de qualquer procedimento cautelar: inexistindo, este será indeferido ou não decretado.

Como, a propósito deste requisito, escreveu Lucinda Dias da Silva[17], “…o ”periculum in mora” corresponde ao pressuposto característico dos processos cautelares, dado nele se sintetizar a fonte primária de probabilidade de dano que preside à concepção da tutela cautelar, por sua vez justificativa das especificidades próprias deste tipo de processos (…).

O perigo em causa assume, porém, uma tripla particularidade, na medida em que a sua caracterização impõe que, cumulativamente, se considerem a sua fonte, o seu grau e o seu objecto.

Tratar-se-á, respectivamente, de perigo decorrente do decurso do tempo processual da acção principal (fonte), que se reflicta negativamente, de forma grave e dificilmente reparável (grau) no efeito útil de tal acção (objecto)”.

E acrescenta ainda a mesma Autora:À semelhança do que acontece relativamente ao requisito “fumus boni iuris”, também quanto ao “periculum in mora” se nos afigura não ter o tribunal de estar absolutamente certo de que a actual situação de perigo se converterá

em dano (ou seja, de que haverá dano, caso não se decrete a providência cautelar), o que se revelaria de verificação impossível, dado tratar-se de uma circunstância de verificação futura, relativamente à qual se podem formular apenas juízos de prognose”.

No caso em apreço, o requerente veio instaurar contra a requerida procedimento cautelar nominado de arresto, tendo por objecto o crédito por ele identificado no requerimento inicial.

O arresto é um meio de garantia patrimonial do credor, cuja regulamentação substantiva encontra acolhimento nos artigos 619.º e seguintes do Código Civil, sendo o seu tratamento adjectivo feito pelos artigos 391.º a 396.º do Código de Processo Civil.

Prescreve o n.º 1 do artigo 619. º do Código Civil que “o credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei de processo”.

Segundo o n.º 1 do artigo 391.º do Código de Processo Civil, “o credor que tenha fundado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor”, prescrevendo o seu n.º 2: “o arresto consiste numa apreensão de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta subsecção”.

O decretamento da providência em causa deve ponderar os seguintes parâmetros:

- a tutela processual provisória decorrente das decisões provisórias e cautelares é instrumental em relação a situações jurídicas decorrentes do direito substantivo;

- para essa tutela não se exige a certeza do direito por ela abrangido, cuja existência não tem de estar previamente reconhecida por decisão judicial, bastando um juízo de aparência;

- o objectivo essencial do procedimento cautelar é evitar a lesão grave, ou dificilmente reparável, desse [aparente] direito em resultado da demora na composição definitiva do litígio, visando-se através do arresto evitar a perda da garantia patrimonial;

- deve existir proporcionalidade entre a providência [extensão e medida] e o direito cuja tutela provisória é por ela assegurada[18], avaliando a concreta existência dos requisitos legais exigidos para a aludida providência.

A mencionada providência depende da verificação cumulativa de dois requisitos[19]:

- A probabilidade da existência do crédito;

- Existência de justo receio da perda da garantia patrimonial.

Refere Silva Campos[20] que “a factualidade consubstanciada nestes requisitos deve ser alegada pelo credor no requerimento inicial (artigo 392.º, n.º 1 CPC e artigo 342.º, n.º 1 CC), significando, nos casos em que o arresto é deduzido pelo credor diante do devedor, recai sobre aquele o ónus de alegar e provar os elementos demonstrativos da plausível existência do seu crédito e com os quais, o credor preenche o primeiro dos requisitos exigidos pela norma legal. Paralelamente e ainda a seu cargo, cumpre-lhe demonstrar e provar fatos que justifiquem o justo receio da perda de garantia patrimonial do seu crédito, por via do qual, o credor preenche o segundo dos requisitos, relacionando para o efeito, os bens que devam ser apreendidos”.

Na providência em causa basta, quanto ao pressuposto da existência do direito de crédito, a prova do fumus boni juris, ou seja, a prova da aparência desse direito, não sendo necessário prévia decisão judicial a reconhecer a sua existência[21].

Quanto ao “justo receio de perda da garantia patrimonial” esclarece Abrantes Geraldes[22] que tal requisito pressupõe a alegação e a prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito”, acrescentando que “este receio é o que no arresto preenche o periculum in mora que serve de fundamento à generalidade das providências cautelares. Se a probabilidade quanto à existência do direito é comum a todas as providências, o justo receio referente à perda de garantia patrimonial é o factor distintivo do arresto relativamente a outras formas de tutela cautelar de direitos de natureza creditícia”, precisando ainda que “o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva".

Conforme entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência[23], para a configuração do “justo receio” não basta o mero receio subjectivo do credor, sustentado em simples conjecturas, antes devendo fundar-se em factos concretos que sumariamente o indiciem.

Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto[24] defendem que o justificado receio pode resultar “… do receio de insolvência do devedor (a provar através do apuramento geral dos seus bens e das suas dívidas) ou do da ocultação, por parte deste, dos seus bens (se, por exemplo, ele tiver começado a diligenciar nesse sentido, ou usar fazê-lo para escapar ao pagamento das suas dívidas); mas pode igualmente tratar-se do receio que o devedor venda os seus bens (como quando se prove que está tentando fazê-lo: Acs. do TRL de 17.7.74, BMJ, 239, p. 247, e do STJ de 24.11.88, Abel Delgado, BMJ, 381, pág. 603, respectivamente quanto à tentativa de venda dum prédio prometido vender e duma farmácia) ou os transfira para o estrangeiro (está, por exemplo, ameaçando fazê-lo, ou já transferiu alguns: Antunes Varela, CC anotado cit., n.º 2 da anotação ao artigo 619), ou de qualquer outra actuação do devedor que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito ….”.

Silva Campos[25] sustenta que para a verificação do periculum in morabasta verificar-se o risco de o devedor agir com vista à ocultação ou sonegação, alienação ou dissipação dos seus bens ou ainda que, se verifiquem quaisquer outras circunstâncias indiciadoras da possibilidade de um futuro desaparecimento dos bens que constituem a garantia patrimonial do seu crédito”, acrescentando mais à frente, com referência a jurisprudência diversa, que cita, que “para se preencher o requisito de perda de garantia patrimonial não é necessário que a perda se efective, antes sim, exige-se um receio provável, apesar de não bastar a prova da existência de um receio qualquer, porque este tem de ser justo, ou seja, o receio para ser justo tem de revestir-se de uma razoável ameaça do direito do credor e assentar numa factualidade concreta e objectiva pelo que, não se poderá firmar em receios subjectivos do credor assentes em meras conjecturas ou desconfianças. Mas deve assentar em factos actuais, que revelem exactamente esse justo receio à luz de uma prudente apreciação. Para objectivar o justo receio, pode ser invocável pelo credor qualquer causa idónea a provocar num homem normal esse receio, i.e., um sentir de um homem comum, da respectiva comunidade que, colocado perante o mesmo circunstancialismo fático se conformaria com um receio idêntico, o qual deve ser avaliado criteriosamente pelo julgador, sob um ponto de vista objetivo96 que, de acordo com as regras da experiência aconselhem decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva”.

Este requisito está, pois, associado à actividade do devedor, ao seu modo de agir, ao contexto da relação entre as partes, à sua situação económica e financeira, à maior ou menor solvabilidade, ao montante do crédito, à natureza do seu património, à ocorrência de comportamentos invulgares e sem justificação que indiciem o propósito de não cumprir as obrigações, a actos de dissipação ou extravio de bens ou ameaça deles, a atitudes que indiciem uma intenção dolosa e predeterminada de não cumprir a obrigação ou de frustrar a realização do crédito, a qualquer outro circunstancialismo que demonstre uma forte possibilidade de essa realização estar em perigo, designadamente uma potencial ou efectiva situação objectiva de insolvência, ainda que não dolosa.

A simples recusa do cumprimento, despojada de outros factos que revelem perda da garantia patrimonial, não basta para o preenchimento do requisito em análise[26].

Ou seja: sendo o arresto deduzido pelo credor contra o devedor, incumbe ao primeiro alegar e provar factos demonstrativos não só da existência do seu crédito, como também do justificado receio de perda da garantia patrimonial, consubstanciado, designadamente, na diminuição sensível do património do segundo, que constitui o garante do cumprimento das suas obrigações, como decorre do artigo 601.º do Código Civil. Essa diminuição pode resultar quer da delapidação desse património, quer mesmo da sua ocultação.

Os pressupostos necessários ao decretamento da providência cautelar de arresto requerida pelo ora recorrido mostram-se preenchidos face à prova indiciária recolhida nos autos.

Como refere a sentença que deferiu a pretendida providência cautelar, “No caso concreto, logrou o requerente provar a existência do seu crédito, do incumprimento por parte da requerida da obrigação de pagamento, decorrente da assunção de responsabilidade pelo pagamento do preço de promessa de aquisição pelo Requerente, no âmbito de um contrato-promessa, já vencida e que, já antes da realização da escritura de compra e venda, esteve na origem da assinatura de uma declaração de reconhecimento de dívida no valor de € 126.000,00.

Por outro lado, logrou demonstrar que o empréstimo de elevada quantia monetária ao gerente de facto da requerida resultou de uma relação de confiança e mesmo de ascendência estabelecida desde época em que o requerente era um adolescente, tendo o gerente de facto da requerida acompanhado toda a evolução da carreira profissional do Requerente.

Ficou, ainda, claramente demonstrado que apesar de a Requerida assumir a dívida, não irá pagar voluntariamente os valores devidos, o que se tornou evidente com o decurso do tempo e o vencimento integral das obrigações, sem pagamento.

A situação financeira frágil da Requerida, a sucessiva protelação dos pagamentos devidos e vencidos, com confusão evidente entre o património da requerida e o património do seu gerente de facto, que assume obrigações em nome da requerida que contemplam o pagamento de dívidas pessoais, são suficientes para indiciar o risco sério de o requerente não ver o pagamento do seu crédito concretizado.

De facto, a Requerida não cumpriu nenhuma das obrigações vencidas, que expressamente aceitou, não dá resposta às interpelações do requerente e não procedeu a pagamento do imóvel nos termos a que se tinha obrigado, já tendo sido outorgada o contrato definitivo, demonstrando a intenção de não concretizar qualquer pagamento.

O demonstrado quanto à situação financeira da Requerida é adequado a causar receio ao Requerente de não vir a ter garantia de pagamento do seu crédito.

Mais, o facto de requerida não responder às interpelações que lhe são dirigidas, não evidenciar qualquer propósito de pagar e não manifestar a intenção de cumprir o acordo celebrado com o requerente, mesmo depois de ter tido conhecimento de anterior arresto decretado, constituem indícios suficientes para que se considere em risco o crédito do requerente, que é de montante significativo quando conciliado com os resultados líquidos da requerida, cujo risco de global de incumprimento foi avaliado por empresa terceira como sendo muito elevado.

Por fim, no âmbito do disposto no artigo 368º/2 do Código de Processo Civil, entendo que a providência requerida é adequada não importando em prejuízo que exceda o dano que com ela o Requerente pretende evitar”.

Decretada a providência do arresto sem intervenção prévia da requerida, esta, após citada, deduziu oposição.

A oposição tem por objectivo afastar os fundamentos da decisão inicial proferida, recaindo sobre o oponente o ónus de alegar factos novos não considerados na referida decisão, ou apresentar novos meios de prova que, no entendimento do mesmo, possam afastar tais fundamentos, conduzindo à não manutenção da providência decretada ou à sua redução.

No caso vertente, a requerida/oponente invocou argumentos no sentido de negar a existência dos pressupostos que fundamentaram a determinação do arresto inicialmente requerido pelo aqui apelado, indicando provas a cuja produção se procedeu.

A apelante contestou a probabilidade da existência do crédito invocado pelo requerente.

Porém, tal como dá conta a sentença aqui escrutinada, à excepção do valor de € 63.000,00 pago pela requerida, não considerado na sentença que decretou o arresto, porque não alegado pelo recorrente, e que justificou posteriormente a redução do valor a garantir pela providência decretada, nenhuma prova, sequer indiciária, logrou a recorrente produzir no sentido do convencimento da inexistência da probabilidade do crédito do requerente.

E também a requerida não logrou demonstrar a existência do crédito que alega ter sobre o requerente ou o incumprimento, por este, de um válido contrato de representação celebrado entre as partes.

Também a requerida invoca, em sede de oposição, a nulidade do negócio por não se relacionar com o seu objecto social.

Porém, como nota a sentença recorrida, “...salvaguardando a validade do negócio, é a própria requerida quem, quer no contrato promessa, quer no documento de assunção de dívida, descreve os factos que concretizam o seu “interesse” justificado no negócio, que expressamente refere (cláusula segunda da confissão de dívida), não se antevendo de que modo poderia ser-lhe reconhecido furtar-se a responsabilidades voluntariamente assumidas invocando uma nulidade que, a existir, foi por si provocada, situação que facilmente se integraria no instituto do abuso de direito”.

Alega, por fim, a requerida ter a mesma capacidade financeira que permite afastar qualquer receio de perda da garantia patrimonial.

Como constata, no entanto, a sentença aqui sindicada, “em suporte da sua robustez financeira, nada mais documenta do que a ausência de dívidas fiscais ou à Segurança Social, não juntando qualquer documento contabilístico ou certidões que comprovem a existência de ativos relevantes ou património passível de responder pelo elevado montante do crédito de cuja existência o requerente fez prova indiciária segura.

A expectativa de ganho de ações ou de cobrança coerciva de créditos, bem como a alegação de confidencialidade que impede a revelação da origem do passivo, constituem elementos vazios de conteúdo e que não viabilizam a reversão do juízo indiciário que conduziu ao decretamento do arresto.

A simples circunstância de a requerida, com exceção de um pagamento de 63.000,00 €, ter incumprido o pagamento pontual de todas as quantias a que se obrigou, assinando uma confissão de dívida destinada a gerar confiança no cumprimento das obrigações que, mais uma vez, incumpriu, sem apresentar qualquer justificação ou manifestação de interesse no cumprimento voluntário, associada à ausência de património conhecido (para além do crédito arrestado), constituem elementos suficientes para que se tenha por verificada a persistência do risco sério de perda da garantia patrimonial do requerente”.

Conclui-se, deste modo, que a requerida não produziu prova com solidez bastante para abalar a prova indiciária dos pressupostos que serviram de suporte ao decretamento do arresto, que, assim, deve ser mantido, mas com a redução determinada na sentença impugnada, em função do atestado pagamento pela requerida da quantia de € 63.000,00.

Improcede, consequentemente, o recurso, com a consequente confirmação da sentença recorrida.

*
Síntese conclusiva:

………………………………

………………………………

………………………………


*
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, na improcedência da apelação, em confirmar a decisão recorrida.
Custas: pela apelante – artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Notifique.


Porto, 26.09.2024
Judite Pires
Francisca Micaela Vieira
Paulo Dias da Silva

Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.
__________________
[1] “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, págs. 146, 147.
[2] Cfr. ainda acórdão da Relação de Coimbra de 11.07.2012, processo nº 781/09.6TMMGR.C1, www.dgsi.pt.
[3] Artigo 640º do novo diploma; cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2013, pág. 123 a 130.
[4] “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pág. 126.
[5] “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, pág. 608.
[6] “Recursos em Processo Civil…”, pág. 142.
[7] Processo 18575/17.3T8LSB.L1.S1, www.dgsi.pt.
[8] “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pág. 224 e 225.
[9] Artigos 396º do C.C. e 607º, nº5 do Novo Código de Processo Civil.
[10] Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, 1997, pág. 258. Cfr. ainda, o Acórdão Relação de Coimbra de 11.03.2003, C.J., Ano XXVIII, T.V., pág. 63 e o Ac. do STJ de 20.09.2005, proferido no processo 05A2007, www.dgsi.pt, podendo extrair-se deste último: “De salientar a este propósito, como se faz no acórdão recorrido, que o controlo de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Na verdade, a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, "olhares de súplica" para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos (sobre a comunicação interpessoal, RICCI BOTTI/BRUNA ZANI, A Comunicação como Processo Social, Editorial Estampa, Lisboa, 1997)”.
[11] Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil”, Vol. 3º, pág. 173 e L. Freitas, “Introdução ao Processo Civil”, 1ª Ed., pág. 15 7.
[12] Processo nº 5797/04.2TVLSB.L1-7, l1-7, www.dgsi.pt.
[13] Cf. artigo 20º da CRP e 2º, nº2 do Código de Processo Civil.
[14] Acórdão da Relação de Coimbra, 08.04.2000, processo nº 285/07.1TBMIR.C1, www.dgsi.pt.
[15] “Temas da Reforma do Processo Civil”, Almedina, III vol., pág. 35.
[16] Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, 1993, página 10.
[17] “Processo Cautelar Comum”, pág. 144 e segs.
[18] Nos termos do n.º 2 do artigo 393º do Código de Processo Civil, “se o arresto houver sido requerido em mais bens que os suficientes para segurança normal do crédito, reduz-se a garantia aos justos limites”.
[19] Cuja concretização fáctica deve ser efectuada no requerimento inicial, recaindo sobre o requerente o respectivo ónus probatório, nos termos do artigo 342º, nº1 do Código Civil.
[20] O arresto como meio de garantia patrimonial – Uma perspectiva substantiva e processual, Revista de Direito das Sociedades, Ano VIII, n.º 3, página 757.
[21] Neste sentido, A. dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 3ª Ed., pág. 622, e Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 2ª Ed., nota 1 ao artigo 407º, pág. 130.
[22] “Temas da Reforma do Processo Civil”, Almedina, IV vol., pág.191 e seguintes.
[23] Entre outros, Acórdãos da Relação do Porto 07.10.2008, processo nº 0823457, de 17.05.2004, processo nº 0452207, desta Relação de 10.02.2009, processo nº 390/08.7TBSRT.C1, da Relação de Lisboa de 15.03.2007, processo nº 8563/2006-6 e de 28.10.2008, processo nº 8156/2008-1, todos em www.dgsi.pt.
[24] Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. II, 2.ª ed., pg. 125.
[25] Obra citada, pág. 761.
[26] Cf. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. II, págs. 463 a 465.