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NULIDADE DO ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
Sumário
I - Para que se verifique a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil tem de estar-se perante uma falta absoluta de fundamentação (total ou em termos tais que não permita a percepção das razões de facto da decisão), não bastando que a fundamentação seja deficiente, incompleta ou não convincente. II – A fundamentação de facto inclui a enumeração dos factos considerados provados e dos factos considerados não provados e a motivação desta enumeração, que respeita à explicação da convicção do tribunal, incluindo a análise crítica da prova.
Texto Integral
Processo nº 1139/22.7T8VFR.P1
(Comarca de Aveiro – Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 2)
Relatora: Isabel Rebelo Ferreira
1ª Adjunta: Isoleta Costa
2º Adjunto: Ernesto Nascimento
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
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I – “A..., S.A.” intentou, no Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, acção de despejo contra AA e BB, pedindo:
a) seja declarada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre a A. e os RR., ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 14º do N.R.A.U., condenando-se estes a proceder à desocupação do imóvel, devendo o mesmo ser entregue à A. livre de pessoas e bens;
b) sejam os RR. condenados ao pagamento à A. das rendas vencidas e não pagas, no valor actual de € 1.600,00, e as que eventualmente se vencerem até à efectiva entrega do locado, bem como dos respectivos juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, a contar desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Citados os RR., os mesmos apresentaram contestação, pugnando pela improcedência da acção.
Foi dispensada a realização da audiência prévia e foi elaborado despacho saneador, sem fixação do objecto do litígio e sem enunciação dos temas da prova.
Realizou-se audiência de julgamento e, após, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) condenar os RR. a pagar à A. a quantia de € 2.516,13, “a título de rendas e indemnização pela ocupação do imóvel”, acrescida de juros de mora civis vencidos, na quantia de € 22,62, e vincendos, desde 09/07/2022 até integral pagamento;
b) absolver os RR. do demais peticionado.
Desta decisão vieram os RR. interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«1º - O presente recurso tem por objeto a douta Sentença que condenou os RR. a pagar à A. a quantia de € 2.516,13 (Dois mil quinhentos e dezasseis euros e trezes cêntimos), a título de rendas e indemnização pela ocupação do imóvel, acrescida de juros de mora civis vencidos que ascendem à quantia de € 22,62 (vinte e dois euros e sessenta e dois cêntimos); e de juros de mora vincendos contados desde 09.07.2022 até integral pagamento.
(…)
3º - A discordância decorre de uma questão específica:
4º - A sentença é nula nos termos do artigo 615º, nº 1, b) do Código do Processo Civil, porquanto não foi fundamentada a matéria de facto, não existindo naquela sentença qualquer menção à prova produzida, a não ser uma enumeração genérica.
5º - Também não se descreve a prova que fundamentou a matéria dada como assente.
6º - A fundamentação da sentença tem regulamentação específica na norma do artigo 607º, que dispõe: (…)
7º - Como é sabido, as causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do art.º 615º.
8º - Nos termos daquele preceito, é nula a sentença quando: (…)
9º - Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).
10º - São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.
11º - Nos termos do citado preceito, a sentença é nula, além do mais, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b)) e quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
12º - A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do artº 659º, nº 2, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
13º - Como é entendimento pacífico da doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artº 668º.
14º - A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
15º - …«Quando o juiz profere a sentença, já se encontra perante determinadas aquisições em matéria de facto, pois que já foi seleccionada a considerada assente e a que integra a base instrutória da causa, que, por seu turno, já foi decidida - arts. 508º-A a 511º e 653º…»
16º - Tais decisões são peças a que o juiz tem necessariamente de atender, na sentença, para reconstituir e fixar a situação de facto da causa.
17º - Sendo que sobre elas não tem o mesmo juiz de exercer qualquer espécie de apreciação ou censura, limitando-se a registar o que delas consta.
18º - Ora, o nº 3 deste artigo não se verificou em parte alguma da sentença, resultando num claro vazio de fundamentação.
19º - Não existe qualquer menção da prova que levou às conclusões de facto refletidas na sentença.
20º - Efetivamente, a douta sentença em crise refere apenas…o tribunal formou a sua convicção sobre a matéria de facto com base na análise critica e valoração de toda a prova produzida, à luz das normas do direito probatório e das regras da experiência…»
21º - Estatui o citado artigo 607º, nº 3 que “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito”.
22º - O segmento por nós assinalado, só ocorre quando o julgador, em sede já da sentença, tem de conhecer outros factos que lhe cumpra tomar em consideração, já que, pode dar-se o caso de a confissão, o acordo e a prova documental serem posteriores àquele momento processual.
Caso em que, então, é que lhe incumbe, na altura da sentença, ter em conta tais factos, sendo a eles que se refere o citado art.607º, nº3, quando diz: “fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer”.
23º - Aí, o juiz examina criticamente as provas mas de modo diferente que o fez o julgador da matéria de facto.
24º - Não se trata já de fazer jogar a convicção formada pelo meio de prova mas verificar atentamente se existiram factos em que se baseia a presunção legal (lato sensu) e delimitá-los com exactidão para seguidamente aplicar a norma de direito probatório”
(…)
26º - Ora, no caso dos autos, a douta Sentença em crise, indicou efetivamente os meios de prova, todavia limitou-se a tal indicação, faltando claramente a análise dos mesmos.
27º - Com efeito, o digno tribunal a quo, refere que se baseia nos documentos, sem, todavia, os enunciar e/ou descrever e no depoimento das testemunhas, limitando-se apenas a referir a identificação das mesmas sem, todavia, referir ou analisar os respetivos depoimentos, e em que perspetiva os mesmos contribuíram para a decisão final.
28º - O digníssimo Tribunal a quo tinha a obrigação de fundamentar os factos provados e não provados, que, como se refere, em parte não fez, pelo que, claramente que há falta de fundamentação!
29º - Com efeito, a Meritíssima Juiz embora tenha enunciado os factos que considera provados, não fez a justificação da resposta concreta dada a cada um dos pontos em causa, limitando-se a remeter para os meios de prova, o que implica a nulidade da sentença nos termos do art.º 615º, nº 1, b) do Código do Processo Civil.
30º - O exposto conduz-nos necessariamente à conclusão de que a decisão sob censura é falha de fundamentação, vício que, integrando a previsão constante da alínea b) do n.º1 do art. 615º do C.P.C., provoca a nulidade da sentença, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.
31º - O Douto Despacho recorrido, viola por errada interpretação a aplicação do disposto nos arts. 607º, 615º, e 668º CPC e, artºs 2º, 9º, 13º, 18º e 20º da CRP.
Nestes Termos, deve ser dado provimento ao recurso e revogado o Douto Despacho recorrido.».
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido e, no mesmo despacho, proferido em 06/07/2023, decidiu-se:
“Da análise das alegações de recurso apresentadas pelos réus, resulta que os mesmos invocam a nulidade da sentença por falta de fundamentação da matéria de facto, ao abrigo do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil.
Assim, atento o disposto no art. 613.º, 615.º, n.º 4 e 617.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, impõe-se proferir decisão sobre a nulidade invocada, a qual, salvo o devido respeito por opinião diversa, não cremos estar verificada.
Com efeito, o art. 607.º, n.º 2 e 3 do Código de Processo Civil determina que a sentença começa por identificar as partes, o objeto do litígio e enuncia as questões a decidir, seguindo-se “os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”. Decorrendo do art. 607.º, n.º 4 e 5 do mesmo diploma, que o juiz declara os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, sem prejuízo das regras de direito probatório.
A predita norma dá consagração ao art. 205.º, n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa, segundo o qual “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Já o art. o art. 615.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil estatui que é nula a sentença quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Ora, o dever de fundamentação da sentença tem em vista expressar as razões que levaram o Tribunal a dar como provado ou não provado determinado facto, bem como as razões de direito que culminaram na decisão. E no que para o caso releva, quanto à motivação da matéria de facto, refere Miguel Teixeira de Sousa que “o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente” (in Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, pág. 348, citado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24/09/2020, processo n.º 173/20.6YRPRT, consultado em www.dgsi.pt). O que se pretende, em suma, é que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que levaram à decisão.
Por outro lado, a jurisprudência e doutrina têm vindo a pronunciar-se de forma uniforme no sentido de que apenas “a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e/ou de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615º” (acórdão do Tribunal da Relação do Porto, supra citado).
Posto isto, na sentença proferida, depois de elencados os factos dados como provados e como não provados, versou-se sobre a respetiva motivação, elencando os elementos probatórios e a apreciação que levaram à decisão sobre a matéria factual.
Concretizando, diremos que na sentença proferida, desde logo quanto aos factos provados em 1 e 2 explicou-se que “a descrição do imóvel e a respetiva propriedade da autora (facto provado em 1) ficou firmado na certidão predial e caderneta predial juntas como documentos 3 e 4 da petição inicial; sendo que a divisão material do referido prédio, estando, na prática, o rés-do-chão destinado a uma habitação e o 1.º andar destinado a outra habitação (facto provado em 2) ficou sobejamente demonstrado quer pela posição das partes vertidas no seus articulados, corroborado pelo contrato junto como documento 5 do qual resulta que a autora apenas deu de arrendamento aos réus o 1.º andar do dito imóvel, bem como pelo depoimento das testemunhas CC, DD e EE”. E de forma idêntica se procedendo quanto à demais matéria de facto.
Assim cotejado o texto decisório afigura-se, salvo melhor entendimento, que se mostra percetível quais os elementos probatórios e ponderação efetuada pelo Tribunal que levaram à convicção sobre a matéria de facto, quer a provada, quer a não provada, atingindo-se o desiderato do legislador plasmado no art. 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil e, em consequência, não se verificando a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil.
Razões pelas quais cremos que não se verifica a nulidade apontada.
Notifique.”.
Foi proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto no art. 656º do C.P.C., onde se decidiu negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Desta decisão vêm os recorrentes agora reclamar para a conferência, nos termos do disposto no art. 652º, nº 3, do C.P.C., reafirmando as razões anteriormente invocadas no requerimento de recurso.
Notificada a recorrida, a mesma não se pronunciou.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), aplicando-se as mesmas regras à reclamação para a conferência, há que apreciar da nulidade da sentença por falta de fundamentação.
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Apreciemos então, sendo a factualidade relevante a que consta do relatório que antecede.
Como se disse na decisão reclamada, “as causas de nulidade da sentença são as que estão taxativamente previstas no art. 615º, nº 1, do C.P.C., não se incluindo entre as nulidades da sentença “o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed. revista e actualizada, 1985, pág. 686)”.
“A situação prevista na alínea b) da norma em causa reconduz-se à falta de fundamentação e para que se verifique esta nulidade tem de tratar-se de uma falta absoluta, “embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”, não bastando que “a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente” (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., pág. 687).
No que respeita à fundamentação de facto, e atento o que resulta do disposto no art. 607º, nº 4, do C.P.C., respeitante à forma actual da sentença, que inclui também a decisão da matéria de facto (que no anterior Código de Processo Civil era proferida em decisão autónoma), a mesma inclui a enumeração dos factos considerados provados e dos factos considerados não provados e a motivação desta enumeração, que respeita à explicação da convicção do tribunal, incluindo a análise crítica da prova”.
Pode-se questionar, assim, se, quando se fala em falta absoluta de fundamentação de facto, se refere unicamente o elenco dos factos provados e dos factos não provados ou se inclui, também, a motivação da convicção do tribunal (com efeito, na jurisprudência, eventualmente por influência do anterior regime processual, ainda se encontram decisões que integram apenas nesta falta de fundamentação a falta do elenco dos factos provados e não provados, remetendo as situações de falta de motivação para a impugnação da matéria de facto, a resolver nos termos previstos no art. 662º, nº 2, als. c) e d), do C.P.C. – cfr, por ex., os Acs. da R.P. de 22/06/2020, com o nº de proc. 216/18.3Y3VNG.P1, e de 24/09/2020, com o nº de proc. 173/20.6YRPRT, ambos publicados em www.dgsi.pt. Para melhor enquadramento da questão, abordando as duas posições, pode ver-se o Ac. da R.C. de 13/12/2022, com o nº de proc. 98/17.2T8SRT.C1, publicado no mesmo local).
Também é possível constatar evolução jurisprudencial quanto ao que se entende por “falta absoluta” de fundamentação, como explica o Ac. da R.P. de 08/02/2021, publicado em www.dgsi.pt, com o nº de proc. 3841/18.9T8MAI-A.P1: “no atual quadro constitucional (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas, de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do acto decisório” (no mesmo sentido, Ac. da R.P. de 23/05/2024, desta mesma Secção, publicado no mesmo sítio da internet, com o nº de proc. 754/19.0T8VNG-C.P1).
E sendo assim, afigura-se-nos que, efectivamente, a falta de motivação da convicção do tribunal (como parte da fundamentação de facto que é), total ou em termos tais que não permita a percepção das razões de facto da decisão, integra a nulidade da sentença prevista na alínea em análise. Ao contrário, quando essa motivação foi deficiente ou incompleta ou mesmo errada, já integrará o vício de erro de julgamento de facto, a ser sindicado em sede de impugnação da matéria de facto (neste sentido, cfr. Ac. da R.L. de 07/12/2021, com o nº de proc. 8513/09.2YYLSB-B.L2-7, e Ac. da R.G. de 03/03/2016, com o nº de proc. 130/14.1T8VRL.G1, bem como ainda Ac. da R.G. de 05/11/2011, com o nº de proc. 2480/18.9T8VRL.G1, veja-se a seguinte passagem: “Da sentença recorrida não ressalta uma absoluta carência de fundamentação de facto. A leitura da factualidade provada e não provada e a respectiva motivação, permite-nos compreender a explicação da razão pela qual o tribunal formou a sua convicção acerca da factualidade que apurou e pode dar como provada e que não apurou e por isso deu como não provada.
Com efeito, na motivação de facto descreve-se pormenorizadamente as provas em que assenta e se explica de forma suficiente as razões que constituem o substrato racional que conduziu à formação da convicção do julgador em determinado sentido”; e Ac. da R.P. de 08/02/2024, desta mesma Secção, com o nº de proc. 3032/22.4T8FNC-E.P1, na alusão ao que falta de fundamentação na decisão aí recorrida diz-se que esta “não elenca nem sequer indica (ainda que de forma não discriminada) qualquer facto que suporte a decisão tomada, não faz qualquer referência a qualquer meio de prova que tenha sido considerado pelo tribunal, não faz qualquer enquadramento, ainda que mínimo, quanto à justificação de facto e de direito para a decisão tomada”, todos publicados em www.dgsi.pt).
Aliás, como já se havia concluído no Ac. da R.P. de 07/12/2018, desta mesma Secção, publicado no mesmo sítio da internet, com o nº de proc. 2688/15.9T8PRT.P1, onde se diz, nomeadamente, que “o dever de fundamentação das decisões dos tribunais exige destes, no caso factual probatório, a enunciação descritiva da factualidade, sustentada na análise crítica e motivada da prova (thema probandum), assim como, no que concerne ao caso jurídico, a sua fundamentação de direito, tanto legal, como argumentativa (thema decidendum)”.
E também nos parece resultar do que já se dizia no Ac. da R.G. de 16/11/2017, com o nº de proc. 493/14.9TBFAF.G2, igualmente publicado em www.dgsi.pt: “ao apurar se a decisão da matéria de facto sofre ou não do vício da falta de fundamentação, por incumprimento das regras estabelecidas no art. 607º, nº 4, do C.P.C., não está ainda em causa averiguar se as respostas à matéria de facto controvertida foram proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatório – o que está em causa é tão só apreciar se tais respostas se mostram motivadas e justificadas, ou seja, se o juiz demonstrou o processo lógico e racional pelo qual as alcançou e se o expôs aos destinatários”.
Ou seja, e concluindo, a deficiente fundamentação de facto, seja ao nível da enumeração dos factos provados e não provados, seja ao nível da motivação da convicção do tribunal (incluindo a análise crítica da prova), não é causa de nulidade da sentença, mas pode ser fundamento para impugnação da matéria de facto, invocando-se erro de julgamento. Já a falta absoluta de fundamentação (ou em termos tais que não permita a percepção das razões de facto da decisão), seja quanto à enumeração dos factos provados e não provados, seja quanto à motivação da convicção do tribunal, seja quanto a ambas, é causa de nulidade da sentença, nos termos do art. 615º, nº 1, al. b), do C.P.C..
No caso concreto, os recorrentes, ora reclamantes invocaram a nulidade por falta absoluta de fundamentação (como até dizem expressamente na conclusão 13ª: “só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade (…)”), invocando a ausência de fundamentação da matéria de facto, embora nas conclusões 21ª, 26ª e 27ª já pareça estar a querer aludir a uma situação de vício da decisão quanto à análise crítica da prova.
Aliás, como se analisou na decisão reclamada, os recorrentes alegaram «que “não foi fundamentada a matéria de facto, não existindo naquela sentença qualquer menção à prova produzida, a não ser uma enumeração genérica” (conclusão 4ª), e que “não se descreve a prova que fundamentou a matéria dada como assente” (conclusão 5ª), acrescentando que a sentença recorrida “indicou efetivamente os meios de prova, todavia limitou-se a tal indicação, faltando claramente a análise dos mesmos” (conclusão 26ª), e que “a Meritíssima Juiz embora tenha enunciado os factos que considera provados, não fez a justificação da resposta concreta dada a cada um dos pontos em causa, limitando-se a remeter para os meios de prova” (conclusão 29ª)».
Ora, acaso os recorrentes, ora reclamantes, pretendessem colocar em causa a análise crítica da prova, tal situação não é geradora de nulidade, sendo certo que os mesmos, como se referiu na decisão reclamada, não impugnaram a matéria de facto no recurso, limitaram-se a invocar a nulidade.
E, no pressuposto de que pretendem invocar a falta absoluta de fundamentação, por falta de motivação (entendida esta nos termos supra analisados), então mantêm-se válidos os fundamentos da decisão de que se reclama, que não foram infirmados pela alegação da reclamação (que se limita a reproduzir o que já havia sido alegado no recurso):
«Ora, no caso concreto, a sentença recorrida contém efectivamente os fundamentos de facto (enumeração dos factos considerados provados e dos considerados não provados e fundamentação da convicção do tribunal) e de direito (discussão do aspecto jurídico da causa) em que se baseou para chegar à decisão de procedência parcial da acção – pode-se concordar ou não com os mesmos, mas eles constam da decisão.
Concretamente quanto aos fundamentos de facto (a situação posta em causa pelos recorrentes), é manifesto que a sentença elenca os factos provados (sob os pontos 1 a 10) e os factos não provados (sob as alíneas A a E), esclarecendo ainda que “a restante matéria alegada na petição inicial e não vertida nos “factos provados” ou nos “factos não provados” é meramente conclusiva, de Direito ou desprovida de interesse para a decisão da causa”.
Ademais, o tribunal recorrido motivou a sua decisão de facto, fazendo-o nos seguintes termos:
«O Tribunal formou a convicção sobre a matéria de facto com base na análise crítica e valoração de toda a prova produzida, à luz das normas de direito probatório e das regras de experiência, conforme se exporá de seguida.
A descrição do imóvel e a respetiva propriedade da autora (facto provado em 1) ficou firmado na certidão predial e caderneta predial juntas como documentos 3 e 4 da petição inicial; sendo que a divisão material do referido prédio, estando, na prática, o rés-do-chão destinado a uma habitação e o 1.º andar destinado a outra habitação (facto provado em 2) ficou sobejamente demonstrado quer pela posição das partes vertidas no seus articulados, corroborado pelo contrato junto como documento 5 do qual resulta que a autora apenas deu de arrendamento aos réus o 1.º andar do dito imóvel, bem como pelo depoimento das testemunhas CC, DD e EE.
Os factos provados relativos ao contrato de arrendamento celebrado e respetivo teor (factos provados em 3 e 4) resultam do teor do próprio contrato junto como documento 5 da petição inicial.
A notificação judicial avulsa concretizada na pessoa dos réus e respetivo teor (facto provado em 5) ficou demonstrado pela análise dos documentos 7 e 8 juntos com a petição inicial.
Já os valores faturados a título de energia elétrica (factos provados em 6 e 7) ficaram demonstrados pela análise das faturas da EDP Comercial juntas como documento 6 da petição inicial. Cotejado o respetivo teor constata-se que a faturação respeita a consumos de energia elétrica desde 3 de novembro de 2021 até 28 de março de 2022, cujo pagamento se venceu nos meses de dezembro de 2021, janeiro, fevereiro, março e abril de 2022, encontrando-se a “morada de fornecimento” identificada na “Rua ..., ...”, ou seja, o imóvel propriedade da autora, sem autonomização dos consumos do rés-do-chão e do 1.º andar, de moldes que o valor global da faturação corresponde aos consumos naqueles dois pisos.
A data de propositura da presente ação e de citação dos réus (factos provados em 8 e 9) resultam do processado nestes autos.
Quanto ao facto de a autora se encontrar na posse da chave do 1.º andar do imóvel, pelo menos, desde 9 de julho de 2022, o qual não está a ser ocupado pelos réus, nem ao mesmo têm acesso (facto provado em 10), extraiu-se da posição vertida pelas partes nos requerimentos juntos aos autos em 26/09/2022 e em 02/11/2022, bem como no depoimento prestado em sede de audiência de julgamento pela testemunha CC, sócio da empresa autora. Com efeito, no requerimento de 26/09/2022 vieram os réus dizer que desde 1 de julho de 2022 se encontram despojados do locado; enquanto a autora no requerimento de 02/11/2022 veio dizer ter sido chamada por um vizinho, em virtude de as portas da residência se encontrarem abertas durante dias, razão pela qual chamou a GNR e substituiu as fechaduras no dia 9 de julho de 2022. Por outro lado, a testemunha CC, sócio da empresa autora, confirmou que foram substituídas as fechaduras do 1.º andar daquele imóvel, chaves com que ficaram, e se mantêm, na posse da autora e não dos réus. Posto isto, independente das razões divergentes aduzidas pelas partes, encontra-se unívoco e indiscutível que a autora se encontra na posse da chave do imóvel objeto do contrato, e não os réus, desde pelo menos a referida data de 9 de julho de 2022.
Finalmente, quanto ao facto não provado em A, não se provou que os consumos de energia elétrica do imóvel referido em 3), nos meses de dezembro de 2021 a abril de 2022, ascenderam a 450,35€, porquanto, desde logo, as faturas da EDP juntas como documento 6 da petição inicial, de valor superior ao peticionado, respeitam à totalidade do imóvel sito na Rua ..., ..., ..., isto é, em nenhum lugar das faturas se encontram autonomizados os consumos do 1.º andar, único dado para habitação dos réus, conforme consta do contrato de arrendamento junto como documento 5 da petição inicial, e não foi trazida para os autos outra prova cabal para demonstração dos ditos consumos.
Da mesma forma, os factos não provados em B, C, D e E não ficaram sustentados em nenhum elemento probatório trazido para os autos.».
Vista a motivação acabada de transcrever, verifica-se que, ao contrário do que aduzem os recorrentes, a mesma refere a prova que foi produzida e na qual o tribunal recorrido baseou as respostas a cada um dos pontos dos factos provados e das alíneas dos factos não provados, descrevendo de forma mais sucinta essas provas quando se tratava de situações mais evidentes (por exemplo quando os factos resultam da simples análise de documentos, em que o seu teor não levanta quaisquer dúvidas interpretativas) e analisando criticamente a prova produzida quando tal se exigia, por se tratar de situações menos evidentes (como é o caso dos factos dos pontos 2, 6, 7 e 10 e do facto não provado da alínea A).
Não se vê que mais pudesse ter sido dito, sendo que todas as explicações são perfeitamente perceptíveis por quem lê a sentença, não deixando quaisquer dúvidas quanto às razões pelas quais o tribunal recorrido deu como provados os factos dos pontos 1 a 10 e deu como não provados os factos das alíneas A a E – aliás, os recorrentes limitam-se a aduzir que não foi feita a justificação da resposta concreta a cada um dos pontos (o que não sucede, como acabou de se ver), mas não indicam que falhas concretas de motivação encontram na sentença, que factos concretos não ficaram de todo fundamentados, ou não foram fundamentados de forma perceptível para os destinatários da sentença.».
Pelo exposto, mantém-se a conclusão de que “não ocorre a nulidade invocada pelos recorrentes, não merecendo provimento o recurso, com a consequente confirmação da decisão recorrida”.
Não existem, pois, motivos para infirmar a decisão sumária proferida, que se mantém nos seus exactos termos.
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III - Por tudo o exposto, acorda-se em desatender a reclamação apresentada e, em consequência, manter a decisão reclamada, que negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida.
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Custas pelos reclamantes, com taxa de justiça de 1 U.C. (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C., e art. 7º, nº 1, e Tabela II anexa, do Regulamento das Custas Processuais).
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Notifique.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.):
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datado e assinado electronicamente
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Porto, 26/9/2024
Isabel Rebelo Ferreira
Isoleta Almeida Costa
Ernesto Nascimento