AUDIÊNCIA PRÉVIA
CONTRATO DE MÚTUO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
LIVRANÇA
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Sumário

I - Numa acção de valor inferior a metade do valor da alçada da Relação, a realização da audiência prévia não é obrigatória, conforme decorre no art.º 598, do C.P.C., pelo que pode o juiz, findos os articulados, consoante a necessidade e a adequação do acto ao fim do processo, designar audiência prévia ou, desde logo, proferir despacho, nos termos do art.º 595.º, n.º 1, do C.P.C.
II - Aos contratos de mútuo cujo cumprimento é composto de diferentes prestações, englobando reembolso do capital e pagamento de juros, aplica-se o prazo prescricional de 5 anos, e não o ordinário de 20 anos.
III - A tal não obsta o disposto no art.º 781.º do C.C se, em consequência do contrato, a falta de pagamento de uma prestação importar o vencimento de todas.
IV - A tal não obsta também o facto de a concreta quantia aposta na livrança exequenda poder reportar-se já, nos termos alegados na contestação, às quantias quanto às quais outorgado um acordo referente ao remanescente do capital acordado, ainda quando sem inclusão de juros. Com efeito, mediante um acordo para pagamento prestacional de quantia em dívida com origem no contrato inicial, não se verifica (ainda quando reduzindo a credora a dívida tão só ao capital) qualquer novação da dívida originária, antes, como é bom de ver, um acordo ou plano de pagamento da mesmíssima dívida que altera tão só o modo e prazo do seu cumprimento.
V - Ainda quando se reportasse a quantia exequenda a um acordo de pagamento de prestações em falta subsequente a uma extinção parcial do crédito em causa por via da entrega do veículo automóvel não se transmutaria a dívida, correspondendo ainda a uma obrigação de reembolso de dívida que foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos…
VI - É o que implica ou determina a irrelevância do facto quanto ao qual a Recorrente aduz pretender a produção de prova, mediante confissão pelos executados. Donde os autos estavam em condições de proferimento da decisão de mérito que o foi.
VII - A mera alusão à desconformidade com princípios constitucionais de uma norma ou interpretação não permite a sindicância ou juízo de desaplicação, na ausência de uma argumentação concretizada quanto às razões respectivas.

Texto Integral

Processo 5791/23.8T8PRT-B. P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo de Execução do Porto - Juiz 5

Relatora: Isabel Peixoto Pereira

1º Adjunto: Isabel Silva

2º Adjunto: Álvaro Monteiro

Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.

Por apenso aos autos de execução ordinária para pagamento de quantia certa que a A..., SA., intentou contra AA e mulher BB, vieram os executados deduzir embargos de executado peticionando a final que os mesmos fossem julgados procedentes com a inerente extinção da execução quanto a si.

A embargada foi citada e contestou pugnando pela improcedência total dos embargos.

Julgando-se o tribunal habilitado a decidir sem mais a questão da prescrição da obrigação e efeitos sobre o título executivo, foi proferido saneador-sentença, no qual se julgaram procedentes os embargos e, em consequência, se determinou a extinção da execução.

É dessa decisão que vem interposto o presente recurso, mediante as seguintes CONCLUSÕES:

A. A Sentença recorrida foi proferida sem que o Tribunal a quo observasse previamente uma formalidade de cumprimento obrigatório, in casu, a convocação da audiência prévia a fim de assegurar o contraditório (artigo 591.º, n.º 1, alínea b) do C.P.C.

B. Nem tampouco as partes foram notificadas pelo Tribunal a quo, informando-as da sua intenção em prescindir da audiência prévia e assegurando-lhes o direito ao contraditório, fundamentando uma eventual exigência de realização de audiência prévia.

C. A lei é clara ao afirmar que nestes casos o juiz não goza de tal discricionariedade, devendo assegurar o exercício do direito ao contraditório quanto às exceções dilatórias e ao mérito da causa.

D. Tanto mais que a Apelante alegou no seu articulado contestação factos relevantes que obstam ao conhecimento do mérito da ação, por via da exceção peremptória de prescrição, obrigando à produção de prova em audiência de julgamento.

E. Esta omissão do Tribunal a quo de não convocação das partes para audiência prévia consubstancia “uma nulidade traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve (art. 195.º, n.º 1, do C.P.C.).

F. Com efeito, a ora Apelante alegou oportunamente na sua contestação (artigos 146.º a 165.º) factos concretos que importam, por parte dos Embargantes, um reconhecimento da dívida (artigo 325.º do C.C.) e renúncia à prescrição (artigo 302.º C.C.), tendo requerido para o efeito a produção de prova por depoimento de parte.

G. Ao sustentá-lo, a Apelante pretende produzir contraprova, de modo a contrariar as pretensões dos Embargantes quanto à existência de uma exceção peremptória de prescrição, tanto presuntiva como quinquenal, e para a qual não apresentaram qualquer princípio de prova.

H. Esses pressupostos encontram previsão legal direta na possibilidade de as partes prestarem depoimento, de modo a provocar e obter do depoente uma confissão judicial.

I. Pelo que tendo sido requerida a produção de prova por depoimento de parte a realizar em audiência de julgamento, com o propósito de obter uma confissão, expressa ou tácita (nomeadamente por recusa em depor ou a prestar juramento) dos Embargantes, não poderia o Tribunal a quo ter conhecido da exceção peremptória extintiva de prescrição por sentença escrita, prescindo da uma audiência final de julgamento.

J. Ao fazê-lo, com desconsideração da sua função de apreciação e de pronúncia (artigo 615.º n.º 1, alínea d) do CPC) sobre uma questão essencial, aliás a única tomada em conta na sentença final, a exceção peremptória extintiva de prescrição da dívida, conduziu-o a uma errada e incompleta fundamentação de facto e de direito (artigo 615.º, n.º 1 alínea b) do CPC).

K. Tal comportamento configura uma nulidade por omissão legal de um acto que a lei prescreve como obrigatório (art. 195.º, n.º 1, do C.P.C.), e, em último termo, violador do direito constitucional do direito à jurisdição (artigo 20.º da CRP).

L. Por outro lado, a ora Apelante alegou e juntou prova documental em como, à data do vencimento antecipado, após abatimento do valor de venda do veículo financiado, não existiam mais juros remuneratórios, mas apenas o valor de € 4.248,57, correspondente a menos de metade do capital financiado (€ 8.708,38).

M. Mais provou que fixou, de comum acordo com os Embargantes, novo acordo prestacional para pagamento do capital.

N. Face à lei adjectiva vigente, é unânime o entendimento na doutrina e na jurisprudência de que o momento determinante para aferir do início do prazo de prescrição é a data em que ocorreu o vencimento antecipado da obrigação.

O. Assim, não poderia o tribunal, para efeitos de início da contagem do prazo de prescrição, aplicar o regime quinquenal previsto no artigo 310.º alínea e) do C.C. sobre um montante que, face ao novo plano prestacional, comportava apenas parte do capital, sob pena de operar uma interpretação sem um mínimo de suporte na letra da lei.

P. Aliás resulta do próprio Acórdão de Uniformização que a fundamentação ali desenvolvida para o caso concreto, quanto ao instituto da prescrição, além de depender do correto exercício do princípio do dispositivo, deve atender aos circunstancialismos do caso concreto, de modo a concluir qual o regime jurídico de prescrição aplicável a cada montante;

Q. Deste modo, quanto à não conhecimento pelo tribunal a quo do circunstancialismo fáctico de apenas sobrestar parte do capital mutuado como remanescente em dívida à data da resolução do contrato, e de este exigir a aplicação legal do prazo geral de prescrição de 20 (artigo 309.º), anos à obrigação subjacente, verifica-se a ausência inequívoca de apreciação e de pronúncia (artigo 615.º n.º 1, alínea d) do CPC) sobre uma questão essencial que permitiria conhecer e concluir pela inexistência de qualquer exceção peremptória extintinva de prescrição da dívida, repercutindo-se esta omissão na fundamentação errada e incompleta (artigo 615.º, n.º 1 alínea b) do CPC), de facto e de direito, aduzida pelo tribunal a quo.

R. A Apelante invocou expressamente na sua contestação a inconstitucionalidade da norma com base daquela interpretação.

S. No entanto, mais uma vez, o tribunal a quo não emitiu qualquer apreciação ou pronúncia sobre a pertinência deste fundamento que, perante a hipótese de aplicação do prazo quinquenal ao capital, assume determinante importância, colocando em causa uma interpretação que, além de ilegal, é também inconstitucional.

T. O contrato aqui em apreço é um contrato de financiamento para compra e aquisição de veículo automóvel, celebrado entre as partes, que se traduz exatamente num empréstimo de dinheiro, um contrato que pressupõe uma obrigação global, cujo pagamento se encontra escalonado no tempo que se traduz numa obrigação única para os devedores Embargante, correspondente ao capital mutuado e aos respetivos juros remuneratórios;

U. Portanto trata-se de um único contrato, celebrado com os Embargante, em que existe uma dívida previamente fixada, dívida esta que irá ser paga parcialmente, fraccionadamente, em diversas prestações previamente estipuladas;

V. As prestações fraccionadas transmutaram-se numa única obrigação sujeita ao prazo prescricional ordinário. Ou seja, foram destruídas pelo vencimento antecipado, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos e os juros ao de cinco anos.

W. Não se enquadrando o capital no prazo prescricional da alínea e) do art.º 310º C.C.

X. Aplicar ao presente contrato o prazo quinquenal com os pressupostos que o AUJ do STJ emitido em 30-06-2022 – processo n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 é inconstitucional, porquanto viola além do princípio da segurança jurídica, violando até basilares princípios constitucionais previstos nos art. 2°, 12°, n° 2, 18°, n°s 1, 2 e 3 todos da Constituição da República Portuguesa.

Y. De facto, por muito respeito que mereça a fundamentação jurídica do referido Acórdão para aplicar artigo 310.º alínea e) do CC, o mesmo não pode ser generalizado a todos os processos que apresentem a mesma questão de direito omitindo a especificidade da causa, dado que parte de um estudo originariamente delineado para as situações de insolvência, e da preocupação do legislador em regular os casos em que um devedor acumulou inúmeros valores (prestações) em dívida, de tal modo que a sua concentração, acrescida de juros e outros encargos agrave a posição de fragilidade em que aquele se encontra.

Z. Se assim não for entendido, isto representaria uma clara desprotecção do credor que nem sequer vê o valor do capital mutuado e já vencido passível de ressarcimento constituído, tal facto, uma desproporcional aplicação do direito do devedor em detrimento do credor o que ataca o princípio da segurança jurídica, violando até basilares princípios constitucionais previstos nos art. 2°, 12°, n° 2, 18°, n°s 1, 2 e 3 todos da Constituição da República Portuguesa.

AA. A aplicação imediata da uniformização de uma nova corrente de pensamento e aplicação jurídica dos prazos de prescrição aos contratos de mútuo, quirógrafos e demais títulos executivos sem uma disposição transitória que gradue temporalmente essa aplicação é uma medida desproporcional que afeta o princípio constitucional da Proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2.º da Constituição.

BB. Sendo excessiva, inadequada e desnecessária face ao princípio já consagrado no art. 310.º, n.º 1 al. d) C.C. e a protecção que o mesmo dá aos devedores. Isto considerando a fundamentação implícita no Ac. Uniformizador de Jurisprudência.

CC. Enferma para tal de inconstitucionalidade a norma presente no artigo 310º, alínea a e) do CPC, por violação dos princípios constitucionais, da proporcionalidade, segurança jurídica e proteção jurídica, assim como de igualdade de armas num Estado de Direito.

Contra-alegaram os executados, pugnando pela improcedência do recurso, nos termos que dos autos constam.

Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

II.

Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), são de direito as questões a tratar. Assim:
a) Da nulidade da decisão por omissão de realização de audiência prévia;
b) Da nulidade da sentença, por indevido conhecimento do mérito, na medida da existência de factos carecidos de produção de prova por depoimento de parte, oportunamente alegados em sede de contestação e susceptíveis de alterarem os termos da decisão, uma vez que obstando à aplicação do prazo quinquenal e à prescrição da livrança;
c) Da prescrição do crédito exequendo;
d) Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre a invocada inconstitucionalidade na aplicação do prazo quinquenal.

a)

A primeira questão a decidir prende-se com a dispensa da audiência prévia.

Desde logo, reconhecendo-se a não unicidade das posições doutrinais e jurisprudenciais[1], entendemos que a nulidade arguida – que ocorre porque se omitiu uma obrigação que a lei prescreve, consistente na concessão de contraditório prévia a qualquer decisão, salvo em caso de manifesta desnecessidade -, é uma nulidade do processado, embora, na maioria das vezes, consumada e revelada na própria decisão.

Decisivamente, estamos, perante uma acção de valor inferior a metade do valor da alçada da Relação 30.000,00€ (cfr. art.º 44, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), sendo por isso, metade de tal valor de 15.000,00€ e o da ação de 9.002,27 €.

Assim sendo, a realização da audiência prévia não é obrigatória, conforme decorre no art.º 597º do C.P.C. Nestas acções, findos os articulados, é ao juiz, conforme referem Geraldes, Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil, Anotado, Vol I, Almedina, 3.ª edição, pág 755, “que cabe definir quais os trâmites processuais que devem ser seguidos, tendo em conta a natureza e a complexidade da acção e a necessidade e a adequação dos actos ao seu julgamento

Nestes termos, o juiz pode, consoante a necessidade e a adequação do ato ao fim do processo, designar audiência prévia ou, desde logo, proferir despacho, nos termos do art.º 595.º, n.º 1, do C.P.C., incluindo para decisão de mérito da causa, ou proferir despacho de adequação formal do processo, nos termos previstos no art.º 6.º, n.º 2 e 547.º, do C.P.C., prosseguindo de imediato para a audiência final.

Como anotam os já citados GERALDES, PIMENTA e PIRES DE SOUSA, in Ob. cit., págs. 756. entre estes dois limites – designação de audiência prévia ou designação imediata da audiência final –“o juiz poderá deparar-se com as mais variadas situações, ou seja, em que será preciso assegurar o contraditório quanto a exceções não debatidas nos articulados, em que será útil convocar audiência prévia, em que se imporá proferir despacho saneador, em que se justificarão outras medidas de adequação formal, de simplificação ou de agilização processual, em que se mostrará conveniente proferir despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova ou ainda casos em que será aconselhável proferir despacho destinado a programar os atos a praticar na audiência final, a estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e a designar as respetivas datas. As hipóteses previstas nas diversas alíneas do art. 597.º não são alternativas, isto é, não se excluem reciprocamente, podendo o juiz conjugá-las entre si”.

Ou seja, neste tipo de ações, afirma-se já um poder discricionário, como o sustentam, entre outros, os Acs. do TRG de 11/11/2021, proc. nº 908/19.0T8PTL-A.G1, relatado por Alexandra Rolim Mendes, do TRP de 27/09/2022, proc. nº 1098/21.3T8PRT-A.P1, relatado por João Ramos Lopes, Ac. Rel. de Lisboa de Lisboa, 28 de abril de 2022, proc.º n.º 801/21.6T8OER-B.L2, relatado por Carlos Castelo Branco.

Ora, foi precisamente o que sucedeu nos autos, como resulta do despacho que antecede o saneador-sentença proferido. Sempre não se verifica a preterição do contraditório ou o carácter inusitado da antecipação da decisão, porquanto discutida nos autos a questão da invocada e decidida prescrição, que se reconduz já a uma questão tão só jurídica.

Face ao exposto, improcede esta pretensão do recorrente.
b) e c)

A prolação do saneador-sentença tem como pressuposto que os factos nessa fase (final dos articulados) já apurados são os necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito e que por isso, para dar resposta ao pedido (ou parte do pedido conhecido, no caso de decisão parcial) não há necessidade de mais provas do que aquelas que já estão adquiridas no processo[2]; não existindo matéria controvertida susceptível de justificar a elaboração de temas da prova e realização da audiência afinal, facultará o processo os elementos necessários à antecipação do conhecimento de mérito, sem necessidade de mais provas e independentemente de a mesma favorecer uma ou outra das partes[3].

A antecipação do conhecimento de mérito justifica-se, pois, quando toda a matéria de facto necessária à decisão esteja já adquirida, sendo indiferente a demonstração de outra que permaneça controvertida.

Ponderando na situação decidenda que o recurso é interposto de decisão final, a possibilidade desta Relação determinar o prosseguimento dos autos para apuramento de matéria ainda controvertida está circunscrita e reservada aos casos em que a mesma se revele indispensável - não bastará que seja relevante em atenção a uma das soluções plausíveis da questão de direito, como ocorre no juízo que preside à decisão de antecipar o conhecimento do mérito da causa, de a decidir imediatamente no saneador, antes que a matéria em causa se revele como essencial à resolução do litígio). Assim, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Edição, p. 307.

Estão, sem discussão, provados os seguintes factos:

1. Na execução foi apresentado requerimento executivo com o seguinte teor:

“1 -A B..., S.A em 17/10/2007, por alteração ao pacto social, mudou-se a firma social de B..., S.A. para Banco 1..., S.A.

2- Por Contrato de Cessão de Créditos assinado no dia 18 de Maio de 2012, em Lisboa, o Banco 1..., S.A., cedeu à sociedade C..., S.Á.R.L., ora Requerente, os créditos que detinha sobre os ora Executados, incluindo capital, juros, indemnizações e quaisquer outras obrigações pecuniárias, conforme Documento N.º 1 e N.º 2 que ora se junta.

3. Cessão essa notificada aos Executados nos termos do artigo 583.º, n.º 1 do Código Civil, conforme Documento N.º 3.

4. Posteriormente, em 16 de março de 2021, foi celebrado um contrato de cessão de créditos, entre C..., S.À.R.L, na qualidade de cedente e, A..., S.A., na qualidade de cessionária, - conforme Documento N.º 4

5. Contrato pelo qual foram transmitidos os créditos e as garantias que a cedente detinha sobre os Executados, conforme Documento N.º 5 tendo sido esta cessão essa notificada ao Executado, nos termos do artigo 583.º, n.º 1 do Código Civil – conforme Documento Nº 6

6. A Cedente primária, no âmbito da sua actividade, celebrou com os Executados, o contrato, ao qual foi atribuído o n.º ..., conforme Documento N.º 7

7. O referido contrato tinha como objecto um mútuo.

8. Ora, apesar de devidamente interpelados para regularizar a dívida em que incorreram, pelo não pagamento do montante total em incumprimento, os Executados não efetuaram, até à presente data, qualquer pagamento. Nem prestaram qualquer justificação, situação que motivou a resolução do contrato e o preenchimento da livrança, conforme Documento N.º 8 e N.º 9.

9. Os documentos juntos preenchem os requisitos destas disposições legais pelo que lhes deve ser reconhecida a natureza de títulos executivos.

10. A dívida é certa, líquida e exigível.”

2. Com o requerimento executivo foi junto um documento assinado pelos executados e pelo Banco 1... com o seguinte teor:

3. Ainda com o requerimento executivo foi junto um título de crédito com o seguinte teor:

4. O Banco 1... enviou uma missiva aos executados, datada de 17.02.2003 a denunciar o contrato de crédito e a informar que iriam preencher a livrança.

5. A 09.07.2003 foi instaurada uma acção executiva contra os executados a qual veio a ser declarada extinta em 27.03.2009.

6. A presente execução deu entrada no dia 23.03.2023.

Vejamos, consignando-se que aqui seguiremos de muito perto, data venia, por inteiramente pertinente, a fundamentação do Acórdão proferido no Processo nº 1230/23.2T8VLG-A.P1 desta secção, proferido a 12.09., ainda inédito, sendo relatora a Ex.ma Sra. Desembargadora Judite Pires.

“A acção executiva, tal como a define o artigo 10.º, n.º 4 do Código de Processo Civil funda-se necessariamente num título do qual depende a exequibilidade da obrigação exequenda.

Como prescreve o n.º 5 do referido normativo, “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da acção executiva”.

Esclarece Lebre de Freitas[4]: “para que possa ter lugar a realização coactiva duma prestação devida (ou do seu equivalente), há que satisfazer dois tipos de condição, dos quais depende a exequibilidade do direito à prestação:
a) O dever de prestar deve constar dum título: o título executivo. Trata-se dum pressuposto de carácter formal, que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do direito (…), na medida em que lhe confere o grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da acção executiva.
b) A prestação deve mostrar-se certa, exigível e líquida (…). Certeza, exigibilidade e liquidez são pressupostos de carácter material que intrinsecamente condicionam a exequibilidade do direito, na medida em que sem eles não é admissível a satisfação coactiva da pretensão”.

O artigo 703.º do Código de Processo Civil em vigor elenca, de forma taxativa, os títulos executivos que podem servir de base à execução, neles se incluindo - alínea c) do n.º 1 – “Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo”.

Prescrita a relação cambiária, já no domínio do revogado artigo 46.º, n.º 1, c) da anterior lei processual civil se discutia se o documento que corporiza essa relação podia ainda valer com título executivo, enquanto documento particular assinado pelo devedor.

Nem sempre equacionada tal questão de forma convergente pela jurisprudência, tendia a ser reconhecida exequibilidade aos títulos cambiários prescritos, desde que verificadas algumas condições.

Defendia, assim, Lebre de Freitas[5] que “quando o título de crédito mencione a causa da relação jurídica subjacente, não se justifica nunca o estabelecimento de qualquer distinção entre o título prescrito e outro documento particular, enquanto ambos se reportem à relação jurídica subjacente.

Quanto aos títulos de crédito prescritos dos quais não conste a causa da obrigação, tal como qualquer outro documento particular nas mesmas condições, há que distinguir consoante a obrigação a que se reportam emerja ou não de um negócio jurídico formal. No primeiro caso, uma vez que a causa do negócio jurídico é um elemento essencial deste, o documento não constitui título executivo (arts. 221-1 CC e 223-1 CC). No segundo caso, porém, a autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda e a consideração do regime do reconhecimento da dívida (art. 458-1 CC) leva a admiti-lo como título executivo, sem prejuízo de a causa da obrigação dever ser invocada na petição executiva (…)”.

O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.10.2010[6] descreve deste modo as diferentes perspectivas jurídicas pelas quais pode ser encarada a exequibilidade do cheque enquanto título de crédito, valendo tais considerações também para a livrança e para a letra de câmbio:

A) Em primeiro lugar, podem os mesmos surgir na execução como verdadeiros e próprios títulos de crédito, sendo invocados pelo exequente como modo de demonstração da respectiva relação cambiária, literal e abstracta, que constitui verdadeira causa de pedir da acção executiva – sendo, para tal, obviamente necessário que se mostrem integralmente respeitados todos os pressupostos e condições de que a respectiva lei uniforme faz depender o exercício dos direitos que confere ao seu titular ou portador legítimo.

Nesta situação, o título executivo é uma peculiar categoria de documentos particulares, regidos por uma disciplina específica, decorrente da sua especial segurança formal e fiabilidade, e a «causa petendi» da acção executiva é a relação creditória neles incorporada, com as suas características próprias, em larga medida decorrentes da literalidade e abstracção das obrigações cartulares por eles documentadas.

B) Em segundo lugar – e não se verificando algum dos requisitos ou condições imperativamente previstos na respectiva LU para o exercício do direito e acção conferido ao titular ou portador legítimo do título – pode valer tal título de crédito como mero quirógrafo ou documento particular, assinado pelo devedor, que contenha ou implique o reconhecimento da obrigação causal subjacente – desde logo, como declaração unilateral de reconhecimento de uma dívida, sem indicação da respectiva causa, submetida à disciplina jurídica contida no art. 458º do CC, ou seja, implicando a dispensa de o credor provar a relação fundamental, desde que não sujeita a específicas formalidades legais, cuja existência se presume até prova em contrário.

Nesta peculiar situação, a presunção de existência da relação fundamental, decorrente do regime estabelecido no referido art. 458º, implica a dispensa de o credor exequente invocar os respectivos factos constitutivos, recaindo naturalmente sobre o executado o ónus de ilidir ou afastar tal presunção no âmbito da oposição à execução que deduza. Ou seja: valendo o título ou documento particular invocado pelo exequente como declaração unilateral de reconhecimento de uma dívida, a execução está em condições de prosseguir mesmo que a relação subjacente não conste do documento que corporiza essa declaração unilateral, nem seja explicitamente afirmada, nos seus factos constitutivos, pelo exequente no requerimento executivo – implicando a presunção legal, afirmada pelo referido art. 458 º, que compete ao executado pôr em causa tal presunção, demonstrando a inexistência ou invalidade do débito aparentemente confessado ou reconhecido pela declaração unilateral invocada pelo credor/exequente.

C) Em terceiro lugar, podem valer os títulos de crédito que não obedeçam integralmente aos requisitos impostos pela respectiva LU como quirógrafos da relação causal subjacente à respectiva emissão, desde que os factos constitutivos desta resultem do próprio título ou sejam articulados pelo exequente no respectivo requerimento executivo, revelando plenamente a verdadeira «causa petendi» da execução e propiciando ao executado efectiva e plena possibilidade de sobre tal matéria exercer o contraditório: como é evidente, esta terceira perspectiva funcionará nos casos em que a declaração de vontade consubstanciada no título de crédito não puder valer como declaração unilateral de reconhecimento do débito subjacente à respectiva emissão, não beneficiando, consequentemente, da presunção afirmada pelo art. 458º do CC – o que naturalmente implicará para o exequente o ónus de invocar e demonstrar os factos constitutivos da relação fundamental que constitui a verdadeira causa de pedir da execução.

Neste caso, o documento assinado pelo devedor constitui quirógrafo de uma obrigação causal cujos elementos constitutivos essenciais têm de ser processualmente adquiridos, em complemento do título executivo, por iniciativa tempestiva e processualmente adequada do próprio exequente, sendo articulados no requerimento executivo sempre que não resultem do próprio título; é, aliás, neste tipo de situações que ressalta, com maior evidência, a diferenciação e autonomia entre os conceitos de título executivo e de causa de pedir da acção executiva, sendo o primeiro integrado por um documento particular, assinado pelo devedor, que - embora não contenha um expresso e directo reconhecimento da dívida exequenda - indicia a existência de uma relação obrigacional que o vincula no confronto do exequente; e a segunda consubstanciada pela própria relação obrigacional que, não resultando, em termos auto-suficientes, daquele título, é introduzida no processo através de um verdadeiro articulado, complementar do documento em que execução se funda”.

Nesta última hipótese, tal entendimento encontra apoio na letra do artigo 810º, nº1, e) do CPC, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20.11, segundo a qual o requerimento executivo deve conter, entre outros elementos, “a exposição sucinta dos factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo”.

Lopes do Rego, em anotação ao referido artigo 46º, n.º 1, c), defendia: “a especificidade da acção executiva, assente necessariamente no título executivo, leva, em regra, a que não caiba ao exequente o ónus de “expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção”, ressurgindo tal ónus de alegação dos factos que servem de “causa petendi”, nos casos em que eles não constem integralmente do título executivo, cabendo, então ao exequente a exposição sucinta da matéria de facto que fundamenta a pretensão executiva”[7].

Vinha, assim, fazendo vencimento na jurisprudência e na doutrina a orientação relativamente positiva, isto é, a de que o título cambiário prescrito podia valer como título executivo, nos termos do artigo 46º, nº1, c) da lei adjectiva então em vigor, desde que o exequente invocasse a relação jurídica subjacente e esta não configurasse um negócio jurídico formal[8].

Tal orientação, já então maioritária, veio a encontrar acolhimento no actual artigo 703.º, n.º1, c) do actual Código de Processo Civil.

À luz do novo diploma, explica Lebre de Freitas[9]: “Quando o título de crédito mencione a causa da relação jurídica subjacente, o título prescrito vale como documento particular respeitante à relação jurídica subjacente.

Quanto aos títulos de crédito prescritos dos quais não conste a causa da obrigação, há que distinguir consoante a obrigação emerja ou não dum negócio jurídico formal. No primeiro caso, uma vez que a causa do negocio jurídico é um elemento essencial deste, o documento não constitui título executivo (arts. 221-1 CC e 223-1 CC). No segundo caso, porém, a autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda e a consideração do regime do reconhecimento da dívida (art. 458-1 CC) leva a admiti-lo como título executivo, sem prejuízo de a causa da obrigação dever ser invocada na petição executiva e poder ser impugnada pelo executado; mas se o exequente não a invocar, ainda que a título subsidiário, no requerimento executivo, não será possível fazê-lo na pendência do processo, após a verificação da prescrição da obrigação cartular e sem o acordo do executado (art. 264), por tal implicar alteração da causa de pedir”.

Como se escreveu no acórdão da Relação do Porto de 24.10.2011[10], “…o título cambiário, enquanto documento particular assinado pelo devedor, não cumprindo necessária e forçosamente a função de reconhecimento duma dívida, não pode ver-lhe aplicado o artigo 458.º do CC. Por isso, não é o devedor quem tem de fazer a prova do contrário, como acontece com o reconhecimento de dívida, antes, numa execução em que o título seja integrado por uma letra prescrita, havendo oposição e negando o executado a existência da relação subjacente, somos como que devolvidos ao “ponto inicial”, é o exequente quem, de acordo com os princípios gerais (artigo 342.º, n.º 1, do CC), tem que provar os factos constitutivos do direito alegado/executado. Finalmente, para que os possa provar, necessariamente teve de os ter alegado, prévia e devidamente.

E assim é porque a oposição à execução segue, sem mais articulados, os termos do processo sumário (artigo 817.º, n.º 2, do CPC), o que significa, não admitindo réplica a oposição à execução, que a causa de pedir (na falta de acordo) não pode ser ampliada ou alterada (artigo 273.º do CPC).

Se quisermos dizer de outro modo, afirmamos que uma eventual insuficiência de alegação no requerimento inicial inquina definitivamente a pretensão do exequente, porque os concretos factos que devia alegar são factos estruturantes da causa de pedir e não passíveis, por isso, de aperfeiçoamento ou, por maioria de razão, de invocação ou correcção noutra fase processual”.

Tem-se, com efeito, entendido não ser de exigir que no título executivo, enquanto documento particular, figure a razão da ordem de pagamento nele traduzida para se poder afirmar que constitui ou reconhece uma obrigação de pagamento, mas para que assim seja torna-se necessário que a causa debendi seja alegada, e de forma minimamente precisa e concretizada, no requerimento executivo.

Já no acórdão da Relação de Lisboa de 17.12.2009[11] se afirmava que “o credor, por força do art. 458º do CCivil, apenas está dispensado de provar a relação subjacente, que se presume, mas não de a alegar. Por força dessa presunção deixa de ser necessário que do título executivo conste a causa da obrigação. Desde que (…) o exequente, no requerimento executivo alegue os factos integrantes da relação subjacente.

Continua a caber ao credor a invocação da relação subjacente, cabendo ao devedor, por força da inversão do ónus da provam provar que a relação nunca existiu ou deixou de existir. Mas para isso tem que saber qual a relação pressuposta pelo credor, sob pena de poder estar perante uma infinidade de causas possíveis”.

A invocação da causa de pedir – indicação da relação subjacente – é condição indispensável para poder a execução ser impugnada pelo executado, sendo ela necessária ainda para possibilitar ao juiz pronunciar-se oficiosamente sobre a validade das declarações negociais que exijam a observância de forma especial.

Significa, pois, que o título executivo relativo a uma obrigação causal exige sempre a indicação/individualização do respectivo facto constitutivo: a falta dessa identificação torna inepto o requerimento executivo por falta de indicação da causa de pedir, não podendo a mesma, sem a concordância do executado, ser suprida no decurso da oposição deduzida à execução, designadamente no articulado da contestação. “

No caso aqui em discussão, a exequente fundou a execução a que respeitam os presentes embargos, numa livrança do valor de 920 mil, oitocentos e seis escudos (9.002,2 EUR), com data de emissão 27.07.2001 e data de vencimento 28.03.2003, emitida a favor Banco 1... e da qual foram subscritores os executados.

Face ao que dispõe o artigo 70.º, aplicável às livranças ex vi do artigo 77.º, ambos da LULL, é incontroverso que a livrança em que se funda a execução se mostra prescrita enquanto título cambiário, constatação que as partes, de resto, aceitam.

Tal não obsta, no entanto, que possa valer como título executivo, nos termos do artigo 703.º, n.º 1, c) do Código de Processo Civil.

Mas sendo exequível o título, ainda assim importa equacionar se o crédito exequendo é exigível, face à invocada prescrição do mesmo pelo embargante.

Segundo o artigo 304.º, n.º 1 do Código Civil, “completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”.

Citando Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 3ª edição atualizada, 1989, p. 637, “[o] tempo é um facto jurídico não negocial, susceptível de influir, em muitos domínios do direito civil, em relações jurídicas do mais diverso tipo. Os problemas mais importantes colocados pela repercussão do decurso do tempo no mundo dos efeitos jurídicos refere--se à prescrição extintiva e à caducidade”.

Como explica o autor, loc. cit, pp.373-376 “[s]e o titular de um direito o não exercer durante certo tempo fixado na lei, extingue-se esse direito. Diz-se, nestes casos, que o direito [prescreveu]. O beneficiário da prescrição, completada esta, pode recusar o cumprimento da prestação ou pode opor-se ao exercício do direito prescrito. [A] prescrição extintiva, possam embora não lhe ser totalmente estranhas razões de justiça, é um instituto endereçado fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade. [Diversamente] da caducidade, a prescrição arranca, também, da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, o torna indigno da tutela do Direito, em harmonia com velho aforismo «dormientibus non succurrit jus»”.

Segundo o disposto no art.º 301.º do C.C., “[a] prescrição aproveita a todos os que dela possam tirar benefício, sem excepção dos incapazes”, tem de ser invocada, como previsto no art.º 303.º do C.C., resultando do que já dissemos que, e como disposto no art.º 304.º, n.º 1, do C.C., “[c]ompletada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”, começando o decurso do prazo quando o direito puder ser exercido (isto nos termos do art.º 306.º, n.º 1, do C.C.).

A prescrição é uma exceção peremptória por extinguir o direito que se pretende fazer valer, nos termos dos artigos 576.º, n.º 3, e 579.º do C.P.C., tendo de ser invocada (como foi) por o tribunal não poder declará-la oficiosamente, como disposto no art.º 303.º do C.C.

Como se decidiu no Acórdão do STJ de 09.02.2022, acessível na base de dados da dgsi e citado na decisão recorrida, tratando-se de livrança emitida em branco, o prazo prescricional corre desde o dia do vencimento aposto pelo exequente/beneficiário, desde que se verifique – como sucede in casu - o incumprimento, nos termos dados como provados. Assim, quando se considere o vencimento da obrigação de pagar (infra se analisará o objecto desta) e a declaração resolutiva pela exequente, nos termos provados sob 4, temos, pois, como referência a data de 28.03.2003.


*

Está em causa, inquestionavelmente, um contrato de crédito em que foi convencionado pelas partes o reembolso em prestações da quantia mutuada e dos juros calculados desde a celebração do mesmo até pagamento integral, de acordo com o plano de pagamento estipulado.

É que, adiante-se, não altera o que vem de dizer-se o facto de a concreta quantia aposta na livrança exequenda poder reportar-se já, nos termos alegados na contestação, às quantias quanto às quais outorgado o acordo referenciado pela Recorrente na mesma contestação aos presentes embargos (alegadamente referentes ao remanescente do capital acordado e correspondente ao valor não alcançado pela entrega deste à credora e respectiva venda, sem inclusão, pois, de juros[12]…). É o que implica ou determina a irrelevância do facto quanto ao qual a Recorrente aduz pretender a produção de prova, mediante confissão pelos executados, de resto desnecessária, atentos os documentos juntos com aquela contestação e referidos nas alegações e a natureza escrita do acordo para pagamento aduzido, a implicar a prova mediante a junção respectiva.

Com efeito, mediante um acordo para pagamento prestacional de quantia em dívida com origem no contrato inicial, não se verifica (ainda quando reduzindo a credora a dívida tão só ao capital) qualquer novação da dívida originária[13], antes, como é bom de ver, um acordo ou plano de pagamento da mesmíssima dívida que altera tão só o modo e prazo do seu cumprimento.

Ainda quando se reportasse a quantia exequenda a um acordo de pagamento de prestações em falta subsequente a uma extinção parcial do crédito em causa por via da entrega do veículo automóvel não se transmutaria a dívida, correspondendo ainda a uma obrigação de reembolso de dívida que foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos…

Nessa medida, a um tempo, inútil a produção de prova por confissão; por constar dos autos prova documental ou se reconduzir a demonstração do acordo para pagamento fraccionado antes a esta prova, mediante a junção dos termos do acordo respectivo, ausente agora, posto que não o foi efectivamente com a contestação. Sempre irrelevante a confissão como instituto obstativo à operância da prescrição mesma, por estar em causa prescrição extintiva, que não presuntiva. Anote-se que o acordo para pagamento a que a Recorrente atribui efeitos interruptivos da prescrição vem a sê-lo, nos termos da alegação (que reconduz a quantia exequenda ao inadimplemento deste), anterior ao preenchimento da livrança exequenda e à data de vencimento nela aposta, com o que também por essa via irrelevante qualquer prova da outorga daquele acordo, por não implicar com as causas de suspensão ou interrupção da prescrição.

Decisivamente, inútil a consideração daquela matéria, uma vez que não implicando a alteração da natureza ou estrutura da dívida exequenda, esta determinante para a decisão quanto ao prazo prescricional a aplicar, sempre inócua a matéria constante da contestação a que se reconduz a Recorrente, cujo apuramento, ao invés de se revelar decisivo ao conhecimento da prescrição, como era mister, antes se mostra destituído de qualquer relevo.

Não obstante, pois, a falta de menção na decisão a um tal pretendido enquadramento, não assiste razão à Recorrente quanto ao facto de os autos não disporem já de todos os elementos imprescindíveis ao proferimento da decisão, nos termos em que o foi.

Quanto ao mérito da decisão:

A decisão recorrida baseia-se no acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 6/2022, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça[14] aos de 30/06/2022, e publicado no D.R. n.º 184/2022, de 22/09/2022, acessível em: https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/6-2022-201354551 [27/06/2024].

Como consta do relatório desse acórdão, “[o] entendimento do acórdão recorrido, de considerar aplicável no caso o prazo prescricional de cinco anos nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, se mostrar consentâneo com o posicionamento que este tribunal tem vindo reiteradamente a defender em situações similares às dos presentes autos, dado estarem em causa contratos de mútuo onerosos em que a obrigação de restituição do capital mutuado foi fraccionada (prestações) o que consubstancia um acordo de amortização em que cada uma das prestações mensais devidas é uma quota de amortização do capital (ainda que integrada por duas fracções: uma de capital e outra de juros), não relevando para o enquadramento em termos de prescrição a circunstância do direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento. Mais se entendeu que, nesse sentido, o que releva para efeitos de enquadramento do regime prescricional não é a forma por que a obrigação exequenda se mostra titulada, mas a estrutura do direito de crédito da Embargada decorrente do facto de estar em causa uma obrigação de reembolso de dívida que foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos. Esta prescrição destina-se a evitar a ruína do devedor, pela acumulação da dívida, derivada designadamente de quotas de amortização de capital pagável com juros. Numa situação destas, a exigência do pagamento de uma só vez, decorridos demasiados anos, poderia provocar a insolvência do devedor a viver dos rendimentos, nomeadamente do trabalho, e que o legislador, conhecedor das opções possíveis, quis prudentemente prevenir, colocando no credor maior diligência temporal na recuperação do seu crédito”.

Para efeito de determinação do prazo de prescrição aplicável não é relevante o disposto no art.º 781.º do C.C., no tocante ao vencimento imediato das prestações subsequentes à verificação do incumprimento, pois que tal (o montante em dívida) nada tem a ver com o prazo de prescrição, ou seja, dentro do prazo aplicável, o de 5 anos, o credor pode exercer o seu direito de crédito na íntegra, no que se incluem as prestações consideradas vencidas por força da referida norma.

Como referido no já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.)(continua-se no relatório), “[a] natureza da obrigação não se altera perante o vencimento imediato com a perda do benefício do prazo, ou seja, o regime de prescrição estabelecido na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, mantém aplicação atenta a circunstância do direito de crédito se encontrar vencido na totalidade em consequência do incumprimento contratual” – neste mesmo sentido, o parecer do Ministério Público em tal acórdão, no sentido de dever fixar-se a seguinte jurisprudência: “[p]erante o vencimento imediato de todas as quotas de amortização do capital, com perda do benefício do prazo, nos termos do artigo 781.º do CC, ao respetivo crédito aplica-se o regime de prescrição de cinco anos estabelecido na alínea e) do artigo 310.º, do Código Civil”.

Este parecer foi acolhido pelo S.T.J., como referido em II da fundamentação de Direito, “[p]ara efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas. [Como] se escreveu no Ac. S.T.J. 29/9/2016, n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego), por explícita opção legislativa, o artigo 310.º alínea e) do Código Civil considera que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, situação que foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis”.

E, na parte IV da fundamentação de Direito, tal é reiterado, ao afirmar--se que “[p]ode [apontar-se] unanimidade nas apontadas decisões, em vista de afastar a aplicação do prazo prescricional ordinário, do artigo 309.º do Código Civil, à quantia resultante do vencimento antecipado das prestações, por via do exercício do direito a que se reporta o artigo 781.º do Código Civil. Nesse sentido, pode também dizer-se que o Supremo Tribunal de Justiça tem aceite que: - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º do Código Civil, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo «a quo» na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas”.

A final, é fixada a seguinte uniformização de jurisprudência: “«I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação». II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo «a quo» na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas".

Aqui se convoca o decidido também no Acórdão desta Relação do Porto de 22.04.2024[15]: “... quanto a estas prestações periódicas e à fixação em tais casos, do prazo quinquenal de prescrição, a ratio é “atenta a autonomização promovida entre o prazo prescricional aplicável ao uno (i.e., à obrigação) – prazo ordinário de vinte anos (v. o art. 309º) – e ao múltiplo (i.e., a cada prestação singular que integra o complexo duradouro) – precisamente o prazo especial de cinco anos”[6] (negrito nosso). E “A ratio normalmente apontada para a existência destes prazos mais curtos de prescrição consiste em evitar que a inércia do credor conduza a um acumular de prestações, normalmente pecuniárias, cuja exigência poderia revelar-se extremamente onerosa para o devedor. Nas palavras sugestivas de Ana Filipa Moraes Antunes (2008:79), trata-se de “evitar a ruína do devedor pela acumulação das pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas” (p.79)”[7]. Refere a mesma autora “julga-se que o critério que se impõe observar, na correta aplicação do artigo 310º, é precisamente o da periodicidade do direito, isto é, a circunstância de nos encontrarmos perante prestações que se constituem e se vencem, em certo e determinado tempo, levando consigo o perigo sério de acumulaçã de dívida.

O artigo 310º não pode, nesta medida, ser dissociado da ideia de prestação periódica. Esclarecendo o conceito de prestações periódicas, o Acórdão do STJ de 3 de Fevereiro de 2009 (processo 08A3952) – “Prestações periódicas, reiteradas, repetidas ou com trato sucessivo são prestações de natureza duradoura que, não sendo de execução continuada, se renovam em prestações singulares sucessivas, em regra ao fim de períodos consecutivos – verificando-se o cumprimento através de actos sucessivos com determinados intervalos - e de formação correspondente a esses períodos, indicando-se habitualmente como exemplos da espécie as prestações do locatário, do fornecedor de bens de consumo ao respectivo estabelecimento de venda, do consumidor de água ou electricidade. Em regra, as prestações reiteradas ou repetidas são periódicas pois que se formam, como dito, com certa periodicidade, renovando-se. A prestação de obrigação periódica, quer na formação, quer na determinação do respectivo objecto, anda ligada ao factor tempo, de que depende”[8].

[...] E o prazo de cinco anos começa a contar-se, segundo a regra do artigo 306º, a partir da exigibilidade da obrigação[10], valendo tal prazo para cada uma das prestações que se vai vencendo e não para a obrigação no seu todo[11].

Ora, o enquadramento na situação consagrada na al. e), do art. 310º, exige uma análise das circunstâncias do caso concreto, sendo que o curto prazo de prescrição de cinco anos é o que se aplica a um crédito proveniente de prestações de um mútuo pagáveis com os juros, como bem considerou o Tribunal a quo, sendo que a “estipulação de um plano de pagamento de amortização do capital, de forma periódica, assente na individualização de duas (ou mais, como no caso) fracções, uma relativa ao capital em dívida e outra relativa aos juros devidos a título de remuneração do capital – a pagar conjuntamente – indicia o preenchimento da situação prevista”[12]. Na “situação prevista na al. e) não está em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizado num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração”[13].

E o prazo prescricional de cinco anos inicia-se para cada uma das quotas que se vencer e não para o todo. Na linha do sustentado por Vaz Serra, nos Trabalhos Preparatórios, o C.C. vigente impõe um prazo prescricional único, de curta duração, aplicável a capital e aos juros correspondentes, que devam ser pagos de forma conjunta. Releva, pois, uma perspectiva de análise atomística[14].

Destarte, a prestações do contrato de mútuo de amortização do capital pagáveis com os juros é aplicável o prazo especial de cinco anos, assim o consagrando expressamente a lei (referida al. e)) e sendo essa, como vimos, a interpretação que dela é feita, quer pela Doutrina quer pela Jurisprudência, na sua aplicação casuística.

“Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos” e “neste caso – apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, - a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição”[15].

Assim decidiu o STJ, no citado Acórdão, onde convoca a Jurisprudência daquele Supremo Tribunal[16] (Ac. de 27/3/14, proferido por esta mesma Secção no P. 189/12.6TBHRT-A.L1.S1), em que se entendeu, em caso em que estava igualmente em causa a efectivação de direitos emergentes de um mútuo bancário, que:

1. O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (art.º 309.º do C.Civil); todavia, prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros - art.º 310.º, alínea e), do C. Civil.

2. O débito concretizado numa quota de amortização mensal de 24 prestações (iguais, mensais e sucessivas) referentemente ao capital de 7.326.147$00, enquadra -se na previsão legal do disposto no art.º 310.º, alínea e), do C. Civil[17],

aí se reforçando, o mesmo sucedendo no presente caso, que “no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações.

Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que - por explicita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.

Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º.

Ora, no caso dos autos, como decorre da matéria de facto apurada, as partes estipularam efectivamente, no âmbito da operação de crédito que gerou a dívida da executada, o pagamento da mesma em … prestações mensais sucessivas, de montante predeterminado, que incluíam, quer a amortização fraccionada do capital mutuado, quer o pagamento dos respectivos juros remuneratórios, o que dita a aplicação do estatuído na referida al. e) do art. 310º - e, consequentemente, do prazo prescricional de 5 anos à totalidade de tais prestações globais e parceladas[18].

[...] se o vencimento antecipado, por perda de benefício do prazo por parte do devedor (na sequência de mora e de interpelação, necessária, dos devedores nesse sentido) das prestações vincendas do contrato de mútuo, nos termos estipulados no contrato e estatuídos no artigo 781º, do Código Civil, que respeita, sempre, a parte da obrigação una de capital e juros acordada, não altera a natureza jurídica do crédito e da correlativa, obrigação assumida, de fonte contratual e o imediato vencimento das prestações subsequentes àquela ou àquelas que deixaram de ser pagas, nos termos do referido preceito, decorre de regras aplicáveis ao contrato, não traduzindo situação de resolução contratual[21], no caso de vencidas estarem, já, todas as prestações, por maioria de razão não pode deixar de ser aplicado o prazo de prescrição quinquenal, do art. 310º, al. e), do CC, preceito a que o caso diretamente se subsume.

E a circunstância de tal vencimento das prestações subsequentes àquela cujo pagamento foi omitido não implicar a obrigação de pagar os juros remuneratórios nelas incorporados, como decidido foi no Acórdão do STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 7/2009, de 25/3/2009; DR, 1ª Série, de 5/5/2009[22], o que mantém atualidade[23], não altera, também, a subsunção, a efetuar em função da referida natureza da obrigação - “quotas de amortização do capital pagáveis com os juros” -, que permanece a mesma – prestações contratuais em que se fracionou a amortização do capital mutuado pagáveis com os juros. (destaque nosso[16])

Em suma: tendo-se vencido todas as prestações e verificando-se a falta do pagamento de todas elas, prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos de especial e explicita disposição - al. e), do art. 310º, do Código Civil, a derrogar a geral, constante do art 309º - as obrigações relativas às quotas (partes/frações/prestações) em que se dividiu a prestação de amortização do capital mutuado com os juros (una), mesmo que com antecipação de vencimento, nos termos do art. 781º, do Código Civil ou de cláusula com redação a ele conforme, que lhe não altera a natureza jurídica, sempre contratual”.

Retira-se, por sua vez, do sumário do acórdão do STJ de 29.09.2022[17]:

I – O prazo curto de prescrição do artº 310º al. e) CCiv, justificou-se nos trabalhos preparatórios do Código Civil com o facto de a acumulação de juros com quotas de amortização poder originar, por sua vez, uma acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor.

II – Consoante a jurisprudência uniformizada deste S.T.J., por via do acórdão produzido em julgamento ampliado de revista, no p.º n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1, em 30/6/2022:

– No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al.e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.

– Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.

III – Em face de tal jurisprudência, a total procedência da excepção peremptória de prescrição das prestações, no caso de perda de benefício do prazo, poderá acontecer nos casos em que se mostrou clausulado o vencimento imediato das restantes prestações, com independência de interpelação, considerando que, como regra geral supletiva, o vencimento antecipado automático das prestações subsequentes não é de acolher, à luz da doutrina maioritária, relativamente ao disposto no art.º 781.º do CCiv.

Constitui este o entendimento dominante na jurisprudência dos tribunais portugueses[18], pacificado sobretudo com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2022, de 30 de Junho acima referido.

Como referido no acórdão desta Secção proferido na apelação n.º 4413/22.9T8MAI -A.P1, na base de dados da dgsi, “[a]os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência o legislador não atribuiu a força obrigatória geral de que gozavam os Assentos em função do primitivo artigo 2º do Código Civil, que foi revogado, mas têm os mesmos um valor reforçado já que emanam do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça sendo o seu não acatamento pelos tribunais motivo para recurso, nos termos do artigo 629º, nº 2, al. c), do Código de Processo Civil . O Juiz estará assim, em princípio, vinculado à doutrina fixada pelos acórdãos uniformizadores de jurisprudência que visam manter a segurança e a certeza e do sistema jurídico. Doutro modo, estaria esvaziado de sentido prático e de qualquer utilidade o recurso destinado a fixar jurisprudência uniforme, que não tem outro desiderato que o de evitar a incerteza que surge quando sobre uma mesma questão se prolatam sucessivamente e contraditoriamente decisões que acolhem duas ou mais correntes jurisprudenciais. Não vemos nos presentes autos, qualquer razão que justifique um desvio à regra de aplicação do AUJ referido com cuja fundamentação concordamos”.

A doutrina do citado AUJ n.º 6/2002 é, nos termos expostos, aplicável à situação discutida nos autos, sendo, assim, de 5 anos o prazo de prescrição do crédito exequendo (inclua este ou não já juros moratórios ou remuneratórios do mútuo inicial), iniciando-se o prazo prescricional (ao menos) na data de vencimento da obrigação inscrita na livrança exequenda, como justificado acima.

Ou seja, estamos perante a aplicabilidade de um prazo de prescrição excecional, curto[19], de 5 anos, constante da al. e) do art.º 310.º do C.C, não 20, que é o prazo ordinário de prescrição, previsto no art.º 309.º do C.C.

Dispõe o artigo 323.º do Código Civil:

“1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. [...]”.

A interrupção da prescrição por virtude da ocorrência de uma das circunstâncias interruptivas previstas nos artigos 323.º a 325º do Código Civil constitui facto impeditivo da paralisação do exercício do direito cuja prova incumbe a quem dela se queira aproveitar, devendo, para o efeito, alegar e, posteriormente demonstrar, os respectivos pressupostos.

A interrupção é determinada tanto por actos da iniciativa do titular do direito (credor), a qual terá lugar sempre que se dê conhecimento ao devedor, através de citação, notificação judicial ou outro meio judicial da intenção de se exercitar o direito, como por actos do beneficiário da prescrição, ou seja do devedor, nos termos do artigo 325.º do Código Civil.

Em consequência da interrupção, o tempo já decorrido fica inutilizado, começando, em princípio, a correr novo prazo integral a partir do facto interruptivo, como decorre do n.º 1 do artigo 326.º do mencionado diploma.

No caso aqui em apreço, instaurada execução para cobrança da livrança ora exequenda, esta foi declarada extinta em 27.03.2009, sendo que a presente execução deu entrada no dia 23.03.2023, pelo que tem que concluir-se pela procedência da invocada prescrição, prescrição essa que se verifica igualmente quanto aos juros peticionados.

É, assim, manifesto que quando foi instaurada a execução e à qual se opôs o executado por meio de embargos de executado há muito se achava prescrito o crédito exequendo.

d)

É certo ser a sentença recorrida omissa quanto à inconstitucionalidade suscitada já em sede de contestação.

A omissão de pronúncia constitui um vício da decisão que verifica quando o tribunal se não pronuncia sobre questões cujo conhecimento a lei lhe imponha, sejam as mesmas de conhecimento oficioso ou sejam suscitadas pelos sujeitos processuais.

Sempre a falta de pronúncia que determina a existência desse vício, gerador de nulidade da decisão, incide sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão. Por isso, tem defendido o STJ, unanimemente, que apenas a total falta de pronúncia sobre as questões levantadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia e, mesmo assim, desde que a decisão de tais questões não esteja prejudicada pela solução dada a outra ou outras…

A questão de inconstitucionalidade consubstancia uma verdadeira questão, autónoma das demais, i.e. uma questão em si mesma, sobre a qual o Tribunal tem o dever de pronúncia quando a mesma tenha sido suscitada por impulso das partes, por força do disposto no artigo 608.°, n.° 2, do CPC.

Ocorre, sem margem para dúvidas, omissão de pronúncia geradora do vício de nulidade da decisão jurisdicional, ao abrigo do disposto no artigo 615.°, n.º 1, al.ª d), do CPC, quando o Tribunal não conhece de uma questão de inconstitucionalidade suscitada pelas partes, seja em que momento processual for (cfr., entre outros, Acórdão do STA proferido a 2 de outubro de 2007, no âmbito do processo n.° 06322/02).

A nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia sobre determinada questão, pode ser suprida pelo Tribunal ad quem, decidindo a questão cujo conhecimento foi omitido pelo Tribunal a quo, como o impõe o art. 665º do CPC. Constitui-se até como um dever do tribunal de recurso o suprimento das nulidades da sentença recorrida, razão pela qual sobre o tribunal de recurso impende a obrigação de suprir as nulidades de que padeça a sentença recorrida, a menos, obviamente, que a nulidade só seja susceptível de suprimento pelo tribunal recorrido. De realçar ser esta a solução mais adequada ao nosso sistema processual penal de recurso que, como é consabido, segue, essencialmente, o modelo de substituição (e não de cassação), embora com limitações.

Deste modo, com exceção dos casos em que isso não for possível, designadamente por insuficiência de matéria factual, o tribunal de recurso, se o acolher, substitui a decisão por aquela que considere ser a legal.

Ora, em síntese, a argumentação da Recorrente quanto à inconstitucionalidade[20] vem a sê-lo indistintamente quanto à norma presente no artigo 310º, alínea a e) do CPC, como quanto à interpretação pelos Tribunais, mormente pela aplicação do referido AUJ, das obrigações que se reconduzem à previsão legal contestada, a um tempo, por violação dos princípios constitucionais, da proporcionalidade, segurança jurídica e proteção jurídica, assim como de igualdade de armas num Estado de Direito.

Debruçando-se sobre a apreciação de invocada inconstitucionalidade do normativo em causa, escreveu-se no recente acórdão desta Relação de 10.07.2024[21], em cujos fundamentos nos revemos: “...tendo em conta a – de muito longa data – reiterada e uniforme jurisprudência do Tribunal Constitucional, afigura-se-nos inconsequente a comum afirmação de inconstitucionalidade de uma norma (e, por vezes, até de um entendimento legal constante de uma decisão judicial…) por, alegadamente, uma norma contender com uma norma ou com um princípio constitucional, mas sem que seja expendida a mínima concretização do fundamento da invocada desconformidade da norma ao quadro jusconstitucional (pois não basta a afirmação, é necessária a construção jurídica, a argumentação, sendo por isso manifestamente insuficiente a alegação que viola a “proporcionalidade, segurança jurídica e proteção jurídica, assim como de igualdade de armas num Estado de Direito. Em suma, o despacho proferido violou, entre outras, as seguintes estatuições legais: - Da Constituição da República Portuguesa - Arts 12.º n.º 2 18.º n.os 1, 2 e 3, 20.º”).

Neste sentido, e por todos, a título de exemplo, citamos o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 494/2023, de 07/07/2023[22], “[a] este propósito, pode ler-se, no Acórdão n.º [633/08], o seguinte: [«sendo] o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação direta de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correção do juízo subsuntivo). Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efetuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao ato judicial de «aplicação» a violação (direta) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efetuado in concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão [recorrida]». É, pois, transparente que não está colocada no recurso a sindicância da compaginação das normas legais perante as normas constitucionais, mas, apenas e somente, impulso impugnatório que aborda o Tribunal Constitucional como se de uma instância de controlo e de revisão das decisões jurisdicionais adotadas se tratasse. Temos por isso que o recurso interposto é inidóneo face à ausência de carácter normativo do seu objeto”.

E, como dissemos, assim é no nosso caso, pois que, como afirmámos, a recorrente quedou-se por uma afirmação sem sequer a fundamentar, o que desde logo impossibilita este Tribunal de efetuar qualquer juízo valorativo, na medida em não lhe compete “adivinhar” hipotética fundamentação e, muito menos, violar o princípio da separação de poderes.

Ainda a propósito, afirmamos que, quando muito, um tribunal comum pode recusar a aplicação de uma norma por a considerar não constitucional (desconforme ao padrão jusconstitucional), do que cabe recurso obrigatório para o Ministério Público para o Tribunal Constitucional – mas apenas a Este Tribunal compete declarar a inconstitucionalidade de uma norma…”.

Temos para nós que, na medida da invocação vaga ou genérica tão só dos princípios constitucionais alegadamente em causa, sempre se mostra inviável, no caso, a realização do juízo valorativo quanto à conformidade constitucional da norma ou da interpretação visadas.

Quanto à justeza da solução normativa (art.º 310.º do C.C.) e jurisprudência fixada no A.U.J. n.º 6/2022, e a propósito da invocada desproteção das entidades bancárias e afins, prejuízo para a estabilidade do sistema bancário e financeiro, bem como da alegada afetação do princípio da segurança jurídica[23]:

A solução jurídica não desprotege, onera ou sanciona as entidades financeiras para além do razoável; antes lhes impõe um ónus de actuação célere contra os devedores, observando o prazo de prescrição aplicável ao caso concreto, tanto mais que estas sociedades são constituídas por autênticas estruturas administrativas as quais incluem, na maior parte das vezes, secções de contencioso – realidade que é um facto notório, que não carece de alegação ou de prova, nos termos do art.º 412.º do C.P.C.

Importa, afastando qualquer ideia de arbitrariedade ou desconsideração casuística, ater-se à natureza e dinâmica subjacente aos contratos de cessão de créditos entre tais entidades, que assentam estruturalmente na análise das diferentes componentes do crédito a ceder, numa análise de risco, como sejam, por exemplo, o montante em dívida, a situação económica do devedor (se, por exemplo, se tornou, ou não, insolvente), o tipo de garantia associada ao crédito (pois, novamente a título de exemplo, não é a mesma coisa um crédito garantido por hipoteca ou apenas por uma livrança, pior ainda se esta não incorporar um aval), e outros fatores relevantes, como seja o do tempo disponível para tentar recuperar o crédito, no que se insere a prescritibilidade do mesmo.

Assim, em função de todo o contexto negocial, ambas as partes, cedente e cessionária, tomam as suas decisões quanto à formação do contrato de cessão, no que se inclui o preço – pois o preço da cessão não é, na esmagadora maioria dos casos, o montante nominal em dívida. Ou seja, e outra vez a título de exemplo, um crédito com o valor nominal de 100 poderá ser cedido, em função do que antes enunciámos, e pelo acordo formado pelas partes, pelo de 40, caso em que contabilisticamente o cedente assumirá um prejuízo de 60 por ter recebido 40 pela cessão (melhor do que, eventualmente, nada vir a receber); já o negócio do cessionário consistirá no recebimento de qualquer montante que exceda os 40 por que adquiriu o crédito (tentativamente, o valor de 100), sendo a possibilidade de nem os 40 receber o risco associado (e assumido) ao negócio.

Finalmente e na medida em que convocada a tutela da segurança jurídica, esta reporta-se ao instituto da caducidade antes que ao da prescrição. Como, a título de exemplo, observa Manuel de Andrade[24], “[o] fundamento específico da caducidade é o da necessidade de certeza jurídica. Certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo, para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem, assim, definidas duma vez para sempre, com o transcurso do respectivo prazo. Em que se distingue a caducidade da prescrição extintiva? 1 – Pelo fundamento, que já sabemos onde reside. 2 – Pelo próprio objecto sobre que versa: a prescrição extintiva é própria dos direitos subjectivos; a caducidade é própria dos direitos [potestativos]”.


*

Improcedem, consequentemente, todos os argumentos recursivos, pelo que deve ser mantida a decisão impugnada.

III.

Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela embargada e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente embargada.


Porto, 26 de Setembro de 2024
Isabel Peixoto Pereira
Isabel Silva
Álvaro Monteiro
________________
[1] Sumariando (de forma muito concisa), as posições que se vêm perfilando para o tratamento das consequências das decisões surpresa, há quem defenda que as decisões assim preferidas são, elas mesmas, feridas de nulidade, bem como há quem trate a questão como uma nulidade do processado. Neste segundo entendimento encontra-se quem defenda que a nulidade processual deve ser arguida em sede de recurso e quem propugne a sua arguição perante o juiz da causa nos termos previstos no artigo 199º, número 1 do Código de Processo Civil.
A opção por uma ou outra das soluções é, em muitos casos, muito relevante já que, neste segundo caso, para quem defenda que nulidade terá de ser alegada autonomamente, a sua arguição está sujeita a prazo mais apertado do que o fixado para o recurso da decisão. Também as consequências de tal nulidade poderão ser diversas caso se opte por situá-la ao nível da decisão ou do processado prévio à mesma (ainda que essa anterioridade não seja, na maioria das vezes, decorrente de dois distintos momentos de decisão).
A afirmação de que a falta de concessão de contraditório (prévia à decisão em que tal contraditório não podia ser dispensado) se consubstancia em nulidade processual (e não da decisão em si mesma), tem por base uma cisão entre o teor da decisão e o do processado que a antecede (ou, no caso, do processado omitido). A nulidade consistiria, então, na omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve (no caso em recurso, decorre quer do artigo 3º, número 3, quer no artigo 519º, número 1 b) do Código de Processo Civil que o conhecimento do mérito da causa deve ser antecedido de contraditório que, de acordo com o segundo preceito, deve ser facultado em audiência prévia), tal como previsto no artigo 195º número 1 do Código de Processo Civil. Assim, não facultado o contraditório, seria essa omissão cominada com nulidade, a arguir no próprio ato se a parte ou o seu mandatário estiverem presentes, ou no prazo de 10 dias, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 195º, número 1 desde o seu conhecimento. Tal nulidade não seria, assim, de conhecimento oficioso e seria sanável, bem como só ocorreria se a omissão fosse suscetível de influenciar o destino da causa. Da referida nulidade apenas decorreria a nulidade dos termos subsequentes do processo que dependessem “absolutamente” do ato anulado (cfr. artigo 195º, número 1 do Código de Processo Civil).
Ainda que qualificando a nulidade decorrente da omissão de contraditório como processual, há também quem entenda que tal vício só se consuma com a prolação da decisão que é proferida na sequência dessa omissão, pelo que deve ser arguido em sede de recurso da referida decisão. Neste sentido, entre outros, Rui Pinto [em artigo de maio de maio de 2020, intitulado “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º)” disponível na Revista Julgar Online, pág. 31 (https://julgar.pt/os-meios-reclamatorios-comuns-da-decisao-civil-artigos-613-o-a-617-o-do-cpc/)] afirma que “como qualquer outro ato processual, a própria decisão judicial pode padecer das nulidades inominadas do artigo 195, n.º 1. Assim, suponha-se que a sentença ou decisão é proferida parcialmente no início da audiência de julgamento, antes da produção de prova ou das alegações, ou que constitui uma decisão surpresa, com violação do artigo 3.º, n.º 3, ou que se trata de um despacho que ordena a citação do requerido para um procedimento cautelar que não admite citação prévia (cf. artigo 378). A decisão não pode deixar de ser nula.” (…) “Porém, o juiz não pode conhecer da arguição da nulidade de decisão surpresa, pois esta é atinente ao objeto da causa, salvos os casos em que esta também constitua excesso de pronúncia. Efetivamente, quando isto não suceda – nomeadamente por a “surpresa” se situar em matérias de conhecimento oficioso, como, por ex., factos instrumentais e a qualificação jurídica (cf. artigo 5.º, n.ºs 2 e 3) – trata-se de nulidade inominada do artigo 195.º, por violação do princípio do contraditório do artigo 3.º, n.º 3. Identicamente, o juiz não pode conhecer da nulidade da decisão que ordenou a citação em procedimento de restituição provisória da posse pois diz respeito à validade do objeto desse mesmo despacho de citação. Nestas segundas eventualidades, a nulidade apenas poderá ser invocada como fundamento de recurso, nos termos gerais, caso ele seja admissível.”.
Já quem situa a invalidade em apreço ao nível do teor da decisão socorre-se do previsto no artigo 615º, número 1 d) do Código de Processo Civil. Neste caso, a nulidade da decisão pode ser fundamento de recurso também se admitindo a sua arguição autónoma apenas quando a decisão não seja recorrível por força do previsto no artigo 615º número 4 do Código de Processo Civil. Neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, em comentário a Acórdão desta Relação, de 2.3.2015 onde afirma que “o proferimento de uma decisão-surpresa é um vício que afecta esta decisão (e não um vício de procedimento e, portanto, no sentido mais comum da expressão, uma nulidade processual) ”; Segundo tal autor, até à prolação da decisão, “não há nenhum vício processual contra o qual a parte possa reagir”. É entendimento do mesmo que“o vício que afecta uma decisão-surpresa é um vício que respeita ao conteúdo da decisão proferida; a decisão só é surpreendente porque se pronuncia sobre algo de que não podia conhecer antes de ouvir as partes sobre a matéria”. Disponível em publicação de 23/03/2015, https://blogippc.blogspot.com/2015/03/jurisprudencia-105.html
O entendimento de que ocorre excesso de pronúncia na decisão que conhece de questões sobre as quais não foi facultado o contraditório não se nos afigura, de facto, como o mais correto já que não está em causa o cotejo entre o teor da decisão e os poderes de conhecimento do juiz (extravasando aquele o conteúdo destes), mas, tão-só, o facto de a decisão ter sido proferida na sequência de omissão de ato obrigatório, suscetível de influenciar o seu sentido. Apesar da redação dada à alínea d) do número 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, onde se comina com nulidade a sentença em que o juiz conheça de questões “de que não podia tomar conhecimento”, parece-nos que esta expressão, no contexto em que se insere (após a descrição do vício de nulidade decorrente também de o juiz deixar de se pronunciar sobre questões de que “devesse apreciar”), visa abarcar situações em que se profiram decisões sobre questões vedadas ao juiz (vg. o conhecimento de exceções que não são de conhecimento oficioso e não foram alegadas) e não o conhecimento de questões que podem ser conhecidas, mas sobre as quais não foi exercido contraditório.
Neste segundo caso, a tónica incide sobre a preterição de uma formalidade obrigatória prévia e não sobre o sentido ou conteúdo da decisão em si mesma, como nos parece inculcar a redação da referida alínea d). Ou seja, o vício, embora consumado e revelado na decisão, é decorrente da omissão de ato obrigatório e não assenta no teor da decisão em si mesma.
Recorrendo, de novo, ao exemplo acima referido, se o juiz conhece questão não suscitada pelas partes que é de conhecimento oficioso, a sua decisão será nula caso as mesmas não sejam ouvidas previamente (salvo em caso de manifesta desnecessidade), por incumprimento do disposto no artigo 3º, número 3 do Código de Processo Civil. Já se o juiz conhecer, ainda que observado o contraditório, de questão que não foi alegada e não é de conhecimento oficioso, estamos caídos na estatuição do artigo 615º, número 1 d) do Código de Processo Civil onde, salvo o devido respeito pelas posições que o defendem, não caberão as duas situações descritas, a nosso ver claramente distintas.
Este entendimento, não obsta, contudo, a que tal vício seja invocado em sede de recurso, pois a omissão de contraditório consuma-se e revela-se apenas na decisão viciada. No caso, quer na afirmação da dispensa da audiência prévia, quer na decisão de mérito proferida. A nulidade não se encontra, assim, no conteúdo, ou seja, no teor das decisões proferidas (no caso, a apreciação desse teor e da nulidade da sentença por outras causas, intrínsecas, também invocada, ficará prejudicada), mas no facto de ter sido proferida sem prévia audição das partes. Dizendo de outra forma, fosse qual fosse o conteúdo da sentença a mesma seria nula, por ter sido omitido ato obrigatório.
Tal nulidade, inominada, é a prevista no artigo 195.º, e decorre da violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, número 3. Da mesma decorre a nulidade das próprias decisões, proferidas sem a prévia audição das partes, enquanto atos processuais que são, tendo as partes prejudicadas pela omissão – no caso ambas -, direito a argui-la por via da impugnação das duas decisões em causa: a de dispensa da audiência prévia e a de conhecimento do mérito em saneador sem audiência prévia e sem prévia audição das partes sobre o conteúdo da decisão, com que não podiam contar pois a solução de direito adotada não fora discutida em sede de articulados.
Ou seja, no caso, estamos perante uma nulidade que só se verifica e revela por via de um despacho judicial. Como ensinava Manuel de Andrade, estando a nulidade “(…) coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. Trata-se em suma da consagração do brocardo: “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”. Ou seja, não se estando perante um dos casos de nulidade da sentença (que são apenas os tipificados no artigo 615º do Código de Processo Civil) ou do despacho (por força da remissão do artigo 613º nº 3 do Código de Processo Civil), estaremos, nos casos de decisões surpresa, perante uma nulidade cometida com a sua prolação pelo que tal vício pode ser arguido como fundamento do recurso.
[2] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 4ª Edição, p. 659.
[3] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, p. 696
[4] “A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma”, 5ª ed., pág. 29.
[5] “A Acção Executiva - Depois da reforma da reforma”, Coimbra Editora, 5ª ed. Reimpressão, pág. 62.
[6] Processo nº 172/08.6TBGRD-A.S1, www.dgsi.pt.
[7] “Comentários ao Código de Processo Civil”, Vol. II, 2ª ed. 2004, Almedina, pág. 25.
[8] Cfr. designadamente, Amâncio Ferreira, “Curso de Execução”, 7.ª edição, pág. 34 a 36; Acórdão do STJ, de 29.01.2002, CJ STJ/ Ano X, T. I. pág. 64 e Acórdão do STJ de 16.03.2004, www.dgsi.pt.
[9] “A Acção Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 7.ª ed., Gestlegal, págs. 76, 77.
[10] Processo nº 1528/10.0TJVNF-A.P1, www.dgsi.pt.
[11] www.dgsi.pt.
[12] De resto, muito embora esse o teor da alegação mesma, algo inverosímil que o acordo, sempre não junto, não inclua as prestações já vencidas à data da convenção de retoma do veículo, estas necessariamente abarcando os juros remuneratórios e moratórios. Assim é que, como melhor se explicitará infra, apenas os juros das prestações cujo vencimento é antecipado por via do incumprimento do plano prestacional é que são normalmente excluídos ou retirados à quantia devida ou em falta… Aqui nos remetemos já aos termos de um outro acordo, prévio ou anterior, esse sim junto com a contestação. Quando se tenha presente o teor mesmo do acordo junto pela exequente sob o documento 13 com a contestação, não resulta que o acordo para pagamento o seja tão só do valor de capital em dívida, pela referência nele feita a mensalidades devolvidas por falta de pagamento (, as quais, de acordo com o contrato, incluíam os juros…). Os documentos subsequentes, sob os nºs 14 a 16 com a contestação, apenas se reportam agora a um valor global em falta após o “desconto” emergente da venda do veículo entregue.
[13] O instituto da novação consiste na convenção pela qual as partes extinguem uma obrigação mediante a criação de uma nova obrigação em lugar dela, sendo-o objetiva sempre que se substitui a obrigação, mantendo-se os sujeitos. Quer se trate de uma novação objetiva, quer se trate de uma novação subjetiva, exige a lei que a substituição das obrigações (da antiga pela nova) se exteriorize através de uma manifestação/declaração expressa da vontade das partes nesse sentido, o que impede, assim, que esse animus novandi possa ser presumido ou sequer mesmo extraído tacitamente de outras declarações contratuais. Absolutamente ausente da contestação a alegação concretizada respectiva, que dos documentos juntos não emerge também.
[14] No seguimento do decidido em muitos outros acórdãos (Ac.) do Mesmo Tribunal (S.T.J.), como sejam os seguintes: Ac. S.T.J. 29/9/2016, revista n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego) cit. e também nos Acs. S.T.J. 8/4/2021, revista n.º 5329/19.1T8STB-A.E1.S1 (Nuno Pinto Oliveira), S.T.J. 9/2/2021, revista n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1 (Fernando Samões), S.T.J. 14/1/2021, revista n.º 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1 (Tibério Nunes da Silva), S.T.J. 12/11/2020, revista n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1 (Maria do Rosário Morgado), S.T.J. 3/11/2020, revista n.º 8563/15.0T8STB-A.E1.S1 (Fátima Gomes), S.T.J. 23/1/2020, revista n.º 4518/17.8T8LOU-A.P1.S1 (Nuno Pinto Oliveira), S.T.J. 27/3/2014, revista n.º 189/12.6TBHRT-A.L1.S1 (Silva Gonçalves) – relatores indicados entre parênteses.
[15] Processo n.º 486/23.5T8PRT-A.P1, www.dgsi.pt
[16] É, precisamente, o juízo idêntico acima exposto quanto à irrelevância para a questão da prescrição que nos ocupa de a quantia exequenda ir referida já ao inadimplemento de um acordo relativo ao pagamento prestacional das quantias em falta resultantes do incumprimento do contrato originário, causa mesma da obrigação exequenda, com a estrutura assinalada.
[17] Proc.º 971/19.3T8SRE-A.C1.S1, www.dgsi.pt.
[18] Cfr., designadamente, acórdãos desta Relação do Porto de 9.01.2023, proc.º 2570/21.0T8OAZ-A.P1, de 27.06.2023, proc.º 10389/21.2T8PRT-A.P1, de 25.01.2024, proc.º 22788/22.8T8PRT-A.P1, de 7.03.2024, proc.º 21323/21.0T8PRT-B.P1, de 19.04.2024, proc.º 14488/22.5T8PRT-A.P1, de 10.07.2024, proc.º 5793/23.4T8PRT-A.P1; da Relação de Lisboa de 6.02.2024, proc.º 4871/22.1T8SNT-A.L1-7, de 11.07.2024, proc.º 4871/22.1T8SNT-A.L1-7; da Relação de Coimbra de 28.02.2023, proc.º 812/16.3T8PBL-B.C1, de 12.04.2023, proc.º 2065/21.2T8SRE-A.C1, de 23.04.2024, proc.º 1334/22.9T8ANS-A.C1; da Relação de Guimarães, de 20.10.2022, proc.º 5233/21.3T8VNF-A.G1, de 30.03.2023, proc.º 1074/21.6T8CHV-A.G1, de 8.03.2028, proc.º 1168/16.0T8GMR-A.G1; do STJ, de 16.01.2021, proc.º 20767/16.3T8PRT-A.S2, de 30.11.2022, proc.º 448/21.7T8MAI-A.P1.S1, de 29.05.2024, proc.º 592/22.3T8PRT-A.P2.S1, de 18.06.2024, proc.º 475/22.7T8FNC-A.L1.S1, todos em www.dgsi.pt.
[19] Na terminologia de, entre outros, Manuel de Andrade; cf. Manuel de ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, volume II (reimpressão), Coimbra, Livraria Almedina, 1992, p. 450.
[20] De resto, a questão não é, propriamente, a da declaração de qualquer inconstitucionalidade, na medida em que um tribunal comum pode recusar a aplicação de uma norma por a considerar não constitucional (desconforme ao padrão jusconstitucional), do que cabe recurso obrigatório para o Ministério Público para o Tribunal Constitucional – mas apenas a àquele Tribunal compete declarar a inconstitucionalidade de uma norma…
[21] Processo n.º 5793/23.4T8PRT-A.P1, www.dgsi.pt
[22] https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20230494.html.
[23] Continuamos a seguir, de muito perto, o Acórdão desta Relação citado em último lugar, de 10.07.2024.
[24] Cf. Manuel de ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, volume II (reimpressão), Coimbra, Livraria Almedina, 1992, p. 464 .