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CONTRA-ORDENAÇÕES
DRONE
PERIGO ABSTRACTO
Sumário
I. No Direito de mera ordenação social, a consciência da natureza ilícita do facto não se confunde com a noção da sua punibilidade; II. Nessa área do Direito, o que se exige é que o agente tenha consciência da divergência da conduta face ao Direito constituído e não que tenha noção certa de que essa falta de conformidade assuma uma específica referência contra-ordenacional acarretando uma também específica sanção; III. O n.º 2 do art.º 8.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro que institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo (RGCO) assenta na exigência da consciência da proibição; IV. O que aí se exclui em caso de erro sobre o carácter ilícito é o dolo mas não a negligência que é apenas afastável em caso materialização de um quadro de ausência de censurabilidade do erro; V. Nos recursos de Contra-ordenação, o Tribunal da Relação não conhece de facto, conforme emerge, de forma segura e insofismável, do n.º 1 do art.º 75.º do RGCO; VI. É, porém, permitido a tal Tribunal lançar mão do disposto no n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal aplicável ex vi do disposto no n.º 1 do art.º 41.º do RGCO, preceito que permite uma ponderação do resultado instrutório em função de uma aferição directa, imediata, epidérmica, textual, literal, de pronta emergência à luz do texto da decisão posta em crise ou de tal texto em combinação com regras de experiência comum; VII. Não sendo admissível a presunção judicial de culpa, não está vedada a fixação dos elementos subjectivos do ilícito por recurso a prova indirecta, ou seja, atendendo a factos materiais e objectivos colhidos nos autos. VIII. As contra-ordenações relativas à indevida operação de drone, ajuizadas nos autos, constituem infracções de perigo abstracto; bastam-se com a inconsiderada colocação do colectivo, dos concidadãos, em risco através de condutas irresponsáveis; é o comportamento o factor relevante para a materialização do tipo e não a sua consequência, sendo esta, consequentemente, projectada para o domínio das circunstâncias qualificativas; neste contexto, não existir dano apenas obsta a uma escalada gradativa para sanções superiores ao nível médio da moldura abstracta.
Texto Integral
Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. RELATÓRIO
C(...), com os sinais identificativos constantes dos autos, impugnou judicialmente a decisão da AUTORIDADE NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL (ANAC) que lhe impôs três coimas, convertidas numa única, pela prática das infracções aí descritas.
O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos: 1. C(...) veio impugnar judicialmente a decisão proferida pela AUTORIDADE NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL (ANAC) no processo de contraordenação n.º 312/2018 que o condenou nos seguintes termos: a. Em uma coima de dois mil euros (€2.000,00) pela prática, a título doloso, de uma contraordenação por violação do disposto no artigo 22.º, n.º 1, alínea f) do Decreto-Lei n.º 163/2015, de 17 de agosto, em conjugação com norma SERA-3145 do Regulamento de Execução (UE) n.º 923/2012 da Comissão, de 26 de setembro de 2012 e artigo 9.º, n.º 4, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2004, de 09.01; b. Em duas coimas de mil e quinhentos euros (€1.500,00) cada uma pela pela prática, a título doloso, de duas contraordenações por violação do artigo 11.º n.º 1, alínea b) e alínea c) do Regulamento n.º 1093/2016, de 14 de Dezembro, em conjugação com o artigo 13.º do mesmo diploma, e artigos 7.º, n.º 1, e 9.º, n.º 4, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2004, de 09.01; c. Na coima única de cinco mil euros; d. Na sanção acessória de perda a favor do Estado do drone apreendido nos autos. 2. O Arguido terminou o seu recurso com a formulação das seguintes conclusões: “NA decisão administrativa não é concretizada qualquer factualidade referente ao elemento intelectual ou emocional do dolo. Ou seja, Não consta da facticidade provada a tradicional menção “que o arguido sabia que o seu comportamento era proibido e punido por lei”. A omissão da indicação do elemento intelectual ou emocional do dolo não pode ser colmatada, nem pela entidade administrativa, nem pelo próprio Tribunal já que, e à semelhança do que acontece no Processo Penal, corresponderia a uma alteração fundamental da decisão, equivalendo a transformar uma conduta atípica numa conduta típica; e o certo é que os factos constantes da decisão administrativa (aqueles concretos factos) não constituem infração contraordenacional, por não conterem todos os pressupostos essenciais de que depende a aplicação de uma coima - por manifesta ausência de caracterização das circunstâncias que permitem estabelecer um nexo de imputação dos factos objetivos a um qualquer agente Em suma, e na esteira, do aduzido devem os autos ser arquivados por falta de objeto ao abrigo do disposto no Artigo 64., n.º 3 do RGCO. Através dos factos constantes de xxix xxxiii a entidade administrativa conclui que as infrações foram praticadas a título de dolo. Inexiste qualquer prova que sustente a existência de um comportamento doloso, nem tão pouco foram encetadas diligências para a sua determinação. Há um salto lógico que parte do elemento objetivo do tipo para concluir pela existência da culpa do arguido que nos permite concluir que a entidade administrativa se socorreu de uma presunção de culpa que afronta violentamente o artigo 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. A total falta de diligências de instrução com vista ao apuramento do elemento subjetivo gera uma nulidade de todo o processado nos termos do disposto no artigo 119.º al. d) do CPP, que aqui se invoca expressamente Relativamente à classificação do comportamento do arguido como dolo eventual, não só a subsunção está incorreta uma vez que aquela factualidade aponta para o dolo direto e não eventual, como reforça que não existe nem prova do dolo nem diligências de instrução com vista ao apuramento do tipo subjetivo. A discricionariedade na indicação factual do tipo subjetivo bem como a sua qualificação errada, atentos os factos provados, é demonstrativa de utilização de uma presunção de culpa na tomada de decisão que viola o preceituado no artigo 32.º n.º 2 da CRP; A ponderação para a decisão sobre a medida concreta da pena é incorreta uma vez que: i. se conclui por uma culpa elevada com base na determinação prévia de um elemento subjetivo indefinido- oscilando-se entre o dolo direto e a negligência- ii. as necessidades de prevenção especial são inexistentes umas vez que, decorridos 6 anos sobre a prática da infração não se registaram quaisquer infrações; iii. não houve qualquer dano iv. Não houve qualquer benefício nem intenção de benefício, v- não houve qualquer perigo concreto. Atento o exposto, crê-se suficiente a suspensão do pagamento da coima, subsidiariamente, a aplicação de uma admoestação, e ainda subsidiariamente a redução da coima para o seu montante mínimo. Por fim, e tendo em conta os mesmos elementos considerados para a ponderação da aplicação da medida concreta da pena, deverá ser revogada a decisão de perda do drone a favor do Estado, substituindo-se por outra que ordene a sua devolução ao arguido. Em função do exposto deverá a presente impugnação judicial ser julgada procedente”.
Foi proferida sentença que decretou: Em face de todo o exposto, julgo o recurso parcialmente procedente nos seguintes termos: a. Julgo improcedentes todas as nulidades invocadas; b. Condeno o Arguido pela prática, a título doloso, de uma contraordenação por violação do disposto no artigo 22.º, n.º 1, alínea f) do Decreto-Lei n.º 163/2015, de 17 de agosto, em conjugação com norma SERA-3145 do Regulamento de Execução (UE) n. º 923/2012 da Comissão, de 26 de setembro de 2012 e artigo 9.º, n.º 4, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2004, de 09.01, em uma coima no montante de dois mil euros (€2.000,00); c. Condeno o Arguido pela prática, a título doloso, de duas contraordenações por violação do artigo 11.º n.º 1, alínea b) e alínea c) do Regulamento n.º 1093/2016, de 14 de Dezembro, em conjugação com o artigo 13.º do mesmo diploma, e artigos 7.º, n.º 1, e 9.º, n.º 4, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2004, de 09.01, em duas coimas no montante de mil euros cada uma (€1.000,00); d. Em cúmulo jurídico condeno o Arguido na coima única de três mil euros (€3.000,00); e. Revogo a sanção acessória de perda do drone utilizado pelo Arguido a favor do Estado e apreendido nos autos, determinando-se a sua restituição ao mesmo.
É dessa sentença que vem o presente recurso interposto por C(...), que alegou e apresentou as seguintes conclusões: 1- Na decisão administrativa e dos factos provados na sentença recorrida não resulta concretizada qualquer factualidade referente ao elemento intelectual do dolo. Ou seja, 2- Não consta da facticidade provada a tradicional menção “que o arguido sabia que o seu comportamento era proibido e punido por lei”. 3- A omissão da indicação do elemento intelectual ou emocional do dolo não pode ser colmatada, nem pela entidade administrativa, nem pelo próprio Tribunal já que, e à semelhança do que acontece no Processo Penal, corresponderia a uma alteração fundamental da decisão, equivalendo a transformar uma conduta atípica numa conduta típica; e o certo é que os factos constantes da decisão administrativa (aqueles concretos factos) não constituem infração contraordenacional, por não conterem todos os pressupostos essenciais de que depende a aplicação de uma coima - por manifesta ausência de caracterização das circunstâncias que permitem estabelecer um nexo de imputação dos factos objetivos a um qualquer agente 4- Em suma, e na esteira, do aduzido a decisão a quo violou, i. o acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015 de 27 de Janeiro (in DR, 1ª Série, n.º 18, de 27 de Janeiro de 2015); ii. O artigo 358 do CPP, aplicável ex vi do artigo 41.º do RGCO; iii. O artigo 379.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPP, apliável ex vi do artigo 41.º do RGCO - escusando-se a declarar uma nulidade de conhecimento oficioso e iv. Os artigos 58.º e 64.º n.º 3, ambos do RGCO. Adicionalmente, 5- O tribunal a quo conclui que as infrações foram praticadas a título de dolo. 6- Inexiste qualquer prova que sustente a existência de um comportamento doloso, nem tão pouco foram encetadas diligências para a sua determinação. 7- Há um salto lógico que parte do elemento objetivo do tipo para concluir pela existência de dolo e culpa do arguido que nos permite concluir que o tribunal a quo se socorreu de uma presunção de culpa que afronta violentamente o artigo 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. 8- A total falta de diligências de instrução com vista ao apuramento do elemento subjetivo gera uma nulidade de todo o processado nos termos do disposto no artigo 119.º al. d) do CPP, que aqui se invoca expressamente. Por fim, 9- A ponderação para a decisão sobre a medida concreta da pena é incorreta uma vez que: i. as necessidades de prevenção especial são inexistentes uma vez que decorridos 6 anos sobre a prática da infração não se registaram quaisquer infrações; ii. não houve qualquer dano iii. Não houve qualquer benefício nem intenção de benefício, iv- não houve qualquer perigo concreto. Atento o exposto, crê-se adequada a redução das coimas para os seus montantes mínimos e, em consequência, reduzida a coima única para o mínimo legal.
A AUTORIDADE NACIONAL DA AVIAÇÃO CIVIL respondeu às alegações de recurso apresentando as seguintes conclusões: A. O Recorrente C(...), na sequência da decisão proferida pela Autoridade Nacional da Aviação Civil, datada de 24 de Agosto de 2023, no processo de contraordenação n.º 312/2018, foi condenado numa coima única, a título de dolo pela prática de 3 infrações, no montante de €5.000,00 (cinco mil euros).
B. O Recorrente não se conformou com a decisão e interpôs recurso da mesma junto do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão. C. Por sentença, datada de 7 de Fevereiro de 2024, foi o Recorrente condenado pela prática das mencionadas três infrações, em cúmulo jurídico na coima de €3.000,00 (três mil euros); D. O recurso interposto da douta decisão, decalca a impugnação judicial da decisão administrativa, sem lograr cumprir os requisitos estatuídos no artigo 410º do CPP, aplicável ex vi pelo artigo 41º do RGCO. E. No recurso em crise, não sendo possível recorrer quanto à matéria de facto, na medida em que está limitado à apreciação da matéria de direito, o Recorrente poderia invocar alguns dos fundamentos previstos no artigo 410º n.º 2 do CPP, mas não o fez. F. Ao invés, para conseguir a reapreciação da matéria de facto veio colocar em causa a factualidade provada. G. O Recorrente suscita a inexistência de alegação de factualidade que permita a subsunção ao elemento subjetivo do tipo e suas consequências. H. Nesse âmbito, o Recorrente ignora que o recurso apresentado se cinge apenas à sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo, e não à decisão administrativa proferida pela ANAC. I. Vindo alegar o incumprimento dos requisitos constantes do artigo 58º do RGCO, a propósito da decisão administrativa. J. Sucede que, pese embora não seja a decisão administrativa que está sob escrutínio, a mesma cumpre todos os requisitos do mencionado artigo 58º, não lhe podendo ser assacada a nulidade invocada pelo Recorrente. K. Para além desta norma, o Recorrente invoca também a violação do artigo 64º n.º 3 do mesmo diploma, sendo que o Tribunal a quo, decidiu alterar a condenação, tendo reduzido o valor da coima, bem como revogado a sanção acessória, pelo que se circunscreveu a uma das possibilidades estatuídas na lei, não tendo extravasado as suas competências. L. O Recorrente invoca ainda a violação do artigo 358º do CPP, aplicável ex vi pelo artigo 41º do RGCO, como decorrência da jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de Uniformização n.º 1/2015, sendo que no caso sub judicie, o Tribunal a quo não realizou qualquer alteração não substancial de factos, porquanto o elemento intelectual do dolo já constava da decisão administrativa, quer como facto provado, quer como fundamentação da decisão de condenação, tendo o douto Tribunal apenas confirmado em sede de sentença tal entendimento. M. No argumentário recursório, o recorrente alega também a violação do artigo 379º do CPP, por entender que a decisão administrativa está ferida de nulidade.
N. Uma vez mais, o Recorrente confunde fases processuais e pretende que o Douto Tribunal da Relação reanalise não só a bondade da decisão judicial do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, como também da própria decisão administrativa. O. Mas, o legislador estabeleceu que o momento de colocar em crise a decisão administrativa ocorreu com a apresentação da impugnação judicial. P. Questão diversa é a de saber se a sentença proferida pelo Tribunal a quo está inquinada de nulidade, sendo que o Recorrente insinua que a mesma viola de forma clamorosa a alínea b) do n.º 1 do artigo 379º do CPP, bem como a alínea c) do mesmo preceito legal. Q. Quanto à suposta alteração não substancial de factos, resultou demonstrado que a mesma não ocorreu. R. Relativamente à omissão ou ao excesso de pronúncia, resulta que o Tribunal a quo, na douta sentença proferida começa por invocar todas as conclusões apresentadas pelo Recorrente para, em seguida, rebater cada uma delas, tendo-se limitado apenas e tão-só às questões suscitadas pelo Recorrente. S. Outra questão colocada em crise pelo Recorrente é a valoração da prova. T. O Douto Tribunal a quo, para cada uma das factualidades em causa, firmou a sua convicção à luz das regras da experiência comum, tendo justificado, a propósito do sobrevoo de drone junto à Ponte 25 de Abril que o local em causa é uma zona “(…) muito próxima do Aeroporto de Lisboa e, por outro lado, na circunstância de não ser credível, de acordo com parâmetros de normalidade e razoabilidade, que uma pessoa que opere drones seja tão abstraída da realidade que não tenha noção dos espaços que pode e não pode sobrevoar. E sabendo que não pode praticar tal conduta na zona em questão é forçoso concluir face à configuração dos factos que agiu com plena representação e vontade de praticar os factos, de forma livre e consciente e sabendo que tal conduta é ilícita.” U. E reforçamos que não só a zona em causa se encontra na aproximação da pista do Aeroporto Humberto Delgado, como é completamente impossível ignorar as constantes aeronaves que, com intervalos de poucos minutos, sobrevoam a Ponte 25 de Abril na realização das manobras de aterragem. V. Relativamente ao sobrevoo durante as operações de socorro do acidente com vítimas mortais com a aeronave na Praia de S. João da Caparica, o Tribunal a quo entendeu que “(…) a convicção firmada sustenta-se igualmente na circunstância de não ser credível, de acordo com parâmetros de normalidade e razoabilidade, que uma pessoa que opere drones seja tão abstraída da realidade que não tenha noção dos espaços que pode e não pode sobrevoar. E sabendo que não pode praticar tal conduta nas circunstâncias em causa é forçoso concluir face à configuração dos factos que agiu com plena representação e vontade de praticar os factos, de forma livre e consciente e sabendo que tal conduta é ilícita.”, tendo igualmente justificado que a conduta do Recorrente “causou perturbação aos familiares das vítimas, que haviam falecido.” W. Destarte, com a análise realizada, o Tribunal a quo demonstrou efetivamente que o elemento intelectual do dolo está concretizado. X. Essa mesma concretização é secundada por este Douto Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão datado de 5 de Maio de 2022, que defende que “Cumpre esclarecer que não há uma fórmula semântica única para a descrição dos factos que integram o tipo de dolo, sendo, naturalmente, livres a redacção e a utilização dos termos que servirão para descrever, para integrar o dolo, não havendo uma fórmula que, não sendo utilizada ipsis verbis, conduza fatalmente à queda da acusação por manifestamente infundada, por não conter a suficiente narração dos factos.” Y. Esta jurisprudência concretiza inclusivamente que deve ser afastada a aplicação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2015 invocado pelo Recorrente, ao defender que “O Ministério Público é livre de escolher os enunciados linguísticos de que faz utilização, na acusação, desde que descreva plenamente o objecto do processo, desde que esgote factualmente a descrição dos tipos objectivo e subjectivo do crime imputado.” Z. O Recorrente veio invocar a violação do Princípio da Culpa, socorrendo-se uma vez mais da decisão administrativa, para tentar através do presente recurso, uma reavaliação da mesma, quando deveria assinalar, o que no seu entender, não está correcto, na sentença proferida pelo Tribunal a quo. AA. Para tanto, alega que “Não existiu nenhum ato de inquérito, nenhum ato de instrução, e consequentemente, inexiste qualquer prova, da qual se pudesse retirar a conclusão quanto ao arguido ter agido com dolo ou negligência.”, com o objetivo de suscitar a nulidade do processo contraordenacional. BB. Mas, o Recorrente labora em erro, pois importa ressalvar que existiram sim, atos de instrução nos presentes autos, com a realização de diligências, como a peritagem ao drone que revelou todas as operações realizadas pelo Recorrente, nomeadamente todas as fases de iniciar o sobrevoo com a aeronave não tripulada nos locais escolhidos pelo mesmo. CC. Com base na mencionada peritagem foi possível confirmar a execução dos sobrevoos, a data, hora, duração, local, pessoas e operações de socorro sobrevoadas pelo mesmo com recolha de imagens. DD. Sendo possível confirmar que o Tribunal a quo não baseou a sua decisão em qualquer presunção de culpa, para concluir como concluiu acerca da conduta adoptada pelo Recorrente, isto é, pela imputação a título de dolo. EE. Aliás, no caso sub judicie não é possível qualificar o comportamento do Recorrente de outra forma que não a dolosa, porquanto o mesmo, perante o acidente com vítimas mortais na Praia de S. João da Caparica quis efectivamente manobrar aquela aeronave não tripulada de molde a proceder à recolha de imagens, já para não falar no plano da censurabilidade moral de tal atitude, o que revoltou os familiares das vítimas conforme consta da factualidade provada. FF. Razão pela não se verifica qualquer violação da norma constitucional estatuída no artigo 32º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. GG. No recurso em crise, é ainda questionada a medida da pena, na medida em que o Recorrente entende que o facto de as infrações terem sido cometidas em 2017 e somente em 2023 ser proferida uma decisão é mais do que suficiente para concluir que as necessidades de prevenção especial são diminutas, senão inexistentes. HH. Mas não lhe assiste razão, porquanto enquanto não prescrever o ilícito em causa, sendo este sancionável, as necessidades de prevenção, quer especial, quer geral, terão de ser atendidas. II. E tal necessidade visa prevenir que o Recorrente não volte a reincidir na prática de contra-ordenações aeronáuticas civis, uma vez que parece que o mesmo não interiorizou que deve pautar a sua conduta de acordo com o Direito, ainda mais num setor tão regulado como o da aviação civil. JJ. Não obstante, o Recorrente invoca a existência de arrependimento somente pelo facto de, até à presente data, não ter sido registada a prática de nova contra-ordenação, mas quanto a esse argumento relembremos a jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora que entende “(…) a simples admissão dos factos, quando ocorra, não implica necessariamente a existência de arrependimento, que nalguns casos não passa de mera estratégia de defesa. O arrependimento, para pesar em favor do arguido, não se demonstra em regra através de meras palavras de contrição, mas sim de actos que evidenciem que interiorizou o desvalor da sua conduta, lamenta tê-la praticado, pretende atenuar na medida do possível as suas consequências nefastas e está resolvido a não tornar a delinquir.” KK. No que concerne à graduação da culpa, entende o Recorrente que a mesma não é elevada, mas concordar com tal alegação é reduzir a segurança aérea a uma insignificância que não podemos aceitar! LL. Recordando a factualidade provada nos presentes autos, confirma-se que o Recorrente operou o drone junto à Ponte 25 de Abril que é uma zona de sobrevoo proibida e que se encontra na aproximação à pista do Aeroporto Humberto Delgado, sendo possível avistar aeronaves que fazem essa aproximação para aterrar com poucos minutos de diferença, bem como operou o drone para sobrevoar as operações de socorro do acidente com a aeronave na praia de S. João da Caparica, do qual resultaram vítimas mortais, bem como pessoas que se encontravam no local.
MM. Ora, o Recorrente, em ambos os casos, poderia ter atuado de acordo com o direito, e nesse sentido ter operado a aeronave em locais e situações devidamente autorizadas, mas não o fez. NN. E efectivamente não o fez, inclusivamente numa situação de forte censura ética, em que não é aceitável que alguém, num momento de dor e consternação, faça uso de uma aeronave não tripulada para recolha de imagens. OO. Pelo que, quando o Recorrente requer a redução das coimas para o seu limite mínimo, apesar do comportamento adoptado, e da falta sincera de arrependimento, revela uma atitude de indiferença perante o sucedido, o que é profundamente rejeitável pela sociedade. PP. Face ao que antecede, deve o recurso deve ser julgado totalmente improcedente.
Também o Ministério Público junto do Tribunal de Primeira Instância respondeu ao recurso sendo de admitir que, sob o título «Em síntese», quis apresentar as conclusões legalmente previstas pelo que, só por essa razão, se transcrevem os enunciados aí lançados nos seguintes termos: . Quer a decisão administrativa, quer a douta sentença recorrida contêm, não só, os factos caraterizadores do elemento intelectual do dolo, como todos os factos subjetivos dos tipos infracionais . O douto TCRS decidiu em sede de questões prévias – pontos 3 a 20 da douta sentença – quanto a todas as contraordenações objeto do recurso, a alegada questão da omissão dos enunciados do dolo, vindo o Tribunal a concluir que, relativamente, a cada uma das contraordenações não existia qualquer omissão de narração dos factos subjetivos das infrações. . Por o ter julgado provado, o douto TCRS fez incluir nos factos provados do ponto 21, 21e, 21s e 21t, os enunciados de facto do dolo e da culpa dos tipos infracionais. . É por demais evidente que o douto TCRS conheceu e decidiu a questão da alegada omissão dos enunciados de facto do dolo do tipo e da culpa, tendo mesmo transcrito na sentença – cfr. pontos 3 a 20 - os segmentos da decisão da ANAC onde constava a narração de tais factos subjetivos. . Não existe, assim, omissão alguma, nem modificação de factos. . A douta sentença não violou a tese do AUJ do STJ 1/2005, o artigo 358.º ou o artigo 379.º do CPP, não se tendo o TCRS escusado a conhecer qualquer nulidade de conhecimento oficioso, ou outra. . As conclusões 5 e 6, na medida em que se referem à prova dos factos, traduzem impugnação da matéria de facto provada da sentença – factos provados 21e, 21s e 21t – onde o Tribunal narrou os enunciados do dolo e da culpa dos tipos infracionais, devendo ser desconsideradas por via do disposto nos termos do disposto no artigo 75.º/1 do RGCO. . Os factos subjetivos caraterizadores da atitude interna do agente da infração, terão de ser apreendidos através dos factos objetivos que os revelam no mundo exterior e assim terão de ser inferidos destes segundo a normalidade social e o estado atual do conhecimento científico. . O Tribunal motivou os factos subjetivos das contraordenações nos pontos 27 a 29 da sentença, segundo parâmetros de normalidade e razoabilidade ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova. . A douta sentença recorrida contém ampla fundamentação das sanções, onde o Tribunal reexaminou ex novo a decisão impugnada, fundamentando as coimas parcelares e depois a coima única, segundo os critérios legais aplicáveis, donde sobressai a especial necessidade de reafirmação das normas violadas por via da ausência de arrependimento do Recorrente e da sua indiferença perante os interesses protegidos. Assim, o recurso de sentença de C(...) deverá ser julgado manifestamente improcedente e manter-se na íntegra a douta sentença recorrida.
O Ministério Público junto deste Tribunal limitou-se a apor visto nos autos.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Juízes Desembargadores Adjuntos do presente Colectivo, cumpre apreciar e decidir.
Dado que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cf. o n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal aplicável ex vi do disposto no n.º 1 do art.º 41.º do RGCO) – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – são as seguintes as questões a avaliar: 1. Na decisão administrativa e nos factos provados na sentença não consta “que o arguido sabia que o seu comportamento era proibido e punido por lei” pelo que foi violado o disposto nos artigos 358.º e 379.º, n.º 1, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal, apliável ex vi do artigo 41.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro que institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo (RGCO)? 2. Inexiste qualquer prova que sustente a existência de um comportamento doloso, tendo-se o tribunal socorrido de uma presunção de culpa que afronta o disposto no artigo 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa? 3. A ponderação conducente à determinação da medida concreta da pena é incorreta uma vez que: i. as necessidades de prevenção especial são inexistentes já que, decorridos 6 anos sobre a prática da infração, não se registaram quaisquer infrações; ii. não houve qualquer dano iii. não houve qualquer benefício nem intenção de benefício, iv- não houve qualquer perigo concreto, pelo que as coimas deverão ser reduzidas para os seus montantes mínimos e, em consequência, reduzida também a coima única para o mínimo legal?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Vem provado que: Factos relativos à Ponte 25 de abril: a. O Arguido operou uma aeronave pilotada remotamente de marca DJI modelo PHANTOM 4 com o n.º série 07DJD8U e OC10031, equipada com câmara de filmar e respetivo cartão digital micro SD (doravante “drone”), no dia 31 de julho de 2017, nas docas de Alcântara, junto à Ponte 25 de Abril, que se insere numa zona proibida de sobrevoo, por se encontrar na final de aproximação para o Aeroporto de Lisboa e que está classificado como espaço aéreo controlado – Classe C. b. De tais atos resultou a captação da seguinte imagem - imagem n.º 2 (minuto 00:00:04 de 00:01:25):
Mais a seguinte imagem - imagem n.º 3 (minuto 00:00:04 de 00:01:25):
Mais a seguinte imagem - imagem n.º 4 (minuto 00:00:56 de 00:01:25):
Arguido ao proceder nos termos descritos representou e quis operar a aeronave não tripulada, numa zona proibida de sobrevoo, tendo agido de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que a sua conduta era ilícita e proibida. Factos relativos ao dia 02.08.2017: f. No dia 2 de agosto de 2017, pouco antes das 17h30, ocorreu um acidente com uma aeronave na praia de S. João da Caparica, da qual resultaram duas vítimas mortais. g. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas o Arguido sobrevoou o referido local, sem qualquer autorização, com o drone supra indicado, que se manteve, por várias vezes, em voo estático, sensivelmente a 5 metros do solo, no sentido de efetuar a captura de imagens dos corpos das vítimas e da aeronave, assim como de toda a intervenção das autoridades policiais e civis envolvidas nas ações de proteção e socorro, sobrevoando também sobre banhistas. h. Os familiares das vítimas demonstraram grande revolta pelo facto do drone estar a captar estas imagens, intentando junto da Polícia Marítima um pedido para que, de imediato, aquelas manobras cessassem. i. Encontravam-se mais de 12 pessoas no local do acidente, conforme a seguinte imagem:
j. De tais atos resultou a captação da seguinte imagem (imagem n.º 5 (minuto 00:01:12 de 00:09:19):
k. Mais a seguinte imagem (imagem n.º 6 (minuto 00:01:12 de 00:09:19):
l. Mais a seguinte imagem (imagem n.º 7 (minuto 00:01:37 de 00:09:19):
m. Mais a seguinte imagem (imagem n.º 8 (minuto 00:01:51 de 00:09:19):
n. Mais a seguinte imagem (imagem n.º 9 (minuto 00:02:11 de 00:09:19):
o. Mais a seguinte imagem (imagem n.º 10 (minuto 00:02:28 de 00:09:19):
p. Mais a seguinte imagem (imagem n.º 11 (minuto 00:04:03 de 00:09:19):
q. Mais a seguinte imagem (imagem n.º 12 (minuto 00:05:56 de 00:09:19):
r. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas, o Arguido não tinha autorização expressa da ANAC para sobrevoar o local. s. Ao proceder nos termos supra descritos, o Arguido representou e quis operar a referida aeronave não tripulada sobre uma concentração com mais de 12 pessoas ao ar livre, sem uma autorização expressa da ANAC, sabendo que não poderia operar a aeronave não tripulada, nessa circunstância, tendo agido de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e proibida. t. Mais representou e quis operar a referida aeronave não tripulada para sobrevoar o local do sinistro, onde decorriam as operações de socorro, sem uma autorização, sabendo que não poderia operar a aeronave não tripulada, nessa circunstância, tendo agido de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e proibida. Outros factos: u. O drone supra identificado encontra-se apreendido à ordem dos presentes autos. v. O Arguido não tem antecedentes contraordenacionais registados na ANAC. w. O Arguido é profissional liberal e no ano de 2022 auferiu rendimentos globais no valor de € 11.142,50. x. Em 2023 obteve rendimentos globais, pelo menos, no valor de 2.217.00€. y. Vive com a esposa e um filho menor. z. O Arguido e a esposa têm as seguintes despesas mensais: cerca de €730,15 a título de empréstimo habitação; €64,47 de um crédito particular; €580,00 pelo colégio privado do filho; cerca de €49,00 pela água; cerca de €74,49 pela luz; cerca de €22,00 pelo gás; €65,00 pela segurança social; €21,36 de condomínio; e cerca de €300,00 de alimentação; e cerca de 79,00 por serviços de comunicações eletrónicas. * Não se provou que: a. Os voos efetuados pelo Arguido puseram em causa a segurança da navegação aérea tripulada civil e militar, bem como a operação de socorro em curso.
Fundamentação de Direito 1. Na decisão administrativa e nos factos provados na sentença não consta “que o arguido sabia que o seu comportamento era proibido e punido por lei” pelo que foi violado o disposto nos artigos 358.º e 379.º, n.º 1, alíneas b) e c) do Código de Processo Penal, apliável ex vi do artigo 41.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro que institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo (RGCO)?
Esta questão, para que possa ser cabal e adequadamente respondida, reclama por uma importante precisão: o que está sob recurso, neste momento, é a decisão de primeira instância que chamou a si toda a avaliação, ex novo, dos factos introduzidos como acusação através da apresentação ao juiz desse Tribunal dos autos provenientes da autoridade administrativa – cf o n.º 1 do art.º 62.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro que institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo (RGCO).
A decisão dessa autoridade não pode, pois, ser, e não será apreciada na presente sede, enquanto estrutura decisória.
O que pode e deve ser ponderado é se foi bem decidida pela primeira instância a questão agora reproduzida e se a decisão proferida pelo Tribunal «a quo» sofre do vício apontado.
A este respeito, não vêm postos em causa os factos fixados no âmbito da prolação da decisão incidente sobre a questão ora renovada (nem podiam vir, já que este Tribunal Superior, por regra, apenas conhece de Direito – cf. o disposto no n.º 1 do art.º 75.º do RGCO).
Aí cristalizou-se (negrito nosso): Na matéria de facto dada como provada na decisão impugnada consta, entre o mais, o seguinte: Em relação à primeira contraordenação: xxviii. O arguido Sr. C(...), operou o drone, no dia 31 de julho de 2017, em Alcântara, junto à Ponte 25 de Abril, que se insere numa zona proibida de sobrevoo, por se encontrar na final de aproximação para o Aeroporto de Lisboa e que está classificado como espaço aéreo controlado – Classe C, sabendo que não poderia operar a aeronave não tripulada, numa zona proibida de sobrevoo, mas ainda assim não se absteve sobrevoar o drone na área de espaço aéreo controlado, pelo que se conclui que quis atuar da forma que atuou, bem sabendo que a sua conduta era ilícita. xxix. Com a conduta supra descrita, o arguido ao operar em espaço aéreo controlado, agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido, pelo que, pelas razões apontadas, a imputação subjetiva deverá ser feita a título de dolo. Em relação à segunda contraordenação: xxx. Mais resultou que, no dia 2 de agosto de 2017, na Praia de S. João (Costa da Caparica), o Sr. C(...) operou o drone nesse local, sem uma autorização expressa da ANAC para sobrevoar concentrações de mais de 12 pessoas ao ar livre, sabendo que não poderia operar a aeronave não tripulada, nessa circunstância, mas ainda assim não se absteve de fazer sobrevoar o drone, pelo que se conclui que quis atuar da forma que atuou, bem sabendo que a sua conduta era ilícita. xxxi. Com a conduta supra descrita, o arguido ao sobrevoar concentrações de pessoas ao ar livre, num local de acidente, as quais se manifestaram contra esse sobrevoo, sem autorização da ANAC agiu, de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido, pelo que, pelas razões apontadas, a imputação subjetiva deverá ser feita a título de dolo. Em relação à terceira contraordenação: xxxii. Por fim, resultou ainda provado que ainda no dia 2 de agosto de 2017, na Praia de S. João (Costa da Caparica), o Sr. C(...) operou o drone nesse local, sem autorização para sobrevoar o local do sinistro, onde decorriam as operações de socorro, mas ainda assim não se absteve sobrevoar o drone, pelo que se conclui que quis atuar da forma que atuou, sabendo que a sua conduta era ilícita. xxxiii. Com a conduta supra descrita, o arguido ao sobrevoar o local do sinistro com a aeronave, onde se encontravam vítimas mortais agiu, de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido, pelo que, pelas razões apontadas, a imputação subjetiva deverá ser feita a título de dolo (realce e sublinhados aditados).
Ao analisar esta questão, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, com pleno acerto, que estes factos apontavam para a segura materialização do elemento indicado como estando em falta.
Para tal efeito, distinguiu, bem, que, no Direito de mera ordenação social, a consciência da natureza ilícita do facto não se confunde com a noção da sua punibilidade afirmando, com a mesma adequação, que, nessa área do Direito, o que se exige é que o agente tenha consciência da divergência da conduta face ao Direito constituído e não que tenha noção certa de que essa falta de conformidade assuma uma específica referência contra-ordenacional acarretando uma também específica sanção.
Acrescenta-se que a norma à qual havia que subsumir os factos provados era o n.º 2 do art.º 8.º do RGCO e não o art.º 17.º do Código Penal, sendo que esta diversidade normativa tem consequências seguras no domínio sob avaliação.
Com efeito, o que à luz dessa norma se exige é a consciência da proibição. E o que se exclui em caso de erro sobre o carácter ilícito é o dolo mas não a negligência (que sempre corporizaria o necessário elemento subjectivo) – excepto se ocorresse a materialização de um quadro de ausência de censurabilidade do erro (cf. o dito com acerto, a este propósito, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16.11.2017 no processo n.º 367/17.1T8BRG.G1, in http://www.dgsi.pt).
Neste quadro normativo especial, não se justifica, sequer, incursão no debate jurisprudencial sobre a questão de saber se a consciência da ilicitude é ou não elemento constitutivo dos tipos criminais definidos pela lei penal, ou seja, se existe um «dolo de culpa» autonomizado de um «dolo do tipo» (já que em tal lei não se integram as normas sancionatórias aplicadas nos autos) – vd, a este propósito, o enunciado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26.06.2018, proferido no processo 8001/15.8TDLSB.E1, in http://www.dgsi.pt.
No domínio apreciado, não há exclusão da culpa, como acontece no Direito penal. Apenas poderia ocorrer exclusão do dolo.
De qualquer forma, no caso em apreço, como seguramente inculcam os factos dados como provados na sentença impugnada, não há erro sobre a proibição. Antes o oposto vem demonstrado.
Vindo fixado na decisão administrativa que o Arguido bem sabia, quanto a cada uma das contra-ordenações ajuizadas, que a sua conduta era ilícita, bem andou o Tribunal «a quo» em julgar improcedente a questão prévia transformada neste recurso em questão principal, no que se reporta ao conteúdo dessa decisão da autoridade administrativa.
No que tange à questão simétrica apontada aos factos cristalizados na sentença posta em crise e ora apreciada, encontramos elementos claros a revelar idêntico quadro de materialização da consciência sobre a proibição referenciada no n.º 2 do art.º 8.º do RGCO.
São os seguintes os aludidos factos (negrito nosso): e. O Arguido ao proceder nos termos descritos representou e quis operar a aeronave não tripulada, numa zona proibida de sobrevoo, tendo agido de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que a sua conduta era ilícita e proibida. s. Ao proceder nos termos supra descritos, o Arguido representou e quis operar a referida aeronave não tripulada sobre uma concentração com mais de 12 pessoas ao ar livre, sem uma autorização expressa da ANAC, sabendo que não poderia operar a aeronave não tripulada, nessa circunstância, tendo agido de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e proibida. t. Mais representou e quis operar a referida aeronave não tripulada para sobrevoar o local do sinistro, onde decorriam as operações de socorro, sem uma autorização, sabendo que não poderia operar a aeronave não tripulada, nessa circunstância, tendo agido de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e proibida.
Sendo idêntica a razão de decidir, é equivalente a decisão que se impõe proferir sobre a matéria.
Cotejando os factos da acusação (corporizada na decisão administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 62.º do RGCO) com os factos lançados na sentença impugnada, não se verifica a pretendida alteração não substancial referida no art.º 358.º do Código de Processo Penal, desde logo porquanto a referência aparentemente aditada (vocábulo «proibida») ou alterada teria que possuir «relevo para a decisão da causa» (cf. o n.º 1 desse artigo) o que nunca ocorreria no caso analisado face ao que se deixou explanado antes, por referência à factualidade contida na decisão administrativa que, como se disse, era suficiente para a conclusão no sentido da inexistência de qualquer erro sobre a proibição, para os efeitos do disposto no mencionado art.º 8.º do RGCO.
Acresce que, de qualquer forma, não há aditamento já que, como se vê da transcrição dos factos fixados na decisão administrativa, supra-lançada, usou-se, aí, como sinónimos e enunciados intermutáveis «conduta ilícita» e «comportamento proibido» sendo, consequentemente, reiterador do antes afirmado referir «conduta ilícita e proibida», claramente sem distinção fina das semânticas dos vocábulos constitutivos, ou seja, nada de novo se acrescentou e menos algo se modificou.
Face a tudo o que ficou dito, não há, na decisão transmutada em acusação no momento da instauração do recurso em primeira instância, falta de descrição de elementos subjectivos do ilícito contra-ordenacional, pelo que nenhum sentido tem de invocar violação do definido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015, que fixou a seguinte jurisprudência: A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal.
Assim sendo, como insofismavelmente é, não se preenche a fattispecie da al. b) do n.º 1 do art.º 379.º do Código de Processo Penal ao contrário, pois, do sustentado no recurso.
Flui do exposto dever a questão analisada receber resposta negativa, o que ora se declara.
2. Inexiste qualquer prova que sustente a existência de um comportamento doloso, tendo-se o tribunal socorrido de uma presunção de culpa que afronta o disposto no artigo 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa?
Com esta questão, o Recorrente procurou atrair este Tribunal para área em que a sua intervenção é muito estrita e limitada. Com efeito, o que subjaz ao perguntado é a não conformação do Impugnante com a fixação do elemento subjectivo do tipo normativo cuja violação lhe foi atribuída, ou seja, com a identificação da sua actuação com um comportamento intencional. Quer, pois, o recorrente, que se dê como não provado o julgado demonstrado, id est, a sua acção dolosa.
É caminho estreito e muito circunscrito, o proposto, já que este Tribunal Superior não conhece de facto, conforme emerge, de forma segura e insofismável, do n.º 1 do art.º 75.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro que instituiu o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo (RGCO) e já invocado supra.
Numa primeira abordagem, a resposta seria, pois, no sentido de rejeição desta vertente do recurso.
Num tal quadro de interdição interventiva, resta, no entanto, explorar o estreito caminho aberto pelo n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal aplicável ex vi do disposto no n.º 1 do art.º 41.º do RGCO, preceito que permite uma ponderação do resultado instrutório em função de uma aferição directa, imediata, epidérmica, textual, literal, de pronta emergência à luz do texto da decisão posta em crise ou de tal texto em combinação com regras de experiência comum.
No caso em apreço, é manifesto, sem necessidade de aprofundamento, não ter a invocação do Recorrente a possibilidade de ser subsumida ao disposto na al. a) desse número – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – ou na al. b) – contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
O dito pelo Recorrente no seu recurso é, eventual e exclusivamente, subsumível ao disposto na alínea c) – erro notório na apreciação da prova – pelo que se justifica o lançamento das seguintes considerações sobre tal matéria.
Diz o Recorrente que o Tribunal lançou mão de uma presunção de culpa, o que violaria o disposto no n.º 2 do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa («Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa»). Estaríamos perante a extracção a partir de facto certo, por dedução lógica, de facto desconhecido.
As presunções judiciais não são sem mais proscritas no domínio apreciado.
Em área bem mais exigente e mais solidamente guarnecida de elementos de tutela garantística do que a do Direito de mera ordenação social – a do Direito penal – o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-05-2012, proferido no processo n.º 347/10.8PATNV.C1, patenteou, com acerto, que: 1.- A presunção judicial é admissível em processo penal e traduz-se em o tribunal, partindo de um facto certo, inferir, por dedução lógica, um facto desconhecido. 2.- As presunções de facto - judiciais, naturais ou hominis – fundam-se nas regras da experiência comum. 3.- Para a valoração de tal meio de prova devem exigir-se, os seguintes requisitos: - pluralidade de factos-base ou indícios; - precisão de tais indícios estejam acreditados por prova de carácter direto; - que sejam periféricos do facto a provar ou interrelacionados com esse facto; - racionalidade da inferência; - expressão, na motivação do tribunal de instância, de como se chegou à inferência.
Porém, sendo o tema da presunção judicial de culpa – presunção simples, ou hominis – bem mais delicado, designadamente em virtude de restrições constitucionais ligadas, desde logo, ao princípio da presunção de inocência, a verdade é que, no caso em apreço, não estamos diante da extracção de um facto desconhecido de noções possuídas pelo Tribunal em virtude das suas percepções autónomas desgarradas do provado. Não há, efectivamente, na situação em apreço, saltos lógicos dessa dimensão.
O que o Tribunal «a quo» colheu quanto ao elemento subjectivo foi, antes (como o mesmo teve consciência e, por isso verbalizou), sempre resultado de prova indirecta – ou seja, assentou em factos bem materiais e objectivos colhidos nos autos.
Nem de outra forma podia ser.
Caso o Recorrente tivesse razão, todo o processo de mera ordenação social e todo o processo penal naufragaria já que, só o arguido podendo conhecer factos do seu foro íntimo como são os relativos às convicções e vontade, aos elementos cognitivos e volitivos sujacentes à acção, bastaria a todos os acusados negar consciência, conhecimento e vontade e todos eles, sem excepção, seriam absolvidos sem mais sendo que, no presente estádio do conhecimento científico, ninguém conhece realmente os conteúdos do processo racional para além do «dono» do cérebro que os produz (e, no que tange às motivações inconscientes e subliminares, nem o próprio ser pensante a elas tem acesso em estado de vigília).
Como o Tribunal acertadamente qualificou, o fixado na sede apreciada corresponde à expressão de uma convicção sustentada em parâmetros de normalidade e razoabilidade, obtida no quadro do exercício da faculdade de apreciar livremente a prova e sempre assente nos demais factos colhidos mediante instrução dos autos.
É muito reveladora e acertada, a este propósito, a menção feita nas contra-alegações da Autoridade Administrativa nos seguintes termos: (…) no caso sub judicie não é possível qualificar o comportamento do Recorrente de outra forma que não a dolosa, porquanto o mesmo, perante o acidente com vítimas mortais na Praia de S. João da Caparica quis efectivamente manobrar aquela aeronave não tripulada de molde a proceder à recolha de imagens, já para não falar no plano da censurabilidade moral de tal atitude, o que revoltou os familiares das vítimas conforme consta da factualidade provada.
Provou-se que o arguido «operou uma aeronave pilotada remotamente de marca DJI modelo PHANTOM 4 com o n.º série 07DJD8U e OC10031, equipada com câmara de filmar e respetivo cartão digital micro SD» e que por esta via procedeu à captação de imagens (vd. os factos «a» e «b»).
Trata-se de actuação revestida de tecnicidade e que reclamou pulsão positiva, ou seja, vontade de actuar. Não é possível operar um «drone» sem conhecimento dos seus critérios de funcionamento; não é concebível que o mesmo seja colocado no ar sem o querer expressa e directamente; não é cogitável que o dispositivo seja dirigido de forma fortuita a uma área de geoposicionamento específico; não é credível que se gravem imagens usando um drone, de maneira involuntária ou por acaso; menos é aceitável que se sustente a falta de conhecimento do sentido do feito e da vontade de o fazer quando as imagens captadas se revelam objectivamente susceptíveis de suscitar interesse (não se trata de imagens desfocadas ou sem tema, obtidas por disparos ou activações de gravação involuntários, representado cenas ou quadros irrelevantes e descontextualizados, v.g, pedaços de água sem nexo e relevo apreensível ou edificações inclinadas, demasiado distantes ou excessivamente aproximadas).
Se alguém «operou uma aeronave pilotada remotamente de marca DJI modelo PHANTOM 4 com o n.º série 07DJD8U e OC10031, equipada com câmara de filmar e respetivo cartão digital micro SD (doravante “drone”), no dia 31 de julho de 2017, nas docas de Alcântara, junto à Ponte 25 de Abril, que se insere numa zona proibida de sobrevoo, por se encontrar na final de aproximação para o Aeroporto de Lisboa e que está classificado como espaço aéreo controlado – Classe C», como se poderia conceber que tal teria ocorrido sem essa pessoa saber o que estava a fazer e sem querer, por mero acaso ou acidente?
Claro que o Arguido quis agir e sabia o sentido do que fazia. Afirmar o oposto corresponderia não só a uma agressão às regras de avaliação da prova como a um atentado à inteligência e ao sentido da realidade que todos os seres pensantes devem possuir.
Se, no dia 2 de Agosto de 2017, o Arguido fez sobrevoar o local de ocorrência de um acidente «sem qualquer autorização, com o drone supra indicado, que se manteve, por várias vezes, em voo estático, sensivelmente a 5 metros do solo, no sentido de efetuar a captura de imagens dos corpos das vítimas e da aeronave, assim como de toda a intervenção das autoridades policiais e civis envolvidas nas ações de proteção e socorro, sobrevoando também sobre banhistas», se captou as imagens de muitos dos circunstantes (mais de doze, conforme assinalado), quem, no uso das suas faculdades mentais, poderia admitir sequer que o Arguido teria obtido e feito descolar o dito «drone», direccionado esse dispositivo voador para o local do acidente, feito o mesmo pairar a baixa altitude claramente por forma a conseguir maior detalhe das cenas e activado remotamente a câmara, diversas vezes, gerando imagens coerentes, enquadradas, com sentido, conteúdo e noção do drama vivido (no que tange a um conjunto de cenas) e do que importava fixar, de forma involuntária, por acaso, fortuitamente, sem noção do praticado e sem vontade dirigida ao resultado? Aliás, só o acto de obter e fazer descolar um drone reclama dispêndio, esforço, intensidade do querer e preparação técnica, os quais representam, em termos subjectivos, id est, para efeitos da avaliação da componente intelectual e volitiva do agir, formas de manifestação segura da consciência e da vontade.
No contexto descrito e analisado, não tem o menor sentido a tese sustentada a este propósito no recurso, que gerou a pergunta sob avaliação (o que se afirma obviamente salvaguardando o respeito devido por quem a defendeu ainda que atentando contra a inteligência do Tribunal).
É, pois, negativa a resposta que se impõe dar à questão analisada, o que ora e aqui se concretiza. 3. A ponderação conducente à determinação da medida concreta da pena é incorreta uma vez que: i. as necessidades de prevenção especial são inexistentes já que, decorridos 6 anos sobre a prática da infração, não se registaram quaisquer infrações; ii. não houve qualquer dano iii. não houve qualquer benefício nem intenção de benefício, iv. não houve qualquer perigo concreto, pelo que as coimas deverão ser reduzidas para os seus montantes mínimos e, em consequência, reduzida também a coima única para o mínimo legal?
A resposta a esta questão deve ser construída começando por avaliar a realidade das circunstâncias atenuantes invocada.
Segundo o Recorrente, seriam inexistentes as necessidades de prevenção especial.
Porém, não lhe assiste razão. Da sua postura nos autos, designadamente neste recurso – em que pretendeu invocar o desconhecimento da ilicitude do praticado e chegou ao ponto de tentar conseguir que não se considerasse provado ter agido de forma consciente e voluntária (como se o drone sob referência tivesse actuado com vontade própria, descolando, dirigindo-se onde quis e captando as imagens que pretendeu recolher) – bem se vê que Arguido não entendeu nada, não aproveitou a oportunidade constituída pela pendência dos autos para reconstruir a sua personalidade desviada nos termos analisados neste processo e, tentou, até iludir o Tribunal sobre os elementos subjectivos envolvidos, presumindo ter capacidade e inteligência para o fazer.
Não há, na sua postura no processo e nesta sede particularmente, o menor vestígio do genuíno arrependimento sempre imprescindível à mudança.
O comportamento ulterior do Arguido não dá nenhumas garantias ao sistema de administração de Justiça de que o mesmo não reitere as suas práticas ilícitas se não for solidamente censurado ao nível da definição da medida concreta das sanções parcelares e única, particularmente porque o tom geral do seu discurso é no sentido de que nada lhe pode ser assacado (pois se até agiu sem dolo e – imaginamos face a essa postura – pretenderá ter sido o drone a funcionar com vontade própria) sendo sido abusivo o juízo relativo à sua culpa.
A mera ausência de infracções durante o curso do procedimento (caso seja real e não resulte de mero desconhecimento nos autos), nada revela por si só porquanto uma das possibilidades associadas a esse facto é a de o Arguido estar, até por razões estratégicas, por iniciativa própria ou aconselhado, temporariamente intimidado ou por outra razão, a aguardar a decisão final dos autos para saber se tem ou não caminho livre para prosseguir na prática ilícita.
Refere ainda o Arguido que não houve dano.
Ignora, porém, que se trata de elemento que vem desfocado na sua tese já que não releva nos termos pretendidos, no caso em apreço.
A materialização de danos, em situações como a ajuizada, é, antes, claramente, agravante quando ocorre e não atenuante quando não existe.
É assim porquanto o tipo em apreço «vive» do mero risco. É uma infracção de perigo abstracto. Basta-se com a inconsiderada colocação do colectivo, dos concidadãos, em risco através de condutas irresponsáveis. É o comportamento o factor relevante na materialização do tipo e não a sua consequência. Esta é, consequentemente, projectada para o domínio das circunstâncias qualificativas.
Não existir dano apenas obsta a uma escalada gradativa para sanções bem superiores ao nível médio da moldura contra-ordenacional abstracta.
Esta mesma argumentação vale para a invocação da inexistência de perigo concreto.
Finalmente, foi introduzida a arguição da inexistência de benefício ou «intenção de benefício» com vista à obtenção de uma moldura concreta situada no mínimo da abstracta.
Este elemento foi, porém, já ponderado pelo Tribunal «a quo», pelo não tem qualquer sentido que se peça a este Tribunal «ad quem» a sua aplicação como se a mesma não tivesse já ocorrido.
É incompreensível, ilógica, sem sentido e condenada à improcedência a pretensão de reduzir à sua dimensão mínima pena que já foi fixada nessa medida e que este Tribunal de Recurso está impedido de aumentar, como as circunstâncias apuradas pareceriam recomendar, face à proibição da «reformatio in pejus» consagrada no n.º 1 do art.º 72.º-A do RGCO, sendo particularmente acertado o dito a este respeito na Primeira instância nos pontos n.ºs 67 e 68 relativamente à infracção que recebeu essa resposta mínima (a materializada junto à Ponte 25 de Abril).
No que tange às duas restantes contra-ordenações, o Tribunal censurou a sua fixação no limite máximo, não justificado, e atendeu a diversas circunstâncias entre as quais se situam as apreciadas, não fazendo, sequer, os reparos acima lançados nem notando uma situação económica fixada de forma manifestamente incompleta face ao desiquilílbrio não esclarecido e incompatível entre proventos e despesas – quem tem um rendimento anual de 2.217,00 Eur, ou seja, de 184,00 Eur por mês, não consegue pagar um empréstimo à habitação de 730,15 Eur, não tem um filho num colégio particular pagando 580,00 Eur por mês, não consegue pagar as demais despesas demonstradas, litiga com apoio judiciário e menos se pode dar ao luxo de ter a actividade ilícita apurada nos autos que envolve o uso de um consabidamente dispendioso drone. No entanto, o Tribunal de Primeira Instância até à situação económica assim claudicante e incompleta, logo inverosímil como informação completa, atendeu.
O Arguido foi beneficiado e não prejudicado pelo processo de fixação da medida concreta da pena pelo que, não podendo a mesma ser aumentada e tendo a fixação da coima única respeitado o disposto no art.º 19.º do RGCO, impõe-se responder negativamente à questão proposta e manter a decisão recorrida.
III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos improcedente o recurso e, em consequência, negando-lhe provimento, confirmamos a sentença impugnada.
Custas pelo Recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCS.
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Lisboa, 11 de Setembro de 2024
Carlos M. G. de Melo Marinho
Alexandre J. Au-Yong Oliveira
José Paulo Abrantes Registo