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PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PROVA PERICIAL
SOFTWARE
PROGRAMA INFORMÁTICO
PIRATARIA
Sumário
Estando em causa a apreciação da existência da probabilidade de merecimento de tutela cautelar com dois fundamentos fácticos de verificação cumulativa, a) titularidade de direitos de autor da Requerente relativamente a programa informático e b) utilização desse programa pela Requerida com violação de tais direitos, não releva para a decisão do objecto do procedimento cautelar apurar se o referido «software» possui tecnologia: 1) capaz de impedir ou restringir a utilização não autorizada; 2) que permite o acesso indesejado a locais de armazenamento de dados (físicos ou virtuais, locais ou remotos), incluindo discos rígidos e servidores; 3) anti-pirataria, que permanece sempre inativa quando o utilizador possui uma licença autorizada/oficial, e apenas é ativada quando o utilizador possui uma licença não autorizada/oficial.
Texto Integral
Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. RELATÓRIO
DASSAULT SYSTÈMES SOLIDWORKS CORPORATION, com os sinais identificativos constantes dos autos, instaurou «providência cautelar especificada sem audiência prévia da requerida com vista ao decretamento de medidas para preservação da prova» contra AMBITUS, S.A., neles também melhor identificada.
O Tribunal «a quo» narrou os principais momentos processuais até à prolação da sua decisão final nos seguintes termos: 1. DASSAULT SYSTÈMES SOLIDWORKS CORPORATION veio intentar o presente procedimento cautelar contra AMBITUS, S.A. peticionando nos seguintes termos: a) Deve ser deferido o decretamento da providência sem a audiência prévia da Requerida, nos termos e para os efeitos do artigo 210.º-B e do artigo 210.º-C do CDADC e, em consequência, ser ordenada a recolha, nas instalações da Requerida AMBITUS (Rua …, Baltar, Portugal), com o auxílio de perito informático ou de equipa de peritos informáticos, de informação sobre o número de reproduções não autorizadas dos programas de computador Solidworks®, obtida através de capturas de ecrã ou mediante a utilização de software forense para recolha de prova (conforme considerado adequado pelo perito ou equipa de peritos informáticos), e fazendo registo, mediante descrição pormenorizada: i. Dos programas de computador Solidworks®, em qualquer das suas versões, que estejam instalados em quaisquer equipamentos físicos ou virtuais, locais ou remotos, incluindo computadores, servidores e outros, da Requerida e em quaisquer utilizadores com sessão nesses computadores, servidores e outros, respectiva data de instalação, versão instalada, programas associados aos programas SolidWorks® que estejam instalados, número de série do programa, crack/keygen utilizado, e entidade ou pessoa a favor da qual aparecem licenciados (a existir); ii. Do número de equipamentos informáticos, físicos ou virtuais, locais ou remotos, da Requerida nos quais se constate a desinstalação ou apagamento de quaisquer programas Solidworks® e respetivos componentes (add-ins), em qualquer das suas versões, deixando consignada a data de desinstalação ou apagamento (a existir). b) Deverá ser decretada a realização da providência com recurso a presença e acompanhamento de força policial, ao abrigo do disposto no art.º 375.º do CPC, por forma a que sejam tomadas todas as medidas necessárias para que não exista interferência na recolha e preservação de prova e, em especial cabendo à autoridade policial: i. Advertir todas pessoas presentes da garantia penal da providência e da possibilidade de aplicação de sanções penais ou de outra natureza por violação da mesma; ii. Evitar o acesso aos equipamentos da Requerida por qualquer pessoa presente no local; iii. Advertir contra e impedir o contacto de qualquer presente com terceiros que, remotamente, possam aceder aos computadores da Requerida e, dessa forma, impedir ou obstaculizar a recolha e preservação de prova; iv. Assegurar que, de um modo geral, não existam interferências na recolha e preservação de prova e empreender as acções necessárias e adequadas para o efeito, incluindo a identificação e detenção em flagrante delito de qualquer pessoa por desobediência qualificada. Alega, para tanto e em síntese, que, no âmbito da sua actividade, se dedica ao desenvolvimento de programas de computador, entre eles, o Solidworks®, que, por sua vez, comercializa ao abrigo de contratos de licença. Através da tecnologia antipirataria incorporada nos programas de computador Solidworks®, a Requerente pôde tomar conhecimento de que a Ré está a utilizar programas informáticos Solidworks® sem licença em pelo menos 8 (oito) computadores, pelo menos desde Julho de 2018. Em concreto, a tecnologia incorporada nos programas de computador Solidworks® detectou, pelo menos, 2416 (dois mil quatrocentos e dezasseis) usos do software Solidworks® sem licenças subscritas pela Requerida, usos esses que se iniciaram em Julho de 2018 e que continuam até à presente data. Para tal, a Requerida descarregou os programas de software Solidworks® e efectuou um crack dos ficheiros de licença para activar o mecanismo de reprodução dos programas de forma ilegal. Isto, sem prejuízo de, no passado, a Requerida ter adquirido licenças legítimas para utilização do referido software, o que não a impediu de utilizar versões com recurso a crack para além das versões genuínas que havia adquirido, o que fez em pelo menos 8 (oito) máquinas, conforme detectado. Mais requereu a dispensa da audiência prévia. Juntou documentos e arrolou testemunhas. 2. O Tribunal dispensou a audiência prévia da Requerida, tendo inquirido uma testemunha, com observância do devido formalismo legal, conforme resulta da respectiva acta.
Nesse processo, o Tribunal de Primeira Instância considerou indiciariamente provados os seguintes factos, que reputou como sendo os que possuíam relevo para a decisão da causa: A. A Requerente DS Solidworks foi a primeira empresa no mundo a criar um software de desenho mecânico para modelagem de produtos sólidos, acessível para engenharia, que funciona no sistema operativo Microsoft Windows®. B. O referido software, designado comercialmente por Solidworks®, foi lançado no ano de 1995. C. Os programas de computador Solidworks® são programas de software CAD, isto é, de desenho assistido por computador (em Inglês, “Computer-Aided Design”), e são utilizados em diversos sectores industriais para a engenharia de projecto e modelagem de peças em três dimensões. D. Os programas de computador Solidworks® permitem modelar peças e montagens e extrair delas desenhos técnicos e outras informações necessárias para a produção e são usados principalmente para o design de produtos em diversos sectores industriais. E. Para além das suas diferentes versões, os programas de software Solidworks® também existem e são comercializados em diferentes configurações: Solidworks® Standard, Solidworks® Premium, e Solidworks® Professional. F. A Requerida AMBITUS é uma sociedade constituída em Janeiro de 2006, que tem como objecto social “Fabricação/produção de mobiliário para escritórios, comércio, hotelaria, doméstico, com todos os componentes e acessórios envolventes. Inclui também os acabamentos (estofamento, pintura, polimento, revestimento, lacagem, envernizamento). Montagem, comércio e decoração. Reparação de mobiliário. Montagem de trabalhos de carpintaria e de caixilharia. Revestimento de pavimentos e de paredes.”, cfr. certidão permanente junta como doc. 11 com o requerimento inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. G. Através da tecnologia antipirataria incorporada nos programas de computador Solidworks®, apurou-se que a Ré está a utilizar programas informáticos Solidworks®, sem licença, em pelo menos 8 (oito) computadores, pelo menos desde Julho de 2018 num total de 2416 usos do software Solidworks® sem licenças subscritas pela Requerida. H. Para o efeito, a Requerida descarregou os programas de software Solidworks® e efectuou um crack dos ficheiros de licença para activar o mecanismo de reprodução dos programas. I. A Requerida e os seus dirigentes não ignoram, nem podem ignorar, os direitos exclusivos atribuídos à Requerente sobre os programas de computador Solidworks®, as condições de uso de tais programas ou a necessidade de pagamento de uma taxa.
O dispositivo dessa decisão final recebeu o seguinte conteúdo: Em face de todo o exposto e tudo ponderado, o Tribunal decide decretar o presente procedimento cautelar requerido por DASSAULT SYSTÈMES SOLIDWORKS CORPORATION contra AMBITUS, S.A. e, em consequência: A) Ordena a recolha, nas instalações da Requerida, sita em Rua …, Baltar, Portugal, com o auxílio de perito informático ou de equipa de peritos informáticos, de informação sobre o número de reproduções não autorizadas dos programas de computador Solidworks®, obtida através de capturas de ecrã ou mediante a utilização de software forense para recolha de prova (conforme considerado adequado pelo perito ou equipa de peritos informáticos), e fazendo registo, mediante descrição pormenorizada: i. Dos programas de computador Solidworks®, em qualquer das suas versões, que estejam instalados em quaisquer equipamentos físicos ou virtuais, locais ou remotos, incluindo computadores, servidores e outros, da Requerida e em quaisquer utilizadores com sessão nesses computadores, servidores e outros, respectiva data de instalação, versão instalada, programas associados aos programas SolidWorks® que estejam instalados, número de série do programa, crack/keygen utilizado, e entidade ou pessoa a favor da qual aparecem licenciados (a existir); ii. Do número de equipamentos informáticos, físicos ou virtuais, locais ou remotos, da Requerida nos quais se constate a desinstalação ou apagamento de quaisquer programas Solidworks® e respectivos componentes (add-ins), em qualquer das suas versões, deixando consignada a data de desinstalação ou apagamento (a existir).
Em, sede de oposição, a requerida veio solicitar a realização de perícia ao software «Solidworks Cad 3D», a realizar pela Unidade de Perícia Tecnológica e Informática da Polícia Judiciária, tendo por objeto a resposta às seguintes questões: 1. Saber se o software Solidworks Cad 3D possui tecnologia capaz de impedir ou restringir a utilização não autorizada de software com as características do “SOLIDWORKS CAD 3D”? 2. Saber se o software Solidworks Cad 3D possui tecnologia que permite o acesso indesejado a locais de armazenamento de dados (físicos ou virtuais, locais ou remotos), incluindo discos rígidos e servidores? 3. Saber se o software Solidworks Cad 3D possui tecnologia antipirataria que permanece sempre inativa, quando o utilizador possui uma licença autorizada/oficial, e se apenas é ativada, quando o utilizador possui uma licença não autorizada/oficial.
Relativamente a tal pretensão, Tribunal «a quo» proferiu a seguinte decisão: Indefiro a perícia requerida, por não se afigurar essencial no âmbito da apreciação de um procedimento cautelar, e por isso naturalmente dilatória, e atenta a relevância da mesma para o conhecimento da factualidade que neste se encontra em causa.
É dessa decisão que vem o presente recurso interposto por AMBITUS, S.A., que alegou e apresentou as seguintes conclusões: A) Não existe qualquer razão objetiva para se considerar que a perícia solicitada é dilatória ou que pode, por alguma forma, atrasar o bom andamento do processo. B) Se a Requerida foi capaz de elaborar um relatório pericial de 180 páginas num mês, não há motivo para se duvidar que a Unidade de Perícia Tecnológica e Informática da Polícia Judiciária dispõe de mais meios/recursos para realizar a perícia solicitada num prazo curto, igual ou inferior aquele. C) a perícia requerida já poderia, muito provavelmente, ter sido realizada, caso o Tribunal a quo não tivesse demorado tanto tempo a decidir sobre a perícia requerida, D) sendo certo que tal atraso não poderá levar o tribunal a quo a “atalhar caminho” ou acelerar o processo; E) a perícia requerida afigura-se essencial ao apuramento da verdade e à apreciação justa do presente procedimento cautelar, uma vez que através de perícia procura-se atacar os pressupostos de facto e de direito que levaram ao decretamento da presente providência cautelar, F) e, estando em causa matéria de elevada complexidade técnica, não existe outro meio de prova capaz de apurar, com rigor, a factualidade que, através de perícia se procura demonstrar e esclarecer e, assim, atacar os pressupostos de direito e de facto que não na base da presente procidência cautelar. Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene a realização da perícia requerida pela Recorrida.
DASSAULT SYSTÈMES SOLIDWORKS CORPORATION respondeu às alegações de recurso concluindo: a) O presente recurso de apelação, interposto pela Requerida, visa a revogação do despacho de 30.07.2024, pelo qual foi indeferida a prova pericial solicitada pela Requerida, com o fundamento de ser meio de prova não essencial, naturalmente dilatório e sem relevância para o conhecimento da factualidade em causa nos autos. b) Em primeiro lugar, importa assinalar que, contrariamente ao sustentado pela Requerida, o recurso tem efeito meramente devolutivo, nos termos do disposto no art.º 647.º, n.º 1 do CPC, pois não corresponde a nenhum dos casos previstos no n.º 2 e 3 da mesma norma. c) Basta um mero confronto do pedido e objeto da providência requerida com o pedido e objeto da prova pericial da Requerida para concluir, de imediato, o cariz dilatório de tal prova pericial, bem como a impertinência da mesma. d) Os presentes autos consistem em procedimento cautelar para preservação da prova relativa à violação dos direitos de autor da Requerente sobre o programa de computador SolidWorks, pelo que a factualidade relevante assenta, tão-somente, em dois pontos: (i) titularidade de direitos de autor da Requerente relativamente ao software SolidWorks – fumus bonis iuris e (ii) Utilização indevida do software SolidWorks pela Requerida – o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito de autor. e) Todavia, veio a Requerida solicitar a produção de prova pericial com o intuito de esclarecer três questões: “1. Saber se o software Solidworks Cad 3D possui tecnologia capaz de impedir ou restringir a utilização não autorizada de software com as características do “SOLIDWORKS CAD 3D”? 2. Saber se o software Solidworks Cad 3D possui tecnologia que permite o acesso indesejado a locais de armazenamento de dados (físicos ou virtuais, locais ou remotos), incluindo discos rígidos e servidores? 3. Saber se o software Solidworks Cad 3D possui tecnologia antipirataria que permanece sempre inativa, quando o utilizador possui uma licença autorizada/oficial, e se apenas é ativada, quando o utilizador possui uma licença não autorizada/oficial.” f) Nem em sede de oposição, nem nas suas alegações de recurso, a Requerida logrou indicar qual a factualidade relevante para os autos, que visa esclarecer com a prova pericial, como lhe exigia o art.º 475.º do CPC. g) Atenta a natureza cautelar, para decretamento das medidas de preservação da prova, importa unicamente apurar, em termos indiciários, a factualidade atinente à aparência do direito e à aparência da violação. h) Todo o meio de prova que se destine a apreciar factualidade que não essa é dilatório e, bem assim, impertinente, pelo que deve ser rejeitado.: “I – Requerida, no articulado de oposição deduzido em procedimento cautelar, a realização de prova pericial, deve o juiz verificar se a perícia se mostra impertinente ou dilatória, bem como se é necessária a produção de tal meio de prova, recusando a realização de perícia que considere impertinente ou dilatória, assim como a que entenda desnecessária; II – Se a perícia se destina à prova de factos cuja perceção e apreciação não exige conhecimentos especiais, em termos técnico-científicos, de que o juiz não disponha, mostra-se tal prova dilatória; se se destinar à prova de elementos conclusivos que não configuram matéria de facto, a perícia mostra-se impertinente.” Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 11.11.2021, proc. 115/21.1T8TVR-A.E1. i) A primeira questão avançada pela Requerida no seu requerimento probatório – apurar se o software violado é inviolável – é intrinsecamente contraditória, dilatória e impertinente, não só porque não visa apurar factualidade sobre a aparência do direito ou da infração, como depende, outrossim, da existência do direito e da infração do mesmo. j) Com a questão indicada, a Requerida pretende demonstrar que os direitos da Requerente são violados com a sua “conivência e vontade”, que não evitou a violação, quando sabe que não existe, em todo o mundo, software inviolável e, inclusivamente, junta documento que o afirma – “Apesar destas tecnologias, é importante notar que nenhuma solução é completamente infalível” – doc. 1 junto com a oposição. k) Ainda que assim não fosse, nenhuma censura poderia ser assacada à Requerente por não desenvolver meios que impossibilitem a conduta infratora de terceiros. l) A segunda questão avançada pela Requerida – prova pericial para apurar se o software violado possui tecnologia que permite o acesso “indesejado” a locais de armazenamento de dados (embora não esclareça o que pretende dizer com “indesejado”) – evidencia a impertinência do meio de prova requerido. m) Com a prova solicitada, a Requerida pretende tão-somente provar que a Requerente acedeu indevidamente a locais dos seus sistemas, através do mecanismo tecnológico de proteção – cfr. art.º 54.º e ss. da oposição –, matéria que não está em discussão nestes autos e é irrelevante para o decretamento das medidas de preservação da prova. n) Para sustentar a pertinência do meio de prova indicado, a Requerida lança mão de argumentos genéricos e totalmente carecidos de seriedade, como seja “não seria a primeira vez que uma empresa de origem norte-americana teria acesso indevido/ilícito a dados de clientes!” o) A terceira questão avançada pela Requerida – prova pericial para apurar se o software violado possui tecnologia antipirataria que permanece inativa, até que seja ativada por via de um crack ou keygen – é não só dilatória e impertinente, como constitui um atentado aos direitos da Requerente. p) A Requerida pretende obter informação técnica sobre o modo de funcionamento do mecanismo tecnológico de proteção inserido no software SolidWorks, que não só reveste natureza confidencial, como é fundamental para o exercício e defesa dos direitos da Requerente sobre os seus programas de computador. q) Com a primeira questão, pretende a Requerida saber se a Requerente “colocou trancas na casa”, com a terceira questão, pretende a Requerida saber como inutilizar tais “trancas”. r) Acresce que para conhecimento da factualidade em discussão nos autos, bastará um conhecimento elementar do funcionamento do mecanismo tecnológico de proteção, sem especiais conhecimentos técnicos ou informáticos, que o Tribunal a quo logrou obter em termos adequados com a prova produzida pela Requerente, em particular, pela prova testemunhal – cfr. pág. 7 do despacho de 19.12.2023. s) Não é objeto destes autos dissecar o programa de computador violado, sendo questionáveis as intenções da Requerida ao pretender prova pericial que vise, precisamente, esse fim. Quererá a Requerida sabre como violar o software da Requerente por outros meios que não o recurso a cracks/keygens? Ou como fazê-lo e não ser apanhada? t) Em suma, com a prova solicitada, a Requerida não pretende provar qualquer factualidade relevante para os autos, mas sim protelar o funcionamento da justiça e conhecer os segredos tecnológicos da Requerente. u) Acresce que o resultado da prova pericial – mesmo que admitida – nunca lograria a alteração da análise da factualidade relevante para o decretamento das medidas de preservação da prova e, por conseguinte, a respetiva decisão. v) Com efeito, na mesma medida em que nenhuma das questões colocadas pela Requerida contende com a factualidade relevante para os presentes autos, também as respostas não seriam suscetíveis de influir na decisão acerca dos pressupostos para o decretamento da providência requerida. w) O que acontece por dois motivos: (i) o objeto da prova pericial não contende com a factualidade essencial, relativa à aparência do direito e à aparência da violação e (ii) os autos reúnem elementos probatórios suficientes para indiciação da violação do direito da Requerente. x) Por conseguinte, a prova pericial indicada pela Requerida não é admissível por ser se destinar a provar elementos que não configuram matéria de facto relevante para os autos e por se destinar a obter conhecimentos técnico-informáticos desnecessários para a apreciação da factualidade, que apenas poderão visar a continuada infração dos direitos da Requerente, e não a sua defesa. y) Pelo que nenhum juízo de censura merece o despacho do Tribunal a quo de 30.07.2024, que deverá ser confirmado na íntegra e, destarte, considerando integralmente improcedente o recurso interposto pela Requerida. Nestes termos, requer-se a Vossas Exas., face a tudo o que foi adrede expendido, que se dignem considerar improcedente o recurso, confirmando a decisão do Tribunal a quo.
Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art.º 657.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
Dado que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil) – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art.º 608.º, n.º 2, por remissão do art.º 663.º, n.º 2, do mesmo Código) – é a seguinte a questão a avaliar: A perícia solicitada é essencial ao apuramento da verdade e à apreciação justa do presente procedimento cautelar, não tendo, consequentemente, qualquer carácter dilatório?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Relevam, neste espaço lógico, os factos processuais supra-descritos.
Fundamentação de Direito A perícia solicitada é essencial ao apuramento da verdade e à apreciação justa do presente procedimento cautelar, não tendo, consequentemente, qualquer carácter dilatório?
Nos presentes autos de tutela cautelar aprecia-se, de forma sumária (summaria cognitio), a existência da probabilidade de merecimento dessa tutela (fummus boni juris) com dois fundamentos fácticos de verificação cumulativa, a avaliar na providência ainda de forma ligeira e perfunctória e a demonstrar mais tarde em sede de acção definitiva:
a) Titularidade de direitos de autor da Requerente relativamente ao programa informático «SolidWorks»;
b) Utilização desse programa pela Requerida com violação de tais direitos.
O mais situa-se à margem do objecto do procedimento cautelar.
Especificamente e se, para efeitos analíticos e de mais nítida ilustração (já que, no domínio dos direitos autor, alguns não conseguem ver a igualdade do desvalor da apropriação do que é imaterial e alheio face ao ilícito assenhoramento de bens materiais de outrem), equiparássemos um violador de um direito de autor pertencente a outro cidadão ou empresa a um ladrão de automóveis, teríamos, na lógica dos pedidos de realização de perícia ponderados nos autos, as seguintes pretensões desse amigo do alheio:
1. Averigue o Tribunal se o carro que eu furtei tinha tecnologia que o pudesse ter protegido do meu assalto;
2. Averigue o Tribunal se esse carro tinha câmaras ligadas a um servidor externo que tenham permitido que o dono do veículo se tenha apropriado indevidamente da minha imagem durante o meu assalto;
3. Averigue o Tribunal se o veículo por mim furtado dispunha de sistema de segurança e se o mesmo se encontrava sempre inactivo e só se activava quando entrava um ladrão como eu no veículo.
É manifesto que o pretendido não tem qualquer relação com o que há que avaliar nos autos.
Tudo agravando, temos aqui um quadro de desvalor que é flagrante, sobretudo se visto à luz do acima exemplificado.
Esperar-se-ia que a atenção devida à necessidade de salvaguardar a seriedade e relevo da intervenção dos tribunais, imposta aos seus utentes e aos profissionais que fazem da representação perante eles sua profissão, obstassem à dedução de requerimentos do jaez do que motivou a decisão posta em crise.
Ao menos, perante uma primeira tentativa de utilização deste tipo de estratégia processual rechaçada pelo Tribunal de Primeira Instância, esperar-se-ia que houvesse a capacidade de repensar a conduta e nunca pertinácia na actuação processual que não atende nem ao Direito constituído nem a mecanismos de auto-contenção emergentes do bom senso e do carácter mandatório da necessidade de atender aos valores que devem presidir à litigação em Juízo.
Assim não foi, porém.
Neste contexto, não merece este tipo de pedido que o Sistema Judicial desperdice mais tempo e esforços fundamentando o imediatamente óbvio: a pretensão deduzida em sede de recurso não assume o menor sentido e sustentabilidade, sendo que o seu desvalor intrínseco impõe a imediata rejeição do pretendido e a formulação de resposta negativa à questão apreciada.
III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos o recurso improcedente e, em consequência, negando-lhe provimento, confirmamos a sentença impugnada.
Custas pela Apelante.
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Lisboa, 23.09.2024
Carlos M. G. de Melo Marinho
Bernardino J. Videira Tavares
Armando M. da Luz Cordeiro