EMBARGOS DE EXECUTADO
PRECLUSÃO
Sumário

I. Na sentença, o tribunal aprecia todas as questões que as partes lhe tenham submetido, ressalvadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC); no caso dos autos, o tribunal a quo não conheceu das exceções de pagamento e de prescrição porque, a montante da apreciação que delas poderia fazer, entendeu que o executado não estava em tempo para as suscitar; se o tribunal afirma que as questões x e y foram arguidas extemporaneamente e, por isso, delas não pode conhecer, não há nulidade por omissão de pronúncia; quando muito, poderá haver erro de julgamento se, afinal, não se verificar a extemporaneidade julgada em primeira instância.
II. Os pagamentos que o executado tenha feito antes da citação para a execução têm de ser alegados em sede de oposição à execução por embargos, a interpor no respetivo prazo; não o fazendo, fica precludido o direito de o fazer mais tarde (artigo 573.º, ex vi do artigo 551.º, n.º 1, ambos do CPC, e artigo 728.º, n.º 2, a contrario sensu, do mesmo Código).
III. O disposto no n.º 1 do artigo 785.º do CC – «Quando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital» – tem a sua razão de ser na proteção do crédito: o capital em dívida vence juros, mas os juros, em geral, não (proibição do anatocismo ou capitalização dos juros – artigo 560.º do CC); consequentemente, a imputação no capital só pode antecipar-se com a concordância do credor (n.º 2 do artigo 785.º do CC). Se porventura o credor imputa um pagamento no capital, havendo ainda juros a ser liquidados, isso resulta num benefício para o devedor, pelo que este não tem de que se queixar.
IV. A invocação da prescrição de juros, ao abrigo do disposto no artigo 310.º, al. d), do CC, tem de ser feita em sede de oposição à execução por embargos, e é relativa aos juros com mais de cinco anos; relativamente aos juros não prescritos (ou a todos, no caso de não ter havido invocação eficaz de prescrição), com a citação para a execução, interrompe-se a prescrição (artigo 323.º, n.º 1, do CC).

Texto Integral

Acordam os abaixo assinados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
«AA», executada nos presentes autos de execução movidos pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., notificada do despacho proferido em 3 de abril de 2024, que não conheceu da matéria do seu requerimento de 11 de dezembro de 2023, e com esse despacho não se conformando, interpôs o presente recurso.
Passemos em revista os factos processuais relevantes:
1. Os presentes autos tiveram início em 2016, por requerimento executivo inicial da CGD alicerçado em três contratos de mútuo com garantia hipotecária, concedidos a «AA» e a «BB», que os mutuários deixaram de cumprir em 19/03/2011 e em 23/06/2011.
A quantia exequenda foi, então, liquidada à data de 22/04/2016 nos seguintes termos:
Capital:
€ 58.735,00 (Empréstimo PT …085);
€ 19.964,57 (Empréstimo PT …985);
€ 23.227,44 (Empréstimo PT …885).
Juros vencidos desde a data de entrada em mora até 22/04/2016, nos valores de:
€12.960,19 (Empréstimo PT …085);
€ 4.598,39 (Empréstimo PT …985);
€ 4.641,77 (Empréstimo PT …885).
Comissões:
€ 922,14 (Empréstimo PT …085);
€ 938,91 (Empréstimo PT …985);
€ 888,55 (Empréstimo PT …885).
O que prefaz, respectivamente, € 72.617,33, € 25.501,87, e € 28.757,76, e o montante total em dívida de € 128.876,96.
2. Em 11/03/2019, o administrador da insolvência no proc. ...8TBSXL (insolvência de «BB») informa nos autos que a CGD, credora garantida, ali recebeu 18.385,95 €, em 12/03/2019.
3. Nos presentes autos, a CGD informou que esse valor foi aplicado no mútuo apresentado a esta execução como doc. 2, operação bancária PT …985, recalculando-se as obrigações exequendas na data de 26/05/2021 em 134.350,03 €, sendo:
Obrigação titulada pelo doc. 1 junto ao requerimento executivo (PT …085):
Capital - 58.735,00;
Juros de 19/03/2011 a 26/05/2021 - 29.209,63 (à taxa de juros moratórios de 5,43%);
Comissões - 922,14.
Obrigação titulada pelo doc. 2 junto ao requerimento executivo (PT …985):
Capital - 1.578,62;
Juros de 19/03/2011 a 26/05/2021- 8.177,51 (à taxa de juros moratórios de 5,43%);
Comissões - 938,91.
Obrigação titulada pelo doc. 3 junto ao requerimento executivo (PT …885):
Capital - 23.227,44;
Juros de 23/06/2011 a 26/05/2021 - 10.672,23 (à taxa de juros moratórios de 5,205%);
Comissões - 888,55.
4. Em 16/12/2021, o agente de execução apresentou conta corrente discriminada da execução, com o total devido à exequente de 140.876,38 €, dos quais já tinha recebido 529,82 € (faltando receber 140.346,56 €), tendo na mesma data expedido notificação da mesma conta corrente à Il. Mand. da executada. Os 140.346,56 € contemplavam: 83.541,06 € de capital, 2.749,60 € de comissões constantes do requerimento executivo, 50.629,93 € de juros liquidados a 16/12/2021 (sendo 48.059,37 € vencidos à data do última recálculo do exequente, em26/05/2021, e 2.570,56 vencidos desde então), 102,82 € de imposto de selo, e 3.323,15  € de custas de parte a cargo do executado.
Descontados o imposto de selo e as custas de parte, que, conforme de lei, hão de ter saído precípuos do valor alcançado na execução, a exequente teria a receber 136.920,59 €.
5. A executada não reclamou nem do requerimento de maio nem a conta-corrente de  dezembro; e, em 09/02/2022, foi entregue à exequente o valor global de 111.633,87 € (50.000,00+50.000,00+11.633,87) - v. recibos de 11/02/2022 no p.p. –, portanto, mais de 25.000,00 aquém do que lhe era devido de acordo com a liquidação de 16/12/2021.
6. Por requerimento de 18/03/2022, a CGD atualizou a quantia exequenda à data de 15/02/2022 em 26.146,02 €, sendo 100,00 € de capital e 26.046,02 € de juros.
Tal requerimento foi nessa data notificado à Il. Mand. da executada, nos termos do disposto no artigo 221.º do CPC.
7. Em 11/12/2023, a executada apresentou requerimento no qual alega que:
- A quantia de € 26.146,02 já se encontra paga;
- A fração autónoma penhorada nestes autos foi adjudicada por remissão, nos termos do artigo 842.º do CPC, ao filho da executada «CC», pelo preço de € 114.349,69;
- No âmbito do processo de insolvência ...8TBSXL,  em que foi declarado insolvente o co-executado «BB», a aqui exequente recebeu em rateio, no dia 11/03/2019, por conta da dívida exequenda neste autos, a quantia de € 18.385,95;
- A executada e o co-executado (seu companheiro «BB») foram depositando ao longo dos anos, para amortização das três operações de crédito identificadas no título executivo, um total de € 18.097,68, entre março de 2012 e maio de 2016 (valor que se desdobrou em prestações de € 400,00 efetuadas nos meses de março 2012 a fevereiro de 2013 inc., abril de 2013 a agosto de 2014 inc., dezembro de 2014 a abril de 2015 inc., junho e agosto de 2015, outubro de 2015 a maio de 2016, a que acresce uma prestação de € 350,00 em novembro de 2014 e uma prestação de € 147,68 no mês de outubro de 2015);
- Considerando o disposto no artigo 785.º do CC, os pagamentos deviam ter sido imputados primeiro nas despesas, depois nos juros e por fim no capital;
- A quantia peticionada a título de juros, no montante de € 26.046,02, contabilizados até 15/02/2022, mas sem que a Exequente indique a data de início do seu vencimento, encontra-se prescrita, nos termos do n.º 2 do artigo 693.º  do Código Civil.
Em 03/04/2024, foi proferido o seguinte despacho (objeto do recurso sub judice):
«1. A executada «AA» veio a 11 de Dezembro de 2023 expor que, a quantia exequenda indicada pela exequente no requerimento de 18 de Março de 2022 como estando em dívida à data de 15 de Fevereiro de 2022, situada em 26.146,02 euros (100 euros de capital e o restante de juros), está integralmente paga porquanto:
- a exequente recebeu no rateio do processo de insolvência do comproprietário do imóvel, em 11 de Março de 2019, o valor de 18.385,95 euros, que não deduziu naquela quantia, o que não é verdade porque a exequente fê-lo e expressou-o no requerimento de 27 de Maio de 2021, nos seguintes termos “2.º O valor foi aplicado ao contrato de mútuo apresentado à execução sob o documento nº 2 junto ao requerimento executivo, a que corresponde a operação bancária nº PT …985. 3º Considerando a aplicação do valor devido pelo rateio, a obrigação exequenda calculada a 26/05/2021 ascende a € 134.350,03, concretamente (…);
- a exequente recebeu da executada e do seu companheiro diversas quantias, entre Março de 2012 e Maio de 2016, num total de 18.097,68 euros, que não deduziu naquela quantia; se o tivesse feito, à data de 12 de Março de 2021 (queria dizer-se 12 de Março de 2019, data em que recebeu aqueles 18.385,95 euros), o capital em dívida seria de 101.927,01 euros, e os juros de 3.814,82 euros;
- a exequente recebeu em 08 de Fevereiro de 2022, do remitente do imóvel (nestes autos) a quantia de 114.349,69 euros, que tal como aqueles 18.097,68 euros, deviam ter sido primeiro aplicados aos juros e segundo ao capital em dívida, o que não aconteceu tendo sido violado o disposto no art. 795.º, n.ºs. 1 e 2, do CC; Assim não se entendendo, os juros de mora contabilizados até 15 de Fevereiro de 2022 estão prescritos, “nos termos do n.º 2 do artigo 693.º do Código Civil”.
Em face do exposto, pede que a execução seja extinta, com a consequente extinção da penhora no salário e devolução do excesso.
2. Apreciando.
O pagamento da quantia exequenda e a prescrição dos juros invocados pela executada constituem exceções perentórias que determinam a extinção, total ou parcial, da obrigação exequenda e, por consequência, da acção executiva, e devem ser invocados pelos executados em oposição à execução mediante embargos, a deduzir no prazo de vinte dias após a citação ou, se a matéria for superveniente, no prazo de vinte dias após a sua ocorrência ou o seu conhecimento pelo executado – art. 728.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
A convolação do requerimento em questão em petição de embargos – art. 193.º, n.º 3, do CPC – só se justifica conquanto a executada estivesse em tempo de deduzir embargos; caso contrário, será inútil proceder a tal convolação, constituir um apenso próprio, e notificar previamente a executada para pagar a taxa de justiça devida por essa instância, para, após, indeferir liminarmente os embargos com fundamento em intempestividade – art. 732.º, n.º 1, al. a), do CPC.
Daí que, partindo dos pressupostos de que, primeiro, o conhecimento da matéria do requerimento apresentado pela executada só seria possível em sede de embargos à execução, e, segundo, a convolação do requerimento em petição de embargos só se justifica caso os mesmos sejam tempestivos, passa-se a apreciar a tempestividade do requerido.
A questão parece-nos simples:
A executada quer demonstrar que o valor de 26.146,02 euros, indicado pela exequente, em requerimento de 18 de Março de 2022, como estando em dívida à data de 15 de Fevereiro de 2022, estava integralmente pago por força de (1) do recebimento pela exequente, a 11 de Março de 2019, do valor de 18.385,95 euros no processo de insolvência do comproprietário do imóvel; (2) do recebimento pela exequente, entre Março de 2012 e Maio de 2016, do valor total de 18.097,68 euros, pagos faseadamente pela executada e seu ex companheiro; e (3) do recebimento pela exequente, em 08 de Fevereiro de 2022, da quantia de 114.349,69 euros pela adjudicação do imóvel penhorado.
Ora:
- a executada foi notificada, na pessoa da sua mandatária, do requerimento da exequente de 18 de Março de 2022 – o exequente refere no rosto do requerimento “Notificações entre Mandatários nos termos do artigo 221º C.P.C. Nome: Mandatário – E… Notificado por via Eletróncia” –, o que não põe em questão, e, como tal, tomou conhecimento da liquidação da quantia exequenda no valor de 26.146,02 euros; e,
- aqueles “pagamentos” em que a executada agora estriba o pagamento deste valor de 26.146,02 euros, ocorreram em data anterior ao requerimento de 18 de Março de 2022 e eram, seguramente, do conhecimento da executada nesta última data: o valor de 18.385,95 euros, porque a exequente informou tê-lo recebido em requerimento de 16 de Dezembro de 2021, notificado à executada, na pessoa da sua mandatária; o valor total de 18.097,68 euros, porque respeitante a pagamentos feitos faseadamente pela executada e pelo seu companheiro (como afirma); o valor de 114.349,69 euros, porque respeitante à adjudicação do imóvel ao filho da executada e documentado nos autos.
Se assim é, a executada estava em condições de, após ter sido notificada a 21 de Março de 2022 do requerimento da exequente de 18 de Março de 2022 – art. 255.º do CPC – vir deduzir no prazo de vinte dias, iniciado a 22 de Março e acabado a 19 de Abril de 2022 (interpuseram-se as férias judiciais da Páscoa de 10 a 18 de Abril) – arts. 138.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC – embargos à execução, justamente para excecionar o pagamento da quantia que ali a exequente considerava estar em dívida, com a alegação não apenas daqueles anteriores pagamentos de 2012 a 2016, de 2019 e de Fevereiro de 2022 como das regras da imputação à quantia exequenda anterior; e, também para excecionar a “prescrição dos juros” contabilizados até 15 de Fevereiro de 2022, que afinal não é a prescrição propriamente dita, mas a limitação da hipoteca constituída sobre o imóvel aos juros de três anos, pois no ponto 43. do requerimento em causa a executada refere “atendendo a que a quantia peticionada a título de juros, no montante de € 26.046,02 (vinte e seis mil e quarenta e seis euros e dois cêntimos), contabilizados até 15/02/2022, mas sem que a Exequente indique a data de início do seu vencimento, se encontra prescrita, nos termos do n.º 2 do artigo 693.º do Código Civil”.
Portanto, a matéria excetiva apresentada no requerimento em causa, datado de 11 de Dezembro de 2023, muito além do termo do prazo de vinte dias para dedução de embargos (supervenientes) contado de 21 de Março de 2022, não pode ser conhecida por a sua alegação (se convolada em petição de embargos) ser intempestiva.
3. Nestes termos, por intempestiva, não conheço da matéria do requerimento de 11 de Dezembro de 2023.
Custas do incidente pela executada, com taxa de justiça fixada em duas unidades de conta – art. 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
Valor do incidente: 26.146,02 euros.
Notifique.»
A executada não se conforma e recorre, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«a) O presente recurso tem por objeto o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo que não conheceu do requerimento apresentado pela Executada, ora Recorrente, em 11/12/2023, em virtude de o referido requerimento ter sido apresentado “(…) muito além do termo do prazo de vinte dias para dedução de embargos (supervenientes) contado de 21 de Março de 2022 (…)”, pelo que a matéria excetiva invocada pela Recorrente no referido requerimento, de pagamento da quantia exequenda e prescrição dos juros “não pode ser conhecida, por a sua alegação (se convolada em petição de embargos) ser intempestiva”.
b) O referido despacho enferma de vários erros no que concerne à matéria de Direito, que a Recorrente julga incorretamente apreciada, erros esses, que a serem sanados levarão impreterivelmente à sua substituição por outro despacho, que conheça da matéria excetiva invocada no requerimento apresentado pela ora Recorrente, em 11/03/2023.
c) Entende a ora Recorrente que o douto despacho sob censura enferma, ainda, de nulidade, por omissão de pronúncia, porquanto o Tribunal a quo não decidiu, como deveria, sobre a invocada prescrição da quantia peticionada a título de juros, contabilizados pela Recorrida até 15/02/2022, no montante de € 26.046,02 (vinte e seis mil e quarenta e seis euros e dois cêntimos), nos termos do n.º 2 do artigo 693.º do Código Civil, prescrição esta, que constitui um facto extintivo do efeito jurídico dos factos invocados pela Exequente e, que a ora Recorrente invocou para todos os efeitos legais. (sublinhado e negrito nossos).
d) A prescrição constitui uma exceção perentória, que é invocável a todo o tempo e é de conhecimento oficioso e, que se traduzirá na extinção da presente execução, nos termos dos artigos 573.º, n.º 2 e 579.º, ambos do CPC, pelo que, o despacho sob censura é nulo, nos termos e para os efeitos previstos na alínea d), n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
e) Convém referir que, pela presente execução, a Exequente, ora Recorrida, CGD, S.A., procedeu à cobrança coerciva da quantia total de € 128.876,96 (cento e vinte e oito mil, oitocentos e setenta e seis euros e noventa e seis cêntimos), contabilizada à data de 22/04/2016 e, correspondente às seguintes operações de crédito:
– contrato de compra e venda, com mútuo e hipoteca, no montante de € 68.834,00 (sessenta e oito mil, oitocentos e trinta e quatro euros), a que corresponde a operação de crédito destinada à aquisição de imóvel para habitação própria permanente n.º PT0…085, cujas prestações se venceram em 19/03/2011 e, com a taxa de juro de 5,430%;
– contrato de mútuo e hipoteca, no montante de € 23.443,00 (vinte e três mil, quatrocentos e quarenta e três euros), a que corresponde a operação de financiamento de investimentos múltiplos n.º PT…985, cujas prestações se venceram em 19/03/2011 e, com a taxa de juro de 5,430%;
– contrato de mútuo e hipoteca, no montante de € 25.443,00 (vinte e cinco mil, quatrocentos e quarenta e três euros), a que corresponde a operação de financiamento de investimentos múltiplos n.º PT…985, cujas prestações se venceram em 23/06/2011 e, com a taxa de juro de € 5,205%.
f) De acordo com o requerimento executivo, à data de 22/04/2016, encontravam-se em dívida as seguintes quantias:
a) Operação de crédito para aquisição de habitação n.º PT…085:
- € 58.735,00 (cinquenta e oito mil, setecentos e trinta e cinco euros), a título de capital;
- € 12.960,00 (doze mil, novecentos e sessenta euros) a título de juros;
- € 922,14 (novecentos e vinte e dois euros e catorze cêntimos), a título de comissão
TOTAL – € 72.617,14 (setenta e dois mil, seiscentos e dezassete euros e catorze cêntimos).
b) Operação de financiamento de investimentos múltiplos n.º PT…985:
- € 19.964,57 (dezanove mil, novecentos e sessenta e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos), a título de capital;
- € 4.598,39 (quatro mil, quinhentos e noventa e oito euros e trinta e nove cêntimos), a título de juros;
- € 938,91 (novecentos e trinta e oito euros e noventa e um cêntimos), a título de comissão;
TOTAL – € 25.501,87 (vinte e cinco mil, quinhentos e um euros e oitenta e sete cêntimos).
- Operação de financiamento de investimentos múltiplos n.º PT…985:
- € 23.227,44 (vinte e três mil duzentos e vinte e sete euros e quarenta e quatro cêntimos), a título de capital;
- € 4.641,77 (quatro mil, seiscentos e quarenta e um euros e setenta e sete cêntimos), a título de juros;
- € 888,55 (oitocentos e oitenta e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos), a título de comissão;
TOTAL – € 28.757,76 (vinte e oito mil, setecentos e cinquenta e sete euros e setenta e seis cêntimos).
g) A dívida exequenda totalizava a quantia de € 126.876,77 (cento e vinte e seis mil, oitocentos e setenta e seis euros e noventa e seis cêntimos) e, não de € 128.876,96 (cento e vinte e oito mil, oitocentos e setenta e seis euros e noventa e seis cêntimos), como, certamente, por lapso, consta do requerimento executivo.
h) Por requerimento apresentado nos autos em 18/03/2022, veio a Recorrida CGD, S.A., para efeitos de prosseguimento dos presentes autos, proceder à atualização da quantia exequenda, a qual, em 15/02/2022, computava em € 26.146,02 (vinte e seis mil cento e quarenta e seis euros e dois cêntimos), correspondendo € 100,00 (cem euros) a capital e, € 26.046,02 (vinte e seis mil e quarenta e seis euros e dois cêntimos) a juros, que aquela contabilizou até 15/02/2022.
i) Por requerimento apresentado nos autos em 11/12/2023, veio a ora Recorrente informar o Tribunal a quo que a referida quantia de € 26.146,02 (vinte e seis mil cento e quarenta e seis euros e dois cêntimos) não era por si devida, porquanto já se encontra paga, pugnando pela extinção da execução e pela extinção da penhora do seu salário.
j) Mais requereu a ora Recorrente que a quantia peticionada a título de juros, no montante de € 26.046,02 (vinte e seis mil e quarenta e seis euros e dois cêntimos), contabilizados pela Recorrida até 15/02/2022 (mas relativamente aos quais a ora Recorrida não indicou a data de início do seu vencimento), se encontra prescrita, nos termos do n.º 2 do artigo 693.º do Código Civil.
k) Prescrição esta, que constitui um facto extintivo do efeito jurídico dos factos invocados pela Recorrida CGD, S.A. e, que a ora Recorrente invocou e, invoca para todos os efeitos legais.
l) Com efeito, nos termos dos artigos 573.º, n.º 2 e 579.º, ambos do CPC, a prescrição constitui uma exceção perentória, que é invocável a todo o tempo, é de conhecimento oficioso e, que se traduz na extinção da presente execução.
m) O Tribunal a quo do requerimento apresentado pela Recorrente em 11/12/2023, nos termos do qual esta informou que a quantia exequenda, que, em 15/02/2022, a ora Recorrida computava em € 26.146,02 (vinte e seis mil cento e quarenta e seis euros e dois cêntimos), correspondendo € 100,00 (cem euros) a capital e, € 26.046,02 (vinte e seis mil e quarenta e seis euros e dois cêntimos) a juros, contabilizados até 15/02/2022 (por requerimento apresentado nos autos em 18/03/2022), se encontrava paga, retirou que: “(…) - a exequente recebeu no rateio do processo de insolvência do comproprietário do imóvel, em 11 de Março de 2019, o valor de 18.385,95 euros, que não deduziu naquela quantia, o que não é verdade porque a exequente fê-lo e expressou-o no requerimento de 27 de Maio de 2021, nos seguintes termos “2.º O valor foi aplicado ao contrato de mútuo apresentado à execução sob o documento nº 2 junto ao requerimento executivo, a que corresponde a operação bancária nº PT …985. 3º Considerando a aplicação do valor devido pelo rateio, a obrigação exequenda calculada a 26/05/2021 ascende a € 134.350,03, concretamente (…); - a exequente recebeu da executada e do seu companheiro diversas quantias, entre Março de 2012 e Maio de 2016, num total de 18.097,68 euros, que não deduziu naquela quantia; se o tivesse feito, à data de 12 de Março de 2021 (queria dizer-se 12 de Março de 2019, data em que recebeu aqueles 18.385,95 euros), o capital em dívida seria de 101.927,01 euros, e os juros de 3.814,82 euros; - a exequente recebeu em 08 de Fevereiro de 2022, do remitente do imóvel (nestes autos) a quantia de 114.349,69 euros, que tal como aqueles 18.097,68 euros, deviam ter sido primeiro aplicados aos juros e segundo ao capital em dívida, o que não aconteceu tendo sido violado o disposto no art. 795.º, n.ºs. 1 e 2, do CC; Assim não se entendendo, os juros de mora contabilizados até 15 de Fevereiro de 2022 estão prescritos, “nos termos do n.º 2 do artigo 693.º do Código Civil”.
n) O Tribunal a quo entende que quer o pagamento da quantia exequenda, quer a prescrição dos juros invocados pela ora Recorrente constituem exceções perentórias que determinam a extinção, total ou parcial, da obrigação exequenda e, por consequência, da acção executiva, mas que “(…) devem ser invocados pelos executados em oposição à execução mediante embargos, a deduzir no prazo de vinte dias após a citação ou, se a matéria for superveniente, no prazo de vinte dias após a sua ocorrência ou o seu conhecimento pelo executado – art. 728.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC”, e que “A convolação do requerimento em questão em petição de embargos – art. 193.º, n.º 3, do CPC – só se justifica conquanto a executada estivesse em tempo de deduzir embargos; caso contrário, será inútil proceder a tal convolação, constituir um apenso próprio, e notificar previamente a executada para pagar a taxa de justiça devida por essa instância, para, após, indeferir liminarmente os embargos com fundamento em intempestividade – art. 732.º, n.º 1, al. a), do CPC.”
o) Partindo dos pressupostos de que, primeiro, o conhecimento da matéria do requerimento apresentado pela ora Recorrente só seria possível em sede de embargos à execução, e, segundo, a convolação do requerimento em petição de embargos só se justifica caso os mesmos sejam tempestivos, o Tribunal a quo não conheceu da matéria excetiva apresentada pela Recorrente no seu requerimento de 11/12/2023.
p) Andou mal o Tribunal a quo quando decidiu não conhecer das exceções perentórias do pagamento da quantia exequenda e da prescrição da quantia de € 26.046,02 (vinte e seis mil e quarenta e seis euros e dois cêntimos) alegadamente em dívida a título de juros, contabilizados pela Recorrida até 15/02/2022, com o fundamento que de a Recorrente “(…) foi notificada, na pessoa da sua mandatária, do requerimento da Recorrida de 18/03/2022, pelo que esta tomou conhecimento da liquidação da quantia exequenda no valor de 26.146,02 euros; (…)”
q) Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, entende a ora Recorrente que poderia invocar as exceções perentórias de pagamento da quantia exequenda e de prescrição dos juros, que a Recorrida atualizou, à data de 15/02/2022, em € 26.146,02 (vinte e seis mil cento e quarenta e seis euros e dois cêntimos), por requerimento apresentado ao processo em 18/03/2022, para além do termo de prazo de 20 dias após a notificação deste requerimento.
r) Com efeito, tendo a ora Recorrente invocado a prescrição da quantia peticionada a título de juros, no montante de € 26.046,02 (vinte e seis mil e quarenta e seis euros e dois cêntimos), contabilizados pela Recorrida até 15/02/2022, sem que esta indique a data de início do seu vencimento, nos termos do n.º 2 do artigo 693.º do Código Civil, prescrição esta, que constitui um facto extintivo do efeito jurídico dos factos invocados pela Exequente e, que a Recorrente invocou para todos os efeitos legais, o Tribunal a quo teria que se pronunciar pela procedência ou improcedência da invocada exceção de prescrição, o que não fez!!!
s) A prescrição constitui uma exceção perentória (artigos 572.º, n.º 3 e 579.º, ambos do CPC), que, nos presentes autos, se traduziria na extinção da presente execução, prescrição esta, que é invocável a todo o tempo e é de conhecimento oficioso (negrito e sublinhado nossos).
t) O douto despacho sob censura enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, porquanto o Tribunal a quo não decidiu, como deveria, sobre a invocada prescrição da quantia peticionada a título de juros, contabilizados até 15/02/2022, nos termos do n.º 2 do artigo 693.º do Código Civil, prescrição esta, que constitui um facto extintivo do efeito jurídico dos factos invocados pela Exequente e, que a ora Recorrente invocou para todos os efeitos legais.
u) Assim, temos que o despacho sob censura é nulo, nos termos e para os efeitos previstos na alínea d), n.º 1 do artigo 615.º do CPC, nulidade esta, que se invoca para os devidos efeitos legais.
v) Face ao exposto, impõe-se a revogação do despacho sob censura, substituindo-se o mesmo por outro que se pronuncie pela procedência da prescrição invocada, nos termos do n.º 2 do artigo 693.º do Código Civil, porquanto a prescrição constitui um facto extintivo do efeito jurídico dos factos invocados pela Exequente e, que a ora Recorrente invocou para todos os efeitos legais.
Termos em que que deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência ser declarado nulo o despacho sob censura, determinando-se a sua revogação e, substituindo-se por outro e, assim se fazendo JUSTIÇA!»
Não foram oferecidas contra-alegações.
Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.
Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as seguintes questões:
a) O despacho objeto de recurso é nulo por omissão de pronúncia?
b) À data da apresentação do requerimento de 11/12/2023, estava precludida a possibilidade de invocar as exceções de pagamento e de prescrição dos juros?
c) O valor ainda reclamado pelo exequente, em 18/03/2022, mostra-se pago?
d) A quase totalidade da dívida reclamada na mesma data estava prescrita?
II. Fundamentação de facto
Os factos relevantes são os que constam do relatório.
III. Apreciação do mérito do recurso
Da invocada nulidade do despacho objeto de recurso, por omissão de pronúncia:
A recorrente invoca a nulidade do despacho de 3 de abril por omissão de pronúncia sobre as exceções perentórias alegadas pela recorrente no seu requerimento de 11 de dezembro (pagamento e prescrição); verifica-se, em seu entender, a nulidade do referido despacho, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil.
A citada norma dispõe que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que deva apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. A norma aplica-se aos despachos, por força do estatuído no n.º 3 do artigo 613.º do CPC.
As questões a resolver na sentença são todas as que as partes tenham submetido à apreciação do tribunal, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (assim o determina a primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC).
No caso, o tribunal a quo não conheceu das exceções de pagamento e de prescrição por, a montante da apreciação que delas poderia fazer, ter entendido que a executada não estava em tempo para suscitar as referidas questões.
A partir do momento em que o tribunal a quo diz as questões x e y foram arguidas extemporaneamente e, por isso, delas não pode conhecer, não se verifica nulidade por omissão de pronúncia. Quando muito, pode haver erro de julgamento se, afinal, não se verifica a extemporaneidade julgada em primeira instância.
Vejamos, portanto, se o tribunal a quo errou na sua decisão:
A execução alicerça-se em três contratos de mútuo com garantia hipotecária, relativamente aos quais os mutuários deixaram de cumprir em 19/03/2011 e em 23/06/2011.
A quantia exequenda foi, então, liquidada à data de 22/04/2016 nos termos acima descritos no ponto 1 do relatório, sendo o montante total em dívida de € 128.876,96.
Por força de um pagamento de 18.385,95 €, realizado em 12/03/2019 (no âmbito do processo de  insolvência ...8TBSXL, relativo a «BB» – ponto 2 do relatório), e que a exequente imputou no capital em dívida referente ao segundo mútuo, o valor em dívida, recalculado à data de 26/05/2021, passou a 134.350,03 € (ponto 3 do relatório).
Na tabela seguinte podemos visualizar com clareza as liquidações da quantia exequenda no requerimento executivo inicial e no requerimento que efetuou os cálculos a 26/05/2021:
Em 16/12/2021, o agente de execução apresentou conta corrente discriminada da execução, com o total devido à exequente de 140.876,38 €, dos quais já tinha recebido 529,82 € (faltando receber 140.346,56 €), tendo na mesma data expedido notificação da mesma conta corrente à Il. Mand. da executada (ponto 4 do relatório).
Conforme consta da mesma conta corrente discriminada (e está descrito no ponto 4 do relatório), os 140.346,56 € contemplavam: 83.541,06 € de capital, 2.749,60 € de comissões constantes do requerimento executivo, 50.629,93 € de juros liquidados a 16/12/2021 (sendo 48.059,37 € vencidos à data do última recálculo do exequente, em 26/05/2021, e 2.570,56 vencidos desde então), 102,82 € de imposto de selo, e 3.323,15  € de custas de parte a cargo do executado.
Ou seja, os valores liquidados pelo agente de execução em dezembro de 2021 são os mesmos que tinham sido liquidados pela exequente à data de 26 de maio do mesmo ano, com exceção do acréscimo de juros vencidos entre 26 de maio e 16 de dezembro. E acrescendo, ainda, claro está, as custas de parte devidas pela executada.
Descontados o imposto de selo e as custas de parte, que, conforme de lei, hão de ter saído precípuos do valor alcançado na execução, a exequente teria a receber 136.920,59 €.
A executada não reclamou nem do requerimento de maio nem a conta-corrente de  dezembro; e, em 09/02/2022, foi entregue à exequente o valor global de 111.633,87 € (50.000,00+50.000,00+11.633,87) - v. recibos de 11/02/2022 no p.p. –, portanto, mais de 25.000,00 aquém do que lhe era devido de acordo com a liquidação de 16/12/2021 – ponto 5 do relatório.
A CGD vem, então, por requerimento de 18/03/2022, atualizar a quantia exequenda à data de 15/02/2022 em 26.146,02 €, sendo 100,00 € de capital e 26.046,02 € de juros; requerimento que foi nessa data notificado à Il. Mand. da executada, nos termos do disposto no artigo 221.º do CPC (ponto 6 do relatório).
Sobre este requerimento vem a executada pronunciar-se em 11/12/2023, com um conjunto de argumentos (pagamentos e prescrição de juros) que, adiante-se já, em parte, não procedem e, noutra parte, teriam de ter sido invocados (sob pena de preclusão do direito de o fazer) em embargos à execução, aquando da citação para a mesma.
Os argumentos da executada, em dezembro de 2023, para contrariar a existência de quantia ainda em dívida, conforme liquidada no requerimento da exequente de março de 2022, foram:
A. A quantia de € 26.146,02 já se encontra paga, porquanto:
i. A fração autónoma penhorada nestes autos foi adjudicada por remissão, nos termos do artigo 842.º do CPC, ao filho da executada «CC», pelo preço de € 114.349,69;
ii. No âmbito do processo de insolvência ...8TBSXL,  em que foi declarado insolvente o co-executado «BB», a aqui exequente recebeu em rateio, no dia 11/03/2019, por conta da dívida exequenda neste autos, a quantia de € 18.385,95;
iii. A executada e o co-executado (seu companheiro «BB») foram depositando ao longo dos anos, para amortização das três operações de crédito identificadas no título executivo, um total de € 18.097,68, entre março de 2012 e maio de 2016 (valor que se desdobrou em prestações de € 400,00 efetuadas nos meses de março 2012 a fevereiro de 2013 inc., abril de 2013 a agosto de 2014 inc., dezembro de 2014 a abril de 2015 inc., junho e agosto de 2015, outubro de 2015 a maio de 2016, a que acresce uma prestação de € 350,00 em novembro de 2014 e uma prestação de € 147,68 no mês de outubro de 2015);
iv. Considerando o disposto no artigo 785.º do CC, os pagamentos deviam ter sido imputados primeiro nas despesas, depois nos juros e por fim no capital.
B. A quantia peticionada a título de juros, no montante de € 26.046,02, contabilizados até 15/02/2022, mas sem que a Exequente indique a data de início do seu vencimento, encontra-se prescrita, nos termos do n.º 2 do artigo 693.º  do Código Civil.
Vejamos, ponto por ponto, não sem antes lembrar que, quer o pagamento, quer a prescrição, são exceções perentórias, que extinguem o direito da outra parte. Quem invoca matéria de exceção está onerado com a prova dos factos correspondentes (artigo 342.º, n.º 2, do CC).
i. No que respeita ao montante de 114.349,69 €, correspondente ao preço de venda da fração autónoma penhorada nos autos (que foi adjudicada por remissão ao filho da executada), o mesmo entrou nas contas do processo, mas não era suficiente para pagar o valor em dívida aquando da conta-corrente e que era, relembramos, de 140.346,56 €.
ii. Quanto ao montante de 18.385,95 €, pago à exequente em 12/03/2019 (no âmbito do processo de  insolvência ...8TBSXL, relativo ao co-executado), o mesmo foi imputado pela exequente no capital em dívida referente ao segundo mútuo, conforme requerimento no qual recalculou as obrigações exequendas na data de 26/05/2021, cálculos que foram mantidos na conta corrente do AE, de 16/12/2021; assim sendo, também este valor não serviu para pagar a quantia ainda em dívida.
iii. Em terceiro lugar, a executada alega que, antes da execução ou da sua citação para a mesma (entre março de 2012 e maio de 2016), pagou um total de € 18.097,68, que não teria sido tido em conta pela exequente; a exequente apenas poderia ter invocado este facto em sede de embargos à presente execução a interpor no respetivo prazo; não o tendo feito, precludiu o direito de o fazer (artigo 573.º, ex vi do artigo 551.º, n.º 1, ambos do CPC, e artigo 728.º, n.º 2, a contrario sensu, do mesmo Código); bem andou o tribunal a quo ao não conhecer desta matéria.
iv. Em quarto lugar, a executada chama à colação o disposto no artigo 785.º do CC, alegando que os pagamentos deviam ter sido imputados primeiro nas despesas, depois  nos juros e por fim no capital, o que não terá ocorrido se apenas estão em dívida, como pretende a exequente, 100,00 € de capital e 26.046,02 € de juros. Para apreciar esta questão, relembremos o disposto no n.º 1 do artigo 785.º do CC: «Quando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital». O conteúdo desta norma tem a sua razão de ser na proteção do crédito: o capital em dívida vence juros; os juros, em geral, não (proibição do anatocismo ou capitalização dos juros – artigo 560.º do CC). Assim resulta ainda mais claro da regra do n.º 2: «A imputação no capital só pode fazer-se em último lugar, salvo se o credor concordar em que se faça antes». No caso dos autos, o pagamento terá sido imputado primeiro no capital, o que resulta num benefício para a executada, pois os juros, como dissemos, não são, em geral, capitalizados. Se foi opção do credor, estava no seu direito. O mais provável, porém, é essa imputação ter ficado a dever-se à aplicação da norma contida no artigo 693.º, n.º 2, do CC (a hipoteca sobre o imóvel vendido na execução apenas abrangia juros relativos a três anos, pelo que, pagos esses, ter-se-á imputado o restante valor no capital).
v. Por último, invoca a executada a prescrição dos juros. Sem qualquer razão, formal ou material. Como é sabido, nos termos do disposto no artigo 310.º, al. d), do CC, prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos. Os juros reclamados na execução estavam quase 100% dentro do período de cinco anos anteriores à instauração do processo. Alegou, então, o exequente que os mutuários deixaram de cumprir dois dos contratos em 19/03/2011 e o terceiro em 23/06/2011. A quantia exequenda foi, então, liquidada à data de 22/04/2016. Tanto significa que, no máximo, estariam prescritos juros de cerca de um mês de dois dos mútuos. A invocação dessa prescrição teria de ter sido feita em sede de oposição à execução por embargos, no prazo de 20 dias a contar da citação (artigo 728.º, n.º 1, do CC). Com a citação para a execução, interrompeu-se a prescrição, incluindo dos juros (artigo 323.º, n.º 1, do CC). A norma invocada pela executada quando arguiu a prescrição dos juros refere-se a uma realidade diferente, não à prescrição de juros, mas ao facto de a hipoteca não abranger juros além dos relativos a três anos.

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação totalmente improcedente, confirmando o despacho recorrido.
Custas pela executada.

Lisboa, 26/09/2024
Higina Castelo
Inês Moura
Arlindo Crua