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RECONVENÇÃO
INJUNÇÃO
PROCESSO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS
Sumário
I – No procedimento de injunção e no âmbito do processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias em que o pedido é inferior a 15.000,00 €, a dedução de reconvenção não é, em circunstância alguma, admissível ; II – ademais, in casu, o pedido reconvencional apresentado pela Requerida, ora Apelante, nos termos em que foi suscitado na oposição apresentada, tem a natureza de pretensão indemnizatória decorrente do alegado incumprimento do contrato de empreitada (incumprimento qua tale ou na sua vertente de cumprimento defeituoso) , pelo que, como tal, não tem por génese ou facto emergente a exigência de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes daquele mesmo contrato, e nem sequer uma “transacção comercial”, o que se configura como requisito de aplicabilidade do DL nº. 269/98, mesmo com as consequentes alterações no mesmo introduzidas ; III - Logo, tal pretensão nunca poderia ser deduzida em processo injuntivo ou em procedimento especial destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15 000,00 € ; IV – ou seja, a ora Requerida, caso pretendesse accionar o Requerente, de forma a exercer o reclamado direito indemnizatório por danos patrimoniais, instaurando a competente acção, nunca o poderia fazer no quadro dos processos especiais aprovados pelo Decreto-Lei n.º 269/98. Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil
Texto Integral
ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:
I – RELATÓRIO
1 – J.........................., instaurou processo injuntivo contra M.........................., alegando ser credora desta, no montante global de 3.903,30 €, proveniente do fornecimento de bens e prestação de serviços à Ré, no âmbito da sua actividade comercial.
Alegou, em súmula, o seguinte:
- No âmbito da sua actividade comercial, como empresário em nome individual, o Requerente, mediante orçamento, prestou à Requerida, a seu pedido, diversos serviços e forneceu-lhe diversos bens ;
- nomeadamente o retirar de chão estragado e colocação de mosaico rectificado em sala, hall de entrada e corredor, retirada de todos os azulejos e levar entulho para vazador autorizado, colocação azulejos na casa de banho, colocação de mosaico e construção de poliban em mosaico com isolamento, tendo ainda sido efectuados três tectos em pladur ;
- para pagamento dos referidos serviços prestados e bens fornecidos, o Requerente emitiu a factura n.º 0379, de 18.11.2022, no valor de 3.751,50 € (três mil setecentos e cinquenta e um euros e cinquenta cêntimos) ;
- tal factura foi recebida pela Requerida, a qual respondeu não concordar com o valor consignado, alegando o não acabamento dos trabalhos facturados, bem como a existência de danos ;
- a mesma factura venceu-se em 12.12.2022, não a tendo a Requerida liquidado ;
- e vence juros à taxa legal aplicável ;
- deve, ainda, a Requerida o valor de 51€ pago a título de taxa de justiça pela interposição de presente Requerimento, requerendo-se, desde já, a V. Exa. o pagamento de todos os montantes ora discriminados e peticionados, capital em divida – 3.751,50 € -, juros de mora, vencidos – 49,80 € - e vincendos até integral e efectivo pagamento, taxa de justiça paga – 51,00 € - e outras despesas – 51,00 €.
2 – Devidamente notificada, veio a Requerida apresentar contestação/oposição e deduzir reconvenção, alegando, em resumo, o seguinte:
- no seguimento de uma inundação que teve na sua habitação, a Requerida, em Julho de 2022, entrou em contacto com o Requerente para que o mesmo visse se conseguia realizar o trabalho que era necessário levar a cabo ;
- o Requerente deslocou-se à habitação da Requerida e após vislumbrar os trabalhos a serem realizados, fez orçamento nº 300/300 ;
- o qual foi aceite pela Requerida, ficando a mesma encarregue de comprar todo o material necessário, tendo-se o Requerente comprometido a iniciar desde logo a obra até porque a Requerida não tinha quaisquer condições de habitabilidade face à inundação de que a sua habitação foi alvo ;
- todavia, o Requerente apenas compareceu na habitação da Requerida para iniciar a obra na 2ª semana de Outubro de 2022, tendo trabalhado alguns dias dessa semana, mas a partir dai começou a faltar e raramente comparecia na obra ;
- ou era porque ia para outra obra, ou estava em casa a tratar de uma fuga da água, ou era porque não se sentia bem, ou era porque estava de “diarreia” ;
- tal situação foi desgastando psicologicamente a Requerida ao ponto de perder toda e qualquer confiança no Requerente, sentindo que o mesmo se encontrava a gozar com a sua fragilidade naquele momento ;
- tendo então Requerente e Requerida dado por terminada a sua relação de empreiteiro e consumidor, o que se deu no início de Novembro de 2022 ;
- surpreendentemente, o Requerente, por fatura datada de 18 de Novembro de 2022, vem apresentar valores astronómicos pelo trabalho que diz alegadamente ter realizado ;
- completamente desfasados dos montantes orçamentados inicialmente ;
- pois nunca a Requerida aceitou tais montantes para o trabalho levado a cabo pelo Requerente, muito menos por um trabalho repleto de defeitos e inacabado e causador de danos ;
- Em reconvenção, o Requerente deixou a obra no estado em que se mostra nas fotos que se juntam, não tendo terminado os tetos em pladur, deixando-os no estando em que se apresentam as fotos ;
- Tendo a Requerida a necessidade de contratar uma empresa para reparar os tetos e deixá-los conforme o que havia solicitado ao Requerente ;
- Tendo esta empresa concluído o trabalho do Requerente ;
- O Requerente nem sequer se dignou a fazer a rede elétrica, pois, conforme o trabalho por si realizado, nunca a Requerida conseguiria colocar eletricidade naqueles tetos ;
- Sendo que a nova empresa teve de abrir o trabalho feito pelo Requerente para conseguir colocar energia elétrica ;
- O que teve um custo para a Requerida de € 385,00 ;
- Ademais, o Requerente deixou o chão no estado em que se encontra nas fotos, sem colocar quaisquer rodapés e os roços todos abertos ;
- Cortou as aduelas das portas sem qualquer justificativa, o que fez com que a Requerida tenha de substituir todas as aduelas das portas e respetivas guarnições, trabalho que vai custar à Requerida o montante de € 4.450,00 sem IVA ;
- A reparação que o Requerente diz ter efetuado na casa de banho, terá de ser toda destruída, porquanto o Requerente esqueceu-se que colocar o cifão devido, sendo o cheiro a esgotos na casa de banho nauseabundo ;
- Sendo que a Requerida havia alertado o Requerente pelo mau cheiro que existia na casa de banho, ao que o mesmo lhe transmitiu que o cheiro deveria de ser do produto que estava a utilizar na base de duche ;
- Tem de ser realizada uma nova rede de esgotos, tendo-se novamente de remover tudo o existente, o que vai custar à Requerida o montante de € 2.250,00 sem IVA ;
- Aquando dos trabalhos que o Requerente levou a cabo na habitação da Requerida, o mesmo danificou um cabo fibra da internet o que acarretou um custo de € 40,00 para a Requerida, bem assim como danificou a televisão com a colocação de cabos em cima dela, cujo orçamento para a sua reparação/substituição é de € 429,99 ;
- Tendo, assim, a Requerida o direito a ser indemnizada pelo Requerente, a título de danos patrimoniais, do montante de € 7.554,99, ao qual acrescem juros desde a notificação para contestar até ao pagamento, o que se peticiona desde já.
Conclui, nos seguintes termos:
“deverá ser julgada procedente por provada a presente oposição à injunção, absolvendo-se, consequentemente, a Requerida do pedido formulado no requerimento de injunção. Mais deverá ser julgado procedente o pedido reconvencional e concomitantemente ser o Requerente/Reconvindo condenado a pagar à Requerida/Reconvinte a titulo de danos patrimoniais o montante de € 7.554,99, ao qual crescem os juros desde a notificação para contestar até ao pagamento”.
3 – No dia 20/11/2023, foi proferida DECISÃO, com o seguinte teor e redacção (ignora-se a referência às notas de rodapé):
“Na presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, originariamente instaurada como procedimento de injunção, veio J..........................peticionar a condenação de M ..........................no pagamento da quantia global de 3.852,30 €.
Notificado que foi a requerida, deduziu tempestivamente oposição, razão pela qual o procedimento de injunção foi remetido à distribuição neste Tribunal na presente espécie.
Na referida oposição, deduziu a R. pedido reconvencional, na medida em que peticiona a condenação do A. no pagamento de 7.554,99 €.
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Nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 269/98 de 01.09, aplicável à presente por via do disposto no artigo 17.º do mesmo diploma legal, se a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato houver que prosseguir, pode o juiz julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra decidir.
Assim, apesar de na espécie não haver lugar ao proferimento de despacho saneador nos moldes descritos para o processo comum, não deixa o Tribunal de, em momento prévio ao da instrução e discussão da causa, ter de apreciar da validade da instância e de conhecer expressamente da verificação de alguma excepção ou questão prévia que obste, total ou parcialmente, ao conhecimento do mérito.
Ora, no caso sub judice impõe-se aferir da viabilidade processual de dedução de pedido reconvencional.
Assim:
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Pedido Reconvencional:
Não se pode olvidar que a presente é tramitada sob a forma especial contida no Dec. Lei n.º 269/98, e à qual, nos termos do n.º 1 do artigo 549.º do Cód. Proc. Civil, aplicam-se as regras gerais e comuns do processo civil.
Face a tal, e sendo certo que a norma que expressamente regula a admissibilidade do pedido reconvencional integra-se nas disposições gerais do Cód. Proc. Civil, não menos certo é que a sua aplicabilidade ao caso em concreto dever-se-á aferir por via da sua compatibilidade com o modelo da acção especial em apreço, nomeadamente na fase dos articulados.
Como escreve Salvador da Costa a este propósito: …, no que concerne à acção declarativa em análise, a lei confina essa forma de processo especial unicamente a dois articulados, a petição inicial e a contestação, e estabelece que este último instrumento só é notificado ao autor aquando da notificação do despacho designativo da data de julgamento. Isso significa que a resposta pelo autor a eventuais excepções que o réu deduza na contestação só pode ocorrer, oralmente, sob registo na acta, no início da audiência de discussão e julgamento (artigo 3.º, n.º 4 do Código de Processo Civil). Daí resulta a intencionalidade da lei no sentido de proibir a dedução de pedido reconvencional na espécie em causa, o que, aliás, está de acordo com a simplificação que a caracteriza, em função da reduzida importância dos interesses susceptíveis de a envolver ou da estrutura do litígio em causa.
Concordando integralmente com a posição doutrinal acima vertida, considera este Tribunal que na espécie não é admissível a dedução de pedido reconvencional.
Semelhante inadmissibilidade constitui uma excepção dilatória inominada e do conhecimento oficioso, que conduz à absolvição do A./Reconvindo da instância reconvencional, o que se declara, nos termos dos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, 578.º e 278.º, n.º1, alínea e), todos do Cód. Proc. Civil, aplicáveis por via do disposto no n.º 1 do artigo 549.º do mesmo diploma legal, o que, desde já, determino.
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Custas da responsabilidade do R./Reconvinte, fixando-se o valor do pedido reconvencional em 7.554,99€ (sete mil cinquenta e quatro euros e noventa e nove cêntimos) – cfr. artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e ainda 296.º, 297.º, n.ºs 1 e 2, 299.º e 305.º, todos do Cód. Proc. Civil”.
4 – Inconformada com o decidido, a Requerida/Ré interpôs, em 11/12/2023, recurso de apelação, por referência à decisão prolatada.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
“I. A Recorrente vem interpor recurso do despacho proferido a fls… que decidiu nos seguintes
termos:
“Concordando integralmente com a posição doutrinal acima vertida, considera este Tribunal que na espécie não é admissível a dedução de pedido reconvencional. Semelhante inadmissibilidade constitui uma excepção dilatória inominada e do conhecimento oficioso, que conduz à absolvição do A./Reconvindo da instância reconvencional, o que se declara, nos termos dos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, 578.º e 278.º, n.º1, alínea e), todos do Cód. Proc. Civil, aplicáveis por via do disposto no n.º 1 do artigo 549.º do mesmo diploma legal, o que, desde já, determino.”
II. Porque discorda de tal decisão, vem a Recorrente interpor o presente recurso, o qual versa sobre matéria de direito.
III. Salvo melhor opinião, o Tribunal “a quo” não aplicou devidamente a matéria de direito.
IV. O Recorrido recorreu ao procedimento de injunção para vir cobrar o trabalho que alegadamente terá realizado em casa da ora Recorrente, sendo que esta última, em sede de oposição, veio deduzir pedido reconvencional para que haja uma compensação de créditos.
V. Pedido reconvencional esse que não foi admitido pelo Tribunal “a quo” por entender que:
“Como escreve Salvador da Costa a este propósito: …, no que concerne à acção declarativa em análise, a lei confina essa forma de processo especial unicamente a dois articulados, a petição inicial e a contestação, e estabelece que este último instrumento só é notificado ao autor aquando da notificação do despacho designativo da data de julgamento. Isso significa que a resposta pelo autor a eventuais excepções que o réu deduza na contestação só pode ocorrer, oralmente, sob registo na acta, no início da audiência de discussão e julgamento (artigo 3.º, n.º 4 do Código de Processo Civil). Daí resulta a intencionalidade da lei no sentido de proibir a dedução de pedido reconvencional na espécie em causa, o que, aliás, está de acordo com a simplificação que a caracteriza, em função da reduzida importância dos interesses susceptíveis de a envolver ou da estrutura do litígio em causa.”
VI. O que não pode a Recorrente aceitar.
VII. Nos termos do disposto no artigo 266º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Civil, a compensação de créditos tem de ser operada por via da reconvenção, o que a Recorrente fez.
VIII. Mas, por a possibilidade de deduzir reconvenção não estar expressamente prevista nas ações de cumprimento de obrigações pecuniárias como a dos autos, o douto Tribunal “a quo” entendeu não admitir a mesma.
IX. Não pode ser negada a possibilidade da Recorrente invocar a compensação de créditos através da dedução de reconvenção, ao abrigo da justiça material em detrimento da justiça formal.
X. É esse o espírito do Novo Código de Processo Civil ao consagrar o poder de gestão processual e de adequação formal, nos artigos 6º e 547º, possibilitadores de ajustar a respetiva tramitação à dedução do pedido reconvencional.
XI. A tal não ser possível, terá de existir sempre duas ações, quando a relação material controvertida, poderia ficar resolvida em uma só ação.
XII. O entendimento que não se pode admitir o pedido reconvencional deduzido porquanto no entendimento do Tribunal “a quo” “resulta da intencionalidade da lei no sentido de proibir a dedução do pedido reconvencional na espécie em causa”, no modesto entender da Recorrente não pode colher.
XIII. Ao decidir-se como o Tribunal “a quo” decidiu está a ser coartado à ali Requerida, aqui Recorrente, a possibilidade de invocar também o seu crédito, é o pressupõe o principio da igualdade das partes.
XIV. A decisão tomada pelo douto Tribunal “a quo” obsta a que a Recorrente veja conhecidos também os seus direitos, os quais poderão não ser efetivamente acautelados através de uma ação autónoma se, decidida esta posteriormente, a contraparte se conseguir furtar ao pagamento, nomeadamente por via de insolvência, dissolução ou inexistência de património exequível.
XV. Por razões de justiça material não pode ser coartada à requerida a possibilidade de na ação invocar a compensação de créditos por via da dedução da reconvenção, devendo o Tribunal “a quo” ter lançado mão dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal para ajustar a respetiva tramitação à dedução do pedido reconvencional, o que não fez.
XVI. O Tribunal “a quo” ao ter decidido como decidiu, ao não admitir a reconvenção deduzida pela ora Recorrente, errou na aplicação do direito violando o disposto nos artigos 6º, 266º, nº 2, alínea c), 547º e 549º, nº 1, todos do Código de Processo Civil e artigo 20º da Constituição da República Portuguesa”.
Conclui, no sentido da procedência do recurso, com revogação do despacho recorrido, e consequente decisão que admita a reconvenção deduzida.
5 – Não constam dos autos quaisquer contra-alegações.
6 – O recurso foi admitido por despacho de 28/02/2024, como apelação, a subir de imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo.
7 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil [2], estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
“1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas ; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente,apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina aferir acerca da (não) admissibilidade da reconvenção deduzida pela Requerida, ora Apelante, no âmbito da oposição apresentada, nas situações em que, por efeito desta, existe transmutação do processo injuntivo em acção declarativa.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade a ponderar é a que resulta do iter processual supra descrito.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
I) Do procedimento de INJUNÇÃO e aferição dos seus PRESSUPOSTOS
O artº. 1º do DL nº. 269/98, de 01/09 [3] - diploma preambular que aprovou o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância -, prevê a aprovação do “regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma”.
Por sua vez, o artº. 7º de tal regime define o conceito de injunção, no sentido de ser “a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro”.
E, o artº. 7º, nºs. 1 e 2, deste DL nº. 32/2003, de 17/02, veio prescrever que: “1 - O atraso de pagamento em transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida. 2 - Para valores superiores à alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum”.
Dispunha o artº. 2º deste diploma, ser o mesmo aplicável “a todos os pagamentos efectuados como remunerações de transacções comerciais. 2 - São excluídos da sua aplicação: a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efectuados para remunerar transacções comerciais; c) Os pagamentos efectuados a título de indemnização por responsabilidade civil, incluindo os efectuados por companhias de seguros”.
Procedendo às definições, as alíneas a) e b) do artº. 3º, prescrevem dever entender-se, para efeitos da regulação em causa, por transacção comercial“qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração”, enquanto que por empresa dever-se-á entender “qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular”.
A providência injuntiva é, deste modo, aplicável:
§ A requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000,00 € (cf., o citado artº. 1º do Diploma Preambular – DL nº. 269/98, na redacção do artº. 6º do DL nº. 303/2007, de 24/08 – e os artigos 1º a 5º do anexo ao mesmo Decreto-Lei) ;
§ A obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL nº. 32/2003, de 17/02.
Resulta, assim, da breve enunciação legal efectuada que “desde que o art 8º do DL 32/2003 alterou a redacção do art 7º do DL 269/98, o procedimento da injunção passou a ser utilizável no caso do cumprimento das obrigações a que se refere o art 1º do diploma preambular – obrigações pecuniárias emergentes de contrato – e a obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL 32/2003 de 17/2, aqui independentemente do valor” [4].
Entretanto, foi publicado o DL nº. 62/2013, de 10/05, prevendo acerca de medidas contra os atrasos no pagamento de transacções comerciais, que, no seu artigo 13º, revogou o DL nº. 32/2003, com excepção dos artigos 6º e 8º, mantendo ainda este em vigor “no que respeita aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do presente diploma”, ou seja, celebrados até 30/06/2013 – cf., o artº. 15º. Acrescentou, ainda, que “asremissões legais ou contratuais para preceitos do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, consideram-se efetuadas para as correspondentes disposições do presente diploma, relativamente aos contratos a que o mesmo é aplicável nos termos do artigo seguinte”.
O presente diploma transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva nº. 2011/7/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16/02/2011, prevendo no seu artigo 2º acerca do seu âmbito de aplicação e procedendo igualmente à definição de transacção comercial e de empresa nas alíneas b) e d), do artº. 3º, nos termos já equacionados pelo DL nº. 32/2003, de 17/02.
Por sua vez, o artº. 10º, prevendo acerca dos procedimentos especiais, referencia que: “1 - O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida. 2 - Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum. 3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais. 4 - As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação”.
Ora, no caso sub júdice, segundo a alegação de Requerente e Requerida, estamos perante um contrato de prestação de serviços, na modalidade de empreitada, no âmbito do qual o Requerente obrigou-se perante a Requerida a realizar determinada obra, mediante um preço, sendo peticionada a quantia global de 3.903,30 € (3.751,50 € de capital, 49,80 € de juros moratórios, 51,00 € de taxa de justiça e 51,00 € de outras quantias).
O que justificava, plenamente, o recurso ao mecanismo de injunção, destinado a exigir o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato de valor não superior a 15.000,00 €.
II) Da FORMA PROCESSUAL aplicanda e da (IN)ADMISSIBILIDADE de dedução de RECONVENÇÃO
Com a oposição apresentada, a Requerida deduziu reconvenção, alegando que o Requerente não terminou vários dos trabalhos acordados, e outros foram-no com vários defeitos, para além de ter causado danos na sua habitação aquando da realização da empreitada. Assim, teve que ser uma empresa a concluí-los e a destruir parte do realizado de forma incorrecta, de forma a poder concluir a obra de forma minimamente aceitável, tendo despendido o montante de 7.554,99 € na execução do que não foi realizado e na reparação do que foi realizado com defeitos.
Consequentemente, foi determinado pelo Tribunal Recorrido que fosse seguida a forma de processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.
Assim, de acordo com tal forma processual, seria legítima a dedução de reconvenção nos termos reclamados pela Requerida/Ré Recorrente ?
Referencia o douto aresto do STJ de 24/09/2015 - Relator: Oliveira Vasconcelos, Processo nº. 166878/13.1YIPRT.E1.S1, in www.dgsi.pt - que face ao disposto nos artigos 3º e 4º do Anexo ao Diploma Preambular do DL nº. 269/98, de 01/09, “e ao modelo que presidiu ao regime nele estabelecido – o da antiga ação sumaríssima – não podemos deixar de concluir que tal ação especial não comporta a possibilidade de ser deduzida reconvenção, ao contrário do que acontece nas ações de processo comum”.
Atenta a sua pertinência, convoquemos o defendido no Acórdão desta Secção e Relação de 12/12/2020 – Relatora: Gabriela Cunha Rodrigues, Processo nº. 112289/19.0YIPRT-A.L1, no qual o ora Relator interveio como Adjunto -, justificando-se a extensão da citação quer pela sua pertinência, quer pelo facto de, confessamos, sermos incapazes de melhor explicitar tais considerações.
Referenciou-se, assim, que “a admissibilidade da reconvenção no âmbito dos procedimentos especiais aprovados pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1/9 é discutida na doutrina e na jurisprudência.
Conforme resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 269/98, este tipo de procedimentos especiais veio corresponder à observação de que «a par de um aumento explosivo da litigiosidade, esta se torna repetitiva, rotineira, indutora da "funcionalização" dos magistrados, que gastam o seu tempo e as suas aptidões técnicas na prolação mecânica de despachos e sentença».
Assim, uma das forças motrizes da criação destes processos especiais foi a desjudicialização de certo tipo de litígios e a simplificação do processo civil.
A ideia era afastar a rigidez da legalidade da forma de processo, limitar o objeto da controvérsia a determinados pontos de direito substantivo e afastar diretamente alguns atos do formalismo legalmente previsto - Américo de Campos Costa, in O Processo Simplificado do Art. 464-A - Tribuna de Justiça, n.º 2, Fevereiro/Março, 1990, p. 58.
É nesta tendência legislativa que se inscreve o regime dos procedimentos aprovados pelo Decreto-Lei n.º 269/98 de 1.9.
Este diploma legal, na sua versão original, apenas se aplicava aos pedidos de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada da 1.ª instância.
Ora, no Código de Processo Civil de 1961, o processo declarativo comum poderia seguir a forma ordinária, sumária ou sumaríssima (artigo 461.º), sendo esta última a forma de processo comum adequada ao cumprimento de obrigações pecuniárias de valor inferior a metade da alçada do tribunal de comarca (artigo 461.º, n.º 1, in fine).
O processo sumaríssimo era uma forma de processo mais simplificada, que compreendia apenas dois articulados - a petição e a contestação -, estabelecia prazos mais curtos, os meios de prova eram mais limitados e não havia fase de saneamento dos autos, passando o processo logo para a fase de julgamento, com prolação imediata da sentença (artigos 793.º a 800.º do CPC de 1961).
Já então a questão da admissibilidade da reconvenção em processo sumaríssimo era discutida, havendo uma corrente, porventura maioritária, que entendia que a resposta a essa questão deveria ser negativa (vide, neste sentido, Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. VI, 1953, p. 493; Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 1985, pp. 745 e 746; Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, 1999, p. 315).
Neste diapasão alinhava também a jurisprudência, como por exemplo, o acórdão do TRL de 30.3.1982, BMJ n.º 321, p. 433, o acórdão do TRP de 8.2.1983, BMJ n.º 326, p. 536, e o acórdão do TRE de 7.5.1998, BMJ n.º 477, p. 586, argumentando-se que na referida forma de processo não havia resposta à contestação, devendo logo designar‑se data para julgamento. Considerava-se que a celeridade e a simplicidade do processo não se compaginavam com o exercício da defesa por reconvenção.
Esta argumentação não está desfasada da realidade do regime dos procedimentos especiais aprovados pelo Decreto-Lei n.º 269/98, os quais, de igual modo, só contemplam dois articulados - a petição ou formulário de injunção e a contestação ou oposição - artigos 1.º a 4.º e artigos 15.º a 17.º do regime de processos anexo a esse diploma.
Daí que seja legítimo continuar a sustentar que a lei, intencionalmente, veda a dedução de pedido reconvencional na espécie de processos aqui em causa, sustentando-se que esta solução legal não afeta os direitos de defesa do réu, porquanto o mesmo poderá, se tiver fundamento legal para o efeito, fazer valer os mesmos em ação própria.
Neste sentido se pronunciou Salvador da Costa (A Injunção e as Conexas Ação e Execução, 7.ª edição, Coimbra: Almedina (2020), p. 132):
«Considerando a estrutura do referido procedimento de injunção e da ação declarativa de condenação com processo especial em que se transmuta, e o seu fim, os princípios da gestão processual e da adequação formal não podem justificar a admissão da reconvenção que o requerido tenha deduzido na oposição.»
Na jurisprudência, seguiram este entendimento, entre outros, o acórdão do TRL de 12.11.2015, p. 138557/14.0YIPRT.L1-2, o acórdão do TRP de 30.5.2017, p. 28549/16.YIPRT.P1, o acórdão do TRC de 7.6.2016, p. 139381/13.2YIPRT.C1, o acórdão do TRE de 3.12.2015, p. 51776/15.9YIPRT.E1, todos consultáveis em www.dgsi.pt, bem como o acórdão do TRL de 5.2.2019, p. 75830/18.6YIPRT.L1, Col. Jur. 292, Tomo I/2019.
Entretanto, as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17.2 quanto ao âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 269/98 de 1.9, provocaram um entorse no sistema, porque o artigo 7.º, n.º 1, daquele diploma alargou o âmbito de aplicação dos procedimentos às «transações comerciais», «independentemente do valor da dívida».
Acresce que o artigo 7.º estabeleceu que «para valores superiores à alçada da 1.ª instância a dedução de oposição no processo de injunção determina a remessa para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum».
Assim, no caso de dívidas de «transações comerciais» superiores à alçada da 1.ª instância, porque o processo passa a seguir a forma do processo declarativo comum, a oposição (contestação) pode admitir reconvenção, pois essa é a regra na forma de processo considerada (artigos 266.º e 583.º do CPC). Seguiram esta linha de entendimento, entre outros, o acórdão do TRP de 15.5.2012, p. 176589/11.1PRT-A.P1, o acórdão do TRP de 26.1.2015, p. 8336/14.7YIPRT-A.P1 e o acórdão do TRE de 21.1.2016, p. 74707/13.6IYPRT.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Neste sentido, Salvador da Costa escreveu que «Já assim não é [inadmissibilidade da reconvenção], como já dito, no que concerne à oposição aos procedimentos de injunção de valor superior a 15 000,00 € atinentes a obrigações pecuniárias derivadas de contratos envolventes de transações comerciais.» (ibidem)
Entretanto, o Decreto-Lei n.º 32/2003 foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10.5, que fundamentalmente repete as mesmas regras no artigo 10.º, n.ºs 1 e 2, mas esclarece, no seu n.º 4, que as ações para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de «transações comerciais», nos termos previstos nesse diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação.
Temos, pois, como regra geral que, para o procedimento de injunção e a ação especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias em que o pedido é inferior a 15 000,00 € (cf. artigo 44.º, n.º 1, da Lei 62/2013 de 26.8, que aprovou a Lei de Organização do Sistema Judiciário), em circunstância alguma a reconvenção é processualmente admissível (sublinhado nosso).
Em corroboração do aduzido, acrescenta que “nestes casos, os princípios da simplicidade e celeridade processual, reportados à natureza dos litígios para que estes procedimentos foram criados, prevalece sobre o princípio da economia processual que justificaria a admissibilidade em geral dos pedidos reconvencionais, nos termos do artigo 266.º do CPC.
Esses limites não prejudicam o direito de defesa do réu, que não fica inibido do exercício do direito de ação, reclamando em processo próprio o crédito a que julga ter direito, não havendo por isso qualquer violação ao disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. Neste sentido, vide o acórdão do TRP de 12.5.2015, p. 143043/14.5YIPRT.P1, o acórdão do TRC de 7.6.2016, p. 139381/13.2YIPRT.C1 e o acórdão do TRG de 22.6.2017, p. 69039/16.0YIPRT.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt”.
E, justificando tal entendimento, referencia-se que “assim é, porque a solução contrária poderia vir a constituir uma limitação inaceitável ao exercício do seu direito de ação e ao correspondente direito de defesa da contraparte, tendo em atenção os limites que o Regime dos Procedimentos aprovados pelo Decreto-Lei n.º 269/98 impõe às partes por força da celeridade e simplicidade da causa, traduzidos, por exemplo:
1) Na existência de apenas dois articulados, o que constitui uma limitação, quer à reconvenção, quer à defesa por exceção à reconvenção, quer à resposta à exceção à reconvenção;
2) No facto de os meios de prova serem apresentados apenas na audiência final;
3) Na limitação do número de testemunhas que cada parte pode apresentar (artigo 3.º, n.º 1, ex vi do artigo 17.º do regime dos procedimentos aprovados em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98).
A verificação destas limitações não se traduzem em qualquer prejuízo para a Recorrente, porque não ficou por isso inibida de exercer o seu direito no momento oportuno e com as garantias de um processo justo e equitativo”.
Equacionando o disposto no artº. 549º, nº. 1, do Cód. de Processo Civil, relativamente à regulação dos processos especiais, acrescenta-se que “no que concerne às normas de processo comum, na sua aplicação ao processo especial deve ter-se em conta as adaptações que a norma subsidiária terá de sofrer na sua aplicação, por via das diferenças estruturais fundamentais que haja entre o processo comum e o processo especial em causa (ibidem).
Neste particular, numa citação longa, consideramos lapidares as observações de Rui Pinto, no seu estudo «A Problemática da Dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013» (disponível em www.academia.edu.pt, pp. 17 e 18):
«Na realidade, os processos especiais não são processos incompletos ou lacunares, a que o artigo 549º acrescentaria articulados, mas processos que veriam diminuída a sua eficácia específica se fossem engordados por normas do processo comum. Na verdade, a relação de subsidiariedade entre processo especial e processo comum guia-se por um princípio paradoxal: o legislador especial regulou o que considerou mais importante e deixou para a lei processual comum o que era secundário. Assim, quando o legislador especial determina que um processo especial apenas tem dois articulados, quis mesmo limitar esse número. Não há lacunas. Mas se o legislador não regula questões como as do procedimento instrutório, i.e., o direito probatório formal, é porque as quis deixar para o disposto no processo civil comum. Aliás, é este tipo de raciocínio que permitia, no passado, a diferenciação entre processo comum ordinário, sumário e sumaríssimo. Se assim não fosse, todos os processos teriam, em maior ou menor grau, o procedimento do processo ordinário ou, atualmente, do processo comum. Em consequência, deve concluir-se que a previsão de reconvenção e de réplica no processo declarativo comum não é transponível ex lege para os processos declarativos especiais. Tal não é de estranhar porquanto estes perseguem desideratos próprios associados a um “timing” processual breve e a um específico objeto processual — os processos declarativos especiais são moldados sobre uma certa espécie de pretensão do autor ou requerente, pelo a defesa do réu ou requerido é correlata dessa pretensão.»”.
E, corroborando e reforçando tal entendimento, adita-se que “poder-se-á discutir se o princípio da adequação formal (cf. artigo 547.º do CPC) pode ser transplantado do processo declarativo comum para os processos especiais, permitindo ao juiz autorizar a reconvenção e o inerente articulado de resposta.
Concretamente, no que concerne à ação especial para o cumprimento de obrigação pecuniárias emergentes de contrato, são, pelo menos, duas as razões pelas quais esta ação especial não admite reconvenção.
Por um lado, a reconvenção conduz a um articulado de resposta, o que o regime especial afasta.
Por outro lado, a reconvenção postula um pedido de condenação do autor ou, pelo menos, de reconhecimento do direito do devedor, o que está fora do escopo da ação especial: formar título executivo contra o devedor, nos termos do artigo 2.º do Anexo ao Decreto-Lei nº 269/98.
Concordamos com Manuel Eduardo Bianchi Sampaio (in «A compensação nas formas de processo em que não é admissível reconvenção», Julgar Online, maio de 2019, p. 9), quando julga inadequada a utilização do princípio da adequação formal para admitir a reconvenção nas formas de processo em que não é admissível.
Na verdade, este princípio tem como terreno fértil situações específicas, não devendo ser utilizado para subverter o quadro legal da tramitação de um processo, transformando o juiz em legislador. Trata-se de um poder a usar só «quando o modelo legal se mostre de todo inadequado às especificidades da causa, e em decorrência, colida frontalmente com o atingir do processo equitativo»; constitui «uma válvula de escape» e não um instrumento de utilização corrente, «sob pena de subverter os princípios essenciais da certeza e da segurança jurídica» (acórdão do TRC de 14.10.2014 (p. 507/10.1T2AVR-C.C1, in www.dgsi.pt).
Em sentido diferente, Miguel Teixeira de Sousa defendeu que se tem de admitir a reconvenção numa AECOP, cabendo ao juiz, se necessário, fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (cf. artigo 6.º e 547.º CPC) para ajustar a tramitação daquela à dedução do pedido reconvencional (cf. AECOPs e compensação, Blog do IPPC, 26.4.2017)” (sublinhado nosso).
Ora, atendendo a tais argumentos, que subscrevemos e ora reiteramos, afigura-se-nos que, contrariamente ao que sucede com a forma processual comum, a presente forma processual - processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos - não admite reconvenção.
Ademais, in casu, e tal como já supra assinalámos, o pedido reconvencional apresentado pela Requerida, ora Apelante, nos termos em que foi suscitado na oposição apresentada, tem a natureza de pretensão indemnizatória decorrente do alegado incumprimento do contrato de empreitada (incumprimento qua tale ou na sua vertente de cumprimento defeituoso) , pelo que, como tal, não tem por génese ou facto emergente a exigência de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes daquele mesmo contrato, e nem sequer uma “transacção comercial”, o que se configura como requisito de aplicabilidade do mencionado DL nº. 269/98, mesmo com as consequentes alterações no mesmo introduzidas.
Logo, tal pretensão nunca poderia ser deduzida em processo injuntivo ou em procedimento especial destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15 000,00 €.
Concretizando, a ora Requerida, caso pretendesse accionar o Requerente, de forma a exercer o reclamado direito indemnizatório por danos patrimoniais, instaurando a competente acção, nunca o poderia fazer no quadro dos processos especiais aprovados pelo Decreto-Lei n.º 269/98.
Por fim, impõe-se, tendo em consideração o argumentário recursório, uma última consideração.
O objecto recursório apela, ainda, à circunstância de, através da dedução de reconvenção, pretender a Requerida Recorrente exercer o direito à compensação, com legal inscrição na alínea c), do nº. 2, do artº. 266º, do Cód. de Processo Civil.
Pelo que, dir-se-á o seguinte:
- conforme se decidiu em Acórdão desta mesma Relação e Secção, datado de 09/07/2020 – Processo nº. 92525/17.0YIPRT.L1, relatado pelo ora Relator -, “na presente vigência da alínea c), do nº. 2, do artº. 266º, do Cód. de Processo Civil, pugnando o réu pela extinção, por compensação, do crédito invocado pelo autor, mediante a invocação de um crédito ainda não judicialmente reconhecido, tem o ónus de o fazer por via reconvencional” ;
- ou seja, “reclamando o autor o cumprimento de um crédito, e caso o réu pretenda invocar um contra-crédito, de forma a lograr obter a improcedência da acção, por extinção do direito do autor, mediante compensação, ou, sendo este de maior valor, obter a condenação do autor no pagamento do valor remanescente, impõe-se-lhe agir através de dedução de reconvenção, isto é, o reconhecimento de um crédito, com vista à sua compensação, tem que ser necessariamente pedido por via reconvencional” ;
- assim, conforme se referencia no douto Acórdão da RP de 07/10/2019 - Relator: Carlos Querido, Processo nº. 4843/19.3YIPRT-A.P1, in www.dgsi.pt -, “sendo certo que a compensação constitui no direito civil uma causa de extinção das obrigações (art.º 847 CC), o que à partida permite a sua integração na previsão legal do n.º 2 do artigo 571.º do CPC (exceção perentória), também é verdade que, ao invés do que ocorre com as exceções perentórias típicas [prescrição, caducidade, pagamento, perdão, dação em cumprimento e novação], a compensação não extingue o direito do credor por qualquer circunstância inerente ao mesmo, ou seja, à própria relação jurídica, mas tão só porque p réu é simultaneamente credor do autor, crédito esse que provém de uma outra relação jurídica havida entre ambos.
Porque se trata de uma nova relação jurídica trazida pelo réu ao processo, faz todo o sentido que o exercício deste direito (compensação) ocorra através do pedido reconvencional” ;
- pelo que, sustentando igualmente a inadmissibilidade de dedução de reconvenção no processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, ocorre impossibilidade de dedução de compensação no processo especial, pois esta só pode ser conhecida reconvencionalmente e, tal forma de processo, não admite aquela dedução ;
- admitindo-se, todavia, tal como reconhecido pelo douto aresto desta RL de 05/07/2018 - Relator: Carlos Oliveira, Processo nº. 87709/17.4YIPRT.L1-7, in www.dgsi.pt -, e apesar de tal questão não ser equacionada no objecto recursório que delimita objectivamente o recurso, que inexistem motivos “para deixar de admitir que a compensação possa funcionar como exceção perentória se o crédito do réu for logo aceito pelo autor sem discussão, ou quando não se coloquem questões relativas à sua certeza, liquidez ou exigibilidade, ou em todos os casos em que o processo não restrinja de forma relevante, quer o exercício do direito de ação para reconhecimento do crédito, quer o correspondente direito de defesa contra o mesmo” ;
- ou seja, e concretizando, “se a “expressão procedimental” do processo civil concretamente aplicável permitir o funcionamento da exceção de compensação sem prejuízo para a celeridade e simplicidade do processo e para os direitos das partes (v.g. direito de ação e direito de defesa) a solução deve ser encontrada no mesmo processo. Se não for possível obter esse desiderato, a defesa por compensação, porque em regra deve ser formulada em reconvenção, não é admissível, sem que com isso haja prejuízo de maior, tendo em atenção que o réu sempre poderá instaurar uma ação autónoma, onde terá à disposição todos os meios processuais adequados ao reconhecimento do seu direito, e ao devedor serão assegurados todos os meios de defesa”.
Em guisa conclusória, e sem ulteriores delongas, o juízo é de total improcedência da apelação, com consequente confirmação da decisão recorrida/apelada.
*
Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo em consideração o decaimento observado, as custas devidas serão suportadas pela Apelante/Recorrente/Requerida.
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IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Requerida/Ré/Recorrente/Apelante M.........................., em que figura como Requerente/Autor/Recorrido/Apelado J..........................;
b) Em consequência, confirma-se a decisão recorrida/apelada, que não admitiu a reconvenção apresentada ;
c) Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, tendo em consideração o decaimento observado, as custas devidas serão suportadas pela Apelante/Recorrente/Requerida.
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Lisboa, 26 de Setembro de 2024
Arlindo Crua
Orlando Nascimento
Vaz Gomes
_______________________________________________________ [1] A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original. [2] Todas as referências legais infra, salvo expressa menção em contrário, reportam-se ao presente diploma. [3] Na vigente redacção, decorrente do DL nº. 107/2005, de 01/07. [4] Cf., o douto Acórdão desta Relação de 17/12/2015, Relatora: Maria Teresa Albuquerque, Processo nº. 122528/14.9YIPRT.L1-2, in www.dgsi.pt .