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PER
CRÉDITO DA SEGURANÇA SOCIAL
VOTO DESFAVORÁVEL
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
Sumário
1. A votação desfavorável à aprovação do plano de recuperação por parte da Segurança Social não constitui, por si só e em abstrato, impedimento à produção de efeitos do plano em relação ao seu crédito. 2. O plano de recuperação aprovado por maioria legal dos credores que prevê o pagamento do crédito da Segurança Social em 150 prestações mensais, sem outra alteração ou modificação, não viola o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários previsto no artigo 30º, n.º 2 e 3 da LGT 3. O plano de recuperação que prevê o pagamento prestacional do crédito da Segurança Social sem que exista autorização da entidade administrativa competente para o efeito – art.º 190º, n.º 6 do CRCSPSS – integra uma violação negligenciável de normas aplicáveis ao seu conteúdo, que não obsta à sua homologação.
Texto Integral
Acordam na 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I.
P…, LDA., com sede na Rua João Saraiva n.º 28 A, r/c Fundo em Lisboa, intentou o presente processo especial de revitalização (PER), ao abrigo do disposto no artigo 17.º A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
Recebido o requerimento inicial por despacho de 01.06.2023 e nomeado administrador judicial provisório (AJP), foi, em 30.06.2023, apresentada lista provisória de créditos no valor total de 937.755,47€, a qual foi objeto de impugnação parcial pela requerente.
Concluídas as negociações, a requerente depositou no tribunal a versão final do plano de recuperação.
Na sequência das posições assumidas por parte de alguns credores, incluindo a Autoridade Tributária, a requerente depositou, em 23.10.2023 (requerimento com a referência Citius n.º 37361675), nova versão do plano, a qual foi publicada no portal Citius.
Da nova versão da proposta de plano de recuperação, sob a epígrafe proposta de pagamento aos credores, consta o seguinte:
A.1) Créditos da Autoridade Tributária e Aduaneira
1. Pagamento em Regime prestacional, de acordo com as regras do n.º 5 do artigo 196.º do CPPT, até 150 (cento cinquenta prestações) mensais, iguais e sucessivas, não sendo nenhuma delas inferiores ao valor de 10 unidades de conta, com o vencimento da 1.ª prestação até ao final do mês seguinte ao terminus do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º D do CIRE;
2. A redução dos créditos fiscais só se dará, por juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do Decreto-Lei n.º 73/99 de 16 de Março, aceitando-se as taxas praticadas para os créditos da Segurança Social, face à renúncia dos demais credores e às garantias constituídas e/ou a constituir.
3. Cômputo de juros vencidos, nos termos aplicáveis por Lei (a taxa aplicável aos juros de mora vencidos e vincendos) será a resultante da análise de equiparação de renúncias, a aplicar pela Segurança Social, conforme o disposto no nº5 do artigo 3º Decreto-Lei nº73/99, sem prejuízo do disposto no nº 3 do mesmo preceito legal, se aplicável e na ausência do cálculo de referência mencionado).
4. Não há lugar à redução de coimas e custas.
5. Não há lugar a qualquer moratória.
6. Para os efeitos previstos do n.º 1 do artigo 17º-E do CIRE, nos termos da sua parte final, a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT. A suspensão prevista naquele normativo cessa, conforme o que ocorrer primeiro, com o decurso das negociações ou do prazo previsto na lei para conclusão das mesmas (n.º 5 do artigo 17-D do CIRE).
7. As garantias nos processos de execução fiscal mantêm-se válidas nos termos do n.º 13 do artigo 199.º do CPPT.
A.2) Créditos Do Instituto Segurança Social, I.P.
1. A totalidade da dívida reconhecida à Segurança Social no PER (capital e juros) será regularizada através de plano prestacional, no âmbito da Execução Fiscal - pagamento da dívida em 150 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao da votação do plano de revitalização;
2. Pagamento de juros vencidos e vincendos calculados de acordo com a taxa de juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas;
3. Garantias: Dispensa de constituição de garantias, nos termos do artigo 199.º n.º 13 do CPPT;
4. As ações executivas pendentes para cobrança de dívida à segurança social, no âmbito das quais será implementado o plano prestacional, não são extintas, sendo suspensas, nos termos do artigo 194.º, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, na sequência da presente autorização e até integral cumprimento do plano de pagamentos autorizado.
B. CRÉDITOS DE NATUREZA FINANCEIRA E OUTROS:
B.1) Créditos das Instituições Financeiras
1. Pagamento da totalidade dos créditos: Consolidação do crédito, de cada um dos identificados credores, à data do trânsito da sentença de homologação do plano, acrescido de juros calculados desde 4.5.2023 (data da entrada em juízo do Processo), à taxa de juro que corresponderá ao indexante que vier a ser fixado pela Euribor a três meses, acrescido de um spread de 1%, até à data do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano.
2. Inexigibilidade de juros de mora.
3. Perdão de, para além da taxa de juro e das comissões bancárias relativas às Garantias bancárias, que se encontrem em vigor de comissões, quaisquer outros encargos bancários, inerentes quer à execução, quer à implementação do acordo ora proposto para amortização da dívida.
4. O capital consolidado, nos termos supra e em divida, será amortizado de acordo com as condições contratuais, vencendo-se a primeira prestação no mês seguinte à data da aprovação e homologação do acordo de pagamento.
B.2) Outros Créditos Comuns (fornecedores):
1. Consolidação do crédito, de cada credor, à data de transito em julgado da sentença de homologação do plano, correspondendo o mesmo ao capital reconhecido na lista definitiva de credores.
2. Perdão dos juros vencidos e vincendos.
3. Período de carência de 3 meses, iniciando-se a contagem após o trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano.
4. Amortização do capital em 96 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação no final do mês seguinte ao término do período de carência, de acordo com o seguinte quadro
percentagem crescente da amortização
2024
8%
2025
10%
2026
12%
2027
12%
2028
14%
2029
14%
2030
15%
2031
15%
B.3) Outros Créditos Comuns (empréstimos):
1. Consolidação do crédito, de cada credor, à data de transito em julgado da sentença de homologação do plano, correspondendo o mesmo ao capital reconhecido na lista definitiva de credores.
2. Perdão dos juros vencidos e vincendos.
3. Período de carência de 3 meses, iniciando-se a contagem após o trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano.
4. Amortização do capital em 240 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação no final do mês seguinte ao término do período de carência.
C. CRÉDITOS PRIVILEGIADOS (Trabalhadores):
1. Consolidação do crédito, de cada credor, à data de transito em julgado da sentença de homologação do plano, correspondendo o mesmo ao capital reconhecido na lista definitiva de credores.
2. Perdão dos juros vencidos e vincendos.
3. Período de carência de 3 meses, iniciando-se a contagem após o trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano.
4. Amortização do capital em 48 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação no final do mês seguinte ao término do período de carência.
D. CRÉDITOS SUBORDINADOS
1. Os créditos resultantes de suprimentos ou prestações acessórias de capital não serão reembolsados até integral liquidação dos restantes créditos.
2. Caso se venha a revelar necessário para reestruturação do Balanço, os créditos subordinados poderão ser convertidos em capital social.
O plano foi votado por credores cujos créditos (considerados no valor total de 871.461,38€) correspondem a 94,23% do total dos créditos relacionados com direito de voto. Deste total, 65,92% (que totalizam 541.317,12€) – entre os quais se inclui a Fazenda Nacional - votaram favoravelmente e 34,08% (que totalizam 279.841,95€) votaram desfavoravelmente, concluindo a AJP que, nos termos do n.º 5 do artigo 17º- F, o plano de revitalização foi aprovado.
O Instituto da Segurança Social, I.P votou desfavoravelmente, requerendo a declaração de ineficácia do plano face à Segurança Social, uma vez que não deu o seu consentimento expresso à redução e modificação dos seus créditos, situação que viola a legislação específica da Segurança Social, bem como da legislação tributária, designadamente o artigo 30.º da Lei Geral Tributária (LGT), que refere que os créditos da Segurança Social são indisponíveis, apresentando os fundamentos espelhados a páginas 10 e 11 de 25 do documento anexo ao resultado da votação - requerimento de 16.11.2023, que contém a ata de abertura de votos, resultado da votação e parecer favorável à aprovação do plano de recuperação da senhora AJP.
Assegurado o contraditório dos credores cujos créditos foram impugnados, em 16.04.2024 foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente a impugnação dirigida pela requerente à lista provisória de créditos (decisão de 16.04.2024), que conduziu à alteração do resultado da votação, concluindo a AJP por informar – requerimentos de 25.05.2024 e 22.07.2024 – que, de um valor total de 1.225.349,16€, votaram favoravelmente o plano 70,83%, que representam créditos que totalizam 832.412,19 EUR e votaram desfavoravelmente o plano 29,17%, que representam créditos que totalizam 342.794,50€, com consequente aprovação do plano.
O crédito da Segurança Social, capital e juros, reportado a 14.06.2023 (data da reclamação), foi verificado na lista provisória de créditos pelo valor de 191.708,76€
Em 31.07.2024 foi proferida decisão homologatória do plano, cujo conteúdo, na parte aqui relevante, é o seguinte: “(…) No caso, analisado o conteúdo do plano apresentado em juízo, afigura-se que não ocorre violação não negligenciável de normas procedimentais ou aplicáveis ao conteúdo do plano que impeçam a sua homologação, não prevendo este novo financiamento a obter, categorias de credores, nem quaisquer condições suspensivas ou quaisquer atos ou medidas que devem preceder a homologação, que cumpre apreciar (art.º 215.º do C.I.R.E. aplicável ex vi art.º 17.º-F n.º 5 in fine do mesmo diploma). Termos em que nada obsta à homologação do plano. (…) havendo concordância entre o parecer favorável do Administrador Judicial Provisório e a maioria legal exigida de credores não vemos, em teoria, razões para concluir que o plano de recuperação aprovado não apresente perspetivas razoáveis de garantir a viabilidade da empresa, assegurando-se, assim, à empresa o acesso a uma “reestruturação bem-sucedida”. No caso, analisado o plano de recuperação aprovado, à luz do parecer do Senhor Administrador Judicial Provisório e do disposto no artigo 215.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, não se vislumbra qualquer motivo para recusar a homologação do acordo, pelo que deve ser proferida a competente decisão homologatória. (…) Pelo exposto, o Tribunal homologa por sentença, nos termos do art.º 17.º-F, n.º 7 do C.I.R.E., o plano de revitalização da devedora P…, LDA., pessoa coletiva n.º 514 320 460, com sede na Rua ..., Lisboa, junto sob a ref. 37361675 [46890640]. A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações – art.º 17.º-F, n.º 11, do CI.R.E. (…)”
Inconformado com a sentença que decidiu homologar o plano de recuperação, veio o Instituto da Segurança Social, IP interpor recurso de apelação, que foi admitido, pelo qual pretende que se decrete que a decisão que homologou o plano de recuperação não produz efeitos em relação aos créditos da segurança social ou, se assim não se entender, se substitua a decisão recorrida por outra que declare nulo o plano aprovado por violação das indicadas normas imperativas e recuse a sua homologação.
Formula as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 31/7/2024 que homologou o plano de revitalização apresentado no Processo Especial de Revitalização identificado em epígrafe, na medida em que a decisão de homologação do plano, nos termos em que foi proferida vincula todos os credores, incluindo o Instituto da Segurança Social, I.P., apesar de este credor ter votado contra o plano e de ter requerido a declaração de ineficácia ou inoponibilidade da parte dispositiva do plano em relação aos créditos da Segurança Social, caso o mesmo viesse a ser aprovado e subsequentemente homologado.
2. Tal crédito foi reclamado em tempo e foi reconhecido pela Sra. Administradora Judicial Provisória nos exatos termos em que foi reclamado.
3. No dia 6/11/2023, através requerimento via mensagem de correio eletrónico enviado à Sra. Administradora Judicial Provisória, o IGFSS, I.P., diretamente, manifestou o seu voto contra o Plano de Revitalização apresentado, pelas razões enunciadas na Deliberação do Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P, datada desse mesmo dia 6/11/2023, que juntou em anexo e cujo conteúdo deu por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais e que se passam a enunciar:
“(…) b. A empresa não retomou o pagamento das contribuições mensais devidas, o que, nos termos do artigo 190.º, n.º 3, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS), constitui indício da sua inviabilidade económica e viola o disposto no artigo 42.º do mesmo Código. Com efeito, não se afigura credível que uma empresa que, na pendência do PER, não retomou o pagamento das suas obrigações correntes para com a segurança social o irá fazer após este processo, em simultâneo com o pagamento do passivo que acumulou, em que a taxa de esforço mensal será substancialmente mais exigente.
c. Nos termos do artigo 30.º, n.º 2, da LGT, o crédito tributário - no qual se integra o crédito da Segurança Social - é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua alteração, redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.
d. A homologação de um PER que inclua o pagamento em prestações de créditos sem o acordo da Segurança Social constitui uma violação não negligenciável das normas legais aplicáveis, nos termos do artigo 215.º do CIRE e, por tal motivo, o mesmo deve ser considerado ineficaz para com a Segurança Social, sendo-lhe inoponível.
4. Portanto, o Instituto da Segurança Social, I.P. manifestou o seu voto contra o Plano de Revitalização apresentado, conforme Despacho do Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P, datado de 6/11/2023, que este juntou em anexo e cujo conteúdo deu por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais, no qual se requereu a declaração de ineficácia ou inoponibilidade da parte dispositiva do Plano em relação aos créditos da Segurança Social, caso o mesmo viesse a ser aprovado e subsequentemente homologado, uma vez que este credor não deu o seu consentimento expresso à modificação dos seus créditos, situação que viola a legislação específica da segurança social, bem como a legislação tributária, designadamente o artigo 30.º, da Lei Geral Tributária, que refere que os créditos da Segurança Social são indisponíveis.
5. Por sentença proferida em 31/7/2024 o plano de revitalização apresentado no Processo Especial de Revitalização da Devedora P…, Lda. foi homologado, e a decisão de homologação do plano, nos termos em que foi proferida, vincula todos os credores, incluindo o Instituto da Segurança Social, I.P.
6. O plano apresentado implica necessariamente a modificação dos créditos da Segurança Social sem o consentimento deste credor, na medida em que os mesmos passam a gozar de uma dilação temporal, de uma moratória, quando é certo que a Segurança Social não autorizou o diferimento temporal do pagamento de créditos públicos, o que, contraria o estipulado no Código dos Regimes Contributivos e Sistema Previdencial da Segurança Social.
7. É hoje pacífico que a obrigação contributiva da segurança social, sem prejuízo da sua especialidade, pertence ao domínio mais amplo das relações jurídico-tributárias, atento o disposto no art.º 1.º e 3.º n.º 2 da L.G.T.
8. De acordo com o art.º 30.º, n.º 2, da referida Lei “O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito ao princípio da igualdade e da legalidade tributária.”
9. Acresce que a Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, através do seu artigo 125.º, veio reforçar o vertido no n.º 2 do artigo 30.º da LGT, introduzindo o n.º 3 a esse artigo 30.º da L.G.T., do qual consta que “O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial.”
10. Dispõe o art.º 125.º da Lei n.º 55/2010, de 31/12, que “O disposto no n.º 3 do art.º 30.º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação (…).”.
11. As regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX do CIRE, aplicam-se, com as necessárias adaptações, à matéria de aprovação e homologação de Planos de Revitalização, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º, por força do art.º 17.º-F, n.º 5, do CIRE.
12. E, assim sendo, tendo a sentença de homologação sido proferida em 31/7/2024, o n.º 3 do art.º 30.º da LGT é-lhe aplicável por força do disposto no art.º 125.º da Lei n.º 55/2010, de 31/12.
13. Desta forma, depende, pois, do acordo do Estado, em conformidade com as normas próprias da LGT e do Código Contributivo, a alteração, redução ou extinção dos seus créditos fiscais e/ou concessão de moratória.
14. No regime da regularização de dívidas à segurança social plasmado no D. L. n.º 411/91, de 17/10 (cuja vigência cessou com a entrada em vigor do Código Contributivo), a regra geral consistia na proibição de “autorizar ou acordar extrajudicialmente o pagamento prestacional de contribuições em dívida à segurança social”, bem como “isentar ou reduzir, extrajudicialmente, os respectivos juros vencidos ou a vencer” (cfr. art.º 1.º), salvo nos casos expressamente previstos.
15. Tais casos reconduziam-se, no essencial, à indispensabilidade de tais medidas “para assegurar a viabilidade da empresa devedora” e se esta fosse submetida, nomeadamente, a “processo especial de recuperação de empresas…” (cfr. art.º 2.º, n.º 1, alínea b)), dependendo, em todo o caso, de prévia autorização, “por despacho do membro do Governo que tiver a seu cargo a área da segurança social.” - cfr. n.º 2 do citado artigo e diploma).
16. Este regime foi praticamente transposto para o art.º 190.º do atual Código Contributivo, sob a epígrafe “Situações excepcionais para a regularização da dívida”, aplicável aos créditos reconhecidos ao Recorrente nestes autos.
17. Disposição alguma contempla a possibilidade de modificação ou redução dos créditos da Segurança Social sem o seu consentimento expresso (com exceção, quanto a estes, das mencionadas causas de extinção da obrigação contributiva).
18. Acresce que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (IGFSS, I.P.) é o órgão legalmente competente para avaliar a idoneidade ou adequação das condições propostas no Plano para pagamento da dívida à segurança social e conceder a autorização prevista no art.º 190.º, n.º 1, do Código Contributivo – cfr. art.º 190.º, n,º 6, do Código Contributivo -, tendo concluído, no caso em apreço, que não se encontrarem reunidos os requisitos exigidos para autorizar o pagamento prestacional da dívida à Segurança Social e votar favoravelmente o plano de revitalização.
19. Sendo que o motivo preponderante para o IGFSS, I.P. não ter dado autorização ao pagamento nos termos propostos é, conforme mencionado na Deliberação do Conselho Diretivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., datada de 6/11/2023, no seu ponto b. o facto de “A empresa não retomou o pagamento das contribuições mensais devidas, o que, nos termos do artigo 190.º, n.º 3, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS), constitui indício da sua inviabilidade económica e viola o disposto no artigo 42.º do mesmo Código. Com efeito, não se afigura credível que uma empresa que, na pendência do PER, não retomou o pagamento das suas obrigações correntes para com a segurança social o irá fazer após este processo, em simultâneo com o pagamento do passivo que acumulou, em que a taxa de esforço mensal será substancialmente mais exigente.”
20. De harmonia com o disposto no artigo 190.º, n.º 2, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, as condições de regularização de dívida propostas no plano apenas podem ser autorizadas se forem indispensáveis para a viabilidade económica da empresa, o que não se encontrava, pois, demonstrado.
21. Tendo em consideração que a devedora não retomou sequer o pagamento das suas obrigações correntes para com a Segurança Social, não se vislumbra, como poderá a empresa se revitalizar, sendo, no entanto, certo que uma eventual declaração de ineficácia do plano relativamente aos créditos da Segurança Social não inviabilizaria o plano.
22. O Plano aprovado enferma de nulidade, que põe em causa a justa salvaguarda dos créditos da segurança social, reconhecidos nos presentes autos, nos termos do art.º 201.º do CPC, motivo pelo qual não deveria ser homologado e, a ser homologado, não deveria produzir efeitos relativamente à Segurança Social.
23. Mesmo na corrente jurisprudencial que, até 1 de Janeiro de 2011, defendia inexistir fundamento para a recusa de homologação de plano de insolvência aprovado contra a vontade dos credores públicos, começou a reconhecer-se, a partir daquela data, que o aditamento do citado n.º 3 do art.º 30.º da LGT, implicou a revogação da especialidade das normas do CIRE, relativamente aos regimes das dívidas fiscais e parafiscais, dada a natureza imperativa daquela norma, de interesse e ordem pública.
24. Esta interpretação implica que se considerem inaplicáveis as normas em vigor constantes de leis especiais, incluindo as previstas no CIRE, onde se previa a possibilidade de ocorrer uma situação de perdão ou redução de créditos tributários.
25. De resto, sempre será despiciendo observar que a Lei n.º 64-B/2011, de 30/12, que aprovou o Orçamento de Estado para 2012, e alterou, através do seu art.º 149.º, diversos preceitos da LGT, deixou intocado o citado art.º 30.º, nomeadamente, o aditamento aqui em análise.
26. “Portanto, após as alterações introduzidas ao artigo 30.º da LGT, em face das normas imperativas vigentes, deixou de ser legalmente possível homologar um plano de acordo de pagamento/insolvência ou revitalização de empresa que contemple a alteração, redução, extinção ou mesmo a moratória de créditos de natureza tributária, sem que o Estado – a Fazenda Nacional/Segurança Social – tenha votado favoravelmente tal homologação.” – neste sentido cfr., entre muitos outros, Acórdãos do TRP, de 24/01/2022 (Proc. n.º 697/21.8T8AMT.P1), e de 22/05/2017, Acórdão do TRC de 13/01/2015, Acórdão do TRL de 19/04/2015 e Acórdão do STJ de 10/05/2012 (Proc. 368/10.0TBPVL-D) e de 09/06/2021, todos em www.dgsi.pt.´
27. O plano apresentado não se coaduna com o regime geral de regularização de dívidas à Segurança Social, violando normas imperativas, como o disposto no art.º 30.º, n.ºs 2 e 3 e art.º 36.º, n.ºs 2 e 3, da LGT e no art.º 190.º, n.º 1, 2, alínea a), e 6 do Código Contributivo.
28. A regularização prestacional da dívida à Segurança Social envolve uma modificação dos créditos, na medida em que os mesmos passam a gozar de uma dilação temporal, de uma moratória, quando é certo que a Segurança Social não autorizou o diferimento temporal do pagamento dos seus créditos.
29. Atento o preceituado no art.º 215.º do CIRE, verifica-se que no caso se violaram, relevantemente, normas respeitantes à substância do plano, razão pela qual havia lugar à recusa oficiosa de homologação do plano.
30. Nenhuma norma inserida no Título IX do CIRE admite autorização expressa com vista à alteração dos requisitos legais de pagamento dos créditos da segurança social, através da derrogação, ainda que implícita, das normas aplicáveis, contra o voto daquele.
31. A exclusão dos créditos do Recorrente, designadamente, do âmbito de aplicação do art.º 196.º, n.º 1, alíneas a) e c), do CIRE, não implica a violação do princípio da igualdade de tratamento dos credores, visto que o mesmo ressalva expressamente as “diferenciações justificadas por razões objetivas” (art.º 194.º, n.º 1), o que, aliás, se harmoniza com o disposto no art.º 30º, n.º 2 e 3, da LGT, na sua atual redacção.
32. Todavia, da imposição legal de proibição de modificação restritiva do conteúdo do crédito tributário não resulta necessariamente a solução drástica de recusa, pura e simples, de homologação do plano de recuperação da Devedora.
33. Na realidade e na esteira da melhor e mais equilibrada jurisprudência sobre tal questão, há muito que se vem entendendo que se tal acontecesse, tal obstaculizaria à maioria das recuperações de empresas como a requerente, pois os seus Planos de Revitalização seriam totalmente inaproveitáveis, com a consequente frustração dos interesses particulares envolvidos e com grave prejuízo para toda a nossa organização económica e empresarial, exatamente o que o legislador pretendeu proteger, cfr. Acs. do STJ de 17.04.2018, de 18.02.2014, de 1.04.2014, de 13.11.2014, de 24.03.2015, de 9.06.2021, todos in www.dgsi.pt.
34. E assim, desde há muito que se vem entendendo que a solução mais equilibrada, adequada e proporcional e que permitirá, simultaneamente, harmonizar os relevantes interesses sociais e económicos que o legislador se propôs salvaguardar através da instituição do processo de revitalização, pelo que, nesta senda se preconiza que a indisponibilidade do crédito tributário não é absoluta, cfr. Ac. da Rel. de Guimarães de 10.04.2012, in www.dgsi.pt.
35. Determinando-se a mera ineficácia relativa do Plano de Revitalização aprovado e homologado relativamente aos créditos de natureza tributária reclamados e de que seja titular o Instituto da Segurança Social, o plano de revitalização produzirá todos os seus efeitos, viabilizando-se assim o prosseguimento da atividade económica e comercial da Devedora e satisfazendo os interesses dos credores na exata medida acordada e por eles aceite, com exceção daqueles que teriam reflexo na esfera jurídica do Instituto da Segurança Social, enquanto entidade titular de créditos de natureza tributária, ao qual não serão oponíveis, permanecendo, portanto, intangíveis e imodificáveis no seu conteúdo.
36. Tendo o Recorrente votado contra o Plano de Revitalização, inexistindo a competente e necessária autorização para o aludido pagamento nos termos constantes do Plano de Revitalização apresentado, não podia o plano ser homologado sem mais, portanto a moratória estabelecida é contrária ao disposto nos artigos 30.º, n.º 2 e 3, e 36.º, n.º 2 e 3 da L.G.T. e no art.º 190.º, n.º 1, 2 e 6 do Código Contributivo, normas de natureza imperativa.
37. Ao decidir homologar o plano de revitalização aprovado nos autos, sem declarar a sua inoponibilidade em relação ao aqui Recorrente, o Tribunal violou o disposto nos artigos 30.º, n.º 2 e 3, e 36.º, n.º 2 e 3 da L.G.T., no art.º 190.º, 192.º a 197.º do Código Contributivo, e 215.º do CIRE, aplicável ao caso em apreço ex vi art.º 17º-F, nº 5 do mesmo diploma.
A recorrida apresentou contra-alegações, em que pugna pela improcedência do recurso ou, caso assim não se entenda, que se declare que a decisão que homologou o plano de revitalização não produz efeitos em relação aos créditos da segurança social, o que sustenta nas seguintes conclusões:
I. Veio o Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS, I.P.) recorrer da Sentença que homologou in totum o Plano de revitalização da devedora “P…, Lda., aprovado pelos demais Credores, porquanto defende que a homologação deveria ter sido oficiosamente recusada, uma vez que o plano aprovou o diferimento de crédito público sem anuência da própria Instituição Pública.
II. Conforme consta da Sentença “Em 16.11.2023 foi junto o mapa de votação, devidamente acompanhado dos respetivos votos e do parecer da Sra. Administradora provisória, o qual veio a ser retificado em função da decisão sobre as impugnações” e ainda, “De acordo com os elementos remetidos aos autos pela Sra. Administradora, o plano foi votado por 95,91% dos créditos reconhecidos e foi aprovado por credores representando 70,83% dos votos emitidos. Nenhum dos créditos e subordinado. Deste modo o quórum de aprovação está preenchido em qualquer uma das possibilidades previstas nas alíneas b) e c) do n.º 5 do art.º 17.º-F: o plano foi votado por 95,91% dos créditos com direito de voto e recolheu voto favorável de 70,83% dos votos emitidos (alínea b) do n.º 5 do art.º 17.º-F). Se considerarmos as categorias enunciadas pela Sra. Administradora (na sequência do despacho antecedente), logramos chegar à mesma conclusão, considerando que inexistem créditos garantidos e o plano foi aprovado pela maioria das categorias formadas, nas quais não se incluem quaisquer créditos subordinados (alínea a), ponto iii) do n.º 5, do art.º 17.º-F. Conclui-se assim que o plano se mostra regularmente aprovado.”
II. O Credor Segurança Social, aqui recorrente, votou contra o plano de revitalização apresentado.
IV. Posteriormente, em 31.7.2024, veio então o plano, que havia sido aprovado pelos credores nos termos supra referidos, a ser homologado.
V. Veio a Recorrente Segurança Social, I.P. invocar que um plano de recuperação aprovado no processo de insolvência ou no PER, apenas pode afetar os créditos tributários se respeitar todas as condições de alteração, redução ou extinção desses créditos impostas na lei geral (maxime na LGT, no CPPT e no CRCSPSS), entre as quais se inclui o consentimento do organismo público competente, nomeadamente a AT ou, aqui, o ISS.
VI. O Plano aprovado e homologado estabeleceu apenas um diferimento (plano prestacional) de créditos públicos (da Segurança Social) com a redação ipsis verbis sugerida por este credor.
VII. Entre outras medidas, o plano de insolvência ou de revitalização pode prever “o perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto os juros”, bem como a “modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juros dos créditos” (als. a) e c), do artigo 196º CIRE).
VIII. Não existe qualquer violação do princípio da igualdade.
IX. No caso em apreço, o plano prevê o pagamento integral, para ambos os credores do Estado (Autoridade Tributária e Segurança Social aqui Recorrente).
X. Não ofende o princípio da igualdade a fixação de um mesmo exato número de prestações para a liquidação do crédito da Segurança Social e para a liquidação dos créditos tributários ainda que sejam diversos os respetivos montantes, se pronunciou o Acórdão do TRL de 22-02-2022[Acórdão relatado por Renata Linhares de Castro, disponível in www.dgsi.pt].
XI. Segundo o artigo 30º, n. 2 e da Lei Geral Tributária, “O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”.
XII. O DL nº 55-A/2010, de 31 de dezembro aditou o nº 3 ao citado artigo 30º, segundo o qual “o disposto no número antedito prevalece sobre qualquer legislação especial”, passou a ser entendimento maioritário na doutrina e na jurisprudência, que, face ao principio da indisponibilidade dos créditos públicos, “os créditos do Estado e da Segurança Social são, em princípio, insuscetíveis de perdões, reduções de valor, moratórias ou de outros condicionamentos, não podendo ser afetados por plano de insolvência ou de revitalização, contra a vontade dos seus titulares”
XIII. Assim sendo, no caso de aprovação de plano de insolvência ou de revitalização que haja deliberado sobre créditos fiscais ou da segurança social, sem o consentimento da Autoridade Tributária ou da Segurança Social, assim atingindo a indisponibilidade de tais créditos, os nossos tribunais, considerando existir violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, nos termos do artigo 215º, CIRE, vêm decidindo a favor da homologação do plano de recuperação salvaguardando os créditos tributários: - presumindo a vontade hipotética ou conjetural das partes no sentido de conservar o plano, dele expurgando as cláusulas incidentes sobre os créditos tributários [Acórdãos do STJ de 13-11-2014, relatado por Salreta Pereira, e do TRP de 14-04-2015, relatado por Vieira e Cunha, disponíveis in www.dgsi.pt.], ou, - considerando que o plano deve ser homologado, decretando tão só, que, quanto aos créditos em causa, a decisão homologatória é ineficaz, não sendo oponível a tais credores, que não são afetados pelo plano.
XIV. A tese da ineficácia relativa é a tese que obvia as consequências que poderiam advir da não homologação do plano.
XV. No caso em apreço, o plano de reembolso previsto para o credor Segurança Social não prevê qualquer extinção ou redução (de juros ou capital), mas uma mera modificação dos prazos de pagamento, consistente num plano prestacional “a autorizar em 150 prestações mensais e sucessivas, no âmbito da execução fiscal”.
XVI. Não só o pagamento prestacional não se encontra abrangido pela indisponibilidade dos créditos fiscais contidos no nº1 do art.º 30º, da LGT, como a possibilidade de pagamento em prestações dos créditos da segurança social se encontra expressamente prevista no CRCSPSS e art.º 81º do Dec. Regulamentar nº1-A/2021, anteriormente citados e reproduzidos, e em condições mais favoráveis do que a tal respeito se prevê para os créditos da Autoridade Tributária.
XVII. E, os termos em que tal plano prestacional se acha vertido no plano de revitalização encontra-se dentro dos parâmetros legais – o número de prestações previstas (150) sendo que, o legislador não fez depender tal número máximo do montante do crédito em dívida, nem estabeleceu qualquer valor mínimo para cada uma das prestações (ao contrario do que a tal respeito se prevê no artigo 196º CPPT para os créditos fiscais).
XVIII. No caso em apreço, e sobretudo, quando comparada com a atitude da Autoridade Tributária, que deu o seu consentimento ao plano prestacional para si proposto, em termos que se afiguram semelhantes aos previstos para a Segurança Social (quando os parâmetros legais dentro dos quais pode ser autorizado o pagamento em prestações dos créditos fiscais são muito mais apertados), a ausência de consentimento e o voto contra, por parte da Apelante/SS, relativamente ao plano prestacional previsto para o seu crédito, surgem sem qualquer sustento.
XIX. Considerando que a posição a tomar por parte da SS enquanto instituto público envolve poderes/deveres de prossecução do interesse publico, surge mesmo como incompreensível – e contraditória a atitude assumida pelo Estado/Autoridade Tributária que votou favoravelmente o plano – a atitude da Segurança Social quando se nega a dar o seu assentimento a um acordo de recuperação no âmbito do qual todos os restantes credores abdicam de parcelas de pretensão e consentem livremente na restrição das suas posições jurídicas.
XX. Por fim, a procedência da pretensão da Apelante à ineficácia do plano relativamente aos seus créditos, levaria mesmo a um tratamento diferenciado, violador do princípio da igualdade, caso, ao contrário dos demais créditos e, sobretudo, face aos demais créditos do Estado, os créditos da SS não viessem a ser, apenas eles, afetados pelo plano.
Foram colhidos os vistos legais.
II.
Dado que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, sem prejuízo das questões passíveis de conhecimento oficioso (artigos 608º, n.º 2, parte final, ex vi do art.º 663º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil), identifica-se, como questão a decidir, apreciar os efeitos produzidos em relação à credora Segurança Social por um plano de recuperação aprovado e homologado contra a sua vontade expressa.
III.
Os factos relevantes para a decisão a proferir correspondem aos mencionados em sede de relatório (I.) que, por razões de economia processual, aqui se têm por reproduzidos.
IV.
A decisão recorrida, sem apreciar, em concreto, os argumentos que a apelante havia deixado consignados por ocasião da sua manifestação de oposição à aprovação do plano de recuperação, referiu concluir que não ocorria qualquer violação não negligenciável de normas procedimentais ou aplicáveis ao conteúdo do plano impeditivas da sua homologação, declarando, de forma expressa, que a decisão de homologação vincula todos os credores, mesmo os que não participaram nas negociações.
A apreciação da questão essencial que aqui se coloca não reclama a análise de sub-questões que, por efeito da mera aplicação da lei e da já consolidada jurisprudência que incidiu sobre a matéria, dispensam análise pormenorizada.
Por um lado, não se coloca em dúvida que o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária, por efeito da aplicação do art.º 30º, n.º2 da Lei Geral Tributária (DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro), preceito que, de acordo com o seu n.º3, expressamente prevalece sobre qualquer legislação especial, designadamente o CIRE (como resultou claro do texto do art.º 125º da Lei 55-A/2010, de 31.12 – orçamento do Estado de 2011 – ao prever, de forma expressa, os processos de insolvência como incluídos no âmbito de aplicação da referida norma).
Por outro lado, não reclama discussão (designadamente por parte da recorrida) o facto de as dívidas por contribuições à Segurança Social assumirem a natureza de dívidas tributárias, sujeitas à regulamentação da Lei Geral Tributária, enquadrando-se na categoria de tributos parafiscais, prevista no artigo 3.º, n.º 1, al. a), da LGT).
Por último, tem-se por pacífico que, em termos gerais, a regularização da dívida à segurança social está sujeita às condições previstas no art.º 190º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (Lei n.º110/2009, de 16.09), que regula a forma de autorização de pagamento prestacional da dívida, concretizando os termos em que a mesma pode ser autorizada, com indicação dos requisitos cumulativos dessa autorização – requerimento pelo contribuinte, indispensabilidade para a sua viabilidade económica e inclusão do contribuinte numa das situações ali previstas, que incluem (al. b) do n.º2) o processo de insolvência, de recuperação ou de revitalização -, com indicação da entidade competente para conceder tal autorização (n.º6 do citado art.º 190º).
Neste contexto, o que importa apreciar é se, não obstante a segurança social ter votado contra a aprovação do plano de recuperação que prevê o pagamento fracionado do seu crédito, este plano pode, ainda assim, ser objeto de homologação por sentença, fazendo estender os seus efeitos ao credor tributário.
Com relevância para a apreciação da questão, prevê o art.º 17º- F, n.º 3 do CIRE que, no prazo ali previsto, qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações.
Com respeito pelas adaptações necessárias, na parte que aqui se tem por relevante, o art.º 215º (que respeita à não homologação oficiosa) preceitua que o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano aprovado no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza. Por seu turno, do disposto no art.º 216.º (não homologação a solicitação dos interessados) resulta que o juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado por algum credor, contanto que o requerente demonstre, em termos plausíveis, em alternativa, que: a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas; b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.
Conforme resulta das conclusões da apelante, em causa não está a invocação de qualquer das situações previstas no art.º 216º do CIRE, antes sustentando aquela que o tribunal recorrido, ao homologar o plano com efeitos extensíveis à segurança social, desconsiderou a existência de uma violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano.
Será, por isso, a apreciação sobre a (in)existência de uma violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano que terá que incidir a apreciação do recurso interposto, sendo também nesse conspecto que se tem vindo a verificar uma maior divergência de soluções jurisprudenciais.
Em apoio da definição do que se possa entender como violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano, Carvalho Fernandes e João Labareda (in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Juris, 3ª edição, 2015, páginas 781/782), referem que a lei não fornece objetivamente pistas que iluminem a descoberta da resposta do que possa constituir um vício não negligenciável, considerando que “(...) não são negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infrações que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido. (...) O que importará é, pois, sindicar se a nulidade observada é suscetível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger – nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição de credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta -, tendo em conta o que é, apesar de tudo, livremente renunciável”.
Catarina Serra (in Lições de Direito da Insolvência, 2ª edição, 2021, Almedina, páginas 473/474) refere que, não obstante as tentativas de densificação desenvolvidas pela doutrina e pela jurisprudência, ainda hoje a questão de saber o que seja uma violação não negligenciável suscita discussões, referindo ser “razoável entender que a violação não negligenciável é aquela e apenas aquela que importe uma lesão grave de valores ou interesses juridicamente tutelados, isto é, uma lesão de tal modo grave que nem em atenção ao princípio da recuperação e aos interesses associados a este, o juiz pode deixar de recusar-se a homologar o plano, inviabilizando com isso a recuperação. Está implícito na norma o dever de o juiz proceder a uma ponderação – uma ponderação entre o interesse da recuperação e os interesses que sejam, em concreto, visados pela norma violada com vista a decidir se, em homenagem ao primeiro, a violação pode ser negligenciada”.
No caso concreto, a Segurança Social reclamou um crédito que, em 14.06.2023, ascendia a 191.708,76€ (capital e juros), resultando do plano aprovado que a dívida reconhecida será regularizada em 150 prestações, vencendo-se a primeira até ao final do mês seguinte ao da votação do plano, a que acresce o pagamento de juros de mora de acordo com taxa de juros aplicável às dívidas do Estado e outras entidades públicas, ficando suspensas as ações executivas até integral cumprimento do plano de pagamentos. O plano prestacional será implementado no âmbito da execução fiscal, que fica suspensa até integral cumprimento do plano de pagamentos.
Ou seja, foi previsto o número máximo de prestações admitido pelo art.º 81.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03.01 (regulamentação do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social), não contendo o plano qualquer outra alteração ao crédito.
Pugna o apelante pela ineficácia do plano em relação a si, o que sustenta na circunstância de essa eficácia violar o já referido princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, desconsiderado pela sentença homologatória, que não atentou no facto de estar perante uma violação não negligenciável de normas imperativas.
A posição maioritariamente seguida pelo STJ (alto tribunal onde, recentemente, resultou frustrada uma tentativa de uniformização de jurisprudência quanto a esta matéria – Ac. do STJ de 22.02.2024, proc.º n.º 2395/22.6T8STR.E1.S1-A -, por não se mostrarem reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso) passa pelo reconhecimento de que existe uma violação não negligenciável de normas, com subsequente atenuação dos efeitos que resultam desse mesmo reconhecimento, pela via da homologação do plano de recuperação com ressalva da sua ineficácia relativamente aos créditos tributários cujos titulares não tenham autorizado a sua afetação pelo plano aprovado.
Neste sentido cita-se, por todos, o Ac. do STJ de 09.06.2021, proc.º n.º 1412/20.9T8VNF.G1.S1 (rel. Luís Espírito Santo), que, tendo por incontornável que a intervenção legislativa que esteve na origem do n.º3 do artigo 30º da LGT evidencia, “pela sua assertividade, de forma clara e inequívoca, o carácter imperativo conferido à tutela do crédito de natureza tributária, com consequente impossibilidade de homologação pelo tribunal do plano de recuperação que se traduza numa afectação, pela modificação restritiva do seu conteúdo, dos créditos de natureza tributária que foram reclamados e reconhecidos” – suporte da violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, nos termos e para os efeitos do artigo 215º do CIRE -, refere que “a solução mais equilibrada e curial, que permitirá harmonizar os interesses sociais e económicos que o legislador se propôs salvaguardar através da instituição do processo de revitalização, respeitando ainda os compromissos internacionalmente assumidos pelo Estado Português, com a intransigente defesa dos créditos tributários em geral, consiste em fixar a ineficácia relativa à homologação do plano de revitalização no que concerne aos créditos reclamados e aprovados de que é titular o Instituto da Segurança Social”, desse modo aproveitando “à recuperanda e seus credores na medida do acordado, com excepção daqueles que teriam reflexo na esfera jurídica do Instituto da Segurança Social, enquanto entidade titular de créditos de natureza tributária, ao qual não serão oponíveis, permanecendo estes intangíveis e imodificáveis no seu conteúdo”.
Em idêntico sentido se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 19.12.2023 (proc.º n.º532/23.2T8AMT.P1, rel. Artur Dionísio Oliveira) que, após cuidada análise das razões aduzidas nos diversos sentidos, opta por seguir aquela que é a quase unânime jurisprudência do STJ.
Entendimento diverso tem sido seguido por esta secção do Tribunal da Relação de Lisboa – v.g. Acórdãos do TRL: de 04.07.2023, proc.º n.º 11886/22.8T8LSB.L1-1, rel. Manuela Espadaneira Lopes; de 22-09-2020, proc. n.º 2542/19.5T8VFX.L1-1, rel. Amélia Sofia Rebelo; de 22.02.2022, proc.º n.º10646/21.8T8LSB-A.L1-1, rel. Renata Linhares de Castro; de 20/02/2024, proc.º n.º 8830/23.9T8SNT.L1-1, rel. Fátima Reis Silva; de 04/07/2023, no Proc. 5715/22.0T8SNT.L1-1, rel. Isabel Fonseca ou de 09.04.2024, proc.º n.º919/23.0T8BRR-A.L1-1, rel. Manuel Ribeiro Marques -, que tem vindo quase unanimemente a considerar que o plano votado desfavoravelmente pela Segurança Social ou pela Autoridade Tributária não origina a inevitabilidade da sua ilegalidade, que ocorrerá tão-só quando o plano não respeite os requisitos ou limites da extinção ou redução das dívidas fiscais ou contributivas nos termos em que estas são legalmente autorizadas, independentemente do sentido de voto - favorável ou desfavorável - daqueles credores (acórdão de 09.04.2024, já mencionado).
O distinto sentido da jurisprudência citada, num quadro paralelo em que a incidência do plano sobre o crédito da segurança social não acarreta qualquer redução ou extinção deste último, contendo-se as condições de faseamento do pagamento nos limites previstos pelo art.º 81.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03.01, reflete-se na necessária opção entre a presença de uma violação negligenciável ou, em alternativa, não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do plano, sendo a 1ª opção a que tem vindo a ser seguida por esta secção e a 2º a seguida pelo STJ.
A jusante, quando se conclua inegavelmente pela presença de uma violação não neglicenciável de normas, não existe dissenso relevante quanto à solução de ineficácia relativa do plano em relação ao credor tributário.
Contudo, e com todo o respeito pela opinião contrária, o tratamento teórico da questão apenas pela via da limitação dos seus efeitos (com consequente alteração do plano de recuperação originalmente aprovado), não produzirá, na prática, uma relevante diferença em relação a um plano cuja homologação seja recusada, sendo antecipável que o peso do crédito tributário, caso veja o seu pagamento ser exigido de uma só vez, quase inevitavelmente acarretará a impossibilidade de cumprimento das obrigações assumidas pela devedora perante os demais credores.
Por outras palavras, como refere Catarina Serra (in Lições de Direito da Insolvência, 2.ª ed., Coimbra, 2021, p. 446), o plano que vem a ser homologado pode ter perdido a sua aptidão para realizar a recuperação no caso concreto, sugerindo que a homologação do plano com eficácia relativa fique condicionada à renovada aprovação por parte dos credores privados que incidiria sobre o «“novo” plano de recuperação (o plano relativizado nos seus efeitos ou reduzido. A homologação deveria, com efeito, ficar condicionada à confirmação de que, apesar de todas as vicissitudes sofridas, o plano continuava a ser desejado pela generalidade dos credores privados e ter utilidade como via para a realização da recuperação da empresa”, prática que, segundo refere a citada autora, já tem vindo a seu adotada por alguns tribunais de 1ª instância.
A quase totalidade da jurisprudência que aprecia esta matéria dirige uma apreciação crítica à posição assumida pelo legislador por ocasião do aditamento do n.º 3 ao art.º 30º da LGT, efetuada com o propósito de erigir em torno dos créditos do Estado uma sólida muralha defensiva, impedindo terceiros de interferirem com a definição do modo e tempo de pagamento dos créditos por si titulados.
O mesmo legislador que preconiza a sua preferência pela recuperação da empresa (art.º 1º, n.º 1 do CIRE), altera a legislação fiscal de modo passível de transformar a mera manifestação de vontade do Estado num obstáculo insuperável a essa mesma recuperação, ainda que esta seja desejada por todos os demais credores, qualquer que seja o peso relativo dos seus créditos, muitas vezes superior ao do Estado, a quem é exigido um menor sacrifício.
Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 19.12.2023 (rel. Artur Dionísio Oliveira) já mencionado supra, “esta solução legislativa foi alvo de duras críticas, por equiparar a insolvência a uma mera execução fiscal, na medida em que permite ao Estado actuar como um simples reclamante de créditos, mantendo-se à margem do esforço desenvolvido no processo pelos demais credores, que contribuem para a recuperação da empresa abdicando dos seus créditos, escudado em leis que contrariam o seu compromisso de contribuir para a recuperação das empresas, ao que acresce a circunstância de, muitas vezes, o Estado se situar entre os maiores credores, pelo que a intangibilidade total dos seus créditos compromete definitivamente as possibilidades de recuperação da empresa”.
No caso em apreço (como noutros casos tratados em acórdãos dos tribunais superiores), tal como é reconhecido no ponto 19. das conclusões da apelante, a razão fundamental invocada pela segurança social para emitir um voto desfavorável à homologação do plano, não assenta no conteúdo concreto do plano ou na circunstância de existir uma inaceitável alteração do seu crédito, mas sim no facto de a empresa não ter retomado o pagamento das contribuições mensais devidas por ocasião da apresentação do requerimento inicial de PER, facto que, nos termos do art.º 190º, n.º 3 do CRCSPSS, constitui indício da sua inviabilidade económica, já que “não se afigura credível que uma empresa que, na pendência do PER, não retomou o pagamento das suas obrigações correntes para com a segurança social o irá fazer após este processo, em simultâneo com o pagamento do passivo que acumulou, em que a taxa de esforço mensal será substancialmente mais exigente”.
O argumento parece-nos ser de parco peso, gerando a aparência de que a segurança social assume um mero indício previsto na lei como verdadeira presunção inilidível de inviabilidade económica. Se é indiscutível que o referido indício tem previsão legal, não será de esperar que uma empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente – art.º 17º-A, n.º 1 do CIRE - e que, por esse motivo, recorre a um PER para obter, pela via da negociação com os seus credores, um conjunto de medidas que aliviem o peso que a acumulação e dimensão das dívidas vencidas representa para a sua capacidade de prosseguir a atividade lucrativa, dê entrada a um PER e, de imediato, inicie o pagamento das contribuições à Segurança Social com que, até àquela data, não logrou cumprir, facto que gerou a acumulação de uma dívida com a dimensão do crédito reclamado. Essa expectativa de retoma do pagamento será razoável após a homologação do plano, mas pouco fundada – em termos gerais ou como suporte abstrato da previsível inviabilidade económica da empresa - quando reportada ao momento temporal em que o requerimento inicial de PER dá entrada em juízo.
Um relevante conjunto de argumentos que salientam a atuação algo censurável do Estado (com maior frequência, a segurança social, já que, como vimos, a AT deu parecer favorável à aprovação do plano na sua versão final, como sucedeu na quase maioria dos casos apreciados nos acórdãos já citados) são adiantados no voto de vencido lavrado pelo Conselheiro António Barateiro Martins no Acórdão do STJ de 17.10.2023, processo n.º 2395/22.6T8STR.E1.S1, divergindo daquela que tem vindo a ser a posição quase unânime da 6ª secção do STJ.
No referido voto de vencido diz-se que o texto do art.º 215º, n.º 1 do CIRE não acolhe a solução de ineficácia relativa, referindo-se «a nosso ver, o art.º 215.º do CIRE não consente, em relação a um mesmo Plano, uma decisão de homologação em relação a uma parte dele e uma decisão de não homologação em relação a outra parte (…), A ideia do CIRE é a de que todos os credores fiquem sujeitos ou ao regime do plano de insolvência ou ao regime do procedimento de liquidação, não estando prevista uma “terceira via”, nem que o “Plano”, uma vez aprovado, não estenda os seus efeitos a todos os credores». Mais refere que «(…) Quando o conteúdo do “Plano” viola o art.º 30.º/2 e 3 da LGT deve, em princípio, a meu ver, em face da referida imperatividade de tal preceito, ser recusada a homologação de todo o “Plano”. E dizemos “em princípio”, na medida em que deve haver algum espaço/margem para, por interpretação, poder “sair/resultar” uma solução que respeite minimamente a unidade e harmonia do sistema jurídico». Concretizando, acrescenta que “será o caso – violação não negligenciável – se a violação se traduzir numa mera modificação dos prazos de pagamento e numa redução das taxas de juros, que reflitam e exprimam uma redução global do crédito pouco expressiva e se tal modificação dos prazos e redução de juros não estiver à partida e em abstrato proibida pelas disposições tributárias convocáveis e invocáveis (no que acompanhamos o Acórdão deste STJ de 24 de Março de 2015 referido no texto deste Acórdão)», concluindo adiante que “ponderando tudo adequada e proporcionalmente, desde que a intervenção nos créditos do Estado e Seg. Social não evidencie uma modificação injusta e desproporcional – tendo em conta o somatório dos créditos dos particulares e a medida em que eles abdicam, visando a recuperação da empresa pré-insolvente – entendemos que será de admitir que o “Plano” possa incluir alguma modificação dos prazos de pagamento ou das taxas de juros (ou mesmo, em casos muito extremos, desde que devidamente justificado/explicado, uma moratória e o perdão ou redução do valor do capital) dos créditos da AT ou da Seg. Social. Enfim, entendemos, verificada/apreciada uma concreta, precisa e “exigente” conjugação de circunstâncias, que poderemos estar “apenas” perante uma violação negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do “Plano”. (…)».
O conjunto de arestos que se debruçaram sobre esta matéria esgota a quase totalidade dos argumentos que possam ser invocados num ou noutro sentido.
Em rigor, restará apenas aderir a uma ou outra das posições proficientemente fundamentadas nos arestos já mencionados e concluir se, no caso concreto, nos encontramos perante uma violação não negligenciável de normas aplicáveis à substância do plano - conclusão 29.
Não se trata de aceitar que existe uma qualquer prevalência das soluções configuradas no plano sobre normas imperativas de legislação fiscal, mas antes de verificar, em concreto, se as estipulações do plano mantêm esse crédito intocado na sua dimensão essencial, são compatíveis com as regras gerais de legislação tributária que regulam a medida em que o Estado pode voluntariamente dispor do seu crédito (designadamente os limites do seu pagamento prestacional) e, regressando ao início desta fundamentação e à expressão de Catarina Serra citada em apoio da definição do que constitui uma violação não negligenciável de normas, “em que medida se pode ter por verificada uma lesão grave de valores ou interesses juridicamente tutelados, isto é, uma lesão de tal modo grave que nem em atenção ao princípio da recuperação e aos interesses associados a este, o juiz pode deixar de recusar-se a homologar o plano, inviabilizando com isso a recuperação”.
Conforme já referimos, do plano resulta que a apelante mantém reconhecido e intocado o valor da totalidade do seu crédito – capital e juros -, que este será regularizado no âmbito da execução fiscal em 150 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira no mês seguinte ao da votação do plano de recuperação. Serão pagos os juros vencidos e vincendos de acordo com a taxa de juros de mora aplicáveis às dívidas ao Estado e outras entidades públicas, sendo dispensada a constituição de garantias.
Não existe qualquer alteração ao valor do crédito, qualquer perdão, redução, ou modificação essencial do mesmo, interferindo o plano apenas com o prazo de pagamento, em termos que são admitidos pelos artigos 189º e 190º do CRCSPSS e com respeito pelo número de prestações previsto no art.º 81.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2011, de 03.01, inexistindo qualquer tratamento desfavorável em confronto com o previsto para os demais credores, numa atuação que respeita a previsão do art.º 196º, n.º 1 do CIRE (que não exclui os credores públicos do seu âmbito de aplicação e assegura que inexiste violação do art.º 36º da LGT – não se trata de uma alteração da relação jurídica tributária por mera vontade das partes, mas por expressa previsão legal).
Em síntese, teremos que concluir que, em concreto, a única norma violada corresponde à previsão do n.º 6 do art.º 190º do CRCSPSS, já que não foi dada autorização ao pagamento prestacional por parte da autoridade administrativa competente para o efeito.
A esta luz, não se antevê que o interesse público que serve de diretriz à legislação fiscal haja sido ofendido, de modo não negligenciável, quando ponderado com o interesse generalizado dos credores e com a sempre preferencial recuperação das empresas em situação económica difícil.
Concluímos, assim, pela inexistência de violação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários e que os normativos concretamente violados são negligenciáveis, nada impedindo a produção de efeitos do plano relativamente ao crédito da Segurança Social, com consequente improcedência das conclusões da apelante e confirmação da decisão recorrida.
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sumário (art.º 663º, n.º 7 do Código de Processo Civil):
4. A votação desfavorável à aprovação do plano de recuperação por parte da Segurança Social não constitui, por si só e em abstrato, impedimento à produção de efeitos do plano em relação ao seu crédito.
5. O plano de recuperação aprovado por maioria legal dos credores que prevê o pagamento do crédito da Segurança Social em 150 prestações mensais, sem outra alteração ou modificação, não viola o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários previsto no artigo 30º, n.º 2 e 3 da LGT
6. O plano de recuperação que prevê o pagamento prestacional do crédito da Segurança Social sem que exista autorização da entidade administrativa competente para o efeito – art.º 190º, n.º 6 do CRCSPSS – integra uma violação negligenciável de normas aplicáveis ao seu conteúdo, que não obsta à sua homologação.
V.
Nos termos e fundamentos expostos, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso de apelação e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida.
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Custas a cargo da apelante.
Lisboa, 01-10-2024
Juízas Desembargadoras
Ana Rute Costa Pereira
Elisabete Assunção
Paula Cardoso